Caros irmãos,
Celebrados
os exatos quatro domingos do Tempo do Advento chegamos com todo o universo e
com toda a Igreja, gaudiosos, “às festas
da salvação”. Com certeza o “hoje” que a Liturgia incansavelmente faz
notar, suplanta a um simples advérbio temporal, mas é, sobretudo, um evento
teologal, que se justapõe com as primeiras palavras do Salmo II que é o intróito
da Missa na Noite do Santo Natal:”Dóminus
dixit ad me: Fílius meus es tu, ego hodie génui te ( Sl 2, 7).” Sim! Hoje,
maravilhosamente, completaram-se a lei e os profetas. Deus que outrora
revelara-se por meio, hoje, no seu
Unigênito, mostrou-Se. A imagem do
“Senhor dos exércitos” que aclamamos no Sanctus da Missa é encontrada à débil e
cândida fragilidade de um recém-nascido.
Como há lógica neste inaudito e solene
evento? Como a nossa humanidade que é sempre levada para sentenciar com larga
comprobação e exatidão, pode unir-se aos coros dos anjos e cantar o
Glória? Como nos agremiamos aos pastores
de Belém, ignóbeis, que apascentavam as ovelhas para suster a si mesmos e às
suas famílias? Ainda: A espantosa presença dos sábios vindos do Oriente que
oferecem na pobreza daquele recinto, ouro, incenso e mirra? Eis aí, então, como
exclama Santo Agostinho, admirado, a precisa e mistérica resposta: “Ó admirável comércio! O Criador do gênero
humano , tomando um corpo e uma alma, dignou-se nascer da Virgem e, tornando-se
homem sem a participação do homem, torna-nos participantes da sua divindade.”
Defronte às palavras do Santo Bispo de Hipona, poderíamos, ousar com
umas perguntas: Se a natureza humana estava decaída, como, então, pode ser a
encarnação do Verbo um “admirável consórcio”? Se é uma troca, quando, a Palavra
no-lo toca e, uma troca, deve ser ao menos numa “ligeira concepção”, algo de
salutar, o que demos a Deus? Nossa
humanidade? Nossa aventura de viver? Nossos níveis e desníveis? Sim. O Natal
ora iniciado e celebrado em sua Oitava e nos dias que seguirão com as demais
festas, desponta para o misto desta verdade: Como podeis Vós, Senhor, a quem
Moisés havia perguntado o nome para anunciá-Lo aos filhos de Israel e
dissestes: “Eu sou”, vos condicionastes à mendicância dum estábulo, fostes
reclinado, numa manjedoura, o cocho, onde os animais que se abrigavam no curral
comiam? Deus! Somente porque Sóis, vos comiserastes, como assentimos no Credo: “Qui propter nos homines et propter nostram
salútem descéndit caelis.” É aqui que podemos desenvolver uma diligente
meditação ao insodabilíssimo mistério do presépio.
No conjunto das leituras proclamadas pela
Igreja na Liturgia na Noite de Natal ouvimos a grandeza que a sacrossanta
natividade deste Menino trouxe. À primeira leitura que pertence ao chamado
Livro do Emanuel mostra a esperança que chegará para o povo que se encontrava
oprimido ao cativeiro de Babilônia. Esta lamentável situação para Israel que
era como se Deus estivesse ausente e abandonado o seu povo, é vislumbrada pela
presença da luz. “O povo que andava nas
trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra
sombria.” Neste versículo, vê-se, com clarividência, uma das muitas profecias
messiânicas, o que se sublinha, nos versículos finais da leitura: “Porque um menino nos nasceu, um filho nos
foi dado, ele recebeu o poder sobre seus ombros, e e lhe foi dado este nome:
Conselheiro-maravilhoso, Deus-forte, Pai-para-sempre, Príncipe-da-paz, para que
se multiplique o poder, assegurando o estabelecimento de uma paz sem fim sobre
o trono de Davi e sobre o seu reino, firmando-o, consolidando-o sobre o direito
e sobre a justiça (Is 9, 5 sg.) .
Com razão os estudos exegéticos observam
que as evocações destes nomes que são títulos apontam para o perene reinado do descendente
davídico. A promessa de que a lâmpada da casa de Davi não se apagaria não se
cumpre, também, à sabedoria de Salomão. São apenas figuras. “E reinará para sempre sobre os descendentes
de Jacó”, como revelou o anjo Gabriel à Virgem Maria quando anunciada,
cumpre-se, hoje, agora, à Noite de Betthelem
que sendo a “casa do pão”, é, lá, que se diga, onde já o Verbo de Deus,
nascido de Maria Virgem, mostrou-Se carne para a vida do mundo, como
posteriormente, proclamar-Se-á. Mas que
aparente paradoxo entre os títulos que se evocam para o Ungido em relação ao
ambiente que o presépio nos evidencia. Aquele Menino nascido em Belém é, de
fato, o Deus-forte? Não é, por acaso, a fúria de Herodes que deveria ser
prevalecida, quando ordena que todas as crianças recém-nascidas sejam
cruelmente assassinadas? Qual é a fortaleza que marca o Deus-Menino? É, com
justeza, o silêncio e a verdade que se contempla: “Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, e
Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na
manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria (Lc 2, 6-7).
Neste ponto há duas realidades do
presépio que merecem ser notadas. A tradução da Bíblia de Jerusalém não diz hospedaria, de modo que se pode pensar
um lugar com muitos cômodos e, que, poderia está preparada para receber os
peregrinos que chegassem em Belém em virtude do recenseamento, mas traduz ao
invés de “hospedaria” para “sala”. “(...)
porque não havia um lugar para eles na sala.” O que pensar e concluir,
então? Que ali era a casa dos parentes de José, segundo encontramos à nota de
rodapé: “Em vez de um albergue
(pandocheion...), a palavra grega Katalyma pode ser designada uma sala, onde
morava a família de José. Se este possuía seu domicílio em Belém, explica-se
melhor que ali tenha voltado para o recenseamento, levando também a jovem
esposa, que estava grávida. O presépio, manjedoura de animais, estava colocado
certamente numa parede do pobre alojamento, tão superlotado, que não pôde
encontrar um lugar melhor que este para deitar a criança.”
Ora, irmãos, a realidade do presépio não
apenas nos diz de que Deus em seu Filho fez-se pobre para nos enriquecer, mas
também, é um caro dado da negação que é dada a Deus o que foi fatídico desde ao
dia em que o homem ficou obscurecido pelo Pecado Original. Um fechamento
encontrado na narração do Evangelho desta noite em que a família de Nazaré não
acha o lugar propício para o advento do Redentor que seria, possivelmente, o da
família de José, pode ser aludido a tantos corações nesta Noite do Santo Natal:
Qual o intento generoso que deve ser agradável ao Menino Deus? A alegria e a
pobreza inenarrável dos pastores, a humildade copiosa dos magos! Hoje, também,
quão difícil é encontrar o “lugar” que pode haver correspondência para o
nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ainda há quem não encontrou na bússola
da vida, a rota para Belém. Ainda há quem não se curve e adore o Divino Infante
porque lho prefere dizer que não há lugar
à estalagem! E como fica Jesus, que disse: ”Buscai
o Reino de Deus e tudo mais vos será dado por acréscimo?”
Resta para Maria e José o cocho dos
animais. Neste sentido é pertinente o que também destaca o Profeta Isaías: “O boi conhece o seu dono e o jumento, a
manjedoura do seu Senhor, mas Israel é incapaz de conhecer, meu povo não é
capaz de entender” (Is 1, 3). Paralelo entre a falta de lugar à casa dos
parentes de José e o que ouviremos com solenidade na Missa do Dia do Natal: “Veio para o que era seu e os seus não o
receberam” (cf. Jo 1, 11) É verdade que nos causa impacto a duas dimensões
do Presépio: sinete da prepotência humana que não precisa de um Salvador e a
insistência de Deus que faz sua kènosis para
nos “divinizar” com sua piíssima vinda,
conforme cantou-se ao Precônio de Natal; entretanto nos consola a palavra do
apóstolo São João, à sua primeira epístola, que se proclamará no Tempo de
Natal: “Nisto consiste o amor: não fomos
nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos seu Filho como
vítima de expiação pelos nossos pecados (cf. I Jo 4, 10).
Esta, realmente, é a noite da Luz que já,
como que num prelúdio pascal, já anuncia que vence todas as trevas que maculam
as relações do Homem com Deus. A visita de Deus que permanece conosco para todo
o sempre que São Paulo, na segunda leitura desta Missa, faz-nos ouvir- “A graça de Deus se manifestou trazendo
salvação para todos os homens” ( Tt 2, 11)- prova-se o teor estritamente
presente que a Igreja celebra e que se desdobrará. Deus é conosco e,
simultaneamente, é Além de nós, porque é o Filho sempiterno. Nesta noite
augustíssima, irmãos, só podemos exultar, com a terna composição de Santo
Afonso Maria de Ligório:
“O Bambino mio Divino,io ti vedo qui a tremar,
“O Bambino mio Divino,io ti vedo qui a tremar,
O Dio Beato Ahi, quanto ti costò
l'avermi
amato!”
Santo Natal do Eterno Deus!