Relação entre a Liturgia e a prática ecumênica
Por incrível que pareça, ao folhear livros, “fuçar” a internet, pouco ou
nada encontramos acerca da ligação existente entre o diálogo ecumênico e a liturgia.
Parece que o tema está fadado a um possível esquecimento. Isso, na melhor das
hipóteses, para não afirmar que, em muitas circunstâncias a liturgia pode
tornar-se uma ferida no “calcanhar de Aquiles” do Ecumenismo.
Ao tratarmos sobre esta temática “Liturgia e Ecumenismo”, faz-se mister
lembrarmos que o cristão é um ente primariamente litúrgico, já que todas as
denominações cristãs são concordes de que o Batismo é uma porta de ingresso
para a realidade eclesial. E o que o Batismo é senão uma realidade
primordialmente litúrgica? Pois, Jesus mesmo disse: “Ide, pois, e ensinai a
todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt
28, 19), o que constitui a fórmula do Batismo cristão.
Neste sentido, o Catecismo da Igreja Católica afirma: “O Batismo
constitui o fundamento da comunhão entre os cristãos, também com os que ainda
não estão em comunhão plena com a Igreja Católica: ‘Com efeito, aqueles que
crêem em Cristo e foram validamente batizados acham-se em certa comunhão,
embora não perfeita, com a Igreja Católica. (...) Justificados pela fé no
Batismo, são incorporados a Cristo e, por isso, com razão, são honrados com o
nome de cristãos e merecidamente reconhecidos
pelos filhos da Igreja católica como irmãos no Senhor’ (UR, 3). ‘O
Batismo, pois, constitui o vínculo sacramental da unidade que liga todos os que
foram regenerados por ele’ (UR, 22)” (CIC 1271). Portanto, a fórmula batismal deixada pelo
Cristo e que a Igreja bem como algumas comunidades eclesiais utilizam, “N...,
eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, é que nos faz
cristãos, é um elemento que nos une enormemente.
Ao fazermos a presente análise iniciada pelo proto-sacramento de unidade
entre os cristãos, seguimos o que já aconselhara Paulo VI em sua Carta
Encíclica Ecclesiam Suam: “Ponhamos
em evidência primeiramente o que nos é comum, antes de insistirmos no que nos
divide. Boa e fecunda orientação para o nosso diálogo. Estejamos dispostos a
prossegui-lo cordialmente. Diremos mais: sobre tantos pontos de diferença –
quanto aos usos, à espiritualidade, às leis canônicas e ao culto – queremos
estudar como se poderão satisfazer os legítimos desejos dos Irmãos cristãos
ainda de nós separados. Nada desejamos tanto como abraçá-los numa perfeita
união de fé e de caridade. Mas devemos também dizer que não podemos transigir
sobre a integridade da fé e as exigências da caridade” (n. 61).
Logo, mesmo tendo como fundamento basilar o Batismo, a unidade ecumênica
não deve ser caracterizada como um uniformismo eclesial entre os membros
envolvidos. Se algo nos une, naturalmente uma parte nos diverge, as duas
realidades também valem no âmbito litúrgico-ecumênico. Estas divergências
partem do modo celebrativo, mas também engloba a sua teologia, principalmente
no tocante ao setenário sacramental.
Soa até como uma utopia a
frase: “Virá um dia em que todos nos abordaremos à mesma mesa”. Neste sentido, Pe. Servita, fratello da Comunidade de Bose – Itália
e Docente de Teologia Ecumênica afirma acerca da ceia eucarística: “Digamos
que permanece ainda viva a desilusão em muitos pelo fechamento à participação
da comum mesa eucarística, desilusão evidente no primeiro grande encontro
ecumênico, o Oekumenische Kirchentag
realizado conjuntamente pelos católicos e protestantes alemães em 28 de maio
[de 2003] em Berlim. Uma decepção devida a uma leitura diversa da Eucaristia
com relação à unidade das Igrejas: para o catolicismo e a Ortodoxia a
Eucaristia continua o já da substancial comunhão nos âmbitos da fé, dos
sacramentos e do ministério; para o protestantismo ela é caminho para o ainda
não da plena comunhão. Questões abertas que remetem a futuros suplementos de
pesquisa, de explicação e de indicação disciplinar, porque, se é verdade que
não estamos ainda no ‘já’, é também verdadeiro que também não estamos nem mesmo
no ‘ponto de chegada’ do caminho ecumênico” (http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/dialogo_ecumenico/a_enciclica_sobre_a_eucaristia.html).
A deturpada relação entre
Eucaristia e Ecumenismo preocupa até mesmo a hierarquia Católica. Tanto isso é
realidade que o Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia, realizado em Roma, no ano
de 2005, através do Instrumentum Laboris
“A Eucaristia: fonte e ápice da vida e da missão da Igreja”, afirma: “Os
encontros ecumênicos são uma ocasião privilegiada para melhor dar-se a conhecer
a doutrina da Igreja sobre a Eucaristia e sobre a unidade dos cristãos. Embora
aceitando com dor as divisões que impedem de participar juntos na mesa do Senhor,
a Igreja não desiste de encorajar a oração para que voltem os dias da unidade
plena dos que acreditam em Cristo. No entanto, algumas respostas aos Lineamenta
aludem a que, em certos encontros, os católicos nem sempre são claros na
exposição da doutrina sobre a Eucaristia,e que, enquanto em alguns casos se
exclui deliberadamente esse sacramento nas respectivas celebrações, em outros é
incluído e todos são convidados, sem distinção alguma, a receber a comunhão.
Registram-se igualmente, em certos lugares, problemas com algumas comunidades
eclesiais nascidas da reforma, que fazem proselitismo entre os imigrantes,
sobretudo de língua espanhola, convidando-os para os seus serviços religiosos,
a que não poucas vezes dão o nome de ‘missa’” (n. 86).
Este estigma
litúrgico-ecumênico envolve também os Ortodoxos. Neste sentido, em um artigo
denominado: “A Impossível Comunhão Eucarística”, o Padre Wladimir Zelinskij,
sacerdote Ortodoxo e Professor de Teologia, escreve: “Para um cristão
ortodoxo, empenhado não só no movimento, mas também no espírito ecumênico, não
há problema mais doloroso do que nossa não hospitalidade eucarística. Após
tantos gestos simbólicos de abertura, de amizade, de reconhecimento da plena
validade da vida religiosa do outro, chegamos exatamente ao coração de nossa
fé, ao mistério eucarístico, e de novo descobrimos que este coração está
dividido. Como se estivessem divididos espírito e verdade: o primeiro, que ama
“o irmão separado” e vai onde o manda o coração; a segunda, porém, imóvel,
petrificada, constituída pelas pedras preciosas de nossas tradições. Não
finjamos que as nossas verdades sejam feitas de matéria tão leve que
permita-lhes infiltrar-se nas dobras de nosso espírito. […] Se a separação
humana, mística, em parte também espiritual, estava vencida, se a divisão
doutrinal foi um pouco superada, a última e mais difícil vitória permanece o
“afastamento” eucarístico. […] Mas como? Não há vitória mais fácil do que
suprimir as diferenças teológicas, que à época pareciam tão essenciais, as
“tradições dos antigos”, para desvalorizá-las radicalmente. Neste caso, o
movimento tem de dar uma parada, chegamos à estação final, todos permanecem em
seus asilos eclesiais com regular e amigável troca de visitas eucarísticas em
mesas diferentes, mas cobertas para todos. Por acaso cremos que seja este o
tipo de unidade que Cristo espera de nós? Que sejamos reconhecidos como seus
discípulos com esse ideal de amor que faz desabrochar a indiferença?” (http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/dialogo_ecumenico/a_impossivel_comunhao_eucaristica..html).
Não sei se “para tapar o
sol com a peneira” ou com um sentimento de miscelânea litúrgico-oracional, o
CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), ao orientar a prática das
celebrações ecumênicas, propõe alguns pré-requisitos para esta atividade: “No
contexto ecumênico, celebrar é fortalecer laços de amizade, é aprofundar o
conhecimento mútuo, é crescer em direção à unidade, na prática comum da
adoração, do louvor e da oração. […] Ver-se-á também mais claramente o que é
próprio e específico de cada denominação cristã: as tradições distintas, em
canto e oração, as diferentes compreensões de liturgia e sacramentos, acentos
distintos no anúncio da Palavra. E a oração pela unidade nos fará crescer em
fé, esperança e amor, apesar das diferenças. […] Visitas às celebrações
particulares, de parte a parte, diálogo sobre questões doutrinárias e
litúrgicas, informação recíproca sobre as tradições e costumes litúrgicos
deveriam sempre preceder qualquer celebração ecumênica. […] Antes de mais nada,
porém, são expressão de nosso grande anseio e de nossa mais forte esperança por
uma unidade cada vez mais efetiva das comunidades cristãs, apesar das
dificuldades que todos nós sentimos em concretizá-la na Santa Ceia. Temos certeza
de que, no futuro, o Senhor mesmo nos reunirá a todos e todas em torno de sua
mesa. […] O CONIC tenta alertar no seguinte documento para alguns aspectos de
grande importância nas celebrações ecumênicas, tendo sempre em vista o respeito
mútuo e o desejo que cada vez mais os cristãos se unam” (http://www.casadareconciliacao.com.br/mofic_orientacoes.htm).
Perguntamo-nos: Seguindo as tendências propostas
pelo CONIC a Igreja e as seitas cristãs não perderiam a sua essencial
identidade, e, no caso da Igreja Católica, toda a sua teologia
litúrgico-sacramental estaria relegada ao esquecimento ou mesmo a exclusão?
Levando em consideração os anseios da seção mais conservadora da Igreja
Católica, e não somente desta, como também da Igreja Ortodoxa, estaríamos cumprindo
a oração de Jesus ao Pai “ut unum sint”?
É mais transparente e cristão viver a identidade da fé, inclusive da liturgia,
cada qual em sua denominação, deixando de promover, como muitos dizem “um
teatro ecumênico-litúrgico”, ou apostar no diálogo ecumênico que olvide
liturgia e prática oracional e dogmática para uma maior unidade? Diz-nos o
Aquinate, inspirado em Aristóteles “Virtus
in medius est”: Qual seria o meio termo? Ele existe?
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