domingo, 28 de junho de 2015

O sangue dos Apóstolos fecunda a vida da Igreja (Solenidade de São Pedro e São Paulo)

A liturgia do domingo hodierno nos convida à jubilosa celebração da Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo. Reunida em torno do túmulo destas duas grandes colunas da Igreja nós veneramos e fazemos memória dos tempos iniciais da nossa fé cristã, quando a Igreja fora fecundada pelo testemunho e pelo sangue daqueles chamados por Cristo para uma intimidade maior com Ele. Celebrar a Solenidade de Pedro e Paulo é conjugar missão e unidade, fé e vida, evangelização e doutrina. A Igreja, alicerçada nos apóstolos, é continuadora da missão de Cristo e transmissora da sua mensagem de salvação e de esperança. Somos, portanto, estimulados a fazer da nossa vida um kerigma, anunciando Aquele que é a Boa Nova do Pai e tornando-nos espelhos do evangelho.

Esta novidade nos impulsiona e nos retira do comodismo da nossa existência. Jesus suscita no homem a verdadeira esperança, suscita-se a Si mesmo, Ele: a esperança. Por isso as leituras fazem-nos perceber nos dois apóstolos os sentimentos de amor e esperança que nutriram por Cristo a tal ponto que verteram o seu sangue por Ele. Não é uma expectativa vazia aquela que os sustentava. Para Pedro sobretudo, que convivera com Jesus, aquela experiência lhe havia dado um rumo existencial diferente. Sabia ele que o convite daquele desconhecido – “Vem e segue-me” (Mt 4,19) – não era qualquer convite, mas possuía algo diverso em si, na força arrasadora daquelas palavras que eram capazes de mobilizar mesmo um coração difícil como o seu. Embora os três evangelhos sinóticos não se encontrem em detalhes precisos na chamada de Pedro, mas o plano de fundo permanece sempre o mesmo: seguir o Salvador, morrer por Ele e, com Ele, participar da glória. Os dois apóstolos deram este passo da mesma maneira, na mesma medida e de formas diferentes.

Ainda sobre Pedro, é curioso que o “vem e segue-me” no Evangelho de João esteja inserido posteriormente a ressurreição (Jo 21,22) e não antes, como nos sinóticos. De fato, ali se encontra não apenas uma redescoberta da sua identidade de Cefas, mas também o imperioso mandato de guiar a Igreja e apascentar as ovelhas antes que Jesus ascendesse aos céus. É certo que, ainda que não fosse proposital, quisera João inserir esta passagem após aquela tríplice pergunta: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes? (Jo 21,15)”. Não bastava que se respondesse a Jesus com um amor philia, mas com o amor ágape, que era a resposta por Ele necessitada para confiar-lhe a missão de conduzir a grei. Aliás, nisto me parece consistir um aspecto essencial da fé: o cristão não permanece na superfície, mas é chamado sempre a dar “algo mais” a Deus: a própria vida, a si por inteiro. O “segue-me” surge, então, como um consentimento último para este ofício. Para onde o Senhor conduziria Pedro naquele instante? Nunca saberemos! Mas sabemos que mais tarde o Senhor o levaria à Cidade Eterna onde ali deveria testemunhar de forma audaz e destemida o amor de Deus, tendo como paga por tamanha lealdade a crucifixão.

Também aos pastores da Igreja em nosso tempo de crises espirituais, existenciais, psicológicas e políticas continua a ecoar o convite salvífico: “Vem e segue-me!”. É preciso que redescubramos o sentido de uma existência marcada pela aceitação incondicional do chamado, ainda que com as exigentes demandas impostas pelo mesmo e que parecem tornar-se sempre mais desafiadoras. Quem segue a Cristo deve conhecê-Lo primeiramente, amá-Lo e testemunhá-Lo. Diferente desta relação corremos o grave risco de cair num ativismo ou ainda numa fé que desconhece os motivos que nos levam a crer, vazia e, portanto, inconsistente.

“Segue-me!” Isto o diz Cristo não somente aos pastores mas a todos os homens que, de boa vontade, desejam segui-Lo. Quantos são os que ouvindo ao chamado de Cristo deixam tudo para abraçar a sua causa? Estes homens que muitas vezes tem apenas a própria esperança e a fé para sustenta-los, mas que diante do mundo não possuem nenhum bem material. Como não pensarmos nesta hora nos inúmeros santos, papas, bispos e sacerdotes que possuíram e possuem para si tão somente a expectativa de ganharem a “coroa da justiça” (2 Tm 4,8). De fato, seguir ao Senhor requer de nós uma disposição cotidiana, remediando nossas vontades ao seu querer e suportando com paciência a tribulação. Somente assim os pastores poderão responder como Pedro: “Senhor, tu sabes que te amo!” (Jo 21,15). O amor comporta em si também os sinais de sofrimento, e isto devem saber fazer os pastores: sofrer em Deus e por Deus; estar dispostos a tudo, mesmo às baixezas da humilhação para que Deus seja glorificado.

Paulo, por sua vez, é vencido pela força do amor, como celebramos todos os anos na festa da sua conversão. É este o apelo que urge do nosso coração para o mundo, mas que também marca as páginas paulinas: deixemo-nos vencer pelo amor! Deixemo-nos ser vencidos! A segunda carta a Timóteo, já escrita pelo apóstolo na iminência da sua morte, provoca-nos, instiga-nos, inquieta o nosso coração para uma abertura sincera ao querer de Deus. Ele agora confia tudo ao Senhor, pelo qual lutara desde a sua conversão. Aquele que se ofereceu em Sacrifício pela salvação dos homens recebe agora o sacrifício de Paulo e com ele compartilha a sua glória. O convite reforçado do anúncio insistente da palavra, alguns versículos precedentes, junta-se agora quase que a um testamento antes da sua partida: “O Senhor esteve a meu lado e me deu forças, ele fez com que a mensagem fosse anunciada por mim integralmente, e ouvida por todas as nações; e eu fui libertado da boca do leão” (2Tm 4,17).

O Senhor sustenta a Paulo porque Paulo sustentara o Senhor. Em princípio pode-nos parecer um tanto equivocada ou assustadora esta afirmação, mas devo contextualizá-la. No capítulo nove dos Atos dos Apóstolos, Saulo, segundo nos narra Lucas, “só respirava ameaças e morte” contra os cristãos (v.1). Durante o caminho para Damasco, a fim de prender os cristãos, é interpelado pela voz do próprio Jesus: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (At 9,4). Mas perseguia Saulo a Igreja, não a Cristo. Contudo, perseguindo Cristo perseguia também a Igreja. E aqui vemos que Cristo e a Igreja são uma só coisa, como nos recordará posteriormente em seu hino cristológico, na carta aos Colossenses: “Ele é a Cabeça da Igreja que é o seu Corpo” (1,18).

Na catolicidade da Igreja o Senhor manifesta o dom da unidade. Hoje é também para nós este dia! No dia em que somos convidados a rezar pelo Papa peçamos que o Senhor nos ajude a descobrirmos o dom da unidade. Ele que nunca abandonou a sua Igreja tampouco o fará agora, em tempos de tamanhos desafios e de tantas dúvidas.

Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). O reconhecimento da identidade cristã passa essencialmente pelo reconhecimento da identidade de Cristo. O cristão, chamado a ser alter Christus, deve reconhecer-se como aquele que leva em seu próprio corpo os sinais de Jesus (Gl 6,17). Levar estes sinais em si é perceber a sacralidade da própria vida e do próprio corpo diante de Deus. Chamados a dar testemunho da verdade, os homens perderam-se no abismo das próprias concepções e nas definições variadas para realidades não variáveis. Tornaram-se seus próprios algozes e depreciaram sua própria natureza. Recordo-me das palavras desafiadoras da carta petrina: "Purificai as vossas almas com a obediência à verdade" (cf. 1Pd 1, 22). Somente a verdade purifica o homem! A mentira, ao contrário, o polui. A verdade conjuga-se sempre com a salvação e com o amor. Estas três dimensões tornam-se inseparáveis e devem ser buscadas concomitantemente.

Que nesta Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo os sinais de Cristo impressos em nosso corpo e em nossa alma possam manifestar-se como compromisso com a verdade e prenúncio da salvação. Reafirmemos, a exemplo destas duas colunas da fé, a nossa disponibilidade ao evangelho e o destemor de darmos o nosso próprio sangue pela causa do Reino de Deus.

Ian Farias de Carvalho


sábado, 20 de junho de 2015

DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO DO TEMPO COMUM

(Ano B- 21 de junho de 2015)

Por André Fernandes Oliveira

I Leitura:  Jó 38, 1. 8-11
Salmo Responsorial: Sl 106
II Leitura: 2 Cor 5, 14-17
Evangelho: Mc 4, 35-41



Irmãos,

A Igreja celebra o seu Décimo Segundo Domingo Comum.  A Liturgia da Palavra que hoje nos é proposta imerge na mais sensível verdade da nossa caminhada humana e cristã. Ei-la: A Fé!  De antemão devemos buscar o que significa esta que, das teologais virtudes, é a primeira. Logo, nos encostamos ao enunciado do capítulo XI, 1 da Epístola aos Hebreus: “A fé é a garantia dos bens que se esperam, a prova das realidades que não se veem.”  E no versículo posterior, afirma, o autor sagrado, o que resplandecera aos nossos ancestrais da primitiva aliança: “Foi ela que valeu aos antigos seu belo testemunho.” Guarnecidos, irmãos, pelas menções, podemos nos questionar as três lapidares indagações filosóficas: Quem sou eu? De onde vir ? Para onde vou?’’
As supracitadas perguntas voltadas apenas pela certeza racional e empírica é sabida de muitas respostas. Para uns o Homem é  descendente de um hominídeo e, na cadeia evolutiva, foi ascendendo até desenvolver-se como tal; vindo ‘’do acaso’’ e que a morte como trágica consequência do mesmo será o seu fim, pondo assim, o desfecho à história daquele. Numa esfera meramente ‘’existencialista’’ isto seria   viver e, por isto, tudo seria uma terribilíssima ilusão o quê, por conseguinte, tornaria a existência humana uma ‘’agonia’’. Ter-se-ia um prazo de validade e por isto, “Carpe Diem”, porque somos tão somente imanentes! No horizonte cristão responder às questões da existência humana são passadas pelo prisma da fé.
A partir desta visão é que iremos viver não alienados e tampouco fora de nós mesmos, todavia, uma vez que o Filho de Deus nos pode assumir: morrendo e ressuscitando, tornou-nos Nele, imortais. Enxergar a nossa existência depois de Jesus Cristo, ainda que tenhamos os estigmas do Pecado Original, somos cientes: Fomos criados para o Eterno, conforme nos testemunha Santo Agostinho: “Senhor nos fizestes para Vós e o nosso coração não descansará, enquanto em Vós não repousar!’’ 
Meus irmãos, é, já, com as referidas colocações que vamos, pois, comparando a nossa vida, o modo com a qual enxergamos, como respondemos às mais variadas situações. Neste sentido, temos por modelo a figura de Jó, proposta à primeira leitura. Este “justo”, pois, pode percorrer os seus dias pelo que vai ser uma espécie de ‘’resposta’’ a quem vive, consoante à vontade de um Outro. Jó é  provado em todos os sentidos da existência, chega, até pedir a Deus que seus dias sejam abreviados, desespera-se! E, é aqui, quando pensarmos “estarmos sozinhos”, procurando  a palavra que possa nos nortear, deve surgir o sobrenatural: “Que é viver de fé? Que é apostar-se, como, num salto em que não há superfícies humanas? Será, quando somos comprovados por Deus, nossa adesão é dada por uma profissão crédula ou quiçá agimos como quem barganha?
Atentemo-nos: Deus age para conosco quando parece que o tino para a vida foi tornado “escuro”. E aqui pensamos na grande esteira dos santos: Santa Tereza D’Ávila, São João da Cruz, Santa Tereza Benedita da Cruz... A primeira atitude de um crente é que Deus não o abandona! A fé, irmãos, não é um sentimento mágico, com o qual nossos problemas serão resolvidos, mas, acima de quaisquer precisões, ela é como que uma bússola a nos conduzir para o porto, onde é encontrado a âncora da nossa esperança!  Responde Deus,  a Jó: “Quem fechou o mar com portas, quando ele jorrou com ímpeto (...) quando eu lhe dava nuvens por vestes e névoas espessas por faixas; quando marquei seus limites e coloquei portas e trancas” ( cf. Jo 38, 8 sg.) .
 Na verdade, um ato de fé, é um abandono cego, como aquele do centurião que a Liturgia põe em nossos lábios: ”Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa, mas dizei uma palavra e serei salvo.’’  Sendo assim, é mister, compreendermos: A fé não é um objeto para mercantilização, quando, hoje ela é oferecida às esquinas neopentecostais. Admoesta-nos o então Cardeal Joseph Ratzinger: “A fé não pode reencontrar hoje o seu vigor quando é reduzida a indeterminação, mas só quando é compreendida em toda a sua grandeza. As reduções não salvam a fé, mas a barateiam. Ela só se torna significativa quando conserva toda a sua força. Não somos nós que devemos salvar a fé, mas é a fé que nos salva” ( cf. Ser Cristão na Era Neopagã, p. 53; conferência Os caminhos no atual momento de transformação; Maio de 1990).  
São Paulo, à epístola, nos coloca na consequência de quem professa a fé no Filho de Deus. O fato de que uma vez redimidos por Cristo, caminhamos para o encontro feliz da nossa vocação. É isto que nos levará o termo da nossa confiança em Deus: “Chegarmos à estatura do homem perfeito.”  Sim. Só a graça que vem da fé, é unida à nossa livre consciência, de modo tal, a ser verificado à palavra do apóstolo: “E se uma vez conhecemos Cristo segundo a carne já não o conhecemos assim. Portanto, se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo.” (cf. 2 Cor 5, 16 sg.). Ora, o caminho percorrido pela fé não nos torna incapazes de sofrimentos e vicissitudes. Ele vai nos moldando ao desejo da nossa identificação com Cristo, realidade que a Igreja nos mereceu através do Batismo, logo “está em Cristo” significa outrossim sedimentar o nosso “eu” à condição da fé!
No Evangelho, encontramos, Aquele de quem titula a Epístola aos Hebreus como Pontífice da nossa fé. Sim! Jesus Cristo é o caminho que devemos, seguramente, percorrer e, por sê-lo, é o   acesso para as realidades finais nossas. É Nele que passaremos à posse dos bens eternos que a fé, de antemão,   já nos granjeia! Mas, sabido que somos transeuntes, devemos percorrer as sendas da vida, não atemorizados como os discípulos no primeiro momento da tempestade. Nosso Senhor pode dizer: “Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: Arranca-te daqui e planta-te no mar”  (cf. Lc 17, 6) Muitas vezes podemos nos comportar e agir como aqueles: trancados pelo medo, são incapazes de saber, que, como diz o salmista: “não dorme e nem cochila o guarda de Israel.”
O sono de Cristo é um contraste em relação à incredulidade dos que estavam à barca. Na verdade, quando falhamos em não acreditarmos à presença de Deus em nossa vida, ainda que a barca fique trêmula, que os ventos sejam contrários, somos nós que “dormimos” e ainda não despertamos! Quantos vacilos: Tentarmos a Deus quando, sempre, Ele se faz presente diuturnamente a cada fio da nossa história pessoal, logo nos precipitamos: “Mestre, não te importa que pereçamos?”. Esta é uma tentadora interrogativa  a Jesus, irmãos! Porque em suas entrelinhas é encontrada a proposta dos que aderem a um Messias que “se curve” aos seus apetites!  Que perecer? Nosso Senhor nos arrancou das amarras do pecado. Não nos deixou sozinhos, sem rumo, mas pode abrir pelo seu lado trespassado o lugar em quê, pela virtude da fé, não naufragaremos.

Por fim, a tempestade acalmada, como um portento é crucial para que Jesus mostre a sua onipotência: “Quem é este a quem até o vento e o mar obedecem?” E com uma pergunta, Ele, responde-lhes: ”Ainda não tendes fé?” Eis : As duas perguntas se conjugam. Encontramos, o objetivo da virtude teologal que emoldura a Liturgia deste Domingo: Ciência de que Deus fora desvelado em seu Cristo e que pela profissão de fé Nele, que até mesmo os seres inanimados são-Lhe obedientes, procuremos nos plasmar como seguro rochedo e não seremos tragados pelo deserto do mundo: a falta de fé, pois não O encontraram. Santa Maria, a primeira dentre os crentes, nos ajude a percorrer como ela a via da fé, até um dia, gozarmos das alegrias dos ‘’bem-aventurados porque creram’’.

NOTA DE SUA EXCIA. REVMA DOM DULCÊNIO FONTES DE MATOS SOBRE A IDEOLOGIA DE GÊNERO


POR UM FUTURO SENSATO


Prezados leitores e leitoras,

            Ultimamente, nos deparamos com certa inquietação por conta de pessoas que insistem na ideia sobre a ‘Identidade de Gênero’ ou a igualmente chamada ‘Ideologia de Gênero’. Esta teoria insiste na “distorção completa do conceito de homem e mulher, ao propor que o sexo biológico seja um dado do qual deveríamos libertar-nos cabendo a cada indivíduo decidir o tipo de gênero a que pertenceria nas diversas situações e fases da sua vida”. (Nota Circular dos Bispos do Regional Nordeste 3 sobre a questão da Ideologia de Gênero).
            No meu modo de pensar, forçar a implementação da ‘ideologia de gênero’ chega até mesmo ser um constrangimento à família e à toda sociedade, isso sem me deter ao contristar com o querido por Deus quando da obra da criação. Constranger é incomodar, forçar; é, ainda, coagir e compelir. Entendam, baseio-me na nota dos Bispos do Regional Nordeste 3, que elucida: “No mês de junho todos os 5.570 municípios brasileiros deverão aprovar seus Planos Municipais de Educação (PME) de acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, instituído pela Lei 13.005/2014. Para relembrar, trazendo à lume os fatos, o PNE foi fruto de um intenso debate democrático com participação dos cidadãos brasileiros e de muitas pessoas com interesse pela família. Nele, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal rejeitaram a menção à ‘igualdade de gênero’ pela relação direta que a expressão tem com a chamada ‘ideologia de gênero’”. Se foi rejeitado na Câmara Federal e no Senado, por que, disfarçada e sutilmente, reaparece agora, colocado no processo para aprovação dos Planos Municipais de Educação que orientarão as secretarias de Educação e as diretorias das escolas municipais nos próximos dez anos? Creio que tudo isto está sendo veladamente apresentado – como que na surdina – porque pouco acompanhamos as discussões e atividades dos legislativos municipais, já que as votações naquelas casas - que seriam populares - são pouco acompanhadas pelos cidadãos, tendo em vista também o pouco, ou até mesmo o total desinteresse das grandes mídias de comunicação, grande formadoras da opinião pública. Caso os Planos Municipais de Educação contenham os ditames da ‘ideologia de gênero’, comprometeremos a formação de toda uma geração, levando em conta o seu período de vigência: a duração de uma década. Se a aprovação acontecer, os efeitos e consequências serão infindamente trágicos às consciências e aos valores dos indivíduos, da família e da sociedade como um todo, independentemente do credo que professam.
            Tal como afirmam os bispos, isso é um desrespeito. E digo mais: como tudo está sendo conjecturado, negociado e feito pelos pregoeiros da perversão dos costumes, isto é uma violência, pois os que estão por trás dessa implantação da ‘ideologia de gênero’ não se conformam com as reiteradas derrotas na Câmara e no Senado, no intuito pertinaz de ver concretizado em nossa sociedade um dos maiores equívocos da civilização humana com a aprovação do Estado. Nosso Senhor “elogia”, no Evangelho de São Lucas (cf. 16,1-10), essa habilidade dos estultos e servidores do erro, dizendo que é uma lição para os que propugnam pelo bem e pela verdade. Se eles são ferrenhamente defensores do erro e da confusão, com igual ou superior persistência, defendamos a luz da verdade, pois, como avalia o frade dominicano, Professor Estevão Vallaro, “se os cristãos, em geral, empregassem, em defesa do bem, metade do esforço dos que lutam pelo erro e pelo mal, com atrativos e maneiras que agradam, creio que o mundo seria mais feliz”. Para difusão dessas ideias, os seus defensores têm como meta a “desconstrução” da sociedade, começando por minar a família e, com este intento, a educação dos filhos. (Nota Circular dos Bispos do Regional Nordeste 3 sobre a questão da Ideologia de Gênero).
            Os bispos da Bahia e Sergipe enumeraram cinco partes inconvenientes para educação consoante à ‘ideologia de gênero’. Corroborando, como Pastor, as elenco aqui, apresentando-as com maiores detalhamentos: 1) A confusão causada nos crianças no processo de formação de sua identidade, fazendo-as perder referências acerca de uma salutar, biológica, necessária e consuetudinária noção de paternidade e maternidade; 2) A sexualidade precoce, na medida em que a ideologia de gênero promove a necessidade de uma diversidade de experiências sexuais para formação do próprio “gênero”. Pois, para tratar disto em sala de aula, por exemplo, as nossas crianças terão de, o quanto antes, ingressar nas fases de um antecipado autoconhecimento fisio-psicológico, pulando, destarte, etapas da puerilidade, desrespeitando a sua devida maturidade; 3) Num contexto em que há um combate por parte da sociedade como um todo, a 'ideologia de gênero' seria uma abertura perigosa para a legitimação da pedofilia, que poderá também ser considerada um tipo de gênero; 4) A banalização da sexualidade humana, aumentando a violência sexual, sobretudo contra as mulheres e homossexuais. Este fato, associado ao uso insensato da internet, poderá ser, maiormente, agravado; 5) A usurpação da autoridade dos pais, em matéria de educação de seus filhos, principalmente no tocante à moral e à sexualidade, já que todas as crianças serão submetidas às influências dessa ideologia, muitas vezes sem o devido conhecimento e consentimento dos pais, infringindo os valores cultivados pela sã educação familiar, fruto também de suas convicções religiosas.
            Meus amigos e irmãos, esforcemo-nos para levar adiante a mensagem que dignifique a família e salve a sociedade de uma terrível crise, de identidade inclusive. Que nossa bondade, nossa palavra, nosso empenho no apostolado de Cristo-Verdade e no zelo pelo futuro invadam o mundo. É uma cruzada santa, para a qual Cristo pede o nosso coração, as nossas forças, a nossa capacidade e bom senso. Imediatamente, procurem os vereadores, prefeitos e educadores, cidadãos e eleitores, homens e mulheres de boa vontade, para que conversem, e, pelo diálogo franco, seja mostrada a posição contrária da maioria das famílias sobre a ‘ideologia de gênero’. Se nos entregarmos a esta árdua tarefa, não teremos trabalhado em vão. Em simultâneo, o bom Deus ficará feliz com todos nós.


Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo Diocesano de Palmeira dos Índios

Ideologia de gênero: A criatura confabulando contra o Criador


Pelo Seminarista Ian Farias

Caros irmãos, Saudação e paz no Senhor! 

1. Posicionamento dos católicos 

Sobre a ideologia de gênero muito terá a se falar durante o percurso da história e dos aspectos biológicos. Mas confesso estar assustado com a reação de determinados grupos “católicos” com relação aos posicionamentos dos Bispos e da Igreja mediante tais questões. Satanás está de fato a regozijar-se com as confabulações daqueles que cerceiam ardilosamente em sua mente formas de promover a desconstrução do seio familiar e da dignidade humana. Eu não imaginava, mas vi ditos “católicos” que se debruçam sobre a sua fé em um domingo e durante a semana estão a maquinar perfidamente com as engenhosidades do pai da mentira e senhor da enganação. Com católicos assim, de fato, a Igreja não necessita inimigos. Recordo a estes o que dissera Santo Agostinho em sua obra Confissões: “Sim, fui expulso da tua presença. Tu és a verdade que a tudo preside, e eu, na minha avidez, não queria perder-te, mas possuir a ti e ao mesmo tempo a falsidade. Pois, ninguém quer mentir tanto, a ponto de ele mesmo ignorar a verdade. E assim te perdi, porque tu não aceitas ser possuído juntamente com a mentira” (X Livro, 66). Cuidado, meus irmãos, com a hipocrisia intelectual! Quem quer sentar na cátedra da verdade para julgar, mas desconhece a causa e as consequências do que julga, será julgado pela própria causa que pretendeu julgar. 

2. A manipulação da liberdade como argumento insustentável 

Mas para irmos ao centro do problema vamos além da colocação religiosa sobre família. Desejaria partir do próprio ponto biológico e genético para contrapor os insatisfeitos com o seu sexo, sejam eles masculinos ou femininos, perpassando as raízes filosóficas. Sim, porque pessoas que defendem tão calorosamente uma ideologia que incide diretamente nos valores e no destino da humanidade fazem-no antes de tudo por uma frustração para com a própria condição genética que é dada por Deus como dom a ser custodiado. A citada ideologia fere gravemente a natureza do próprio princípio natural e da ordem que sustenta desde sempre a obra da criação e que, por uma sede ardilosa de manipulação e insatisfação pessoal e ideológica, deseja investir contra a atual estrutura social. Se nós, de fato, conhecêssemos a fundo o projeto a que refiro-me não hesitaríamos uma vez sequer em recusar a possibilidade da sua votação. Como muitos dos nossos líderes políticos parecem não haver nenhum compromisso com a família, permitem que leis como essas sejam facilmente aprovadas. O que, por hora, parece-me – graças a Deus – não estar acontecendo, uma vez que pouquíssimas serão as cidades pelas quais deverá passa-lo. Em primeira instância devemos reafirmar a soberania da natureza sobre as concepções subjetivas que se propõem a desencadear um atrito contra a própria condição biológica do homem. Não depende em hipótese alguma do ser humano que ele nasça masculino ou feminino, mas é sim uma realidade natural inalterável. Propor uma faculdade de escolha, seja no âmbito masculino ou feminino, é perpetrar um ataque à própria natureza e evidenciar a crise existencial que não reconhece limites éticos e morais. Querer alterar o ciclo natural do desenvolvimento humano é interferir no processo natural e submeter a 2 humanidade num processo de desconstrução. Aqui não está em jogo apenas uma questão social, mas sobretudo o reconhecimento das suas necessidades básicas e fundamentais. O sexo não é mais visto como dado originário da natureza o qual o homem aceita-o e preenche significativamente. Antes, é manipulado e reduzido a um dado social arbitrário. Uma leitura coerente do livre arbítrio pode levar o homem a satisfazer os seus questionamentos sobre a liberdade e os seus limites; como também uma leitura errônea e alterada da mesma liberdade pode tornar-se para o homem uma máquina de morte, e este – como suicida – não se deixa imunizar pelo conhecimento e pela prudência, mas abarca em si apenas vontades desregradas, sinônimo de libertinagem. Em sua última encíclica Laudato si’, o Papa Francisco voltou a mencionar a incoerência causada pelo pensamento relativista, que norteia em grande parte os anseios do homem pós-moderno. Citando o Papa Bento XVI, o Pontífice recordar-nos-á as chagas que ferem o ambiente e a própria natureza humana: “todas elas se ficam a dever ao mesmo mal, isto é, à ideia de que não existem verdades indiscutíveis a guiar a nossa vida, pelo que a liberdade humana não tem limites. Esquece-se que ‘o homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria. O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza’ (Bento XVI, Discurso ao Bundestag, 2011)” (Laudato si’, nº 6). 

3. A interpelação da consciência e as respostas filosóficas 

Sobre os ataques a vida e a família uma leitura mais afincada do dramático cenário hodierno nos fará convergir para algumas décadas precedentes, quando Simone de Beauvoir afirmou: “Não se nasce mulher; fazem-na mulher – t pas femme, on le devient”. É de forma sorrateira que esta mentalidade foi se dispersando nos grupos sociais e moldando-se de forma a nos convencer que o homem não é fruto da ação natural, mas de suas escolhas. Isto já o víamos nas conclusões marxistas e gramscianas que para destruir a família estavam dispostas a todas as consequências. Parece-nos cada vez mais elucidar-se o epiteto lapidar de Rousseau: “O homem nasce bom, a sociedade o corrompe”. Santo Tomás de Aquino, falando sobre as verdades da razão natural e as verdades da fé cristã, atesta: “Se é verdade que a verdade da fé cristã ultrapassa as capacidades da razão humana, nem por isso os princípios inatos naturalmente à razão podem estar em contradição com esta verdade sobrenatural. É um fato que esses princípios naturalmente inatos à razão humana são absolutamente verdadeiros; são tão verdadeiros que chega a ser impossível pensar que possam ser falsos” (Suma Contra os Gentios, cap. VII). Não é, pois, um respaldo filosófico este que aqui lemos? Pode o homem subsistir contra a verdade? Para Tomás a verdade inata ao homem lhe é tão íntima, tão particular e peculiar que nada ou ninguém pode invadir a sua consciência para força-lo uma mudança de concepção. Aferrar a consciência do homem é privar-lhe do seu aspecto mais nobre e força-lo a pensar como mais um na massa midiática. Se é bem verdade, meus amigos, que a verdade é imutável perante a Sabedoria divina, é evidente que ela perante o conhecimento não muda, mas tornar-se mutável a percepção de assimilação das ideias (a verdade particular, que diverge da verdade relativa). Ora, tendo isto ante os olhos e debruçados na sabedoria tomista vemos que para além de uma verdade particular, a verdade universal nos limita e nos situa diante das possibilidades de ações. Como podemos transgredir esse sentido mais profundo e real do homem que está inerente a sua condição? Transgredir a voz cônscia do homem é estimular-lhe ao pecado e a uma vida desregrada, ínfima, pífia. 3 Com quanto, nos recordara o Sagrado Concílio Vaticano II: “no profundo de sua consciência o homem descobre uma lei que ele não deu a si mesmo, mas à qual deve obedecer e cuja voz ressoa, quando necessário, nos ouvidos de seu coração, chamando-lhe sempre a amar e a fazer o bem e a evitar o mal: faz isto, evita aquilo. Porque o ser humano tem uma lei inscrita por Deus em seu coração, em cuja obediência está a dignidade humana e pela qual será julgado. A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do ser humano, no qual está a sós com Deus, cuja voz ressoa no mais íntimo dela” (Gaudium et spes, n. 16). É um pecado tentarmos mudar esta realidade! Mas para não alongar-me demasiado – ainda mais do que já o fiz – procurarei retratar brevemente um último aspecto a ser encontrado na filosofia tomista e que vemos claramente transgredido durante os conflitos adjacentes a nossa cultura. A quarta via da prova da existência de Deus, Tomás a define como A via da perfeição. Nela recordar-nos-á que todas as coisas serão perfeitas se convergirem corretamente para a finalidade com a qual foram criadas. Existe em toda a obra da criação divina um grau de perfeição, este grau foi delimitado por um Ser perfeito que é causa de todas essas outras perfeições, este Ser é Deus. Se Deus é a causa de toda a perfeição não poderia Ele também fincar no homem um desejo de escolha que não lhe fosse ontológico, isto é, não poderia o homem decidir-se ser masculino ou feminino de forma natural? Contudo não lhes basta a ordem divina, agora pretensamente se veem no direito arrogante de desorganizarem toda a ordem natural. 

4. Posicionamento diante da psicologia 

Ainda que o homem pretenda interferir no plano de Deus este não se submeterá a vontades “mimadas”. Se o governo acha que chamar um menino de menina e estimula-lo a este exercício produzirá um resultado fidedigno ao seu querer, está profundamente enganado. Nós não estamos domando cães com o método de condicionamento de Pavlov. Estamos tratando de seres humanos. Homens e mulheres que possuem dignidade e direitos inalienáveis. Mesmo que o método de Pavlov oferecesse uma contribuição primeira na (perdoem-me a força da palavra) “domesticação” de seres humanos, depois de condicionados o que se faria? Um bom estudante de psicologia sabe que o método pavloviano era repetido constantemente e transcorrido algum tempo passou a observar que outros condicionamentos começaram a manifestar-se nos cachorros além da salivação. Quais os outros condicionamentos que veremos surgir nas gerações futuras? Como poderíamos responder aos anseios destes jovens que sem dúvida terão uma vida revoltada? Como poderíamos responder aos anseios de uma sociedade que não sabe mais limitar homens e mulheres? Como poderíamos conter a catastrófica devastação humana e social que será causada? 

5. Conclusão 

Peçamos, enfim, ao Senhor da vida que nos conceda a graça da verdadeira liberdade. Faço votos que a nossa fé não se restrinja a nós, mas nos leve em primeiro lugar a presença de Cristo e, posteriormente, ao encontro com o outro e ao reconhecimento da sua dignidade. Como ressaltei na mensagem que dirigi por ocasião do encerramento do ano da fé: “se a fé torna-se sinônimo de isolamento não subsiste porque se torna discrepante com o Evangelho e com o modelo de Igreja que nos foi transmitido na vicissitude dos séculos. É necessário que aprendamos a ser individuais sem sermos individualistas” (A crise de fé na existência do homem contemporâneo, 09 dez. 2013). Jequié, 19 de junho de 2015 Ian Farias de Carvalho

sábado, 13 de junho de 2015

XI DOMINGO DO TEMPO COMUM

(Ano B- 14 de junho de 2015)
Por André Fernandes Oliveira

I Leitura: Ez 17, 22-24
Salmo Responsorial: Salmo 91(92),2-3.13-14.15-16 (R/. cf. 2a)
II Leitura: 2Cor 5, 6-10
Evangelho: Mc 4, 26-34



         Caríssimos irmãos,

            Neste Domingo, a Liturgia nos interpela a uma profunda meditação sobre a Palavra de Deus. Amiúde ao nos referirmos a esta expressão soa a Bíblia, as Escrituras Sagradas, que a Pessoa do Espírito Santo inspirou a homens que, segundo o próprio Deus, deveriam verbalizar ao povo da aliança primitiva.
             Dado este fato, nasce à história de Israel – em meio às alianças – o profetismo que nos recônditos é, outrossim, na plenitude dos tempos o termo, o desfecho do que a teologia chama o “evento da nossa salvação”, com a soleníssima declaração joanina: “Et Verbum caro facto est” (cf. Jo 1, 14). Este dogma da encarnação acontecido às entranhas de Maria Virgem e, de maneira peculiar, recordado no Tempo Litúrgico do Natal, é-nos, todas às vezes que a Eucaristia é celebrada, vislumbrada no dorso do Mistério Pascal: No Altar, o que nos foi anunciado pela boca do Ministro Ordenado como ‘Verbum Domini’ é, muito além do significado ordinário, e, algumas vezes, abstrato  como elemento entre  emissor e receptor porque a Palavra é  o ‘fiat’ sempiterno.
             De São Paulo, haurimos: “A Palavra de Deus é uma espada afiada, de dois gumes. Penetra medula e articulações” (Hb 4,12). E o Bispo Eusébio de Cesareia, no arcano século IV, comenta: ‘’(...) a voz ordena que se prepare um caminho para a Palavra de Deus e se aplainem os terrenos escarpados e ásperos, a fim de que o nosso Deus possa entrar quando vier. É esta a pregação evangélica que traz um novo consolo e deseja ardentemente que o anúncio da salvação de Deus chegue a todos os homens” (cf. Dos Comentários sobre o Profeta Isaías, de Eusébio de Cesareia, bispo).
Ora, tomados por salutares ensinamentos que a Palavra de Deus não é passada de forma passiva pelos nossos dias, todavia ela deve nos atingir, de maneira tal a sermos transfigurados, porque à teofania do Tabor o Pai declara: “Este é o meu Filho, ouvi-O!” E que na potência do Espírito Santo glorificar-nos-á.  Desta maneira, se verifica o ensinamento de São Jerônimo: “Na Escritura, Deus fala conosco, à oração falamos com Deus”. Nossa oração é sólida quando somos atingidos pela sapientíssima Palavra!
A partir daí somos inseridos ao que o lecionário dominical proclamado à Igreja. À Primeira Leitura do Profeta Ezequiel, o contexto é o da crudelíssima deportação, em 597 a. C. para Babilônia. O exílio que pode ser indagado, como o salmista, quando diz: “Onde está o teu Deus?” No início do capítulo dezessete, o profeta descreve a situação de Israel com uma parábola. Israel é marcado por um processo de ‘domínio’ de um estrangeiro, um tirano, como Nabucodonosor, cuja vontade se encontra distante dos preceitos de Adonai e a Vinha, isto é, o Povo que Deus formou a partir de Abraão, também compactue.
A alegoria é instrutiva para compreendermos qual o ímpeto da Palavra em contrapartida aos descasos do homem. Sendo assim, podemos nos questionar: O quê a Palavra- como a presença de Deus, do Reino dos Céus, é capaz de nos deixar inquietos? A Palavra de Deus, ‘semente lançada à terra’, é, por nós, recebida como as turbas que desejam ouvir aos ensinamentos do Filho Deus?  E, na comunhão com o Verbo encarnado: O que se pereniza? A arrogância do homem caído ou afeito por tal Palavra ordenadora? Destarte, quando somos lançados por essas interrogações, teremos um conhecimento individual e cônscios de quê todas as iniciativas partem de Deus e, jamais, da autossuficiência e do poderio rebelde que é a concupiscência, equiparado com as palavras da história, nos versículos precedentes aos proclamados hoje.
Diz o profeta: ‘’Diz-lhe que assim fala o Senhor Deus: Acaso vingará? Acaso a águia não arrancará suas raízes? Não estragará seus frutos, fazendo secar todos os seus brotos novos (...) Ei-la que está plantada; vingará?’’ (cf. Ez 17, 9-10).  Plasmar a nossa existência distante de Deus ou, então, usurpá-Lo é consequente a própria derrota porque pela boca de Nosso Senhor, podemos ouvir: “Sem mim nada podeis fazer” ( cf. Jo 15, 2), logo se coaduna a onipotência proferida: ‘’(...) saberão todas as árvores do campo que eu, o Senhor, é que baixo a árvore alta e exalto a árvore baixa, que seco a árvore verde e faço brotar a árvore seca. Sim, eu, o Senhor, o disse e faço.’’ (cf. Ez 17, 24)   A Igreja proclama no Salmo Responsorial  o que significa uma diuturna ‘escuta’ à Palavra: “(...) Mesmo no tempo da velhice darão frutos, cheio de seiva e de folhas verdejantes; e dirão: É justo mesmo o Senhor Deus: meu Rochedo, não existe nele o mal” (cf. Sl 91).
À leitura da epístola, São Paulo, desenvolve de maneira direta o tema da cidadania celeste. E isto se entende pelo que significa no tempo, agora, da peregrinação terrestre.‘’Em atenção a tua Palavra’’( Lc 5,5). A obediência a Deus, que é temor, nos leva a uma verdadeira alegria. Escreve o segundo corifeu dos apóstolos: ‘’(...) nos empenhemos em ser agradáveis a ele, quer estejamos no corpo, quer já tenhamos deixado essa morada.’’ ( cf. 2 Cor 5, 9) .  Ora, é a Palavra de Deus que nos direciona pelas sendas em aprazer-nos à retidão, e por esse discernir é que receberemos, ‘’a devida recompensa-prêmio ou castigo- do que tiver feito ao longo de sua vida corporal. ‘’ ( cf. 2 Cor 5, 10).
No Evangelho, Nosso Senhor conta para os seus seguidores o que São Mateus chama as ‘’Parábolas do Reino’’. São Marcos nos relata a pedagogia do Divino Mestre em ensinar através das parábolas para em meio a linguagem aí adotada que se refere aos costumes da cultura, para anunciar realidades transcendentes. O discurso de Jesus é condensado à máxima da sua pregação, no início do seu ministério messiânico: ‘’(...) veio Jesus para a Galileia proclamando o Evangelho de Deus: ‘Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho’” ( cf. Mc 1, 15).  É concomitante a mútua relação entre a Palavra e o Reino de Deus, que, após atenta leitura absorvemos na única realidade: Jesus de Nazaré.
Ele, a Palavra, é a síntese de que o Reino, primeiro, não se trata duma realidade cujo alcance seja impossível aos homens porque do contrário as variadas imagens dos terrenos não seriam comparadas. Em segundo plano também devemos entender qual o significado: ‘’a semente germina e cresce, sem que ele saiba como.’’ ( cf. Mc 4, 28)  Deus como o Princípio do tudo que  outrora era ‘’caos’’ é quem faz como que a semente às entranhas da terra ser bem desenvolvida. O Verbo encontrado no horizonte do Infinito, desceu à Terra, tornou-Se, para Nele nos tornamos, por isso a costumeira, mas certeira questão: Qual o tipo de terra, somos nós?  A unidade entre a Palavra e o Reino de Deus à vida cristã é a plena adesão duma conformidade à graça benevolente da nossa insuficiência para com a mercê do Todo Poderoso, logo nos encostamos em São Paulo quando diz: ‘’Paulo plantou, Apolo colheu, mas Deus é quem faz crescer!’’
Atentemo-nos: Os critérios naquilo que é referível ao Reino dos Céus não se adequa à sabatina dos, muitas vezes, parcos argumentos por parte do pensamento mundano. Deus, ao decurso da economia salvadora, pode nos surpreender. Eis a primeira leitura!  Neste sentido Nosso Senhor nos leva à parábola do grão de mostarda. ‘’Com que compararemos o Reino de Deus? (...) É como um grão de mostarda que, quando é semeado na terra- é a menor de todas as sementes da terra- mas, quando é semeado, cresce e torna-se maior que todas as hortaliças, e deita grandes ramos, a tal ponto que as aves do céu se abrigam à sua sombra.’’( cf. Mc 4, 30- 32).

Quando Jesus se utiliza mais uma vez da presença de uma semente quase imperceptível à palma da mão nos evidencia a certeza de que o Reino de Deus e o que simultaneamente a ele pertence, é fato sobrenatural. Porém, a sua grandeza é tão abrangente que aos olhos mesquinhos dos seus algozes ‘’parece’’ não acontecer. Que precisa tal Reino para que O seja?  Possam perguntar os iníquos. Jesus a responde pelos dias do seu apostolado e sobre a árvore da cruz que, não obstante sendo o execrável castigo, foi tornada causa de salvação e assim pudéssemos contemplar tanto o nosso caminho de ‘’retorno’’ a Deus quanto como deve ser executado, uma vez tido o nome de ‘’cristãos’’.  Amém!

domingo, 7 de junho de 2015

SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

(Ano B – 12 de junho de 2015)

I Leitura: Os 11,11.3-4.8c-9
Salmo Responsorial: Is 12,2-3.4bcd.5-6 (R/.3)
II Leitura: Ef 3,8-12.14-19
Evangelho: Jo 19,31-37

*Por Marcus Tullius

Após as alegrias pascais, caminhando com o Ressuscitado e haurindo d’Ele as forças necessárias para continuar a Sua missão, a Igreja convida os cristãos a celebrarem uma sequência de três festas dentro das chamadas “Solenidades do Senhor no Tempo Comum”. Estas não possuem data fixa, mas, pela sua natureza, são celebradas no decurso do per annum. As que aqui nos referimos são a Santíssima Trindade, Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo e Sagrado Coração de Jesus, pois acontecem num curto ínterim após a Solenidade de Pentecostes. Deter-nos-emos à última delas, ressaltando que este conjunto ainda se compõe da Transfiguração do Senhor e da Solenidade de Cristo Rei do Universo.
Situando-nos historicamente, o culto litúrgico ao Coração de Jesus se origina no século XVII com São João Eudes, no mesmo período em que Nosso Senhor Se revela à visitandina Santa Margarida Maria Alacoque, depositando-lhe as Doze Promessas, largamente difundidas posteriormente mesmo em meio às inúmeras resistências encontradas ad intra et ad extra ecclesiam. Contudo, parece-nos que isto tenha sido de grande importância para que a devoção encontrasse terreno fértil no coração dos fieis para arraigar as salutares sementes oriundas do próprio Coração de Jesus.
Falar do coração incita-nos a falar de amor. A falar do Amor, por excelência. O homem, no mais profundo do seu ser, anseia amar e ser amado, procura em toda a sua trajetória terrestre, multiformes manifestações do amor, encontrando – e nem sempre buscando – a sua forma plena no Coração do Verbo Encarnado. Os textos proclamados na liturgia do corrente ano convidam-nos a proclamar este Amor, o amor de Deus, cujo “coração comove-se no íntimo e arde de compaixão” (cf. Os 11, 8c) e a volver o olhar para o Cristo, transpassado na Cruz, verdadeiro Cordeiro Pascal, de cujo coração sai sangue e água, símbolo dos dons da salvação. (cf. Jo 19,34)
Amor, vivido em sua vertente agápica, exige uma profunda espiritualidade e uma relação de intimidade com Deus, o Amado, o eterno oferente. Mais do que um sentimento, o amor se configura como virtude, ou seja, algo bom que vai sendo repetido e praticado com mais perfeição em nossa vida. Assim, quanto mais nós amamos, melhor o amor vai tornando realidade em nossa vida. O amor, do latim caritas, impulsiona a nossa Fé, faz com que ela tenha razões para existir em nosso coração e corresponda ao plano de Deus. A propósito, para se falar do amor de Deus, é impossível não citar a primeira encíclica do Papa Bento XVI, Deus Caritas est, que já em suas primeiras linhas, norteia-nos na vivência deste amor e sua intrínseca relação com a fé. “Nós cremos no amor de Deus — deste modo pode o cristão exprimir a opção fundamental da sua vida. Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo. No seu Evangelho, João tinha expressado este acontecimento com as palavras seguintes: ‘Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único para que todo o que n'Ele crer (...) tenha a vida eterna’ (3, 16). Com a centralidade do amor, a fé cristã acolheu o núcleo da fé de Israel e, ao mesmo tempo, deu a este núcleo uma nova profundidade e amplitude.” (cf. Deus Caristas Est, 1).
O dom da fé e da graça eleva o homem ao estado sobrenatural, somos filhos de Deus (cf. 1Jo 3,1). Quando manifestamos o amor através dos nossos atos e da mais profunda oração, fazemos jus a este nome que recebemos: filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança. Neste estado podemos dizer com São Paulo “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (cf. Gl 2,20). Para ser todo de Jesus é preciso que o amor transborde profundamente.
Amor à Palavra: Verbo pronunciado pela boca de Deus, gerado em suas entranhas e soprado pelo Espírito aos corações dos que creem, “porque em dar-nos, como nos deu, seu filho, que é sua Palavra única (e outra não há), tudo nos falou de uma só vez nessa única Palavra, e nada mais tem a falar, (...) pois o que antes falava por partes aos profetas, agora nos revelou inteiramente, dando-nos o Tudo que é seu Filho. Se atualmente, portanto, alguém quisesse interrogar a Deus, pedindo-lhe alguma visão ou revelação, não só cairia numa insensatez, mas ofenderia muito a Deus por não dirigir os olhares unicamente para Cristo sem querer outra coisa ou novidade alguma.” (Cf. São João da Cruz, Subida del Monte Carmelo, 22,2).
Amor à Eucaristia: memorial sacrifical do Cordeiro, fonte de eterna Salvação. “Se o mundo antigo tinha sonhado que, no fundo, o verdadeiro alimento do homem — aquilo de que este vive enquanto homem — era o Logos, a sabedoria eterna, agora este Logos tornou-Se verdadeiramente alimento para nós — como amor. A Eucaristia arrasta-nos no ato oblativo de Jesus. Não é só de modo estático que recebemos o Logos encarnado, mas ficamos envolvidos na dinâmica da sua doação.” (cf. Deus Caritas est, 13).
Amor à Igreja: Mãe e Mestra, família de Deus, casa de irmãos, que possui um coração, como reconheceu Santa Teresinha do Menino Jesus, “e que este coração arde de amor. Compreendi que só o amor faz os membros da Igreja agirem, que se o Amor viesse a se apagar, os Apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os Mártires se recusariam a derramar seu sangue... compreendi que o Amor encerra todas as vocações, que o Amor é tudo, que ele abraça todos os tempos e todos os lugares... em uma palavra, o Amor é eterno!” (cf. Santa Teresinha do Menino Jesus, Ms. Autob. B 3v).
Amor aos irmãos: a síntese dos sete últimos mandamentos do Décalogo atualizados por Jesus na Ceia derradeira, seja pelo mandamento do Amor enunciado de seus lábios ou pelo exemplo dado aos seus, abaixando-se e lavando-lhes os pés. Ao amá-los ad finem, “Jesus fez da caridade o novo mandamento” (cf. Santa Teresa de Jesus, Excl., 15,3) O espelho desse amor aos irmãos é a comunidade perfeita, a Trindade Santa. Não só espelho, mas é o porto seguro no qual ancoramos nossas vidas, pois afirma o Catecismo da Igreja Católica que “o amor ao próximo é inseparável do amor a Deus.” (cf. 1878).
Falar do coração também incita-nos a falar de discipulado. Para os dias de hoje é oportuno retomarmos esta palavra e nos perguntarmos: “o que é ser discípulo?” A palavra latina discipulus diz-nos de aluno, aprendiz. De Quem aprende o discípulo? Do Mestre. Sim, o Mestre Jesus: Aquele que está sempre a ensinar. Esta relação de aprendizado gera intimidade para os discípulos-missionários do Coração de Jesus com o próprio Coração de Jesus e com os irmãos. Quando temos intimidade com uma pessoa, queremos que ela esteja sempre ao nosso lado, partilhe da nossa vida, vibre com as nossas alegrias e nos fortaleça nas tristezas. O apóstolo do Coração de Jesus tem que desvendar cada mistério do seu Mestre, não pode ter reservas com Ele e deve desejar ardentemente estar sentado à mesa com Ele. A pessoa que nos é íntima tem lugar à nossa mesa, caminha conosco e se configura como companheiro da caminhada, come do mesmo pão conosco. “Aprendei de mim que sou manso e humilde de Coração.(cf. Mt 11, 29) A Escola do Coração de Jesus possui as portas abertas. Esta é a escola que não tem idade, em que todo dia é dia de aprender sempre mais. Jesus é o Mestre que nunca se cansa de ensinar e nós somos os discípulos/amigos que sempre temos a aprender. Assim conhecemos o amor apaixonado de Deus por nós e nos apaixonamos por Ele. “De seu Coração aberto jorrou para nós a água da vida e o sangue da Eucaristia, não para nossa tristeza, mas para alegria nossa.” É preciso ouvir a voz do Coração de Jesus para ser um bom discípulo dEle. A experiência com a sua Palavra, proclamada pela Igreja dia a dia, é o meio para a realização daquele que deseja segui-Lo incondicionalmente. É isso o que Paulo expressa na segunda leitura proposta pela Liturgia: “tereis assim a capacidade de compreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura, a profundidade, e de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo conhecimento, a fim de que sejais cumulados até receber toda a plenitude de Deus.” (cf. Ef 3,18-19).
Por fim, proclamemos com a Igreja o amor de Deus que se manifestou plenamente em Cristo e bendigamos, como no prefácio da solenidade: “Elevado na Cruz, entregou-se por nós com imenso amor. E de seu lado aberto pela lança fez jorrar, com a água e o sangue os sacramentos da Igreja para que todos, atraídos ao seu Coração, pudessem beber, com perene alegria, na fonte salvadora.” Acorramos ao Seu encontro! Afinemos o compasso de nosso coração no compasso do Coração de Jesus!

Coração de Jesus, fornalha ardente de Caridade, tende piedade de nós!


X DOMINGO DO TEMPO COMUM

(Ano B – 07 de junho de 2015)

Por Ian Farias de Carvalho


I Leitura: Gn 3,9-15
Salmo Responsorial: Sl 129(130),1-2.3-4ab.4c-6.7-8 (R/. 7)
II Leitura: 2Cor 4,3-18-51
Evangelho: Mc 3,20-35 (Jesus em casa ensinando)

Caros irmãos,

No X Domingo do Tempo Comum, a Liturgia chama-nos a uma profunda meditação sobre o sentido de unidade e obediência, aceitado, resignadamente, às provações e mantendo a confiança inabalável no Senhor.
Gostaria, particularmente, de deter-me em primeira instância no Evangelho, onde o Senhor apresentará a simbologia da divisão como proveniente do reino das trevas, da força de Satanás. Já isto é evidenciado no próprio nome diabolus significa divisor e dele Jesus evidencia o principal caráter na narrativa hodierna.
“Como é que Satanás pode expulsar a Satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela nos poderá manter-se. Assim, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído” (Mc 3, 23-26).
Aqui não seria cabível indagar-nos sobre as questões atuais que laceram o corpo místico de Cristo também em nosso tempo? Quantas vezes temos instrumentalizado a Igreja e o irmão causando, assim, um conflito de ideias, opiniões e valores? Quantas vezes os que deveriam zelar pela Igreja a tornam alvo de apelos à desobediência ou mesmo parecem ensurdecidos diante dos apelos da mesma Igreja? Não exercem estes um papel de divisores, de diabolus no seio eclesial quando deturpam o rosto da Igreja?
Quem está dividido não está todo, e nisto parece-me que é a falha de tantos grupos que se denominam de fé autônoma, mas findam de imediato porque geram divisões. Estar por inteiro é estar em todas as partes, sem que nenhuma delas se perca ou se desvie, é estar todo e, mais que isto, é estar no Todo.
Por isso, somos chamados a não nos desesperarmos nas tribulações, mas mantermos a mesma confiança que dissera o salmista nesta liturgia dominical (Sl 129). Esperar no Senhor é, de fato, a virtude máxima daqueles que sofrem tribulações das mais diversas. O mal não cessa de investir contra a nossa fé, de nos estimular a consciência para o pecado e de extinguir a presença de Deus da vida humana. Desde a Primeira Leitura podemos constatá-lo na narrativa da criação, quando Adão e Eva já se encontravam gozando das maravilhas do paraíso, mas se deixam sucumbir pela voz da serpente.
Quando a serpente faz um estímulo à desobediência, a fraqueza humana e a sede de ser igual a Deus falam mais alto que a obediência e o amor aos ensinamentos divinos. Mesmo que Deus lhes tivesse proibido de comer da árvore, o fato dela aguçar os sentidos levou Adão e Eva a não resistirem ao convite tentador daquele que é o principiador da mentira. E vemo-lo ainda de forma vivaz os quantos não resistem ao grito do mal que brada pela desconstituição da dignidade humana e cedem às diversas formas de corrupção de si mesmos.

Peçamos ao Senhor, por intercessão da Virgem Maria, a graça de conhecermos melhor os nossos limites e fraquezas, para que possamos amar e exercitar em nós o consentimento com a vontade divina.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

SOLENIDADE DOS SANTÍSSIMOS CORPO E SANGUE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
(Igreja Matriz de N. Sra. da Conceição - Povoado Mosqueiro, Aracaju, Sergipe - 04 de junho de 2015)

"É sentida por demais pelo Senhor a morte de seus santos seus amigos"  - Sl 115, 15


O Senhor sempre nos tem um amor imenso, não obstante chamando-nos 'amigos’, tal como na Última Ceia: a noite da instituição da Eucaristia: "Vós sereis os meus amigos se seguirdes meus preceitos".

Amigo, vocativo que aparenta estar desgastado pelo seu uso inadequado, baseado em sentimentos distantes ou pouco consistentes, frágeis. Bem diz o Eclesiástico: "O amigo fiel é um medicamento de vida e imortalidade" (Eclo 6,16). Logo, o que assistimos do mundo e que se nos apresenta como amizade, não o é de fato.

"É sentida por demais pelo Senhor a morte dos seus santos, seus amigos" (Sl 115,15). Com esta afirmação do Salmo Responsorial de hoje, nesta Solenidade de Corpus Christi, percebemos com grandeza quão tamanha é a importância que temos diante de Deus. Fomos elevados à condição de santos, porque pela participação no Sacramento do Altar, participamos já da Vida Divina, simultaneamente ao que deixamos transparecer a essência de Deus em nós: a Sua Santidade; tornamo-nos tão intimamente amigos que ganhamos as Suas feições.

O Senhor nos quer próximos a Si. Por isso que o Salmo afirmar o seu sentimento com a nossa distância, com a nossa ausência trazida pelo autor sagrado como 'morte'. Não é a morte enquanto fim da existência biológica, mas uma muito mais lamentável: a morte do interior humano; do seu senso de fé; o aferrecer no relacionamento com o Senhor. Sem Ele não existimos; sub-existimos com carências gravemente extremas.

Cremos que Deus, assim como está no céu, encontra-se na Eucaristia. Ele no-lo garantiu ao dizer: Isto é meu Corpo... Isto é meu Sangue... Devemos procurá-lo sempre onde própria e efusivamente Ele se dá. Não existe outra realidade no mundo que seja Deus essenciamente quanto na Eucaristia. Jesus no Santíssimo Sacramento é o melhor dos amigos.

Daí o motivo para Santo Afonso de Ligório, como contando um segredo, uma experiência de sua alma enamorada com Deus, afirmar:

"Bem suave é estar a gente na companhia de seu amigo querido; e não nos será suave neste vale de lágrimas, estarmos na companhia do melhor dos amigos, de um amigo que pode nos encher de todos os bens, nos ama apaixonadamente e por isso se deixa ficar continuamente conosco? Eis que no Santíssimo Sacramento nos podemos entreter com Jesus à nossa vontade, abrir-lhe o coração, expôr-lhe as nossas necessidades, pedir-lhe graças. Podemos, numa palavra, neste mistério tratar com o Rei do Céu com toda confiança e singeleza. [Muito] felizes somos nós por termos sempre conosco, nesta miserável terra, nosso Deus feito homem, que, com o coração cheio de amor e de misericórdia, nos honra com sua presença real a cada instante de nossa vida. [...] Eis que aqui está nosso bom amigo Jesus Cristo, que neste Sacramento nos anima com estas palavras: 'Convosco estou todos os dias'. Eis-me aqui todo para vós, vindo céu à vossa prisão de propósito para vos consolar, ajudar e pôr em liberdade. Acolhei-me, fiquemos sempre juntos, uni-vos a mim; que então não sentireis mais o peso das vossas misérias, e depois vireis comigo para o meu reino, onde vos farei plenamente felizes. A toda alma, que o visita no Santíssimo Sacramento [e principalmente o recebe na comunhão da Missa] Jesus diz como outrora o Esposo Cântico dos Cânticos: "Levanta-te, apressa-te, minha amada e vem" (Ct 2,10). Levanta-te de tua miséria, pois aqui estou para te enriquecer com minhas graças. Aproxima-te, não temas minha divina majestade, que se humilhou neste Sacramento para dissipar o teu temor e te inspirar. Tu não és mais minha inimiga, mas minha amiga, já que me amas e eu te amo. A minha graça te fez tão bela à minha vista. Vem, pois, a mim, vem lançar-te nos meus braços, e pede-me com toda confiança o que de mim queres. - Vamos, pois, a Jesus com muita confiança e amor, unamo-nos a ele e roguemos-lhe graças. Ó Verbo eterno, feito homem e sacramento por meu amor, quanta deve ser a minha alegria, quando penso que estou diante de vós, que sois o meu Deus, a Majestade suprema, a bondade infinita, diante de vós, que tão ternamente amais a minha alma. [...] Fazei com que eu ponha em vós todos os meus afetos. Tornai-vos dono de toda a minha vontade, possui-me por inteiro. Consagro-vos o meu espírito, para que se ocupe somente com vossa bondade; consagro-vos também o meu corpo, para que me auxilie a vos agradar; consagro-vos a minha alma, para que seja toda vossa. Quero no futuro fazer tudo que puder para vos ser agradável".

Que o amor que inflamou o coração dos santos, dos amigos de Deus, seja-nos um potente exemplo para que nos dilatemos na amizade com 'O Sacramentado', deleitando-nos sempre Nele, fomentando profundamente o nosso interior para, com a nossa vida intimamente unida a d'Ele, façamos a Sua vontade, expressando-Lhe o nosso imenso amor, ao repousarmos em Seu coração, deixemos que Ele se decline no nosso, tal como Ele quis: "Vós sereis os meus amigos se seguirdes meus preceitos" (Jo 15,15).