terça-feira, 28 de julho de 2015

O dominó da desmoralização

Por: Iury Nascimento Lopes
 

É agravante a decadência moral da sociedade pela falta de consciência de muitos cidadãos, governantes e governados. Está tudo sendo reduzido a nada, o homem está deixando de ser aquilo que é para ser coisa; é um verdadeiro dominó desmoralizante. A sociedade está perdendo a capacidade de distinguir o bem e o mal, ou não quer nem distinguir para satisfazer seus próprios instintos. *
 
Estamos no estágio de desumanização, um mundo que pisoteia a sua própria consciência negando a sua própria humanidade. “Será inócuo encher as páginas de leis e as prateleiras de códigos, como também será inócuo encher as ruas de policiais, enquanto a humanidade na for chamada a respeitar a própria consciência.” [1]. É isso que acontece, quando o homem exclui a própria lei da consciência. Ele fica cego, desorientado, causando uma desordem moral.  
É o que vemos na sociedade e no mundo, governos querendo legalizar o assassinato de seres humanos inocentes, abrindo portas para o casamento de pessoas do mesmo sexo, a destruição do conceito de homem e mulher com a Ideologia de Gênero; a venda de fetos assassinados cruelmente. É o homem destruindo a sua própria humanidade, levando a sociedade a perder aos poucos sua alma e esperança.
“A maior crise da sociedade é a da consciência. Rouba-se, mata-se, corrompe-se, tapeia-se, prostitui-se, engana-se... como se as consciências estivessem mortas, e como se Deus não existisse.” [2] Precisamos da um salto moral, começando pelas famílias hoje tão atacadas por tantas ideologias que tentam desmontar a célula motriz da sociedade. Os pais precisam se conscientizar e fazer alguma coisa para que a educação dos seus filhos, não seja regida primeiramente pelo Estado; são os pais os primeiros educadores de seus filhos.  
A escola hoje está se tornando, ou melhor, já é um lugar que ao invés de educar os nossos filhos para o bom caráter, está destruindo a moral dos futuros cidadãos. Os nossos filhos estão sujeitos às más influências do Estado. O silêncio aqui não adianta, ou tomamos uma posição frente ao que está acontecendo ou seremos engolidos e esfacelados por esta decadência moral. Somos homens e mulheres com consciência e sabemos o que é errado e o que é certo, porém se não lutamos pelo bem moral o mal aos poucos vai escurecendo o que é bom.
Dizia um filósofo existencialista cristão, chamado Gabriel Marcel: “Quem não vive como pensa, acaba pensando como vive.”. É isso que está acontecendo na sociedade em que vivemos, acabamos pensando que o que estamos vivendo é normal; acabamos achando normal abortar bebês, homossexuais se casarem, a venda de fetos abortados etc., e sufocamos a nossa consciência às vezes reta e bem formada, na qual sabemos que tudo isso, não é normal.
Tenhamos uma tomada de consciência à frente da sociedade, e lutemos por uma sociedade consciente, justa e bem formada; que segue a razão, “de acordo com o bem verdadeiro querido pela sabedoria do Criador.”. [3]
Referências
1. Aquino, Felipe. A moral católica e os dez mandamentos.
2. Idem.
3. Catecismo da Igreja Católica, n. § 1783.  


*Grifo nosso

sábado, 25 de julho de 2015

XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM



                                        (Ano B-São Marcos-2015)

  I leitura- (2 Rs 4, 42-44) 

Salmo Responsorial- Sl 144 

II Leitura- Ef 4, 1-6 

Evangelho- Jo 6, 1-15 - A Multiplicação dos Pães

                                                                          
                                                           Por André Fernandes Oliveira

Irmãos caríssimos,

     
    A página da Sagrada Liturgia para este Domingo nos imerge à presença de Deus em nossas vidas e assim a importância capital, “sem O Qual” já estaríamos necrosados! Contemplamos, pois, esta realidade, ao conjunto da primeira leitura, seguido do Responsório e do Evangelho. Neste se encontra, com a multiplicação dos cinco pães e dois peixes, o discurso caudaloso e solene de Jesus em Cafarnaum que será seguido pelos domingos sequentes. No tripé dessas leituras desenvolveremos a nossa reflexão.
     
   À primeira leitura encontramos a presença do profeta Eliseu, cujo nome é “Deus é salvação”, cognominado o “homem de Deus”, o que em si já evoca para esse personagem um oportuno diferencial, porque é a ele quem serão dados os “primeiros frutos da terra”, trazidos pelo seu servo. Ora, que são tais primícias? O que significam? Por que as sendo, o servo replica ao profeta que a “quantidade” não era mister ao número de comensais? Por que, uma vez pertencidos ao “homem de Deus” é distribuído ao povo? Quais as relações no punhado dos versículos trazidos pelo lecionário da primeira leitura desse Domingo?

        Como é sabido era costume em Israel que após ao descanso da terra, as primeiras semeaduras, na festa da colheita, fossem consagradas e oferecidas ao Senhor. Gesto este que autentica não somente uma pertença ao Outro, mas também que O Reconhece como Aquele, a quem, como diz São Paulo num dos seus hinos cristocêntricos, “pertencem todas as coisas” e ademais ajunta o Credo Niceno-Constantinopolitano: “por quem todas as coisas foram feitas”. Deus, “que É”, não necessita do nosso reconhecimento! Na sintonia e distinção das Pessoas Divinas, coeternas, Deus é Princípio e Fim. Tal profissão do homem em fazê-lo Seu Senhor é, aí, necessidade para aquele; porque doutra forma cairá na gravíssima idolatria e logo irá fenecer.
    No aspecto do Senhorio podemos trazer à lembrança a palavra de Jesus no décimo sexto comum quando comoveu-se da multidão porque eram como ovelhas sem pastor. E eis é aqui que haure o gesto de Deus em permanecendo inacessível e eterno sair de si e voltar-se para o seu povo, como lá também, nos dias de Faraó, cujo texto do Êxodo faz-nos ouvir: “Eu vi, eu vi, a aflição do meu povo e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos.” Sendo assim, Deus, quem recebe, representado pelo profeta Eliseu distribui ao seu povo. “Dá ao povo para que coma. ” Que pertinente este ponto: O melhor que estava separado para o Senhor, é, agora, por Ele ofertado! Gesto beneplácito e atento porque Ele conhece. De forma poética a Igreja, maravilhosamente, canta em sua liturgia: “Todos os olhos, ó Senhor, em vós esperam e vós lhe dais no tempo certo o alimento; vós abris a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura. ”

    Mas, olhemos, neste ínterim para os pães oferecidos: Além de serem preparados com o trigo, também os são de cevada. Este último era um grão inferior. Era com ele que se fazia pão que o pobre judeu manducava. Com este dado é-nos trazida à tona o diálogo do servo com Eliseu: “Como vou distribuir tão pouco para cem pessoas? ” Eliseu disse outra vez: “Dá ao povo para que coma (...) O homem distribuiu e ainda sobrou, conforme a palavra do Senhor.”  Para Deus, portanto, o que pode significar quantidades? Para o Senhor o que significa o olho fracionado, muitas vezes, do Homem, enquanto Ele “vê” a plenitude? Logo é clarividente o que se encontra à boca de nossa gente: “o pouco com Deus é muito!” Ora, este adágio faz-nos suplantar ao perceptível e apalpável: nos lança assim em nossa obediência pela âncora da fé e confiar  Naquele que guiou seu povo, Israel!
     No Evangelho, como já nos referimos, é iniciado o longo discurso- assim chamado- de Jesus sobre o “Pão da Vida” que é principiado e antevisto pelos que criam, através de um sinal conhecido como a Multiplicação dos Pães, fato, discorrido, a saber, também pelos evangelistas sinópticos. Quando nos próximos domingos nos deleitarmos nos versículos que o seguem entenderemos a mensagem de São João, uma vez, que é somente nesse capítulo que o “discípulo amado” narra de maneira solene acerca do Sacramento do Altar, mas sem delongas, a antífona  com a qual a Liturgia “aclama” ao Evangelho nos faz muito pensar à perícope da primeira leitura e, sobretudo, à cena do milagre. Diz a Igreja pela boca do solista: “Um grande profeta surgiu, surgiu e entre nós se nos mostrou; é Deus que seu povo visita, seu povo, meu Deus visitou!’’ É com estes verdadeiros sentimentos que poderemos refletir sobre o quê, admirados, ouvimos no Evangelho. Tanto à primeira leitura quanto no Evangelho, sobressaltam muitos vocábulos em comum: comeu, distribuiu, pães de cevada, sobraram, pedaços...
      O que é Eliseu, o homem de Deus, eis agora, “quem é maior” do que Eliseu: Jesus Cristo- mais que um profeta ou “Aquele que dá o verdadeiro alimento”! O servo do profeta, é, portanto, os dois apóstolos Filipe e André. Dado essencial para a ocorrência do milagre: “Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus.” Jesus, o Novo Moisés, passa para o outro lado do Tiberíades e a multidão o segue. Nosso Senhor é quem dará o êxodo verdadeiro ao seu povo que será encerrado concomitantemente na Eucaristia e na Cruz.
      
    Irmãos, com o considerável paralelismo indica pois o quê a superabundância do milagre quer esclarecer primeiro: a presença de Deus que em Seu Filho “faz” por meios dos sinais anunciar a chegada do Reino, ao passo que estes levam à profissão de fé: “Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo.” O Filho de Deus penetra às vicissitudes humanas não para anestesiá-las e tampouco para, apenas, lhes garantir um sustento material que é falível, em relação ao “alimento que dura para a vida eterna” e essa realidade imanente, apenas, pode ser vista pela colocação do apóstolo, frente à imperativa de Jesus quando lho apresentam cinco pães e dois peixes: “Está aqui cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?”  Eis: Grave pergunta! Hoje o mundo é muito mais esquecido de Deus, onde se inventa, se formula, refaz-se, todavia não se recorda Daquele que detém-nos! Daquele, que, como diz o salmista: “alimenta com a fina flor do trigo.” A tendência perversa e ante evangélica dos nossos dias é “engenhar” o Filho de Deus numa espécie de sociólogo que enxerga “para baixo” e é capaz de fazê-lo a um parecer de discursos partidários, colocando-o de entre os gurus de uma pátria. Não, absolutamente! O Evangelho acerta: “(...) quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte.”

      
     A multiplicação dos pães nos doutrina que cá na terra, nos céus ou nos infernos, Jesus é Deus que veio ao nosso encontro, para assim não nos espantarmos, mas crermos Nele que nos “dá o pão que contém todo sabor!” 

sábado, 18 de julho de 2015

XVI DOMINGO COMUM

                                       (Ano B- São Marcos- 2015)
                        

                        


                                                                Por: Dom Henrique Soares da Costa- Bispo de Palmares


                                                   
               
           


   
      Se pensarmos bem, caríssimos em Cristo, tudo quanto a Igreja tem para dizer ao mundo é Jesus: Ele é a Palavra viva do Pai, Ele é o Salvador e a Salvação, é a Ele que a Igreja dirige continuamente o olhar e o coração, para contemplá-Lo, escutá-Lo e Nele beber das fontes da Vida e da paz! Pois bem: é de Jesus que a Palavra santa hoje nos fala – de Jesus Bom Pastor!
   
     Em Israel, pastores do povo eram seus dirigentes: reis, aristocracia, sacerdotes, escribas, profetas. Infelizmente, de modo frequente, esses eram pastores maus e infiéis, pois não faziam o que era de se esperar de quem apascenta: não amavam o rebanho, dele não cuidavam, com ele não se preocupavam. Faziam como os políticos brasileiros de agora, nossos governantes, enganando, mentindo e fazendo-se passar por bons, sem, no entanto, terem outra preocupação que o próprio bem-estar e os próprios poder e prestígio.
   
   Dos maus pastores, Santo Agostinho dizia que procuram somente o leite e a lã das ovelhas, sem com elas se preocuparem. O leite simboliza os bens materiais; a lã, o prestígio e os aplausos. Pobres ovelhas, o povo brasileiro, tantas vezes assaltadas por cruéis ataques de pastores maus: basta pensar no mensalão, petrolão, eletrolão e nos gatunos de todos os níveis e especialidades. Que Deus ajude esse povo a discernir políticos de politiqueiros, dos poucos preocupados com o bem comum, dos muitos ocupados com o próprio bem!
      
     Contudo, não devemos esquecer de modo algum que os pastores do novo Povo de Deus, que é a Igreja, são os ministros de Cristo: Bispos, padres e diáconos. Se o antigo Povo era segundo a raça e marcado por critérios nacionais, o novo Povo de Deus é marcado pela fé em Cristo, que nos dá o Santo Espírito no Batismo... Ora, aos Seus ministros, pastores do Seu rebanho, também o Senhor repreende neste hoje e a eles exorta a que se convertam e sejam pastores de verdade!Mas, quem é pastor de verdade na Igreja? Quem é um verdadeiro Bispo, um autêntico padre, um genuíno diácono? Quem se deixa plasmar pelo verdadeiro Pastor, pelo único Pastor, Aquele que é a própria justiça, a própria santidade de Deus: “Este é o nome com que O chamarão: ‘Senhor, nossa Justiça’”. Falamos de Jesus Cristo – o Bom, o Perfeito, o Pleno, o Belo Pastor!
   
      Ante os maus pastores da Israel, que infestaram todo o tempo do Antigo Testamento, o Senhor prometeu, da Casa de Davi, um novo pastor: “Eis que virão dias em que farei nascer um descendente de Davi; reinará e será sábio, fará valer a justiça e a retidão na terra”. Aqui Deus fala do Messias; e esse Messias é a própria presença de Deus apascentando o seu povo: “Eu reunirei o resto de Minhas ovelhas de todos os países para onde forem expulsas, e as farei voltar a seus campos, e elas se reproduzirão e multiplicarão”.

    Eis, portanto: um Messias, presença do próprio Deus, Pastor do seu povo, cuidador do seu rebanho... É precisamente assim que o evangelho de hoje nos apresenta Jesus: “Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas”. 
   
      Que imagem sublime, que cena tão doce! Jesus cansado, pensando em algo tão humano, tão legítimo: um dia de descanso em companhia dos Doze. E quando chega ao local escolhido para o merecido repouso, lá estava a multidão cansada e acabrunhada, sedenta de luz, sedenta de Vida, sedenta de verdes pastagens, desorientada, como ovelhas sem pastor... E Jesus, Bom Pastor, esquece de Si mesmo, deixa de lado Seu cansaço e, cheio de compaixão, vai cuidar das ovelhas... Por isso mesmo, Ele é o Pastor por excelência, o Belo, Perfeito, Pleno Pastor! Ele ama o rebanho, preocupa-Se com ele, dele se compadece e por ele vai dando, derramando, diariamente, a própria vida.
   
     Nunca se viu Jesus poupar-Se, nunca se testemunhou Jesus fazendo um milagre em benefício próprio, nunca se apanhou o Senhor buscando algum favor para Si. Não! Toda a Sua vida foi vida vivida para o rebanho por amor ao Pai, vida dada, vida doada, entregue de modo total, até a morte e morte de cruz.
Tem razão São Paulo, quando diz aos Efésios, na segunda leitura de hoje: “Agora, em Cristo, vós que outrora estáveis longe, vos tornastes próximos, pelo sangue de Cristo. Ele, de fato é a nossa paz!”

    Eis, caríssimos! O Bom Pastor, entregando a vida pela humanidade, nos atraiu, abrindo um novo caminho, suscitando uma nova esperança para judeus e pagãos, reunindo-os todos no Seu aconchego, no Seu coração de Pastor, dando-nos a paz e fazendo de nós a Sua Igreja!
Igreja aqui reunida, em torno deste Altar, tu nasceste da dedicação do teu Pastor; tu és fruto da Sua vida entregue amorosa e dolorosamente!
O Apóstolo afirma, de modo profundo e comovente que Cristo “quis reconciliá-los, judeus e pagãos, com Deus, ambos em um só corpo, por meio da cruz; assim Ele destruiu em Si mesmo a inimizade”. Prestai bem atenção: na carne de Cristo, no corpo ferido de Cristo, na vida dilacerada de Cristo, deu-se a nossa paz!
– Ó Senhor Jesus, que Tu mesmo, de corpo e alma, de sonho e de dor és o nosso repouso, és nossa segurança! Tu mesmo és a nossa paz! E quão alto foi o preço dessa paz! E tudo isso para que, no Teu Santo Espírito, tivéssemos acesso Àquele a Quem Tu chamas de Pai, fonte de toda Vida!
Caríssimos, tanto para nós, pastores, quanto para vós, ovelhas, o exemplo de Cristo é motivo de questionamento e chamado à conversão.
Para nós, pastores, é forte apelo a que sejamos como Ele, sejamos presença Dele no meio do rebanho, tendo Seus sentimentos, Suas atitudes, participando de Sua entrega total. Pastores que não apascentam em Cristo, que não vivem a vida de Cristo na carne de sua vida, não são pastores de fato; são maus pastores, ladrões e salteadores, como aqueles do Antigo Testamento.

   E para vós, ovelhas, que apelos o Bom Pastor hoje vos faz?
    Ele que Se deu todo a vós como pastor, vos convida a que vos entregueis totalmente a Ele como ovelhas. Como a ovelha do Salmo da Missa de hoje, que confia totalmente no seu pastor, ainda mesmo que passe pelo vale tenebroso, porque sabe que o pastor é fiel, que o pastor haverá de defendê-la, assim também nós, ovelhas do Seu pasto, confiemo-nos ao Senhor, sigamo-Lo, nele coloquemos a nossa existência. E que Ele, cheio de amor e misericórdia, nos conduza às campinas verdejantes, nos faça descansar, restaure nossas forças, guie-nos no caminho mais seguro, nos prepare a Mesa eucarística, unja-nos com o suave óleo do Seu Espírito, faça transbordar a taça da nossa exultação e nos dê habitação na Sua Casa pelos tempos infinitos. Amém.


domingo, 5 de julho de 2015

XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ez 2,2-5; Sl 122; 2Cor 12,7-10; Mc 6,1-6) 

O encontro com a Palavra de Deus proclamada pela Igreja neste 14º Domingo do Tempo Comum ilumina o mundo com a vocação profética de todos os batizados. Num tempo em que vozes se elevam com tons de profecia e, muitas vezes, ludibriam as pessoas com essa prerrogativa, somos orientados pelas leituras que nos apresentam sinais claros para o reconhecimento dos verdadeiros profetas.

Primeiramente, cabe-nos a seguinte pergunta: quem é o profeta? Ou melhor, quem são os profetas? Podemos começar a respondê-la por aquilo que não se entende pelos profetas: não são pessoas extintas do passado, nem são encarregados de fazer milagres ou prever o futuro. O Catecismo da Igreja Católica nos ajuda a compreender muito bem o papel dos profetas e a sua missão na economia da salvação, especialmente para o povo de Israel, “povo sacerdotal e Deus” (cf. Ex 19,6). A profecia, principalmente no Antigo Testamento, pode ser compreendida através da Aliança que Deus faz com a humanidade: “Por meio dos profetas, Deus forma o seu povo na esperança da salvação, na expectativa de uma Aliança nova e eterna destinada a todos os homens, e que será impressa nos corações. Os profetas anunciam uma redenção radical do Povo de Deus, a purificação de todas as suas infidelidades, uma salvação que incluirá todas as nações. Serão sobretudo os pobres e os humilhados os portadores desta esperança.” (CIC, 64) Deus espera que os profetas sejam a sua voz para o mundo e isso prescinde uma dimensão da escuta. É preciso que a mensagem de Deus penetre até o íntimo de seu coração e lhe provoque o desejo de anunciá-la.

A primeira leitura relata a missão do profeta Ezequiel. O encargo confiado por Deus é de ir ao encontro dos israelitas e recordar-lhes de que não estão sozinhos, de que o Senhor não os abandonou. Mesmo sendo “uma nação de rebeldes” (v. 3) e tendo se afastado dEle, o Senhor não desiste. Deus não desiste da humanidade! Essa é a lógica que Ele usa para manifestar o seu amor, provar a sua bondade e o seu cuidado para conosco. É interessante perceber que a profecia não nasce de um desejo ou interesse individual, ou seja, o profeta não está a serviço de suas vaidades, não fala em nome próprio. Ao contrário, a iniciativa é sempre de Deus. É Deus quem chama (v. 3) e dá as condições para perseguir o caminho.

A vocação de profeta, comum a todos os cristãos, não é uma vocação fácil, pois nem sempre os homens querem ouvi-lo. Este é um aspecto comum da profecia de Ezequiel (v. 5) e as palavras de Jesus no Evangelho. A missão é ser voz no meio do povo, voz esta que às vezes não é ouvida ou sequer notada. Contudo, o profeta não deve se esmorecer diante dos desafios. Esta dimensão nos faz lembrar o dito popular de que “santo de casa não faz milagre.” Esta é a expressão de Jesus ao dizer que “um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (v. 4), certamente um dos versículos mais repetidos e mais conhecidos do Evangelho narrado pela liturgia hodierna.

A experiência de Cristo narrada por Marcos no Evangelho (cf 6,1-6) nos ajuda a compreender bem a dimensão do profeta. Ele retorna a Nazaré, sua terra, e entra na sinagoga (v. 1) causando espanto, admiração e escândalo naqueles que estão presentes. Este Jesus não podia ser o Messias esperado. Quem, então, eles esperavam? Certamente estavam à espera de alguém grandioso, um guerreiro como Davi, um sábio como Salomão. Ou, mesmo que não tivessem a envergadura destes, uma pessoa desconhecida. O profeta esperado não poderia ser um humilde carpinteiro. Eles o conheciam muito bem: o carpinteiro, filho de Maria, não poderia ser o enviado de Deus. Todas as categorias humanas na narrativa (v. 3) expressam a rejeição àquilo que se revela em Jesus, pois não querem mudar de procedimento não querem mudar de vida. O profeta não trabalha com a brandura de palavra, ele diz aquilo que o povo precisa ouvir. A palavra de Jesus escandaliza, pois não se coaduna com interesses políticos, está sempre a favor da vida, interpela à mudança, à conversão. Mesmo com a incompreensão do povo, o profeta é sempre o homem da comunhão com Deus, é alguém que permanece fiel à mensagem do Pai, atento às realidades do próximo. Aqui compreendemos bem a mensagem de João no prólogo de seu Evangelho: “ela veio para os que eram seus, mais os seus não a receberam.” (cf. Jo 1,11).

Na segunda leitura, somos motivados pelo testemunho de Paulo e o seu valioso contributo para os cristãos na superação das dificuldades encontradas em seu apostolado. Fraqueza, incapacidade, injúrias, necessidades, perseguições, angústias, tudo isso desaparece quando somos amparados pela graça de Deus. Paulo assegura aos cristãos de Corinto, que Deus atua e manifesta seu poder no mundo através de instrumentos fracos e limitados. Na situação em que ele se encontra, Deus o faz perceber que é “na fraqueza que a força se manifesta” (v. 9) Todos nós, ainda hoje, temos tantos espinhos a nos espetar a carne para nos lembrar que “onde abundou o pecado, superabundou a graça.” (cf. Rm 5,20). Somente a partir de um encontro profundo, pessoal e verdadeiro com Jesus Cristo somos capazes de perceber a sua ação na nossa vida e na nossa história. Ele é o rosto do Pai a nos comunicar a generosidade de seu amor.

Por fim, a liturgia deste domingo nos convida, através do exemplo de Ezequiel, Jesus e Paulo, a não desanimarmos diante das dificuldades encontradas na missão. É certo que nem tudo são flores, mas também não há só pedras. Quando nos abrimos ao Espírito Santo e deixamos que Ele aja em nossas palavras e em nossos atos, chegamos aos ouvidos e ao coração das pessoas e somos canais da graça de Deus. Não desanimemos, pois “os nossos olhos estão fitos no Senhor!” (cf. Sl 122).

Por: Marcus Tullius