sexta-feira, 25 de maio de 2012

UMA LITURGIA ECUMÊNICA OU UM ECUMENISMO LITÚRGICO?


Relação entre a Liturgia e a prática ecumênica



Por incrível que pareça, ao folhear livros, “fuçar” a internet, pouco ou nada encontramos acerca da ligação existente entre o diálogo ecumênico e a liturgia. Parece que o tema está fadado a um possível esquecimento. Isso, na melhor das hipóteses, para não afirmar que, em muitas circunstâncias a liturgia pode tornar-se uma ferida no “calcanhar de Aquiles” do Ecumenismo.

Ao tratarmos sobre esta temática “Liturgia e Ecumenismo”, faz-se mister lembrarmos que o cristão é um ente primariamente litúrgico, já que todas as denominações cristãs são concordes de que o Batismo é uma porta de ingresso para a realidade eclesial. E o que o Batismo é senão uma realidade primordialmente litúrgica? Pois, Jesus mesmo disse: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19), o que constitui a fórmula do Batismo cristão.

Neste sentido, o Catecismo da Igreja Católica afirma: “O Batismo constitui o fundamento da comunhão entre os cristãos, também com os que ainda não estão em comunhão plena com a Igreja Católica: ‘Com efeito, aqueles que crêem em Cristo e foram validamente batizados acham-se em certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica. (...) Justificados pela fé no Batismo, são incorporados a Cristo e, por isso, com razão, são honrados com o nome de cristãos e merecidamente reconhecidos  pelos filhos da Igreja católica como irmãos no Senhor’ (UR, 3). ‘O Batismo, pois, constitui o vínculo sacramental da unidade que liga todos os que foram regenerados por ele’ (UR, 22)” (CIC 1271).  Portanto, a fórmula batismal deixada pelo Cristo e que a Igreja bem como algumas comunidades eclesiais utilizam, “N..., eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, é que nos faz cristãos, é um elemento que nos une enormemente.

Ao fazermos a presente análise iniciada pelo proto-sacramento de unidade entre os cristãos, seguimos o que já aconselhara Paulo VI em sua Carta Encíclica Ecclesiam Suam: “Ponhamos em evidência primeiramente o que nos é comum, antes de insistirmos no que nos divide. Boa e fecunda orientação para o nosso diálogo. Estejamos dispostos a prossegui-lo cordialmente. Diremos mais: sobre tantos pontos de diferença – quanto aos usos, à espiritualidade, às leis canônicas e ao culto – queremos estudar como se poderão satisfazer os legítimos desejos dos Irmãos cristãos ainda de nós separados. Nada desejamos tanto como abraçá-los numa perfeita união de fé e de caridade. Mas devemos também dizer que não podemos transigir sobre a integridade da fé e as exigências da caridade” (n. 61).

Logo, mesmo tendo como fundamento basilar o Batismo, a unidade ecumênica não deve ser caracterizada como um uniformismo eclesial entre os membros envolvidos. Se algo nos une, naturalmente uma parte nos diverge, as duas realidades também valem no âmbito litúrgico-ecumênico. Estas divergências partem do modo celebrativo, mas também engloba a sua teologia, principalmente no tocante ao setenário sacramental.

Soa até como uma utopia a frase: “Virá um dia em que todos nos abordaremos à mesma mesa”. Neste sentido, Pe. Servita, fratello da Comunidade de Bose – Itália e Docente de Teologia Ecumênica afirma acerca da ceia eucarística: “Digamos que permanece ainda viva a desilusão em muitos pelo fechamento à participação da comum mesa eucarística, desilusão evidente no primeiro grande encontro ecumênico, o Oekumenische Kirchentag realizado conjuntamente pelos católicos e protestantes alemães em 28 de maio [de 2003] em Berlim. Uma decepção devida a uma leitura diversa da Eucaristia com relação à unidade das Igrejas: para o catolicismo e a Ortodoxia a Eucaristia continua o já da substancial comunhão nos âmbitos da fé, dos sacramentos e do ministério; para o protestantismo ela é caminho para o ainda não da plena comunhão. Questões abertas que remetem a futuros suplementos de pesquisa, de explicação e de indicação disciplinar, porque, se é verdade que não estamos ainda no ‘já’, é também verdadeiro que também não estamos nem mesmo no ‘ponto de chegada’ do caminho ecumênico” (http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/dialogo_ecumenico/a_enciclica_sobre_a_eucaristia.html).

A deturpada relação entre Eucaristia e Ecumenismo preocupa até mesmo a hierarquia Católica. Tanto isso é realidade que o Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia, realizado em Roma, no ano de 2005, através do Instrumentum Laboris “A Eucaristia: fonte e ápice da vida e da missão da Igreja”, afirma: “Os encontros ecumênicos são uma ocasião privilegiada para melhor dar-se a conhecer a doutrina da Igreja sobre a Eucaristia e sobre a unidade dos cristãos. Embora aceitando com dor as divisões que impedem de participar juntos na mesa do Senhor, a Igreja não desiste de encorajar a oração para que voltem os dias da unidade plena dos que acreditam em Cristo. No entanto, algumas respostas aos Lineamenta aludem a que, em certos encontros, os católicos nem sempre são claros na exposição da doutrina sobre a Eucaristia,e que, enquanto em alguns casos se exclui deliberadamente esse sacramento nas respectivas celebrações, em outros é incluído e todos são convidados, sem distinção alguma, a receber a comunhão. Registram-se igualmente, em certos lugares, problemas com algumas comunidades eclesiais nascidas da reforma, que fazem proselitismo entre os imigrantes, sobretudo de língua espanhola, convidando-os para os seus serviços religiosos, a que não poucas vezes dão o nome de ‘missa’” (n. 86).

Este estigma litúrgico-ecumênico envolve também os Ortodoxos. Neste sentido, em um artigo denominado: “A Impossível Comunhão Eucarística”, o Padre Wladimir Zelinskij, sacerdote Ortodoxo e Professor de Teologia, escreve: “Para um cristão ortodoxo, empenhado não só no movimento, mas também no espírito ecumênico, não há problema mais doloroso do que nossa não hospitalidade eucarística. Após tantos gestos simbólicos de abertura, de amizade, de reconhecimento da plena validade da vida religiosa do outro, chegamos exatamente ao coração de nossa fé, ao mistério eucarístico, e de novo descobrimos que este coração está dividido. Como se estivessem divididos espírito e verdade: o primeiro, que ama “o irmão separado” e vai onde o manda o coração; a segunda, porém, imóvel, petrificada, constituída pelas pedras preciosas de nossas tradições. Não finjamos que as nossas verdades sejam feitas de matéria tão leve que permita-lhes infiltrar-se nas dobras de nosso espírito. […] Se a separação humana, mística, em parte também espiritual, estava vencida, se a divisão doutrinal foi um pouco superada, a última e mais difícil vitória permanece o “afastamento” eucarístico. […] Mas como? Não há vitória mais fácil do que suprimir as diferenças teológicas, que à época pareciam tão essenciais, as “tradições dos antigos”, para desvalorizá-las radicalmente. Neste caso, o movimento tem de dar uma parada, chegamos à estação final, todos permanecem em seus asilos eclesiais com regular e amigável troca de visitas eucarísticas em mesas diferentes, mas cobertas para todos. Por acaso cremos que seja este o tipo de unidade que Cristo espera de nós? Que sejamos reconhecidos como seus discípulos com esse ideal de amor que faz desabrochar a indiferença?” (http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/dialogo_ecumenico/a_impossivel_comunhao_eucaristica..html).

Não sei se “para tapar o sol com a peneira” ou com um sentimento de miscelânea litúrgico-oracional, o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), ao orientar a prática das celebrações ecumênicas, propõe alguns pré-requisitos para esta atividade: “No contexto ecumênico, celebrar é fortalecer laços de amizade, é aprofundar o conhecimento mútuo, é crescer em direção à unidade, na prática comum da adoração, do louvor e da oração. […] Ver-se-á também mais claramente o que é próprio e específico de cada denominação cristã: as tradições distintas, em canto e oração, as diferentes compreensões de liturgia e sacramentos, acentos distintos no anúncio da Palavra. E a oração pela unidade nos fará crescer em fé, esperança e amor, apesar das diferenças. […] Visitas às celebrações particulares, de parte a parte, diálogo sobre questões doutrinárias e litúrgicas, informação recíproca sobre as tradições e costumes litúrgicos deveriam sempre preceder qualquer celebração ecumênica. […] Antes de mais nada, porém, são expressão de nosso grande anseio e de nossa mais forte esperança por uma unidade cada vez mais efetiva das comunidades cristãs, apesar das dificuldades que todos nós sentimos em concretizá-la na Santa Ceia. Temos certeza de que, no futuro, o Senhor mesmo nos reunirá a todos e todas em torno de sua mesa. […] O CONIC tenta alertar no seguinte documento para alguns aspectos de grande importância nas celebrações ecumênicas, tendo sempre em vista o respeito mútuo e o desejo que cada vez mais os cristãos se unam” (http://www.casadareconciliacao.com.br/mofic_orientacoes.htm).

     Perguntamo-nos: Seguindo as tendências propostas pelo CONIC a Igreja e as seitas cristãs não perderiam a sua essencial identidade, e, no caso da Igreja Católica, toda a sua teologia litúrgico-sacramental estaria relegada ao esquecimento ou mesmo a exclusão? Levando em consideração os anseios da seção mais conservadora da Igreja Católica, e não somente desta, como também da Igreja Ortodoxa, estaríamos cumprindo a oração de Jesus ao Pai “ut unum sint”? É mais transparente e cristão viver a identidade da fé, inclusive da liturgia, cada qual em sua denominação, deixando de promover, como muitos dizem “um teatro ecumênico-litúrgico”, ou apostar no diálogo ecumênico que olvide liturgia e prática oracional e dogmática para uma maior unidade? Diz-nos o Aquinate, inspirado em Aristóteles “Virtus in medius est”: Qual seria o meio termo? Ele existe? 

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