quinta-feira, 14 de novembro de 2013

ETERNAMENTE VIVOS EM CRISTO

Queridos irmãos,

“Creio na Ressurreição da Carne”. O undécimo artigo da Profissão de Fé Católica é categórico quanto à convicção de que a vida do homem não encontra termo aqui neste mundo passageiro no qual somos transeuntes, mas transcende-o até alcançar a realização plena de viventes, imortais no Cristo, ressuscitados Nele.
Afirma-nos o Apóstolo dos Gentios, São Paulo: “Ora, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição de mortos? Se não há ressurreição dos mortos, nem Cristo ressuscitou. Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé. Além disso, seríamos convencidos de ser falsas testemunhas de Deus, por termos dado testemunho contra Deus, afirmando que ele ressuscitou a Cristo, ao qual não ressuscitou (se os mortos não ressuscitam). Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é inútil a vossa fé, e ainda estais em vossos pecados. Também estão perdidos os que morreram em Cristo” (1Cor 15,12-18). Logo, podemos entrever duas coisas: 1) O acreditar na ressurreição da carne é uma atitude de fé que vê na ressurreição de Jesus a garantia da ressurreição de todos os homens; Ele é o “Ele o primogênito dentre os mortos” (Cl 1,18), portanto, o décimo primeiro artigo do Credo é uma espécie de adendo de uma outra parte do Símbolo de Fé: “[Creio em Jesus Cristo que] ressuscitou ao terceiro dia”. 2) Sob à luz do Ressuscitado nasceu e se desenvolveu o cristianismo: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,19). A verdade do Ressuscitado é conteúdo base de toda pregação da Igreja, desde seus primórdios: “A este Jesus, Deus o ressuscitou: do que todos nós somos testemunhas” (At 2,32). Logo, o ato de crer na ressurreição é um distintivo do ser cristão, tal como Tertuliano coadunava: “A confiança dos cristãos é a ressurreição dos mortos; crendo nela, somos cristãos”. Em síntese: só é cristão de fato quem crê na ressurreição, pois é promessa do próprio Senhor: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá” (Jo 11,25-26). Com os olhos da fé no Ressuscitado, São Paulo professa esta certeza quando escreve: “Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dos mortos habita em vós, ele, que ressuscitou Jesus Cristo dos mortos, também dará a vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós” (Rm 8,11).
A compreensão acerca desta temática não foi instantânea no cabedal dogmático judaico. A Lei não se referia diretamente ao assunto; existiam divergências no judaísmo acerca disto (cf. Mt 22,23-33; Mc 12,18-27; Lc 20,27-39; At 23,8). Entrementes, o Segundo Livro dos Macabeus (2Mc 7) já nos oferece uma centelha teológica no Antigo Testamento acerca da ressurreição, e olhe que eles ainda não possuíam a garantia da promessa da imortalidade feita pelo próprio Cristo, Ressurreição e Vida.
“Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos; porque todos vivem para ele” (Lc 20,38). Mas, por que morremos? Fisiologicamente, a ciência tem seus motivos para explicar o porquê da morte. Teologicamente, a morte é consequência do pecado. No entanto, com a salvação do homem, a morte é vencida, é redimensionada a uma passagem para a entrada numa vida, a vida eterna, ou, no dizer de Santa Teresa de Lisieux, a “verdadeira vida”. Santo Ambrósio, já no século IV, refletia: “Na verdade, a morte não era da natureza, mas converteu-se em natureza. No princípio, Deus não fez a morte, mas deu-a como um remédio. Pela prevaricação, condenada ao trabalho de cada dia e ao gemido intolerável, a vida dos homens começou a ser miserável. Era preciso dar um fim aos males, para que a morte restituísse o que a vida perdera. Pois a imortalidade seria mais penosa que benéfica, se não fosse promovida pela graça”. Se a morte entrou no mundo como castigo, ela é transformada por Deus, em Suas magníficas sabedoria e providência, em descanso. Se parássemos aqui, tendo a morte apenas na conta de repouso, excluindo a esperança de vida que ela embute, poderia até soar que a morte, de per si, é algo bom e necessário para o esfalfamento do homem, graças aos seus labores e lutas. Porém, este tirocínio de ter a morte como um pouso apenas não se caracteriza uma visão cristã acerca da morte. A morte é descanso? Sim, o é. Mas, descasaremos na paz do Senhor vivendo, vivendo na Sua luz. Morreremos para viver; viveremos para reinar, gozar da intimidade de Deus e encontrarmos o nosso ser no Seu ser: “Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão. […] Como está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente (cf. Gn 2,7); o segundo Adão é espírito vivificante” (1Cor 15,22.45); ou ainda: “Eis uma verdade absolutamente certa: Se morrermos com ele, com ele viveremos.Se soubermos perseverar, com ele reinaremos” (2Tm 2,11-12).
E o que é ressuscitar? Não é apenas uma mera reanimação de um corpo cadavérico. Não. Ressuscitar é, semelhantemente ao corpo de Cristo, a transformação do nosso corpo corruptível em glorioso, ou seja, que não se detém às condições físico-geográficas, etárias, fisiológicas, seremos imortais (cf. Lc 24,31; Jo 20,17.19.27). Segundo o Concílio de Latrão IV, “todos serão ressuscitados com seu próprio corpo, que têm agora” (Dz 801). No último dia, o Justo Juiz, Jesus, vindo em Sua glória, ressuscitará bons e maus e os julgará (cf. Jo 5,29), mas nem todos ressuscitarão da mesma forma. No dizer de São Pio X em seu Catecismo: “Haverá enorme diferença entre os corpos dos eleitos e os corpos dos condenados; porque somente os corpos dos eleitos terão, à semelhança de Jesus Cristo ressuscitado, os dotes dos corpos gloriosos. Os dotes que adornarão os corpos gloriosos dos bem-aventurados são: 1) a impassibilidade, pela qual eles não mais poderão estar sujeitos a males, nem dores de espécie alguma, nem às necessidades de alimento, de repouso e de qualquer outra coisa; 2) a claridade, pela qual eles resplandecerão como o sol e as estrelas; 3) a agilidade, pela qual eles poderão passar num momento sem fadiga, de um lugar para outro e da terra ao Céu; 4) a sutileza, pela qual eles poderão, sem obstáculo, passar através de qualquer corpo, como fez Jesus Cristo ressuscitado. Os corpos dos condenados serão destituídos dos dotes dos corpos gloriosos dos bem-aventurados, e trarão o horrível estigma da reprovação eterna” (Questões 242-244).
Mas, quando da nossa morte, qual o nosso destino? É conveniente tratarmos ainda sobre o duodécimo artigo do Credo: “Creio na Vida Eterna”. Como dissemos anteriormente, a morte não é o fim do homem, e sim o fim de um tempo de peregrinação por esta vida terrena. Ao fecharmos os olhos para esta realidade e pela morte adentrarmos na porvindoura, seremos julgados por Cristo: é o juízo particular, onde prestaremos contas de tudo quanto fizemos em nosso trilhar na terra (cf. Mt 16,26; Lc 16,22; 23,43; 2Cor 5,8; Fl 1,23; Hb 9,27; 12,23): “Ao morrer, cada homem recebe na sua alma imortal a retribuição eterna, num juízo particular que põe a sua vida em referência a Cristo, quer através duma purificação, quer para entrar imediatamente na felicidade do céu, quer para se condenar imediatamente para sempre” (Catecismo da Igreja Católica, 1022). Logo, dizemos, amparados pelo Magistério da Igreja, que três são os destinos da alma humana após a passagem da morte: o Céu, o Purgatório e o Inferno. Como já refletimos outrora quando falávamos do sétimo artigo do Credo (em um texto nosso intitulado “A Glória de Cristo e o seu julgamento”), “entendamos por Céu a vida em comunhão definitiva com Jesus; a bem-aventurança e a felicidade eterna de ver a Deus e estar junto dele. O Purgatório, por sua vez, significa que há pessoas que, no dia de sua morte, ainda não estão preparadas para um encontro com Deus em uma plena comunhão com ele. Nós acreditamos que Deus, em sua misericórdia, os purifica e lhes dá o perdão para que entrem, posteriormente, no Paraíso, no Céu. Ele prepara-os para esse encontro. Daí a importância de rezarmos pelos mortos, principalmente intercedendo pelas almas do Purgatório. Por Inferno, entendamos a exclusão definitiva da comunhão com Jesus, a infelicidade e a miséria dos que se separaram voluntariamente de Deus. Por isso, o Inferno ser tido como um estado de alma de tormentos e de sofrimentos. Um estado irreversível”. E com que parâmetros seremos julgados? São João da Cruz, permeado por uma mística admirável, poderá nos alentar ou não: “No entardecer da nossa vida, seremos julgados sobre o amor”.
A Palavra de Deus, piamente crida e ensinada pela Igreja, também nos fala do juízo final. Igualmente consoante ao sétimo artigo, retomamos: “No fim do mundo Jesus Cristo, cheio de glória e de majestade, há de vir do Céu para julgar todos os homens, bons e maus, e para dar a cada um o prêmio ou o castigo que tiver merecido. Podemos questionar-nos: Se cada um, logo depois da morte, há de ser julgado por Jesus Cristo no juízo particular, por que haveremos de ser julgados todos no Juízo universal? Isso acontecerá por várias razões: primeiramente, para glória de Deus; depois, para glória dos Santos, que alcançaram o Céu por uma vida de amizade com Deus; para confusão dos maus, que conquistaram a sua própria condenação; finalmente, para que o corpo, depois da ressurreição universal, tenha juntamente com a alma a sua sentença de prêmio ou de castigo. No Juízo universal, há de manifestar-se a glória de Deus, porque todos hão de reconhecer, transparentemente, a justiça com que ele governa o mundo, embora se vejam às vezes na presente realidade que os bons estão a sofrer e os maus em prosperidade. Sendo um único Deus com o Pai e o Espírito Santo, no Juízo universal também há de manifestar-se a glória de Jesus Cristo, porque, tendo Ele sido injustamente condenado pelos homens, aparecerá à face do mundo inteiro como Juiz supremo de todos. Dissemos, amparados pela sã doutrina da Mãe e Mestra ‘Senhora’ Católica, que no Juízo universal há de manifestar-se a glória dos Santos, porque, tendo sido muitos deles desprezados e mortos pelos maus, hão de ser glorificados em presença de todos os homens. No Juízo universal, a confusão dos maus será enorme, especialmente aqueles que oprimiram os justos, e aqueles que, durante a vida, procuraram ser tidos, falsamente, por homens virtuosos e bons, pois verão manifestados, à vista de todos, os pecados que cometeram, ainda que ocultamente” (cf. “A Glória de Cristo e o seu julgamento”).
            Queridos irmãos, disse-nos o Senhor: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo” (Jo 6,51). Pela Eucaristia, entramos, ainda que momentaneamente, na intimidade de Deus; antegozamos o céu, o convívio dos bem-aventurados em Deus, a vida eterna. Se pelo Batismo nos tornamos membros do Corpo de Cristo, pela Eucaristia travestimo-nos do Ressuscitado, que antecipará a Sua vida em nossa vida já nesta realidade terrenal. Que o Sacramento do Altar nos confirme nesta nossa adesão de fé na ressurreição e na vida gloriosa infindável reservadas para o fiel crente.