sábado, 19 de janeiro de 2013

II DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano C – 20 de janeiro de 2013)


I Leitura: Is 62,1-5
Salmo Responsorial: 95(96),1-2a.2b-3.7-8a. 9-10a e c (R/.8a.9a)
II Leitura: 1Cor 12,4-11
Evangelho: Jo 2,1-11

Queridos irmãos,


Após as festividades do Tempo do Natal, a Igreja inicia o Tempo Comum ou o também chamado Ordinário. Para tanto, já na sua estreia, notamos a apresentação de Jesus sempre feita pelo Evangelho de São João. Assim, no Ano A, temos a narração joanina do depoimento do Batista acerca de Jesus: “Este é o Filho de Deus” (Jo 1,34). No Ano B, temos o testemunho do mesmo Precursor que O aponta “Eis o Cordeiro de Deus”, bem como dos discípulos de João que O denominam Mestre e Messias. Já no ciclo do Ano C, a apresentação de Jesus se dá nas bodas de Caná e quer manifestar Jesus como Alegria dos homens, já que o sentido cultural e teológico do vinho se situa aí.


Interessante averiguarmos que, se fizermos uma contagem de dias desde o fim do prólogo de São João (ou seja, a partir do 1,19) até a passagem do Evangelho de hoje (2,12), temos o total de sete dias, uma semana. O casamento ocorre três dias após o encontro de Jesus com os primeiros discípulos. Estes três dias fazem referência ao tríduo do Mistério Pascal (Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus), e, neles, é aberta ao homem a oportunidade da intimidade plena com Deus, graças à redenção oferecida pelo Senhor. No tocante aos sete dias, temos a alusão feita por João à criação, já que conforme o protolivro do Gênesis (1,1ss), o mundo e tudo o que nele existe foi criado em um setenário. Em Jesus, somos recriados. O seu Sangue é ingresso e garantia na ordem da Nova Criação, pois é também Sangue da Nova Aliança. Desta forma, São João parece querer designar que a felicidade do homem, como nova criatura, está na sua íntima relação com Deus que se dá em Cristo Jesus, por isso, este dado bíblico-teológico encerrar-se com a narrativa de uma festa de casamento. Se dissemos anteriormente que Jesus é o vinho novo, a alegria inédita, a felicidade original da humanidade que O encontra, Ele também pode ser visto, graças à passagem de hoje, como o Noivo tão esperado para desposar a humanidade. Jesus coaduna em si esta união matrimonial, desde a Sua Encarnação, ao se fazer verdadeiramente homem sem deixar de ser divino, até o extremar-se da Cruz e da Ressurreição. Ao assumir-nos, estabelece esta troca de dons e relações, figurada em uma relação marital, onde ‘os dois são uma só carne’ (cf. Mt 19,5).


Mas, quando, de fato, ocorreu esta união entre Deus e o homem? Toda a vida de Jesus é unânime, visando à salvação da humanidade. É com o Mistério Pascal, que em cujo interior também se situa a Sua morte na cruz, que esta redenção é consumada. É no exaspero da vida do Senhor que a criatura humana se entrega, pelo Cristo, a Deus de maneira nunca antes vista, unindo-se perfeitamente a Ele. É desta Vida ceifada que nasce a autêntica felicidade do homem; é do sangue do Cristo derramado. Por isso, lemos: “Como o vinho veio a faltar, a mãe de Jesus lhe disse: ‘Eles não têm mais vinho’. Jesus respondeu-lhe: ‘Mulher, por que dizes isto a mim? A minha hora ainda não chegou’” (Jo 2,3-4). Maria aparece e sua fala é profética, pois alude toda a humanidade cabisbaixa porque não tem o pleno sentido de sua vida, a salvação, mesmo sendo ela a primeira na ordem da redenção pelos méritos de seu Filho. Nesta relação entre sangue e vida, é-nos dada a lembrança do mesmo João sobre o discurso do pão da vida: “Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue, verdadeiramente uma bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,53-56); ou então o brado odioso, mas cheio de um rico significado teológico, da humanidade sedenta de salvação, quando da condenação de Jesus à cruz: “Que o sangue dele caia sobre nós e nossos filhos!” (Mt 27,25).


Pela resposta de Jesus à Sua Mãe, entrevemos uma preocupação de São João, que sempre a nomina pelo vocativo ‘Mulher’. No Evangelho de João, Maria é sempre contraposta a Eva graças ao seu gênero feminino. Se Eva deixa-se iludir com perspectivas de uma vida que prescinde de Deus, Maria é diferente. Chamada ‘Mulher’, Maria é posta ao lado daquelas que a figuram no Antigo Testamento, de uma maneira mais direta a rainha Ester, quando ambas preocupam-se pela vida dos seus: “Se achei graça a teus olhos, ó rei, e se ao rei lhe parecer bem, concede-me a vida, eis o meu pedido; salva meu povo, eis o meu desejo” (Est 7,3). Ao que o Senhor responde, parece-nos ressoar que a glorificação total não se dará em Caná, nestas bodas figurativas, mas no alto do suplício da Cruz e no júbilo da ressurreição: eis a Nova e Eterna Aliança. Por isso, mais adiante, no desfecho desta passagem, lermos: “Este foi o início dos sinais de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galileia e manifestou a Sua glória e Seus discípulos creram nele” (v. 11). E ainda em São João, quando da Oração Sacerdotal de Jesus: “Pai, é chegada a hora. Glorifica teu Filho, para que teu Filho glorifique a ti” (Jo 17,1). São João Crisóstomo, comentando esta expressão de Jesus, questiona-se: “Ainda que havia dito ‘não é chegada a minha hora’, ao fim fez o que a sua Mãe Lhe havia pedido. E assim prova suficientemente que não estava sujeito a horas. Pois, se O tivesse estado, como fez isto quando não havia chegado a hora devida?” (In Ioannem, hom. 21).


À ordem de Maria aos serventes “Fazei tudo o que Ele vos disser”, temos os dados das talhas: a sua quantidade era seis, no seu interior cabiam aproximadamente cem litros de água, que era usada para a purificação exigida pelo judaísmo. Estas informações nos remetem a ver teologia também aí. Seis é tido na numerologia judaica como designação de imperfeição, assim como imperfeito era o judaísmo e seus rituais; cem, o número completo, expressa que a totalidade dos antigos ritos judeus não é capaz de levar o homem às alegrias e felicidades, à comunhão íntima com Deus, à Nova e Eterna Aliança. Jesus é a sétima talha que aperfeiçoa, de sobremaneira, as outras seis, não mais em um sentido meramente ritual, mas deste ao que significam e transmitem: a vida da Graça. Logo, se completa todo o quadro-mosaico de Jesus para este Evangelho: vinho, água, noivo, talha. Água que é transformada em vinho para alegria dos participantes das Bodas em uma talha especial. Vinho até então não degustado, mas cujo paladar é surpreendente, pois pelo Sangue de Cristo não fomos igualados à condição humana anterior ao pecado, mas fomos dignificados ainda mais, a um ponto nunca antes vivenciado pela criatura humana, condição superior aos anjos. Ensejo pelo qual o mestre-sala exclama ao noivo: “Todo mundo serve primeiro o vinho melhor e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora!” (v. 10).


Cônscios de que somos escolhidos pelo Senhor, porque assim Ele o quis para nos desposar, trilhemos, caríssimos irmãos, neste mundo, rumo às nossas bodas definitivas, ou melhor, ao festim real em que seremos abraçados e deleitados com a presença deste Noivo. É no Céu que sentiremos a plenitude do amor e da nossa feliz realização, mas que, desta terra de peregrinos, já o pré-degustemos, na certeza de nossa Salvação, iniciada pela Páscoa de Cristo Noivo, completada pela nossa Páscoa de Esposa, de membros da Igreja, Única e Verdadeira Esposa de Cristo, de cujo matrimônio participamos pela nossa pertença batismal ao Corpo Místico do Senhor. Quando isso acontecer, quando nos ‘perdermos’ totalmente em Deus, acontecerá o que foi profetizado no Cântico dos Cânticos, posto na boca da Igreja-Esposa: “Arrasta-me após ti; corramos! O rei introduziu-me nos seus aposentos. Exultaremos de alegria e de júbilo em ti. Tuas carícias nos inebriarão mais que o vinho. Quanta razão há de te amar!” (Ct 1,4).