quinta-feira, 31 de maio de 2012

MARIA, RAINHA DOS CÉUS


Por Thiago Menezes Santos


Caríssimos e estimados irmãos em Cristo Jesus,


No dia de hoje, a Igreja peregrina, através da piedade popular, sempre unida à liturgia Celeste com a coroação da Virgem Maria, nossa Mãe e Mestra. Por isso, nosso coração se rejubila de alegria no Senhor neste dia, pois Deus a elevou ao mais alto dos Céus e a coroou Rainha, como figura-nos o livro do Apocalipse, no capítulo 12. Amemo-la e sirvamo-la com a consciência, dignidade e merecimento que a Mãe de Deus merece, tirando como belo e piedoso exemplo o do Papa São Pio X que, fazendo referência à Coroação de Maria por meio da sua encíclica Ad Diem illum Latissinum, com eloquência nos diz: “Todos sabem que a Mulher representava a Virgem Maria... Portanto João viu a Santíssima Mãe de Deus já na eterna felicidade, mas em trabalho de parto misterioso. Que parto era esse? Com certeza, era o nascimento de nós que, no exílio, ainda devemos ser gerados para a perfeita caridade de Deus e para a felicidade eterna”.


“Apareceu no Céu um grande sinal: uma Mulher revestida do sol, com a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava em dores, sentindo angústias de dar à luz. Ela deu à luz um Filho, um menino, aquele que deve reger todas as nações pagãs com cetro de ferro. Mas seu filho foi arrebatado para junto de Deus e do seu trono” (Ap 12, 1-2, 5). São João fez questão de colocar esta palavra “Mulher”. Esta palavra não é meramente usada por ele para mencionar esta. João, ao chama-la Mulher, faz referência ao livro do Genesis 3,15 e a hora da crucificação de Jesus Cristo, onde o mesmo apóstolo, uma vez mais, utiliza a mesma palavra “Mulher”.           


 Interessante observarmos que o Genesis 3,15 é a profecia de uma Mulher que pisaria na cabeça da serpente, e Eva foi incapaz de realizar esse feito, pois ela desobedeceu a Deus, sendo assim, quem seria esta Mulher? Jesus retoma esta passagem quando o Evangelho diz: “Mulher, eis aí teu filho”; filho, “eis ai tua mãe”... (João 19, 26-27). Portanto, Maria, Mãe do Filho de Deus, é a Mulher do Gênesis ao Apocalipse.


No capítulo 12 do Apocalipse de São João, Nossa Senhora aparece prefigurada no Céu de forma magnífica, revestida da Glória resplandecente da eternidade, que brilhava como sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, mostrando a sua grandeza diante da humanidade e sua pequenez diante de Deus. Porém uma coisa nos chama atenção: Ela usava uma coroa de doze estrelas. Intrigante, pois nos fica um questionamento, quem usa uma coroa se não uma Rainha? Notemos então, que em sua coroa existem doze estrelas, o mesmo número dos apóstolos de Jesus, e das doze tribos de Israel, representando os cristãos que ela acolheu como filhos na Terra.


Pio XII cita ainda uma belíssima passagem da bula "Ineffabilis Deus" da proclamação do dogma da Imaculada Conceição: "Deus fez a maravilha de enriquecê-la, acima de todos os anjos e santos, de tal abundância de todas as graças celestiais hauridas dos tesouros da divindade, que ela - imune de toda a mancha do pecado e toda bela - apresenta tal plenitude de inocência e santidade, que não se pode conceber maior abaixo de Deus, nem ninguém a pode compreender plenamente senão Deus". Foi a humildade de Maria que a elevou ao mais alto dos Céus. Ela não só escutou, ela acolheu e viveu com santidade a Palavra de Deus. Antes de tudo, Maria é Serva e Humilde. “Ele realiza proezas com seu braço: e eleva os humildes” (Lc 1,51-22). 


Porém, Maria tem um inimigo que vem desde a Criação, a serpente que ainda continua com sua inimizade no Apocalipse: “Depois apareceu no Céu outro sinal no Céu: um grande Dragão Vermelho, com sete cabeças e dez chifres, e nas cabeças sete coroas. Varria com sua cauda uma terça parte das estrelas do Céu, e as atirou a terra. Esse dragão deteve-se diante da Mulher que estava para dar a luz, a fim de que, quando ela desse a luz, lhe devorasse o filho” (Ap 12, 3-4). O dragão, o qual João tem a visão, é Lúcifer que também é chamado de serpente, ele enganou a terça parte dos anjos que estavam com ele nos Céu e esses anjos caíram com ele sobre a terra. O dragão queria devorar o filho da Mulher, mas o filho foi levado para junto de Deus. Interessante observamos que João faz referência à perseguição que Herodes fez a Jesus quando Ele era criança.

Quando Cristo foi morto na Cruz, aconteceu a Redenção da humanidade. Foi a entrega de Jesus como Cordeiro sacrifical perfeito que redimiu e libertou a humanidade das mãos da serpente. Ali, aconteceu a derrota de Satanás na terra. Lembremos-nos de um dito que traduz esta realidade: “o diabo foge da cruz”, pois as trevas estremeceram quando Cristo foi crucificado e morto. Logo, o dragão é derrotado na terra pela entrega de Jesus e pela obediência de Maria.

O Papa Pio XII vai nos dizer ainda: “ela se ofereceu no Calvário ao Eterno Pai, sacrificando seu amor de mãe em benefício de toda a humanidade manchada pelo pecado”. Por isso, assim como Jesus é Rei, não só por ser o Filho de Deus, mas também por ser o nosso Redentor, assim, pode-se afirmar que Maria é Rainha, não só por ser a Mãe de Deus, mas também porque associou-se a Cristo na redenção do gênero humano.

“Houve uma batalha no Céu. Miguel e seus anjos tiveram de combater o Dragão. O dragão e seus anjos travaram combate. Mas não prevaleceram. E já não houve lugar no Céu para eles. Foi então precipitado o grande dragão, que é a primitiva serpente, chamado de Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Foi precipitado a terra, e com ele os seus anjos” (Ap. 12, 7-9). Satanás foi derrotado nos Céus por São Miguel e a milícia celeste, em seguida ele é expulso e cai sobre a terra, onde este também é derrotado por Jesus e Maria, logo ele se enche de raiva contra a “Mulher” que deu a luz ao Redentor e começa a persegui-la. A Rainha dos Céus aparece nos versículos 13 e 14 sendo perseguida pelo autor do Mal, porém Deus a protegeu. Hoje, a fúria de Satanás contra Maria é anunciada através das calúnias contra Ela, e contra a sua realeza celeste.

Cheio de raiva por causa da Mulher, o dragão começou a fazer então a atacar o resto dos filhos dela, os que obedecem aos mandamentos de Deus e mantêm o testemunho de Jesus (cf. Ap 12, 17). “Satanás sabe que foi derrotado, que ele não tem chance de vitória, pois Jesus já o venceu e lhe resta pouco tempo. A derrota de Satanás aconteceu na Cruz de Cristo. E por que continuamos lutando se já vencemos? Satanás quer nos colocar no lugar dele de derrota. O problema é que ele é mentiroso, faz propaganda enganosa, nos promete o paraíso, mas o que vemos é o inferno, ele nos seduz e caímos na dele, vamos atrás do paraíso e já começamos a viver o inferno na terra. Precisamos decidir se somos descendentes da Mulher do Gênesis ao Apocalipse, Maria Santíssima, ou de Satanás, a serpente. Aqui, está a decisão e é por isso que existe uma luta, pois somos livres para escolher” (Pe. Paulo Ricardo).

Por isso, estimados irmãos, devemos acolhê-la em nossa casa como o discípulo amado a acolheu, pois, se nos olvidamos de seu amparo, poderemos nos perder. Não tenhamos medo de recebê-la em nossas vidas, pois Maria foi desejada por Deus com um amor eterno, para nos trazer a Salvação, Nosso Senhor Jesus Cristo, confiemos então em nossa Mãe, Mestra e Rainha que do alto dos Céus intercede por nós, e pela Graça de Deus nos protege contra as ciladas do inimigo derrotado. Concluindo esta nossa meditação, reportamo-nos ao Papa Pio XII com uma belíssima oração sua dedicada ao dia da Coroação de Maria: “Reinai, ó Mãe e Senhora, mostrando-nos o caminho da santidade, dirigindo-nos e assistindo-nos para que dele nunca nos afastemos. Reinai sobre as inteligências, para que não procurem senão a verdade; sobre as vontades para que sigam somente o bem; sobre os corações para que amem unicamente o que vós mesma amais”.  Amém!

Domina Regina, ora pro nobis!

DOM DULCÊNIO NO INSTITUTO HISTÓRICO GEOGRÁFICO DE ALAGOAS


             

  O BISPADO DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS E O CONCÍLIO VATICANO II

A Diocese de Palmeira dos Índios, nos auguros do seu Jubileu de Ouro, tem a felicidade de compartilhar também da alegria de toda a Igreja Universal que, como família de Cristo, comemora os cinquenta anos da realização do Concílio Vaticano II. Nesta nossa prédica, queremos, ousadamente, tentar pontuar as relações existentes entre os dois grandes eventos para a história da Igreja, cada um com uma amplitude que, longe de ser despautério, acontecem concomitantes no sertão e no agreste alagoanos, e por que não dizer em todo o território da “Terra dos Marechais”, já que envolveram as três dioceses componentes da Província Eclesiástica de Maceió.


O Concílio Vaticano II foi convocado através da bula “Humanae Salutis” pelo carinhosamente apelidado “il Papa Buono” (Papa Bom), João XXIII, a 25 de dezembro de 1961, Solenidade do Natal do Senhor. Ainda que este Pontífice já tivesse, em 25 de janeiro de 1959, anunciado à Cúria Romana a sua intenção de realizar um Concílio Ecumênico, a sua ideia não foi levada a muito crédito, já que o último concílio, o Vaticano I, havia sido encerrado, em 1870, às pressas, por receio dos padres conciliares diante do início da Guerra Franco-Prussiana. O Vaticano I, cuja duração foi de apenas sete meses e dez dias, tinha como principal baliza defender a Igreja dos ataques tresloucados do modernismo e suas doutrinas – racionalismo, liberalismo e materialismo – que afrontavam a infalibilidade papal e, consequentemente, a anulação do papel da Igreja no mundo.


Quais eram as intenções do Papa Roncalli ao convocar um Concílio Ecumênico? Pierre Pierrard, em sua obra História da Igreja, descreve que, já em 25 de janeiro de 1959, diante dos cardeais e de toda a Cúria Romana, ambos estupefatos, João XXIII anunciava que a convocação do concílio possuía um duplo objetivo: “assegurar a renovação da Igreja face ao mundo moderno e preparar a unidade cristã” (PIERRARD, 1982, p. 272). João XXIII não escondia de ninguém este seu desejo de “aggiornamento della Chiesa” – termo italiano que equivale no português a tornar hodierna a Igreja, frente aos desafios inumeráveis do século XX. Por isso, já na bula de convocação do concílio, afirma: “A Igreja assiste, hoje, à grave crise da sociedade. Enquanto para a humanidade surge uma era nova, obrigações de uma gravidade e amplitude imensas pesam sobre a Igreja, como nas épocas mais trágicas da sua história. Trata-se, na verdade, de pôr em contato com as energias vivificadoras e perenes do evangelho o mundo moderno. […] Se voltarmos à atenção para a Igreja, vemos que ela não permaneceu inerte espectadora em face destes acontecimentos, mas seguiu, passo a passo, a evolução dos povos, o progresso científico, as revoluções sociais; opôs-se, decididamente, às ideologias materialistas e negadoras da fé; viu, enfim, brotarem de seu seio e desprenderem-se imensas energias de apostolado, de oração, de ação em todos os campos […] Diante deste duplo espetáculo: um mundo que revela um grave estado de indigência espiritual e a Igreja de Cristo, tão vibrante de vitalidade, nós, desde quando subimos ao supremo pontificado, não obstante nossa indignidade e por um desígnio da Providência, sentimos logo o urgente dever de conclamar os nossos filhos para dar à Igreja a possibilidade de contribuir mais eficazmente na solução dos problemas da idade moderna […] (A Igreja), embora não tendo finalidade diretamente terrestre, ela, contudo, não pode desinteressar-se, no seu caminho, dos problemas e dos trabalhos de cá de baixo. Sabe quanto aproveitam ao bem da alma aqueles meios que são aptos a tornar mais humana a vida de cada homem, que deve ser salvo; sabe que, vivificando a ordem temporal, com a luz de Cristo, revela também os homens a si mesmos, o próprio ser, a própria dignidade e a própria finalidade” (Bula Humanae Salutis, n. 3.5.6.11). João XXIII apresentava, assim, como um profeta, um visionário, que, ao incomodar o aparente torpor em que alguns membros da Igreja se encontravam, queria, com o auxílio do Santo Espírito de Deus, proporcionar-lhe um vigor, frente aos descasos do mundo, inclusive do de hoje.


A Diocese de Palmeira dos Índios foi criada aos 10 de fevereiro de 1962 pelo mesmo Santo Padre então reinante no sólio petrino, João XXIII, com a Bula “Quam Supremam”, a partir da finalidade de dar “aos povos cristãos a oportunidade de conservar cuidadosamente a religião e de ajustar o modo de vida aos preceitos do Sagrado Evangelho”. Mesmo tendo sido criada em fevereiro daquele ano de 1962, a outrora recém-criada Sé Diocesana de Palmeira dos Índios só foi instalada em 19 de agosto do mesmo ano pelo Senhor Núncio Apostólico na República Brasileira, Sua Excelência Reverendíssima Dom Armando Lombardi, Arcebispo Titular de Cesareia de Filipe. O nosso bispado nasceu no burilar do Vaticano II; quando estavam sendo pautados os nortes para a sua realização. Todos sabiam que aquela neo Igreja particular de Palmeira dos Índios já tinha, no seu pastor diocesano, uma grande responsabilidade para com a Igreja em todo o Orbe: colaborar, mesmo com a sua pueril história, no traçar dos rumos da Igreja Católica frente aos enormes desafios a ela imposta pelo mundo moderno.


No começo da nossa preleção, afirmávamos que a Igreja nas terras alagoanas tinha uma dupla novidade: a convocação do Vaticano II e a criação de uma nova diocese, a de Palmeira dos Índios, cuja sede está em uma cidade que, na época, caracterizava-se por sua pujança. E esta última inovação mudaria em altos tons o quadro da administração pastoral da Igreja nestas plagas, pois, para a composição do território da nova circunscrição eclesiástica foram desmembrados municípios da Igreja Arquidiocesana de Maceió (Quebrangulo e Paulo Jacinto) e da Igreja Particular de Penedo (Água Branca, Batalha, Belo Monte, Cacimbinhas, Delmiro Gouveia, Dois Riachos, Igaci, Major Isidoro, Jacaré dos Homens, Maravilha, Mata Grande, Monteirópolis, Olho d’Água das Flores, Olivença, Palmeira dos Índios, Pão de Açúcar, Piranhas, Poço das Trincheiras, Santana do Ipanema, São José da Tapera), sendo os Bispos das respectivas Igrejas Dom Ranulfo da Silva Farias e Dom José Terceiro de Souza.


O decreto Christus Dominus, de 28 de outubro de 1965, do mesmo Concílio Vaticano II, define Diocese como “a porção do Povo de Deus, que se confia a um Bispo para que a apascente com a colaboração do presbitério, de tal modo que, unida ao seu pastor e reunida por ele no Espírito Santo por meio do Evangelho e da Eucaristia, constitui uma Igreja particular, na qual está e opera a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica” (n. 11). Assim, o Sagrado Concílio Vaticano II resgata uma ideia da era patrística, mais propriamente de São Cipriano, logo, querendo recordar que em uma Igreja particular está presente toda a Igreja Universal, porque é formada à sua imagem (cf. Constituição Dogmática Lumen Gentium 23). E, relacionado aos limites territoriais diocesanos, o mesmo decreto conciliar determina que: “Para se conseguir a finalidade própria da diocese, é preciso que a natureza da Igreja se manifeste claramente no Povo de Deus que pertence à diocese; que os Bispos possam cumprir eficazmente nelas os próprios deveres pastorais; e que, finalmente, se atenda, o mais perfeitamente possível, à salvação do Povo de Deus. Isto exige quer a conveniente delimitação territorial das dioceses, quer uma distribuição dos clérigos e dos recursos racional e correspondente às exigências do apostolado. Tudo isto reverte em benefício não só dos clérigos e dos fiéis diretamente interessados mas também de toda a Igreja católica. Portanto, em matéria de limites das dioceses, o sagrado Concílio dispõe que, na medida em que o bem das almas o exigir, quanto antes se realize com prudência a conveniente revisão, dividindo ou desmembrando ou unindo dioceses, alterando limites ou transferindo para locais mais convenientes as sedes episcopais, ou, por fim, sobretudo quando se tratar de dioceses que compreendem grandes cidades, dando-lhes nova organização interna” (Decreto Christus Dominus, 22). Foi na aspiração destes termos posteriormente constituídos – já que somente foram oficialmente estabelecidos no final do Vaticano II – que o Beato João XXIII criou a Dioecesis Palmiriensis Indorum, bem como tantas outras inúmeras dioceses no mundo. Curiosamente, João XXIII e João Paulo II foram os pontífices que mais erigiram dioceses na História Eclesiástica.


Antevendo recepcionar a nova Diocese, ainda na década de 50, o incansável Vigário da Paróquia Nossa Senhora do Amparo, em Palmeira dos Índios, o Reverendíssimo Monsenhor Francisco Xavier Macedo remodelou a Igreja Matriz para que, posteriormente, pudesse, com imponência, receber o título de Igreja Catedral, bem como organizou a construção do Palácio e Cúria Episcopais.


Para primeiro Bispo de Palmeira dos Índios, em 04 de julho de 1962, foi eleito por João XXIII Dom Otávio Aguiar Barbosa, na época Bispo de Campina Grande. O paraibano Dom Otávio era, no dizer da Bula de sua eleição, “homem sem dúvida cheio das virtudes episcopais e também notável pela grande piedade e pelas suas obras”.  O Prelado foi empossado na Sé Catedral Diocesana de Nossa Senhora do Amparo em Palmeira dos Índios automaticamente no dia da Instalação Canônica da nova Diocese (ou seja, em 19 de agosto de 1962) diante de Dom Armando Lombardi (Núncio Apostólico), de inúmeros bispos e autoridades estaduais e municipais. O Concílio tratou, e muito, acerca do episcopado. Em linhas gerais, poderíamos dizer que o conceito de ouro com a qual o Vaticano II nomeia os bispos é o de que na pessoa dos bispos está presente o Cristo: “Na pessoa dos Bispos, assistidos pelos presbíteros, está presente no meio dos fiéis o Senhor Jesus Cristo, pontífice máximo. Sentado à direita de Deus Pai, não deixa de estar presente ao corpo dos seus pontífices, mas é principalmente por meio do seu exímio ministério, prega a todas as gentes a palavra de Deus, administra continuamente aos crentes os sacramentos da fé, incorpora por celeste regeneração e graças à sua ação paternal (cf. 1 Cor. 4,15) novos membros ao Seu corpo e, finalmente, com sabedoria e prudência, dirige e orienta o Povo do Novo Testamento na peregrinação para a eterna felicidade. Estes pastores, escolhidos para apascentar o rebanho do Senhor, são ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus (cf. 1 Cor. 4,1); a eles foi confiado o testemunho do Evangelho da graça de Deus (cf. Rom. 15,16; At. 20,24) e a administração do Espírito e da justiça em glória (cf. 2 Cor. 3, 8-9)” (Constituição Dogmática Lumen Gentium, 21). E, desde já, afirmamos que essa imagem se fez presente com toda a sua justeza nos três primeiros bispos de Palmeira dos Índios, ao tempo em que, humildemente, como Sucessor dos Apóstolos nestas terras, também nos esforçamos para tal.


Longe traçarmos uma linha historicamente definida, os bispos de Palmeira dos Índios, percebendo a escassez do clero, sendo homens visionários, apoiaram o surgimento de novas vocações para a vida sacerdotal, Prova disto, foi a implantação das Obras das Vocações Sacerdotais (OVS) já por Dom Otávio que, no seu próprio dizer, afirmava ser “com vistas ao futuro da assistência religiosa, tanto na sede como no interior”. Dom Otávio já antevia o que o Concílio determinará, mas que também já era práxis da Igreja: “O dever de fomentar as vocações pertence a toda a comunidade cristã, que as deve promover sobretudo mediante uma vida plenamente cristã. […] A Obra das vocações, segundo os documentos pontifícios nesta matéria, já fundada ou a fundar no âmbito de cada diocese, região ou nação, organize metódica e coerentemente e promova com zelo e discrição uma ação pastoral de conjunto para o fomento de vocações, sem deixar de lado nenhum dos meios que as hodiernas ciências psicológicas e sociológicas utilmente oferecem” (Decreto Optatam Totius, 2). No transcorrer do tempo, Dom Fernando Iório, já na década de 80, também deu seu enorme contributo à promoção das vocações, tal como aconselhava o Vaticano II. Para isto, fundou o Seminário Propedêutico “Cura D’Ars”. No episcopado de meu predecessor imediato foram ordenados aproximadamente quarenta sacerdotes. A Diocese de Palmeira dos Índios, quando da sua instalação em 1962, contava com apenas onze paróquias, inclusive tendo algumas que possuíam uma vasta extensão territorial. Era necessário criar mais comunidades paroquiais. Interessante que a nossa Igreja Diocesana viu surgir alguns municípios, acompanhando, como Mestra e Mãe, o desenvolvimento do povo do agreste e sertão alagoanos. Assim, no decorrer de cinquenta anos, surgiram os municípios de Canapi, Carneiros, Estrela de Alagoas, Inhapi, Jaramataia, Mar Vermelho, Olho d’Água do Casado, Ouro Branco, Palestina, Pariconha e Senador Rui Palmeira. Ao longo destes cinquenta anos, foram instaladas diversas paróquias em todo o território do bispado. Atualmente, nossa Diocese consta de 33 paróquias, bem como de outras comunidades que, dentro em breve, serão elevadas a categoria paroquial. Também, para um maior serviço ao povo de Deus, instalaram-se na Diocese algumas Congregações Religiosas: Congregação das Religiosas do Sagrado Coração de Jesus, Irmãs Franciscanas de Santo Antônio e Congregação das Missionárias de Santo Antônio Maria Claret. Estes institutos, juntamente com a Congregação das Filhas do Amor Divino que em Palmeira dos Índios já residia, realizam, ainda hoje, inúmeros trabalhos de evangelização e promoção humana.


A Diocese de Palmeira dos Índios, percebendo as necessidades sociais do seu povo, iniciou, a partir do seu primeiro pastor, Dom Otávio, e seguindo com os outros prelados que aí residiram, ações que viabilizaram o anúncio do Reino e valorização integral da pessoa humana. A Igreja de Palmeira dos Índios quis fazer valer o que o Concílio reza na Constituição Dogmática Gaudium et Spes, 40: “A Igreja, que tem a sua origem no amor do eterno Pai, foi fundada, no tempo, por Cristo Redentor, e reúne-se no Espírito Santo, tem um fim salvador e escatológico, o qual só se poderá atingir plenamente no outro mundo. Mas ela existe já atualmente na terra, composta de homens que são membros da cidade terrena e chamados a formar já na história humana a família dos filhos de Deus, a qual deve crescer continuamente até à vinda do Senhor. […] A Igreja pensa, assim, que por meio de cada um dos seus membros e por toda a sua comunidade, muito pode ajudar para tornar mais humana a família dos homens e a sua história”. Concretamente, surgiram em nosso meio algumas obras sociais que tinham a intenção a pouco explicitada: o Centro Social Diocesano, cujo papel estava voltado para a integração das pessoas mais pobres na sociedade, desenvolvendo-as no ensino de habilidades domésticas tais como o curso de alfabetização, corte e costura, bordado, crochê e arte culinária; o Clube de Mães que buscava realizar serviços de assistência às gestantes e parturientes, inclusive orientando as mulheres sobre a maternidade, cuidados prévios com o nascimento dos bebês, alimentação, pré-natal, educação das crianças, religião, deveres do lar, etc; a construção da Vila João XXIII, conjunto de casas populares destinado aos pobres sem abrigo; o Asilo Vila do Idoso e Casa da Menina, ambas fundadas por Dom Fernando Iório; a instalação de dessalinizadores de água na região semiárida da Diocese; a Fazenda da Esperança Nossa Senhora do Amparo; a Casa do Menor São Miguel Arcanjo; e outras iniciativas.


Relacionada ao compromisso que brota do Evangelho para a Igreja como formadora cultural dos fiéis, a Diocese de Palmeira dos Índios funda, em 1966, os colégios Sagrada Família, em Palmeira dos Índios, e São Vicente de Paulo, na cidade de Pão de Açúcar, além de creches nos municípios de São José da Tapera e Palestina. Faz-se salutar recordarmos ainda de outras instituições promotoras de cultura fundadas pela Igreja em nossas terras: o Colégio de Santana do Ipanema; o Museu Xucurus que funciona, desde a sua fundação, na Igreja do Rosário, na sede da Diocese; a Facesta (Faculdade Santo Tomás de Aquino); os convênios com a Universidade Federal de Alagoas e o Centro de Estudos Superiores de Maceió para a implantação de cursos superiores em Palmeira dos Índios; a Faculdade São Vicente de Paulo, em Pão de Açúcar.  Com estas atitudes, os nossos pastores, cada qual ao seu tempo, demonstraram uma concórdia com o espírito conciliar: “O sagrado Concílio Ecumênico considerou atentamente a gravíssima importância da educação na vida do homem e a sua influência cada vez maior no progresso social do nosso tempo. […] Assim, a escola católica, enquanto se abre convenientemente às condições do progresso do nosso tempo, educa os alunos na promoção eficaz do bem da cidade terrestre, e prepara-os para o serviço da dilatação do reino de Deus, para que, pelo exercício duma vida exemplar e apostólica, se tornem como que o fermento salutar da comunidade humana” (Declaração Gravissimum Educationis, 1.8).  


Relacionado à promoção da vida pastoral da Igreja particular de Palmeira dos Índios, muitas foram as atividades desenvolvidas ao longo deste cinquentenário. Se Dom Otávio estruturou a Diocese, Dom Epaminondas José de Araújo preocupou-se primordialmente com a formação do Clero acerca do “aggiornamento” trazido pelo Concílio Vaticano II, cumprindo o que Paulo VI ordenava na Carta Apostólica de encerramento do Concílio, em 08 de dezembro de 1965: “Mandamos também e ordenamos que tudo quanto foi estabelecido conciliarmente seja observado santa e religiosamente por todos os fiéis, para a glória de Deus e honra da Santa Mãe Igreja, tranquilidade e paz de todos os homens”. Já Dom Fernando Iório reuniu o povo de Deus e os padres em Assembleias Diocesanas para inteirar a Igreja Palmeirense das proposições da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O terceiro bispo de Palmeira dos Índios adquiriu ainda o prédio do Colégio Pio XII para servir de Centro de Treinamento da Diocese, bem como a construção do Lar Sacerdotal.


Ao longo deste meio século, foi característica marcante dos nossos pastores as constantes visitas pastorais, conforme o ordenado pelo atual Código de Direito Canônico no cânon 396 §1: “O Bispo é obrigado a visitar cada ano a diocese, total ou parcialmente, de modo que visite a diocese toda ao menos cada cinco anos, por si ou, estando legitimamente impedido, pelo Bispo coadjutor, pelo auxiliar, pelo Vigário geral ou episcopal, ou por outro presbítero”. Muito embora se comparado ao Código de Direito Canônico de 1917, esta prática, de per si, não é novidade do atual Código outorgado em 1983, já pelo papa então reinante, o Beato João Paulo II, tendo em vista o que fora determinado pelo Concílio Vaticano II.


O Presbitério de Palmeira dos Índios também deu dois de seus filhos para o Episcopado: Dom Jorge Tobias de Freitas, primeiramente eleito para a Diocese de Caxias, no Maranhão, sendo transferido mais tarde para Nazaré da Mata, Pernambuco, onde se tornou Bispo Emérito; Dom José Francisco Falcão de Barros, Bispo Titular de Auguro e Auxiliar para a Arquidiocese Militar do Brasil.


De muitas formas os Bispos Diocesanos dirigiram-se aos fiéis: suas vidas ilibadas, inúmeras pregações, exortações. Como não recordar as Cartas Pastorais de Dom Epaminondas: Sobre a Liturgia, Sobre a Evangelização, Sobre a Catequese, Sobre a Política e Bem Comum. Todas embasadas nos documentos conciliares. Os escritos de Dom Fernando Iório Rodrigues. O seu amor às Letras esteve sempre a serviço do Evangelho de Jesus Cristo; suas canções que tocaram e continuam a emocionar corações de muitos. O jornal “Igreja em Ação”; o endereço da Diocese na rede mundial de computadores; o programa dominical “A Hora Católica”...


Esta nossa prédica será, a partir de agora, um exame de vida, uma espécie de confissão, não feita somente a vós, nobres espectadores, nem apenas a grei do Senhor confiada à nossa fraqueza, mas, antes de tudo a Deus e um exame da minha consciência. Como quarto Bispo de Palmeira dos Índios, temos, durante os nossos seis anos de episcopado, procurado exercer o nosso pastoreio como “imagem viva de Deus Pai”, no dizer de Santo Inácio de Antioquia. E, se nos detivermos aqui, apenas com esta belíssima afirmativa do santo bispo e mártir de Antioquia, como elemento caracterizador de nosso governo episcopal, sentir-nos-emos extremamente satisfeitos, pois, como servos inúteis, fizemos aquilo que deveríamos fazer (cf. Lc 17,10). 


Apraz-nos possuir a certeza de que, não pelos nossos méritos, mas pelo beneplácito de Deus, cujos caminhos nos são insondáveis, também fazemos parte deste cinquentenário. Refiro-me não somente ao Jubileu Áureo da Diocese de Palmeira dos Índios, mas, como Bispo da Igreja de Cristo, às comemorações dos dez lustros do Concílio Vaticano II. Diante das dificuldades inerentes ao nosso múnus episcopal, não somente do Dom Dulcênio em particular, mas dos bispos da Igreja, somos alentados pelo Senhor por meio do seu auxílio divino e providente na consecução da nossa árdua, mas altiva missão, que, na realidade é Dele, só que confiada a nossa indignidade. Aqui, não tratamos em fazer desabafos, mas de manifestarmos uma convicção baseada em São Paulo: Aquele que nos chamou é fiel, e cumprirá por nós, instrumentos troncos e insuficientes, o que é do seu desígnio misterioso e correto.


Queridos amigos presentes neste recinto onde letras, palavras e ideias são explanadas. Humildemente, não quisemos fazer da nossa fala uma síntese histórica da grande homenageada desta sessão solene: a Igreja de Cristo espalhada também no agreste e sertão alagoanos, a qual denominamos Diocese de Palmeira dos Índios. Antes, quisemos estabelecer uma relação, mostrando que nós, pastores da Igreja, não agimos por nossas vontades ou meros caprichos, mas, antes de tudo, assistidos pelo Espírito Santo de Deus, que dinamiza a Igreja de Cristo Senhor pelas sendas da história, não obstante as nossas limitações; quisemos demonstrar como esta vitalidade da Igreja de Jesus presente em todo o mundo, inclusive através da reunião do Colégio Universal dos Bispos, denominado Concílio, atinge positivamente a nossa vida, o agir e o apostolado de tantos que se doaram, consumiram-se por amor a Deus e a Sua Igreja, aos irmãos.


O Senhor nunca abandonou a Sua Esposa, a Sua Bem-Amada Igreja. Não oponente a fragilidade e contingência daqueles que participam do Seu Corpo Místico, a Sua Graça sempre superabundou por nós e em nosso meio. A tantos homens e mulheres – papas, bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis leigos –, rendemos a nossa gratidão pelos valorosos contributos oferecidos à nossa história de Igreja diocesana. Rogamos a Deus, nosso Senhor, a graça de que a força da vitalidade e jovialidade da Igreja, Esposa de Cristo, sempre nos anime como membros vivos e escolhidos, “membros do mesmo corpo e participantes da promessa em Jesus Cristo pelo Evangelho” (Ef 3,6). Pois a Ele é devida a glória, a nós, “servos inúteis”, o trabalho. Ao tempo em que agradecemos, como Bispo de Palmeira dos Índios, o distinto e honroso preito tributado por esta casa do saber, da memória e da cultura do valoroso povo alagoano à Igreja de Cristo Senhor. Obrigado!

   

terça-feira, 29 de maio de 2012

A CONFUSÃO LÓGICA



























   
Por Roberto Cavalcanti Coutinho*

Há pouco menos de um mês, o Brasil escreveu mais uma página da sua história. Para alguns, este fato foi um passo largo rumo à evolução cultural deste país. O fato é que em meados do mês de março deste ano, atendendo as reivindicações dos membros da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu retirar todos os crucifixos das paredes dos Tribunais de Justiça do Estado. O grupo LBL considerou discriminatória a presença de um símbolo que esteve sempre, há mais de 121 anos, encravado nas paredes de muitas salas de audiência do Rio Grande do Sul. Sob o pretexto de o Estado ser laico, deu-se a decisão do Conselho.
Primeiramente, faz-se mister alguns esclarecimentos a respeito da conotação ideológica sagrada a qual atribuiu-se ao crucifixo por parte do Conselho de Magistratura e do grupo LBL. À priori, o que se sabe de concreto sobre o objeto é que ele trata-se de uma obra de arte que representa a morte por crucifixão do homem nazareno chamado Jesus, que ficou para a história da humanidade como um homem que modificou o pensar da época com os seus conhecidos sermões, não da segunda pessoa da santíssima trindade que se fez homem para conduzir a humanidade à Deus. Nenhuma coisa, pessoa ou objeto tem em sua natureza um valor ideológico absoluto, a natureza sagrada do crucifixo é de valor conotativo, ou seja, abstrato.
Toda e qualquer atribuição ideológica, abstrata ou conotativa que se dá a um objeto é relativa, geralmente realizado por pessoas segundo a crença do valor ideal que ele tem. O valor ideológico ou sentimental, ou seja, abstrato, como dito, é relativo, variando de sujeito para sujeito, por exemplo: a mesma camisa pode representar para uma pessoa apenas uma peça de vestuário de proteção para o frio, para outra um amuleto que costuma dar sorte e para uma terceira representa uma peça que dinheiro nenhum pode comprar pelo valor sentimental que ela carrega e a lembrança que ela trás da pessoa que a presenteou. Na primeira pessoa do exemplo, o sentido dado à peça de roupa foi apenas concreto e prático, na segunda e na terceira pessoa já se pôde observar a atribuição de valor conotativo.
Em suma, o significado abstrato que um objeto tenha depende diretamente da crença daquele que o observa. Para alguém atribuir a um objeto um valor sagrado ou ideológico é preciso acreditar na existência desses valores, em outras palavras, para uma pessoa conceder, ao crucifixo, uma representação divina, esta pessoa precisa crer nessa representação tal como um cristão o faria. Essa repulsa imaginária aos crucifixos transpassa os padrões da normalidade, pois diante de símbolos, que para muitos é religioso, agimos, a depender da nossa crença, com indiferença ou respeito. Indignação, alergia, repulsa ou perseguição, como bem assevera Percival Puggina em seu artigo para o jornal Zero Hora, perfura qualquer entendimento e conceito de normal.
Cabem, ainda, algumas ponderações sobre as reivindicações quanto a propriedade laica do Estado para justificar o ato. A linguagem jurídica da constituição e a sua materialidade, seu conteúdo, começam desde o 1º artigo e o poder jurisdicional acontece nas funções jurisdicionais, pouco importa qualquer que seja os adereços ou enfeites que estejam presentes no local. Sendo assim, quem já se sentiu ofendido, injustiçado ou submetido ao Canon Romano da Igreja Católica pela presença de crucifixos em salas de audiência? O mesmo acontece com a presença de crucifixos nas salas de aulas, teóricos da educação afirmam que a presença deles mostra como a educação ainda está atrelada a princípios religiosos... Onde? É como se em um simples objeto estivesse contida explicitamente, em sua linguagem não-verbal, uma complexidade de doutrinas e dogmas cristãos e que todos os alunos estariam diariamente absorvendo pelo simples fato de observá-lo.
Vale lembrar que o Conselho de Magistratura fez valer o protesto de um grupo que representa uma minoria diante da totalidade do povo brasileiro. O perambulo da constituição lembra que todo o poder emana do povo, ou seja, sendo um Estado Democrático de Direito, toda decisão deve partir do clamor do povo e não de uma minoria.
Não existe qualquer evidência que a presença de crucifixos tenha servido para o descumprimento da soberania do Direito para impor decisões religiosas de qualquer natureza. Muito pelo contrário. Destituído de qualquer conotação ideológica, O crucifixo representa a figura do injustiçado. Rui Barbosa, em seu artigo “O Justo e a Justiça Política”, ele lembra que Jesus passou por seis julgamentos, “três nas mãos dos judeus, três às dos romanos, e em nenhum teve um juiz”.   O Cristo estava lá não porque representasse uma divindade, mas sim porque representava o homem Galileu que foi vítima da maior injustiça. Pilatos mesmo sabendo da inocência do homem Galileu, lavou as mãos e deixou nas do povo a sua sentença.
Por fim, não sou ingênuo o suficiente para pensar que essa ideia de retirada do crucifixos  não poderia emanar do povo, apenas a crítica está direcionada a falta de honestidade na medida. O ponto chave está na falta de lógica, onde as pessoas não acreditam nos valores sacros que o objeto tem e mesmo assim eles os são sensíveis como se fosse algo concreto e real para elas. Essa confusão entre ideal e ontológico é característico dos tempos atuais, mas em um país onde a educação não é prioridade, e passa longe disso, a crise intelectual se assevera a níveis catastróficos.

* É acadêmico do terceiro período do curso de História na Universidade Tiradentes, em Aracaju, Sergipe. É administrador do blog www.historiografialivre.blogspot.com e, a partir desta data, colaborador do Fides Ecclesiae.

sábado, 26 de maio de 2012

SOLENIDADE DE PENTECOSTES


(Ano B – 27 de maio de 2012)




I Leitura: At 2,1-11
Salmo Responsorial: Sl 103 (104),1ab.24ac.29bc-30.31.34 (R/.30)
II Leitura: 1Cor 12,3b-7.12-13
Evangelho: Jo 20,19-23



Queridos irmãos,



Hoje, o Espírito Santo é derramado sobre a Igreja; hoje, se cumpre a promessa de Cristo Jesus, feita momentos antes da sua ascensão aos céus: “mas descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força; e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria e até os confins do mundo” (At 1,8), tal como refletimos na liturgia do domingo passado. A celebração de hoje encerra dignamente as festividades pascais, pois, completados cinquenta dias (daí o termo grego pentecostes), teologicamente, a Igreja adentra na plenitude dos mistérios pascais, ao tempo em que lhe é concedida um conhecimento experiencial da terceira Pessoa trinitária, até então, oculta sob o ‘véu de mistério’: o Espírito Santo.


Desde o seu princípio, a Sagrada Escritura faz referência ao Espírito de Deus (“No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas” – Gn 1,1-2). E, percorrendo todos os livros nos quais estão contidos a Palavra de Deus, percebemos muitas alusões a este “grande desconhecido”. Desconhecido porque, tal como o Filho, a forma pela qual Deus era concebido era apenas como único e, logicamente, não havia a distinção das Pessoas Trinitárias. No entanto, este Espírito de Deus assumia muitas figuras trazidas principalmente pelo Antigo Testamento, mas que também se faz presente no Novo: água, tal como nos apresentam tantas passagens, mas, para citarmos como exemplo, utilizamos a Segunda Leitura de hoje: “De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito” (1Cor 12, 13); unção; fogo; nuvem e luz; selo; mão e dedo de Deus; pomba.


Quem é e qual a missão do Espírito Santo? O Espírito Santo é, como já aludimos anteriormente, uma Pessoa Divina que revela, juntamente com o Filho, Deus, fazendo-nos conhecer também Cristo, Verbo de Deus. Nunca o Espírito Santo revela-se a si mesmo, pois é Ele quem nos faz ouvir a Palavra do Pai, o próprio Jesus Cristo, abrindo os nossos ouvidos da fé, o nosso coração, fazendo-nos acolher Deus pela fé. Conhecemos o Espírito Santo pela vida da Igreja. Aí é o lugar de nosso conhecimento através das Escrituras inspiradas pelo mesmo Espírito de Deus; pela Tradição proveniente dos Apóstolos; pelos ensinamentos desta mesma e única Igreja de Cristo; por meio da Liturgia, pela qual nos dirigimos ao Pai, pelo Filho, na moção do Espírito Santo; na oração, já que o Espírito intercede por nós: “o Espírito vem em auxílio à nossa fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8,26); nos sinais de vida apostólica e missionária realizada pela Igreja através das nossas diversas labutas diárias; no testemunho de tantos homens e mulheres, conhecidos ou não, pelos quais Ele manifesta a Sua santidade e continua a obra da salvação. Logo, percebemos que o Espírito Santo já não nos é desconhecido, mas um Ser Divino que sempre opera em nós – se lhe estamos abertos –, principalmente pela Igreja. Em suma, a missão do Divino Espírito Santo é a de fazer com que os fiéis estejam cada vez mais unidos a Cristo, inserindo-os, constantemente no amor trinitário que é Ele mesmo; o Espírito Santo é a relação entre o Pai e o Filho: é o amor entre eles que, de tão profundo, é essencialmente Pessoa Divina (não um sentimento com caracteres humanos, tal como conhecemos a atitude de amar). Por isso, já remetendo-nos à Liturgia deste Domingo, temos nas antífonas de entrada propostas para esta celebração a dimensão de união que somente o Espírito Santo pode oferecer, tanto à vida intratrinitária, quanto às criaturas: “O Espírito do Senhor encheu o universo; ele mantém unidas todas as coisas e conhece todas as línguas, aleluia!” (Sb 1,7); “O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo seu Espírito que habita em nós, aleluia!” (Rm 5,5; 10,11).


No Evangelho de hoje, percebemos a íntima ligação existente entre o evento Pentecostes e o da Páscoa: “Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: ‘A paz esteja convosco’” (Jo 20,19). Ao esclarecer acerca da temporalidade desta passagem, São João quer nos indicar que aquele dia era o da Ressurreição de Jesus. Mais adiante: “Novamente, Jesus disse: ‘A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio’. E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (v. 21-22a). Jesus, ao colocar-se no meio dos discípulos, ao tempo em que faz esta bela saudação, quer manifestar que ele mesmo, o Ressuscitado, é a paz que, pelo Espírito se encontra no coração da Igreja, dos fiéis. Neste trecho percebemos a economia, a manifestação no tempo da Trindade Santíssima e eterna. Pois, Jesus Cristo, enviado do Pai, envia os discípulos, a Igreja, enviando-lhes o Espírito Santo que procede do Pai e do Filho, por isso dizer: ‘Recebei o Espírito Santo’. A partir deste envio do Santo Espírito é que a Igreja está apta para iniciar sua missão sob a suave condução do vento do Espírito. Mas para que a Igreja é enviada? Respondemos esta nossa interrogação com as palavras mesmas de São João: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos” (v. 23). Logo, vemos que a Igreja, de per si, não salva, mas é a única depositária da salvação, visto que Jesus, na cruz, derramou o seu sangue para a remissão dos pecados, e é a Igreja quem ‘herda’ de Cristo, seu Esposo, esta missão, e é pela potência do Santo Espírito de Deus que ela realiza tal proeza. A missão da Igreja continua a missão de Jesus. Confirma-nos esta ideia São João Crisóstomo: “Assim, elevou o espírito de seus discípulos pelos fatos e pela dignidade de sua missão. E não pede, todavia, o poder do Pai, mas que de sua própria autoridade se lhes dá. Por isso segue: ‘E havendo dito isto, soprou e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo’” (In Ioannem, hom. 85).


Na Primeira Leitura, temos a narração do Pentecostes e a sua consequência na vida da Igreja nascente. Assim, pedagogicamente, dividimo-la em dois trechos: o primeiro (At 2,1-4), trata da descrição do derramamento do Espírito Santo. É a parte que nos deteremos por hora. A festa de Pentecostes, antes mesmo de fazer parte do calendário cristão, tal como a conhecemos, participava do almanaque do povo judeu: era a também chamada “festa das semanas”. Esta festividade judaica era celebrada exatamente sete semanas após a páscoa do povo de Israel. O seu intuito era o de agradecer ao Senhor pelas colheitas, bem como pela Lei dada pelo Senhor a Moisés no monte Sinai, cinquenta dias depois da libertação do Egito. Por dedução, temos: se Jesus foi crucificado na véspera da páscoa dos judeus e ressuscitou um dia após, então cinquenta dias depois da morte e ressurreição do Senhor seria a festa das semanas, o pentecostes judeu. Então, primeiramente, quando São Lucas trata de “Quando chegou o dia de Pentecostes” (v. 1), ele refere-se à festa das semanas e não à ideia posterior que a Igreja terá. Mencionando o lugar, o autor dos Atos dos Apóstolos vai frisar: “os discípulos estavam reunidos no mesmo lugar”. Que lugar seria este? O mesmo em que Jesus se reuniu com os seus discípulos para cear na véspera de sua Paixão; o mesmo em que ele apareceu algumas vezes após a sua ressurreição (inclusive no episódio do Evangelho de hoje); ou seja, o cenáculo. Em uma de suas homilias, o Papa Bento XVI assevera-nos: “Este ‘lugar’ é o Cenáculo, […] a sala que se tinha tornado, por assim dizer, a ‘sede’ da Igreja nascente (cf. At 1,13). Todavia, mais do que insistir sobre o lugar físico, os Atos dos Apóstolos tencionam acentuar a atitude interior dos discípulos: ‘Todos, unidos pelo mesmo sentimento, se entregavam assiduamente à oração’ (At 1,14). Por conseguinte, a concórdia dos discípulos é a condição para que venha o Espírito Santo; e a condição prévia da concórdia é a oração” (Homilia de 31 de maio de 2009). O Papa, ao fazer tal ponderação, nos leva a questionar acerca da nossa vivência de comunidade, sendo, portanto “um só coração e uma só alma” (At 4,32). Como estamos sentindo o Espírito Santo se tantas vezes promovemos discórdias e malquerenças na comunidade cristã por meio de nossas atitudes mesquinhas, enojadas, asquerosas? E a oração que fazemos é promotora da concórdia no seio dos meus irmãos ou, na atitude de orar, esterilizamos o Espírito Santo? Fica-nos este incômodo. Depois, ainda na primeira parte da nossa divisão pedagógica do texto da Primeira Leitura, temos: “Então, apareceram línguas como de fogo que se repartiam e pousaram sobre cada um deles. E todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava” (v. 3-4). Esta imagem remete-nos à manifestação de Deus no Sinai entre trovões, relâmpagos e fogo, tal como a festa das semanas de que falávamos anteriormente recordava. Se lá, na teofania do Sinai, o povo da Antiga Aliança não poderia chegar perto daquele fenômeno divino, no Pentecostes ‘cristão’, a teofania vem à Igreja em forma de línguas de fogo e repousa sobre a cabeça dos que aí estavam; se lá o povo temeu Deus, aqui, na narração dos Atos dos Apóstolos, os fiéis criam coragem, tornam-se ainda mais próximos de Deus porque recebem a sua força, e, a partir daí, anunciam intemerariamente, pois o Paráclito, isto é, o Divino Advogado está com eles. Agora, no segundo trecho desta perícope, vemos a consequência desta efusão do Espírito: eles falam em outras línguas, conforme a inspiração do Espírito Divino. Assim, todos os que estavam em Jerusalém, dentre os quais os estrangeiros, entendiam em língua materna o que lhes era anunciando: as maravilhas de Deus que, desde a tenra idade da Igreja era fielmente por ela proclamada. Neste sentido, a Oração de Coleta leva-nos a dizer: “Ó Deus que, pelo mistério da festa de hoje, santificais a vossa Igreja inteira, em todos os povos e nações, derramai por toda a extensão do mundo os dons do Espírito Santo, e realizai agora no coração dos fiéis as maravilhas que operastes no início da pregação do Evangelho”. Mas que maravilhas são essas? Primeiramente, levar os homens ao conhecimento do verdadeiro Deus; segundo, a reunião de todos os homens em uma fé. Essas maravilhas, por sua vez, provenientes do Doce Espírito do Senhor, vivificam, renovam a face da terra, porque o “Espírito dá vida” (2Cor 3,6).


Que constantemente invoquemos o Espírito Santo, pedindo-lhe os seus dons, para que, trilhando nas sendas do mundo, possamos, irradiados por sua luz, proclamar as maravilhas do Senhor até sermos inseridos, um dia, quando da glória da eternidade, à intimidade de Deus, de cuja antecipação o Espírito Santo já nos proporciona em vida através da comunhão com o Corpo Místico do Cristo, a Igreja.  

sexta-feira, 25 de maio de 2012

UMA LITURGIA ECUMÊNICA OU UM ECUMENISMO LITÚRGICO?


Relação entre a Liturgia e a prática ecumênica



Por incrível que pareça, ao folhear livros, “fuçar” a internet, pouco ou nada encontramos acerca da ligação existente entre o diálogo ecumênico e a liturgia. Parece que o tema está fadado a um possível esquecimento. Isso, na melhor das hipóteses, para não afirmar que, em muitas circunstâncias a liturgia pode tornar-se uma ferida no “calcanhar de Aquiles” do Ecumenismo.

Ao tratarmos sobre esta temática “Liturgia e Ecumenismo”, faz-se mister lembrarmos que o cristão é um ente primariamente litúrgico, já que todas as denominações cristãs são concordes de que o Batismo é uma porta de ingresso para a realidade eclesial. E o que o Batismo é senão uma realidade primordialmente litúrgica? Pois, Jesus mesmo disse: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19), o que constitui a fórmula do Batismo cristão.

Neste sentido, o Catecismo da Igreja Católica afirma: “O Batismo constitui o fundamento da comunhão entre os cristãos, também com os que ainda não estão em comunhão plena com a Igreja Católica: ‘Com efeito, aqueles que crêem em Cristo e foram validamente batizados acham-se em certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica. (...) Justificados pela fé no Batismo, são incorporados a Cristo e, por isso, com razão, são honrados com o nome de cristãos e merecidamente reconhecidos  pelos filhos da Igreja católica como irmãos no Senhor’ (UR, 3). ‘O Batismo, pois, constitui o vínculo sacramental da unidade que liga todos os que foram regenerados por ele’ (UR, 22)” (CIC 1271).  Portanto, a fórmula batismal deixada pelo Cristo e que a Igreja bem como algumas comunidades eclesiais utilizam, “N..., eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, é que nos faz cristãos, é um elemento que nos une enormemente.

Ao fazermos a presente análise iniciada pelo proto-sacramento de unidade entre os cristãos, seguimos o que já aconselhara Paulo VI em sua Carta Encíclica Ecclesiam Suam: “Ponhamos em evidência primeiramente o que nos é comum, antes de insistirmos no que nos divide. Boa e fecunda orientação para o nosso diálogo. Estejamos dispostos a prossegui-lo cordialmente. Diremos mais: sobre tantos pontos de diferença – quanto aos usos, à espiritualidade, às leis canônicas e ao culto – queremos estudar como se poderão satisfazer os legítimos desejos dos Irmãos cristãos ainda de nós separados. Nada desejamos tanto como abraçá-los numa perfeita união de fé e de caridade. Mas devemos também dizer que não podemos transigir sobre a integridade da fé e as exigências da caridade” (n. 61).

Logo, mesmo tendo como fundamento basilar o Batismo, a unidade ecumênica não deve ser caracterizada como um uniformismo eclesial entre os membros envolvidos. Se algo nos une, naturalmente uma parte nos diverge, as duas realidades também valem no âmbito litúrgico-ecumênico. Estas divergências partem do modo celebrativo, mas também engloba a sua teologia, principalmente no tocante ao setenário sacramental.

Soa até como uma utopia a frase: “Virá um dia em que todos nos abordaremos à mesma mesa”. Neste sentido, Pe. Servita, fratello da Comunidade de Bose – Itália e Docente de Teologia Ecumênica afirma acerca da ceia eucarística: “Digamos que permanece ainda viva a desilusão em muitos pelo fechamento à participação da comum mesa eucarística, desilusão evidente no primeiro grande encontro ecumênico, o Oekumenische Kirchentag realizado conjuntamente pelos católicos e protestantes alemães em 28 de maio [de 2003] em Berlim. Uma decepção devida a uma leitura diversa da Eucaristia com relação à unidade das Igrejas: para o catolicismo e a Ortodoxia a Eucaristia continua o já da substancial comunhão nos âmbitos da fé, dos sacramentos e do ministério; para o protestantismo ela é caminho para o ainda não da plena comunhão. Questões abertas que remetem a futuros suplementos de pesquisa, de explicação e de indicação disciplinar, porque, se é verdade que não estamos ainda no ‘já’, é também verdadeiro que também não estamos nem mesmo no ‘ponto de chegada’ do caminho ecumênico” (http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/dialogo_ecumenico/a_enciclica_sobre_a_eucaristia.html).

A deturpada relação entre Eucaristia e Ecumenismo preocupa até mesmo a hierarquia Católica. Tanto isso é realidade que o Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia, realizado em Roma, no ano de 2005, através do Instrumentum Laboris “A Eucaristia: fonte e ápice da vida e da missão da Igreja”, afirma: “Os encontros ecumênicos são uma ocasião privilegiada para melhor dar-se a conhecer a doutrina da Igreja sobre a Eucaristia e sobre a unidade dos cristãos. Embora aceitando com dor as divisões que impedem de participar juntos na mesa do Senhor, a Igreja não desiste de encorajar a oração para que voltem os dias da unidade plena dos que acreditam em Cristo. No entanto, algumas respostas aos Lineamenta aludem a que, em certos encontros, os católicos nem sempre são claros na exposição da doutrina sobre a Eucaristia,e que, enquanto em alguns casos se exclui deliberadamente esse sacramento nas respectivas celebrações, em outros é incluído e todos são convidados, sem distinção alguma, a receber a comunhão. Registram-se igualmente, em certos lugares, problemas com algumas comunidades eclesiais nascidas da reforma, que fazem proselitismo entre os imigrantes, sobretudo de língua espanhola, convidando-os para os seus serviços religiosos, a que não poucas vezes dão o nome de ‘missa’” (n. 86).

Este estigma litúrgico-ecumênico envolve também os Ortodoxos. Neste sentido, em um artigo denominado: “A Impossível Comunhão Eucarística”, o Padre Wladimir Zelinskij, sacerdote Ortodoxo e Professor de Teologia, escreve: “Para um cristão ortodoxo, empenhado não só no movimento, mas também no espírito ecumênico, não há problema mais doloroso do que nossa não hospitalidade eucarística. Após tantos gestos simbólicos de abertura, de amizade, de reconhecimento da plena validade da vida religiosa do outro, chegamos exatamente ao coração de nossa fé, ao mistério eucarístico, e de novo descobrimos que este coração está dividido. Como se estivessem divididos espírito e verdade: o primeiro, que ama “o irmão separado” e vai onde o manda o coração; a segunda, porém, imóvel, petrificada, constituída pelas pedras preciosas de nossas tradições. Não finjamos que as nossas verdades sejam feitas de matéria tão leve que permita-lhes infiltrar-se nas dobras de nosso espírito. […] Se a separação humana, mística, em parte também espiritual, estava vencida, se a divisão doutrinal foi um pouco superada, a última e mais difícil vitória permanece o “afastamento” eucarístico. […] Mas como? Não há vitória mais fácil do que suprimir as diferenças teológicas, que à época pareciam tão essenciais, as “tradições dos antigos”, para desvalorizá-las radicalmente. Neste caso, o movimento tem de dar uma parada, chegamos à estação final, todos permanecem em seus asilos eclesiais com regular e amigável troca de visitas eucarísticas em mesas diferentes, mas cobertas para todos. Por acaso cremos que seja este o tipo de unidade que Cristo espera de nós? Que sejamos reconhecidos como seus discípulos com esse ideal de amor que faz desabrochar a indiferença?” (http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/dialogo_ecumenico/a_impossivel_comunhao_eucaristica..html).

Não sei se “para tapar o sol com a peneira” ou com um sentimento de miscelânea litúrgico-oracional, o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), ao orientar a prática das celebrações ecumênicas, propõe alguns pré-requisitos para esta atividade: “No contexto ecumênico, celebrar é fortalecer laços de amizade, é aprofundar o conhecimento mútuo, é crescer em direção à unidade, na prática comum da adoração, do louvor e da oração. […] Ver-se-á também mais claramente o que é próprio e específico de cada denominação cristã: as tradições distintas, em canto e oração, as diferentes compreensões de liturgia e sacramentos, acentos distintos no anúncio da Palavra. E a oração pela unidade nos fará crescer em fé, esperança e amor, apesar das diferenças. […] Visitas às celebrações particulares, de parte a parte, diálogo sobre questões doutrinárias e litúrgicas, informação recíproca sobre as tradições e costumes litúrgicos deveriam sempre preceder qualquer celebração ecumênica. […] Antes de mais nada, porém, são expressão de nosso grande anseio e de nossa mais forte esperança por uma unidade cada vez mais efetiva das comunidades cristãs, apesar das dificuldades que todos nós sentimos em concretizá-la na Santa Ceia. Temos certeza de que, no futuro, o Senhor mesmo nos reunirá a todos e todas em torno de sua mesa. […] O CONIC tenta alertar no seguinte documento para alguns aspectos de grande importância nas celebrações ecumênicas, tendo sempre em vista o respeito mútuo e o desejo que cada vez mais os cristãos se unam” (http://www.casadareconciliacao.com.br/mofic_orientacoes.htm).

     Perguntamo-nos: Seguindo as tendências propostas pelo CONIC a Igreja e as seitas cristãs não perderiam a sua essencial identidade, e, no caso da Igreja Católica, toda a sua teologia litúrgico-sacramental estaria relegada ao esquecimento ou mesmo a exclusão? Levando em consideração os anseios da seção mais conservadora da Igreja Católica, e não somente desta, como também da Igreja Ortodoxa, estaríamos cumprindo a oração de Jesus ao Pai “ut unum sint”? É mais transparente e cristão viver a identidade da fé, inclusive da liturgia, cada qual em sua denominação, deixando de promover, como muitos dizem “um teatro ecumênico-litúrgico”, ou apostar no diálogo ecumênico que olvide liturgia e prática oracional e dogmática para uma maior unidade? Diz-nos o Aquinate, inspirado em Aristóteles “Virtus in medius est”: Qual seria o meio termo? Ele existe? 

sexta-feira, 18 de maio de 2012

SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR


(Ano B – 20 de maio de 2012)



I Leitura: At 1,1-11;
Salmo Responsorial: Sl 46(47),2-3.6-7.8-9 (R/.6);
II Leitura: Ef 1,17-23 (Ou à escolha para o ano B: Ef 4,1-13);
Evangelho: Mc 16,15-20.



            Queridos irmãos,


“Vencendo o pecado e a morte, vosso Filho Jesus, Rei da glória, subiu hoje ante os anjos maravilhados ao mais alto dos céus” (Prefácio da Ascensão do Senhor, I). Iniciemos a nossa reflexão com esta certeza celebrada por nós: Cristo Ressuscitado, glorificado, sobe aos céus. Recebe todo o poder, senta-se à destra do Pai. Nesta nossa reflexão, primaremos pelo relato da Ascensão do Senhor oferecido pelo segundo escrito de São Lucas, os Atos dos Apóstolos, e do Prefácio da Eucologia Eucarística deste Domingo.

Tendo o corpo glorificado desde a manhã pascal, Jesus permanece quarenta dias com os discípulos. Para que? São Lucas, na Primeira Leitura de hoje, responde-nos: “No meu primeiro livro, ó Teófilo, já tratei de tudo o que Jesus fez e ensinou, desde o começo, até ao dia em que foi levado para o céu, depois de ter dado instruções pelo Espírito Santo aos apóstolos que tinha escolhido. Foi a eles que Jesus se mostrou vivo depois da sua paixão, com inúmeras provas. Durante quarenta dias, apareceu-lhes falando do Reino de Deus” (At 1,1-3). Logo, o Senhor, com seu corpo glorioso, não é um espectro, uma assombração, mas portador de uma matéria com propriedades novas e sobrenaturais. Permanece quarenta dias com os seus discípulos para instruí-los sobre o Reino. Vemos nos discípulos a Igreja nascente que recebe do seu Senhor e Esposo a doutrina que deverá fielmente guardar e com solicitude anunciar.

São Lucas, dando sequência à narrativa da Ascensão do Senhor oferecida pelos Atos dos Apóstolos, rememora a ordem e a promessa dadas pelo Cristo: “Não vos afasteis de Jerusalém, mas esperai a realização da promessa do Pai, da qual me ouvistes falar: ‘João batizou com água; vós, porém, sereis batizados com o Espírito Santo, dentro de poucos dias. […] Recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra’” (v. 5.7). Assim, percebemos a estreiteza existente entre o evento pascal e a Ascensão, como também destes dois eventos que são como que unificados com o de Pentecostes. Não é à toa que o Tempo Pascal é encerrado com a solenidade do próximo domingo. Durante os três primeiros séculos da era cristã, a Sagrada Liturgia celebrava no último dia da quinquagésima pascal, de uma só vez, a Ascensão e o Pentecostes.

Somente já dadas as últimas instruções àqueles que iriam continuar a obra do Reino e prometendo-lhes o Espírito Paráclito, é que Jesus sobe aos céus, manifestando a glória recebida desde a Ressurreição, até então velada sob os traços de uma humanidade comum, embora com um corpo dotado de propriedades novas e sobrenaturais, como afirmávamos outrora. Em si mesma, a manifestação da glória de Jesus ascendendo aos céus não diferencia da glória da Ressurreição, onde, pelo poder do Espírito do Pai, Cristo ressurge e assume a glória que tinha desde sempre, excetuando-se quando, travestido de homem, assume a nossa condição, a nossa natureza humana. Jesus, quando ressuscita, torna-se possuidor de glória, a mesma da Ascensão. No entanto, o caráter velado da glória do Ressuscitado possui, como nos explicita o Catecismo da Igreja Católica, “uma diferença de manifestação entre a glória de Cristo ressuscitado e a de Cristo exaltado à direita do Pai. O acontecimento ao mesmo tempo histórico e transcendente da Ascensão marca a transição de uma para a outra” (CIC 660). O texto dos Atos dos Apóstolos traduz-nos essa realidade ao dizer: “Jesus foi levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não podiam mais vê-lo” (1,9). Com a Ascensão, Jesus não se retira, mas o poder de Deus, o seu próprio poder (por isso ser ascensão e não assunção) o introduz na habitação divinal. Por isso, a presença da nuvem que o envolve, já que na tradição bíblica a imagem da nuvem representava a Shekinah, a “presença de Deus”. Desta forma, o evento da Ascensão e a sua narração são inseridas na história da relação de Deus com o seu povo. Assim o foi na peregrinação do povo pelo deserto guiado pelo próprio Deus através da nuvem; a nebulosidade do Sinai quando Moisés recebe as tábuas da Lei do próprio Deus; e, no Novo Testamento, quando, da Transfiguração, uma nuvem luminosa envolve o Senhor Jesus, Moisés e Elias.

Na Profissão de Fé, a Igreja proclama: “E subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai”. Ao tomar posse do lugar que é Seu, Cristo Senhor inaugura o Reino, concretiza o que Daniel já profetizara: “A ele foram dados império, glória e realeza, e todos os povos, todas as nações e os povos de todas as línguas serviram-no. Seu domínio será eterno; nunca cessará e o seu reino jamais será destruído” (Dn 7,14); ou o que o Anjo aludira a Maria, Sua Mãe: “O Seu Reino não terá fim” (Lc 1,33), frase que também professamos no Credo Niceno-Constantinopolitano: “cuius Regni non erit finis” – cujo Reino não terá fim..

A Igreja Orante, na Eucaristia de hoje, ainda reza a Deus Pai, na força do Espírito Santo, fazendo referência ao seu Divinal Esposo: [Ele] “tornou-se o mediador entre vós, Deus, nosso Pai, e a humanidade redimida, Juiz do mundo e Senhor do universo” (Prefácio da Ascensão, I). Cristo, ao assentar-se à destra do Pai, exerce também o seu múnus sacerdotal, Ele é o Sumo e Eterno Sacerdote da Nova e Eterna Aliança. Por Ele, os louvores e súplicas da Igreja sobem ao Pai. É a partir da Sua cruz, do único evento da Sua Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão ao Céu que este sacerdócio do Senhor Jesus tem começo: “Quando eu for elevado da terra, atrairei para mim todos os homens” (Jo 12,32). Jesus glorioso à direita do Pai é o centro para onde convergem e rumam os homens, o tempo e a criação, ainda que por caminhos desconhecidos e inimagináveis à nossa limitada razão. É da parte do Pai “o desígnio de reunir em Cristo todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra” (Ef 1,10). Jesus, à direita do Pai, exerce um papel único, inaugurado desde a sua cruz, desde a Páscoa redentora: o de ser mediador entre Deus e os homens (cf. 1Tm 2,5-6). É do seu trono celeste que o Cordeiro Imaculado cumpre esta função só sua.

 “Ele, nossa cabeça e princípio, subiu aos céus, não para afastar-se de nossa humildade, mas para dar-nos a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade” (Prefácio da Ascensão, I). Se Jesus, mesmo sendo Deus, em uma relação íntima de obediência ao Pai, e – pelo poder do Espírito, o mesmo que O relaciona com Pai – encarna-se, assumindo a nossa humanidade, em um intercâmbio entre o céu e a terra, com a sua Ascensão, o Cristo não nos abandona, mas abre-nos a certeza de que, por Ele, obteremos a morada celeste, mas, ao mesmo tempo de que continuamente está sempre conosco. No seu discurso de despedida, antes de ser entregue aos torturadores para sofrer a Paixão, na Santa Ceia, Jesus diz: “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais. E vós conheceis o caminho para ir aonde vou. […] Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14,2-5.6).  Jesus sobe aos céus. O que o Senhor prometeu-nos há de realizar-se; já nos é uma garantia: com Cristo reinaremos no céu. Mas o que é o céu? “O ‘céu’, esta palavra céu, não indica um lugar acima das estrelas, mas algo muito mais ousado e sublime: indica o próprio Cristo, a Pessoa divina que acolhe plenamente e para sempre a humanidade, Aquele em quem Deus e o homem estão para sempre inseparavelmente unidos. O céu é o ser do homem em Deus. E nós aproximamo-nos do céu, aliás, entramos no céu, na medida em que nos aproximamos de Jesus e entramos em comunhão com Ele” (Homilia da Solenidade da Ascensão do Senhor, 24/05/2009). Logo, o céu não é um lugar físico preparado por Jesus para nós, mas é um estado de graça plenificado, uma íntima união com Deus. No entanto, engana-se quem pensa que o céu é uma realidade póstuma. Não! Ela pode e seu antegozo deve iniciar-se cotidianamente na vida daqueles que se propõem a uma vida de intimidade com Deus. Quem assim vive, faz o “céu na terra”, pois vive na graça, não obstante as inúmeras dificuldades que possam se abater; e os sacramentos são os meios ordinários de possuirmos em nossa existência este estado de gozo antecipado que denominamos céu. Ao celebrarmos a hodierna Solenidade da Ascensão do Senhor reafirmamos a nossa fé na permanência espiritual de Jesus em nosso meio, já que o seu corpo está gloriosamente sentado à direita do Pai. Cristo, ao subir ao céu, não desaparece, tampouco se ausenta da história do homem, da vida da sua Igreja. Mas é no Cristo gloriosamente reinante que encontramos a razão do nosso ser e temos a certeza de que a Igreja continua, sob impulso do Espírito Santo, a missão do Reino de Cristo.

“Os apóstolos continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia. Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: ‘Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu’” (At 1,11). Este dado narrado por São Lucas deve-nos fazer engrenar no serviço apostólico nos nossos diversos âmbitos de atuação cotidiana. Como cristãos, inseridos no mundo, não devemos “ficar com a cara pra cima”, como reza o dito popular, esperando Jesus voltar, como que passivos e embasbacados, mas, com o coração para o alto e os pés no chão, devemos promover o Reino de Cristo: eis a missão da Igreja e, por ser dela, é também nossa. No seu Evangelho, São Lucas retrata, na narração da alegria dos discípulos quando viram o Senhor ascendendo aos céus, qual deve ser a nossa atitude: “Em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria” (Lc 24, 52), e, completando com São Marcos no Evangelho de hoje: “Os discípulos então saíram e pregaram por toda a parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam” (Mc 16,20). Jerusalém, para os cristãos, é a Igreja. O anúncio deve partir dela por nós, e a ela devemos sempre nos remeter; é o nosso ponto de referência no alcance do Cristo.

Meus irmãos, que exultando de alegria, agradeçamos a Deus por tão grande dádiva, a de sermos chamados à sua Glória, enquanto que nutrindo, entre os tormentos da vida, a esperança da sua posse com o Cristo que, ao romper a cortina do santuário, inseriu-nos na Sua vida divina. Ao tempo em que, nas nossas idas e vindas das atividades terrenas, imploremos a volta do Senhor: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”