sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

I DOMINGO DA QUARESMA


(Ano B – 26 de fevereiro de 2012)



I Leitura: Gn 9,8-15
Salmo Responsorial: Sl 24(25),4bc-5ab.6-7bc.8-9 (R/. cf. 10)
II Leitura: 1Pd 3,18-22
Evangelho: Mc 1,12-15 (Tentação de Jesus)


Queridos irmãos,

Desde a quinta-feira que nós, seminaristas da Arquidiocese de Aracaju, estamos em retiro espiritual, que se estenderá até o próximo sábado. Estão sendo dias de muita graça. A nossa temática é: “A formação dos Apóstolos de Jesus nos Evangelhos Sinóticos”. Nosso pregador é o Monsenhor Antônio Luiz Catelan, da Diocese de Umuarama, Estado do Paraná.


Portanto, para a reflexão deste I Domingo da Quaresma, postamos um texto do Frei Raniero Cantalamessa intitulado: “Com Cristo não temos nada a temer”.

Um santo Domingo a todos e até a próxima!

Seminarista Everson Fontes


  

O demônio, o satanismo e outros fenômenos relacionados são de grande atualidade e inquietam frequentemente a nossa sociedade. Nosso mundo tecnológico e industrializado está repleto de magos, bruxos urbanos, ocultismo, espiritismo, escrutinadores de horóscopos, vendedores de feitiços, de amuletos, assim como de autênticas seitas satânicas. Expulso pela porta, o diabo entrou pela janela. Ou seja, expulso pela fé, voltou a entrar com a superstição.


O episódio das tentações de Jesus no deserto, que se lê no primeiro domingo da Quaresma, ajuda-nos a oferecer um pouco de clareza a este tema. Antes de tudo, existe demônio? Isto é, a palavra “demônio” indica de verdade alguma realidade pessoal, dotada de inteligência e vontade, ou é simplesmente um símbolo, um modo de falar que indica a soma do mal moral do mundo, o inconsciente coletivo, a alienação coletiva e coisas pelo estilo? Muitos, entre os intelectuais, não creem no demônio segundo o primeiro sentido. Mas se deve observar que grandes escritores e pensadores, como Goethe ou Dostoievski, levaram muito a sério a existência de satanás. Baudelaire, que não era certamente trigo limpo, disse que “a maior astúcia do demônio é fazer crer ele que não existe”.


A principal prova da existência do demônio nos evangelhos não está nos numerosos episódios de libertação de possessos, porque na interpretação destes fatos pode haver influência de crenças antigas sobre a origem de certas doenças. Jesus tentado no deserto pelo demônio: esta é a prova. Provas são também os muitos santos que lutaram em vida contar o príncipe das trevas. Não são Quixotes que brigam contra moinhos de vento. Ao contrário: foram homens e mulheres concretos e de psicologia saudável.


Se muitos acham absurdo crer no demônio, é porque se baseiam em livros, passam a vida em bibliotecas ou no escritório, enquanto o demônio não se interessa por literatura, mas pelas pessoas, especialmente os santos. O que pode saber sobre satanás quem jamais teve nada a ver com sua realidade, mas só com sua ideia, isto é, com as tradições culturais, religiosas, etnológicas sobre satanás? Esses tratam habitualmente deste tema com grande segurança e superioridade, liquidando tudo como “obscurantismo medieval”. Mas trata-se de uma falsa segurança. Como se alguém deixasse de temer o leão aduzindo como prova o fato de que viu muitas vezes sua imagem e jamais lhe deu medo. Por outro lado, é totalmente normal e coerente que não creia no diabo quem não crê em Deus. Seria até trágico se alguém que não crê em Deus acreditasse no diabo!


O mais importante que a fé cristã tem a dizer-nos não é, no entanto, que o demônio existe, mas que Cristo venceu o demônio. Cristo e o demônio não são para os cristãos dois princípios iguais e contrários, como em certas religiões dualistas. Jesus é o único Senhor; satanás não é senão uma criatura que “se perdeu”. Se lhe concede poder sobre os homens, é para que estes tenham a possibilidade de fazer livremente uma escolha e também para que “não se ensoberbeçam” (2Cor 12, 7), crendo-se auto-suficientes e sem necessidade de redentor algum. “Que loucura a do velho satanás – diz um canto espiritual negro. Atirou para destruir minha alma, mas errou o tiro e destruiu por outro lado o meu pecado”.


Com Cristo não temos nada a temer. Nada nem ninguém pode fazer-nos dano se nós não quisermos. Satanás – dizia um antigo padre da Igreja –, após a vinda de Cristo, é como um cão atado na árvore; pode latir e balançar quanto quiser; se não nos aproximamos, não pode morder. Jesus no deserto se libertou de satanás para libertar-nos de satanás! É a gozosa notícia com a qual iniciamos nosso caminho quaresmal para a Páscoa.



segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

QUARESMA: TEMPO DE JEJUM E ABSTINÊNCIA



Na próxima quarta-feira, 22 de fevereiro, a Igreja inicia o tempo da quaresma, tempo de oração, esmola, jejum e abstinência em preparação para a Páscoa do Senhor. Então, com a recordação de que somos pó e para o pó retornaremos (cf. Gn 3,19), somos convocados à conversão profunda de vida. O antiquíssimo costume da imposição das cinzas – cujo início se deu a partir do século V –, na celebração da próxima quarta, auxiliar-nos-á na entrada deste mistério que fazem deste tempo litúrgico uma espécie de ‘retiro espiritual’ para toda a Igreja.


A Sagrada Liturgia, ao referir-se à prática da abstinência, reza: “Vós acolheis nossa penitência como oferenda à vossa glória. O jejum e a abstinência que praticamos, quebrando nosso orgulho, nos convidam a imitar vossa misericórdia, repartindo o pão com os necessitados” (Prefácio da Quaresma III). Portanto, as ações de jejuar-se e abster-se não são fraternalmente estéreis e insensíveis, mas visam um aniquilamento pessoal para uma fortificação contra o pecado, bem como, aquilo do qual me privo servirá de caridade ao necessitado.


Destarte, estão obrigados à lei da abstinência (privação de algo que não seja necessariamente o alimento) aqueles que tiverem completado catorze anos de idade; estão obrigados à lei do jejum (privação de parte do alimento) todos os maiores de idade (quem completou 18 anos) até os sessenta anos começados. Todavia, os pastores de almas e pais cuidem para que sejam formados para o genuíno sentido da penitência também os que não estão obrigados à lei do jejum e da abstinência, em razão da pouca idade (cf. Cân. 1252). Logicamente, também são dispensados do jejum os que, por motivos de agravamento de saúde, não o podem realizá-lo. Porém, estes impedidos não descurem da abstinência.


          “No Brasil, toda sexta-feira do ano é dia de penitência, a não ser que coincida com solenidade do calendário litúrgico. Os fiéis nesse dia se abstenham de carne ou outro alimento, ou pratiquem alguma forma de penitência, principalmente obra de caridade ou exercício de piedade. A Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira Santa, memória da Paixão e Morte de Cristo, são dias de jejum e abstinência. A abstinência pode ser substituída pelos próprios fiéis por outra prática de penitência, caridade ou piedade, particularmente pela participação nesses dias na Sagrada Liturgia” (Legislação complementar da CNBB quanto aos cânones 1251 e 1253 do Código de Direito Canônico).


            Muitos nos questionam: “Não consigo ficar sem deixar de fazer uma refeição. Como posso jejuar?”. É simples: se a pessoa costuma fazer três refeições ao dia, pode continuar a fazê-las; porém, que a soma das porções de cada refeição não ultrapasse a de duas. Este é um método muito fácil para jejuar. Esta é uma dica. Obviamente, não vale fazer lanches intermediários, nem, tampouco, retirar a carne e comer um prato requintado no almoço, como muitos fazem, parecendo até que os dias dos jejuns quaresmais são um forte convite para um rebuscado cardápio culinário. O jejum deve ser exercitado dentro de uma frugalidade pertinente, ou seja, sem “caprichos” ou quereres.


          Que espiritualidade quaresmal invada o nosso coração, fazendo-nos repensar na prática de nosso cristianismo, para que, corrigidos os nossos vícios, elevados os nossos sentimentos, fortificando o nosso espírito fraterno, possamos, em breve, celebrar com mais dignidade os mistérios da Páscoa do Senhor, e, trilhando por caminhos de uma vida irrepreensível, alcançar a eterna recompensa.  

sábado, 18 de fevereiro de 2012

VII DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano B – 19 de fevereiro de 2012)



I Leitura: Is 43, 18-19.21-22.24b-25
Salmo Responsorial: Sl 40 (41),2-3.4-5.13-14 (R/.5b)
II Leitura: 2Cor 1, 18-22
Evangelho: Mc 2, 1-12 (Cura do paralítico e perdão dos pecados)



Queridos irmãos,



A Liturgia da Palavra deste domingo nos faz um convite especialíssimo para mergulharmos na temática da misericórdia divina. Assim, tanto a Primeira Leitura quanto o Evangelho nos inserem nesta reflexão.


Extraído dos escritos do Segundo Isaías, o texto que a Igreja nos propõe para a Primeira Leitura desta liturgia nos apresenta as queixas de Deus diante da ingratidão do seu povo. Logo no início da perícope de hoje, percebemos a fala do Senhor Deus: “Não relembreis coisas passadas, não olheis para fatos antigos” (Is 43, 18). Aí, neste trecho, temos uma referência à infidelidade do povo de Israel ao seu Deus e um consequente ‘castigo’: a perda da Terra Prometida, sua destruição e conseqüente exílio para a Babilônia. É a primeira parte da lógica equacional presente em textos como esse: pecado → castigo. É certo: sabemos da justiça de Deus. Porém, Ele não fica ‘remoendo’ ira; não para aí: “Eis que farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as reconheceis? Pois abrirei uma estrada no deserto e farei correr rios na terra seca” (Is 43, 19). Muito mais do que a volta para a sua terra amada, o término do Exílio, o Senhor começa a fazer coisas novas no coração do seu povo: é a segunda parte da equação de que falávamos há pouco: conversão → redenção.


Sabemos que este fato alusivo à misericórdia de Deus é apenas uma prefiguração da realidade vivenciada por nós no Cristo, promessa sempiterna do Pai. Sua presença em meio a nós, sua obra de redenção em favor da humanidade, é a plena certeza de que Deus nos ama e nos quer. Assim sendo, o Senhor nos pede que não nos lembremos da época em que fomos servis ao pecado – aquela já se foi. E nós, que experimentamos tal benefício, já reconhecemos ser inseridos nesta realidade, pois já sentimos que, em Cristo e por Ele, o Pai nos abre a estrada para a “terra” do seu coração (pois foi daí que nós viemos e é para lá rumamos), faz brotar a vida na secura. Por isso, o Senhor Deus diz: “Este povo, eu o criei para mim e ele cantará meus louvores” (v. 21). Oxalá estejamos nesta perspectiva e não como os israelitas que se esqueceram e se fatigaram do Senhor que os amara: “Mas tu, Jacó, não me invocaste, e tu, Israel, de mim fatigaste” (v. 22).


O povo de Israel inverteu os papéis, faz pouco caso de Deus. Falamos em inversão de papéis porque eles tratam Deus como “capacho”, enquanto o Senhor nunca os tratara sequer como servos. Fazem aborrecer o Senhor Deus com os seus pecados, com suas maldades para utilizar o termo que o texto nos traz.
Em um pensamento meramente humano, poderíamos pensar: “E por que Deus corre atrás da humanidade, se Ele é Absoluto? E, se estivéssemos no lugar de Deus, como trataríamos os que atentam contra a sua vontade benevolente? Não os teríamos exterminado?” Deus perdoa os homens não porque merecem, mas para fazer jus ao seu poder, ao seu amor, à sua misericórdia: “Sou eu, eu mesmo, que cancelo tuas culpas por minha causa e já não me lembrarei de teus pecados” (v. 25).


Para nós, escolhidos da Nova e Eterna Aliança, o Filho nos diz, em sua misericórdia: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos. Vós sois meus amigos, se fazeis o que vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai” (Jo 15,13-15). O interessante é este grau de proximidade que Deus quer estabelecer com a humanidade redimida: a amizade, cujo sentimento norteador é o amor. Temos mais facilidade de perdoar aqueles a quem amamos do que aos que nos são desconhecidos e não estabelecemos uma relação amorosa. Por este motivo, o Salmo nos coloca em uma atitude de pedido para que Deus, diante do nosso pecado e do nosso arrependimento, venha perdoar e curar: “Meu Deus, tende pena de mim, curai-me, Senhor, pois pequei contra vós” (Sl 40, 5). Aqui, cura e perdão são sinônimos, já que o pecado é uma grande mazela interior, e traz o castigo da separação de Deus.


A antífona da entrada ilustra a alegria daquele que foi valido pela misericórdia divina: “Confiei, Senhor, na vossa misericórdia: meu coração exulta porque me salvais. Cantarei ao Senhor pelo bem que me fez” (Sl 12, 6).


No Evangelho deste domingo, um episódio já bem conhecido, vemos Jesus que retorna para a sua casa em Cafarnaum, não para um descanso em si, mas para, a partir deste, anunciar a Palavra à multidão que se espezinhava para escutá-lo, de modo que a casa já não comportava mais ninguém. E ao trazer-lhe um paralítico que descia pelo teto aberto, Jesus cura-o porque percebeu a fé, não somente do acamado, como também dos quatro que descia o aleijado pelo teto. No entanto, como em todas as curas realizadas, o Senhor restabelece a saúde ao interior do enfermo: “Filho, os teus pecados estão perdoados” (Mc 2, 5). Jesus sabia que o que mais afligia ao paralítico não era a sua deficiência física, mas o aleijão interior que o deixava entrevado, ou seja, o pecado. Logo, Jesus percebe que é muito mais suficiente que primeiro aquele homem seja curado interiormente do que fazer com que ele saia, de imediato, caminhando. Neste sentido, São Beda afirma: “Para curar, pois, aquele homem da paralisia, o Senhor começou por desatar os laços de seus pecados. Deste modo, manifestou-lhe que, por causa deles, estava sofrendo a inutilizacão de seus membros, cujo uso não poderia recobrar senão desatando aqueles laços. Admirável humildade! Chama filho a este homem menosprezado e frágil, cujas fibras todas se achavam relaxadas e a quem os sacerdotes não se dignavam tocar nem ligeiramente. Chama-lhe filho com verdade, porque lhe são perdoados seus pecados”.


As palavras de cura interior proferidas por Jesus fazem com que o coração de alguns mestres da Lei ali presentes julgue o Senhor como blasfemo: “Como este homem pode falar assim? Ele está blasfemando: ninguém pode perdoar pecados, a não ser Deus”. Os mestres da Lei não estão de per si errados: somente Deus pode perdoar pecados. O erro deles habita em chamá-lo de blasfemo, pois, com o coração entrevados pela incredulidade, não reconheciam a divindade de Jesus. Por isso, Jesus, sondando-lhes o coração, replica: “O que é mais fácil: dizer ao paralítico: ‘Os teus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te, pega a tua cama e anda’? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem, na terra, poder de perdoar pecados” (Mc 2, 8-10). Para entendermos melhor, São Beda, o Venerável, nos afirma: “Ele que perdoa também por meio daqueles a quem deu poder de perdoar. Portanto, se prova que Cristo é verdadeiramente Deus, porque pode, como Deus, perdoar os pecados. […] Por isso, diz-lhes: ‘Que andais revolvendo em vossos corações?’ No qual se manifesta Deus, que é quem pode conhecer os segredos do coração e fala em certa maneira, como que calando-lhes: ‘Com a mesma majestade e poder que vejo vossos pensamentos, posso perdoar aos homens os seus delitos’”.


Diante da cura espiritual e conseguintemente física daquele homem de fé, os que escutavam Jesus ficaram admirados e rendiam louvores ao Senhor: “Nunca vimos uma coisa assim” (Mc 2, 12). Destarte, para a comunidade dos cristãos, deve haver festa de louvor a Deus todas as vezes em que ele manifesta a sua misericórdia na vida de alguém e o cura. Nada se compara às benesses trazidas pela misericórdia. E na vida de cada um, ela produz um trunfo inédito, pois nunca a experiência de conversão é repetida por outrem. A misericórdia do Senhor alcança os cristãos de uma forma especialíssima através do sacramento da confissão. E esta liturgia dominical é uma ocasião pertinente para tratarmos desta riqueza do amor de Deus confiado à sua Igreja: somente Deus perdoa os pecados; porém, Ele confia à sua Amada Esposa a administração deste sacramento de cura.


Por fim, na Segunda Leitura, vemos São Paulo refutando os mal-entendidos que surgiram entre ele e a comunidade de Corinto que o acusava de inconstância e deslealdade. São Paulo defende-se afirmando que ele não é homem de duas palavras, mas reafirma o seu sim. O que fica para nós não é esta situação, mas a necessidade de sermos constantes na prática da nossa religião. Tal como Jesus “sim” do Pai e para o Pai, devemos ser fiéis na vivência do cristianismo. Associa-se, por alusão, a seguinte passagem do Apocalipse: “Sed quia tepidus es et nec frigidus nec calidus incipiam te evomere ex ore meo” -  Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te. (Ap 3,16). Ainda que para isso sejamos violentos conosco, quebrando os nossos inúmeros caprichos, mesmo porque o Reino dos céus é para os violentos (cf. Mt 11, 12). É a partir da nossa fidelidade a Deus, na nossa adesão ao Cristo, que o Senhor nos confirmará com o seu Espírito, que é doador de dons e virtudes.


Que possamos sempre, mediante um coração simples e contrito, contar com a misericórdia do Senhor. Que a firmeza de fé que nos é exigida nos ajude neste intento.     

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A GRANDE LIÇÃO QUE O SOFRIMENTO PODE NOS OFERECER

Queridos leitores,

Estou em viagem. Por este motivo, inspirado na Liturgia da Palavra deste domingo, posto um texto acerca do sofrimento e a sua pedagogia em nossas vidas.

Um grande abraço e até o próximo domingo!

Seminarista Everson Fontes

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No decorrer de toda a sua existência, o homem passa por momentos áridos de sofrimento e angústia. A filosofia e a psicologia, por muitas vezes, se debruçaram sobre tais assuntos, e muitas vezes chegaram ao ponto de afirmar que toda a vida humana é um enjôo, um sofrer contínuo. Essa tese filosófica pode ser observada dentro da perspectiva antropológica do pessimismo, que leva o homem a negar a existência de Deus e, conseqüentemente, mergulha na alienação.
 A palavra da Igreja sobre este tema é mergulhada de profundo sentido e espiritualidade. Na sua encíclica denominada “Spe Salvi”, o Papa Bento XVI tece para a Igreja uma reflexão baseada na relação existente entre sofrimento e esperança. Diz-nos o Papa, que o sofrimento faz parte da existência do homem, e é derivado da nossa limitação e das nossas culpas. Assim sendo, podemos limitar os sofrimentos, mas não cancelá-los, já que esta anulação poderia levar-nos a uma vida vazia, onde experimentaríamos uma sensação de falta de sentido e de solidão.
            É comum vermos em nossa sociedade, mesmo em templos que se denominam cristãos, uma falsa afirmação: “Pare de sofrer!” Prometendo desta forma uma vida absolutamente fácil e livre de toda forma de sofrimento espiritual e principalmente físico.
            Assim, nos encontramos em um paradoxo: de um lado aqueles que, acompanhados de uma filosofia pessimista, têm o sofrimento como algo natural e, ao mesmo tempo, angustiante, com características masoquistas; mas também aqueles que pregam a teologia da prosperidade, certificando uma vida bem-sucedida e fácil, contrariando, assim, os ensinamentos e o exemplo do próprio Jesus, que não hesitou padecer sofrimentos para a nossa redenção. Ambos os lados correm os riscos de caírem no vazio preconizado pelo Papa.
            É, pois, muito fácil, em meio a tantas formas de violências e sofrimentos, pregar um ‘niilismo teofânico’ em um mundo tão desiludido, bem como, também é muito fácil prometer um “deus” que se adeqüe às nossas necessidades. No entanto, esta não é melhor saída!
            São Paulo, em sua carta aos Colossenses, nos diz: “Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja” (Cl 1, 24), mostrando que os nossos sofrimentos devem ser adicionados, como um complemento, às dores de Cristo. Essa soma de sofrimentos a Cristo é dada mediante a fé.
            É também através dos sofrimentos que nos unimos a Cristo e consolamos as angústias dos outros, dando um novo teor para as angústias vividas pela humanidade, pois, conforme o exemplo do Senhor, a Cruz antecede a sua Ressurreição.
Que todos nós, em nossos sofreres cotidianos - grandes ou pequenos - saibamos reconhecer o exemplo do Servo Sofredor (cf. Is 53, 2-6) e repousemos em seu coração, carregando as nossas “cruzes” repletos de esperança, só desta forma venceremos as nossas angústias: em união com Cruz de Cristo.