domingo, 27 de outubro de 2013

NA IGREJA CATÓLICA SUBSISTE A IGREJA DE CRISTO QUE, ALIMENTADA PELOS SACRAMENTOS, É ENVIADA


Caríssimos,
           

No quase crepuscular do ‘Annus Fidei’, convocado pelo Papa Emérito Bento XVI em outubro passado e que se concluirá em novembro próximo dentro da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, na Cidade Eterna e em todo o ‘orbe católico’, é mister refletirmos acerca desta magna verdade: na Igreja Católica subsiste a Igreja de Cristo. Decerto, poucos foram os crentes regenerados do lavacro batismal que pensaram acerca. Nesta perspectiva, somos também, no mês em curso, além de ser consagrado ao Rosário de Maria Virgem, a Conferência Episcopal do Brasil, a CNBB, convidados a pensar acerca da missionariedade da Igreja de Cristo.
            Por que os documentos da Igreja são incisivos em ratificar que ‘a Igreja é essencialmente missionária’? Com muita clarividência, logo em seu limiar, a Constituição Dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, pontua: “Sendo Cristo a Luz dos Povos, este Sacrossanto Sínodo, congregado no Espírito Santo, deseja ardentemente anunciar o Evangelho a toda criatura e iluminar todos os homens com a claridade de Cristo que resplandece na face da Igreja. E porque a Igreja é em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo gênero humano, ela deseja oferecer a seus fiéis e a todo mundo um ensinamento mais preciso sobre sua natureza e sua missão universal, insistindo no tema dos Concílios anteriores” (cf. LG 1).
            Essas palavras da cinquentenária constituição evidenciam quão presente é o apostolado da Igreja de Cristo presente na Senhora Católica. Neste ínterim, podemos pensar acerca da missão da Igreja. Por que quis o Senhor, na consumação da sua peregrinação terrestre, posteriormente ao mistério da sua Páscoa, permitir que a Sua Missão continuasse? Eis: porque Ele deseja a salvação de todos. Lembremo-nos de quando Lho indagam: “‘Senhor é verdade que são poucos os que se salvam?’ Responde-lhe: ‘Fazei todo o esforço possível de passar pela porta estreita’” (Lc 13,23-24). Por esta verdade, a missão redentora de Nosso Senhor Jesus Cristo, haurida do Mistério da sua Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição, foi legada à Esposa-Igreja. “Fazei Isto em memória de Mim!” (Lc 22,19). Antes da imperativa exclamação do Filho de Deus no Monte das Oliveiras, quando da sua Ascensão, ordenou naquela ceia sacrificial a atualização da sua Páscoa no Sacramento da Sagrada Eucaristia para quem, segundo São Tomás, “todos os outros sacramentos estão ordenados.”.
            Desta feita, entendemos a primordial missão da Igreja: perpetuar nos sacramentos o evento salvífico de Nosso Senhor. Assevera: “A missão universal da Igreja nasce do mandato de Jesus Cristo e realiza-se, ao longo dos séculos, com a proclamação do mistério de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, e do mistério da encarnação do Filho, como acontecimento de salvação para toda a humanidade” (cf. Dominus Iesus, 1).  A missão da Igreja outra não é senão a de atualizar a presença de Cristo, o que acontece de maneira solene pela Celebração da Sagrada Liturgia, nos demais sacramentos e por meio da pregação da Palavra de Deus. Assim quis o Senhor para a sua Igreja, “sacramento universal da salvação”, visivelmente presente, ininterruptamente, na Igreja Católica. Há uma mentalidade o quanto pragmática e dissociada do Evangelho, ao se conceber a missão, como a execução de ‘fazer coisas’. Não! A missionariedade acontece quando nos encontramos essencialmente com a pessoa de Jesus Cristo e o descobrimos na comunidade de fé, isto é, na Igreja. Nela se encontra, genuinamente, ‘o Jesus’, crido e transmitido pela fé Católica e Apostólica, guardado pela sã Tradição. É por essa razão que o então purpurado Joseph Ratiznger, com maestria,  no-lo exorta na Declaração Dominus Iesus, quando tece acerca do ’Ide’. Assim o escreve: “A missão universal da Igreja nasce do mandato de Jesus Cristo e realiza-se, ao longo dos séculos, com a proclamação do mistério de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, e do mistério da encarnação do Filho, como acontecimento de salvação para toda a humanidade” (Dominus Iesus, 1).
            Neste sentido, a Igreja, Esposa de Cristo, é a fidedigna depositária da missão  e, Nela, através dos seus ministros ordenados, por primeiro, o ministério de Cristo Cabeça é continuado. “Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como uma sociedade, subsiste [subsistit in] na Igreja Católica (grifo meu), governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele. Com a expressão substit in, o Concílio Vaticano II quis harmonizar duas afirmações doutrinais: por um lado, a de que a Igreja de Cristo, não obstante as divisões dos cristãos, continua a existir plenamente só na Igreja Católica e, por outro, a de que existem numerosos elementos de santificação e de verdade fora da sua organização, isto é, nas Igrejas e Comunidades eclesiais qua ainda não vivem em plena comunhão com a Igreja Católica” (Dominus Iesus, 16)

            Ao contemplarmos estupenda declaração, vemos a Igreja de Cristo presente na Igreja Católica. De que maneira? Pela Tradição Apostólica, pela transmissão sólida e íntegra da fé, dada por Jesus aos Doze e estes aos seus sucessores, a Celebração dos Sacramentos, o culto à Virgem Maria e aos santos. Quando periodízamos tais caracteres chegamos ao Mistério de Cristo que, com a Igreja, forma o ‘Cristo Total’. Cônscios desta certeza, a Igreja, desde o dia de Pentecostes, apregoa a centralidade da pessoa de Cristo e faz com que a fé seja transmitida a todos os povos, para que os mesmos, conforme diz o Apóstolo, “cheguem à estatura do Homem Perfeito” (Ef 4,13).

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O ‘BANHO’ DO PERDÃO


Queridos irmãos,

A Igreja, que é Mãe e Mestra, é a única depositária da salvação operada pelo Cristo. Ao tempo em que ela custodia também distribui tal graça eminente. Entrementes, muitos, inclusive os ‘cristãos desinformados’, não acreditam que a Igreja tem o poder de perdoar pecados, duvidam-lhe na sua extrema autoridade espiritual dada pelo próprio Deus. Não obstante aos incrédulos, temos em vista outros tantos ‘cristãos desleixados’ que não se deixam reconciliar com Deus pelo meio ordinário da Igreja que são os sacramentos. “Creio na remissão dos pecados”: eis o décimo artigo da Profissão de Fé da Igreja de Cristo.
Em algumas páginas do Evangelho, encontramos o fundamento para esta prática da Igreja. O próprio Senhor, ao demonstrar com o seu perfeito exemplo o modo de libertar as pessoas integralmente, curando-lhes principalmente o coração, o interior, não raramente afirmava aos miseráveis que o procuravam, pedindo-lhe vida nova: “Os teus pecados estão perdoados” (cf. Mt 9,2; Mc 2,5; Lc 5,20; 7,47-48). Esta prática não se bastou ao Cristo, que a confiou a Sua Igreja, continuadora de Sua missão redentora, conferindo ao Colégio Apostólico, as “colunas de Seu Corpo Místico”, o seu exercício baseado em um poder inigualável, procedente do próprio Deus: “Tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19); “Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,23); “Está alguém enfermo? Chame os sacerdotes da Igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o restabelecerá. Se ele cometeu pecados, ser-lhe-ão perdoados. Confessai os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros para serdes curados. A oração do justo tem grande eficácia” (Tg 5,14-16).
A limpeza operada por Deus através da Igreja e dos seus sacramentos se dá primariamente no banho da regeneração: o Batismo. Já constatamos esta verdade no Símbolo Niceno-Constantinopolitano: “Professo um só Batismo para a remissão dos pecados”. O principal efeito deste proto-sacramento, ao ser recebido pelo indivíduo com fé e conversão, é introduzi-lo no universo da graça, fazendo com que, ao serem-lhe perdoados os pecados, mergulhe na morte para o pecado e ressurja, regenerado e renovado pelo Espírito Santo, revestido de Cristo, santificado Nele.
A justa adesão de fé ao que crê a Igreja de Cristo, a ‘Senhora Católica’, encaminha o nosso olhar e vida para o Sacramento da Confissão (ou Reconciliação). Sabendo da debilidade humana que, mesmo regenerada em Si, ainda seria propensa ao pecado, Jesus, sapiente e providentemente, instituiu à Igreja o poder de anular todos os pecados por meio do sacramento que sana as faltas que cometemos após o banho batismal, reintegrando-nos a Deus e à comunidade cristã, ‘desencardindo a nossa alva veste batismal, enodoada pela infidelidade a Deus, pelo mal que cometemos’. O Senhor brindou-nos com o Sacramento da Penitência no dia da Sua ressurreição, no dia do Seu maior triunfo, quando, ressurgindo, venceu o pecado e a morte (cf. Jo 20,23). Por antonomásia, ao instituir tal sacramento no dia mesmo de Sua Páscoa, Jesus quer a ressurreição de nossa alma, tendo em vista que, se o pecado é a morte de nossa alma, o perdão que recebemos sacramentalmente é a sua ressurreição.
Quem já bebeu da graça sacramental da confissão, certamente sentiu o doce alívio que o ‘estar quite’ com Deus e Sua Igreja traz ao nosso interior. Imaginemos se Cristo não tivesse tal iniciativa de instituição, fruto do Seu coração misericordioso; se Cristo não tivesse dado à Sua Igreja o poder de perdoar os pecados, quantas pessoas não estariam em paz com Deus, com os irmãos, com a sua própria consciência? Quantos não viveriam no desespero e nos remorsos produzidos pelos pecados graves, comprometendo até mesmo a esperança da salvação? Poderíamos afirmar sem o medo do exagero: A confissão é a salvação dos pecadores. Alguns poderiam retrucar: “A salvação é Cristo!”. Treplicamos: Mas, quem é que salva o homem pela realidade sacramental, não é o próprio Jesus que confia à Sua Igreja tão grande mistério para oferecê-lo aos homens? Em um anoso manual de catequese (o livro “Leitura de Doutrina Cristã”, publicado pela Editora Vozes, em 1958), encontramos uma curiosa analogia: “A corda que salva o pecador da morte eterna e do poço do inferno é a confissão. Devemos agarrar-nos a ela quando cairmos em algum pecado. E foi Jesus que deu à sua Igreja esta corda de salvação dando-lhe o poder de perdoar os pecados” (p. 247).
Quem na Igreja exerce tal ministério de perdoar iniquidades? São Pio X, em seu famoso catecismo, responderá: “Os que na Igreja exercem o poder de perdoar os pecados são, em primeiro lugar, o Papa que é o único que possui a plenitude de tal poder; depois os Bispos e, sob a dependência dos Bispos, os Sacerdotes” (Questão 236). Solenemente, Cristo reveste os Apóstolos, seus sucessores e seus colaboradores imediatos, os sacerdotes, deste poder único. Ele poderia ter feito diferente, mas não o quis, pois desejou que esta faculdade do perdão passasse pelas mãos e voz dos homens, instrumentos de Sua misericórdia, quando dizem: “Deus, Pai de misericórdia, que, pela morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo consigo e enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”. Muitos, entretanto, se queixam da vergonha e do medo que se lhes invadem em auto-acusar-se na Confissão, chegando até a introjetar em suas mentes: “Eu não sei me confessar!”. Temos que ter muito cuidado: o demônio pode estar se utilizando dos nossos receios de humilhar-nos diante da poderosa misericórdia de Deus para fazer-nos, pecadores, subservientes seus. E outra: se temos vergonha de apontar os nossos erros, por que não temos acanhamento em cometê-los? São Pio de Pietrelcina afirmava, encorajando os penitentes: “A confissão é o único tribunal em que os ‘réus’ se acusam e saem inteiramente absolvidos”. Já Tertuliano compara o cristão que prescinde do Sacramento da Penitência (seja por ignorá-lo, seja por embaraço), de confessar os seus delitos ao sacerdote a um doente que, por bloqueio, não quer mostrar ao médico as feridas. Santo Agostinho de Hipona insistia: “Não basta confessar os pecados a Deus, para quem nada é oculto, é preciso também acusá-los ao sacerdote, que é o Seu ministro”.

Como sacramento que traduz esta potência da Igreja no perdão dos pecados temos também a Unção dos Enfermos, cuja instituição encontramos quando o Senhor Jesus Cristo envia os Apóstolos em missão: [Eles] “Ungiam com óleo a muitos enfermos e os curavam” (Mc 6,13). Igualmente nas Escrituras averiguamos a prática da Igreja mediante a ordem do Senhor (cf. Tg 5,13). O efeito da Unção dos Enfermos é a comunicação da graça, apagando as faltas que o doente ainda tem que expiar, inclusive aquilo que o Concílio de Trento chamará de “reliquias peccati” – sequelas do pecado, consolando e confirmando a alma do doente, excitando-o maiormente na confiança da divina misericórdia, por quem, reanimado, aprende a suportar com mais docilidade os desconfortos e sofrimentos impostos pela enfermidade, ao tempo em que adquire crescente resistência às insídias do demônio. Tudo isto sem olvidar da possibilidade de reaver a saúde do corpo, quando for importante para a alma (cf. Dz 1696).

Deus nos ama, e, por amar-nos, nos dá o seu perdão. Se desesperarmos de Sua infinita misericórdia, por quem esperaremos? Caríssimos irmãos, busquemos sempre o Senhor que se deixa, continuamente, encontrar por um coração arrependido, contrito, mas confiante em sua bondade e com desejo de servi-Lo (cf. Sl 129). Não paremos em nossas misérias. Não! Mergulhemos nesta senda de amor infinito que nos quer purificados e junto a Si, imirjamos sempre em Deus, banhemo-nos desta fonte que a Igreja nos oferece que é a divina misericórdia.  

sábado, 12 de outubro de 2013

SOLENIDADE DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA, RAINHA E PADROEIRA DO BRASIL

“Gaudens gaudébo in Dómino, et exsultábit ánima mea in Deo meo: quia índuit me vestiméntis salútis: et indumento iustítix circúmdedit me, quase sponsam ornátam monílibus suis.’’



  
   Caros irmãos,
           
            Hoje a Igreja, aqui no Brasil, celebra a Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira dessas terras de Santa Cruz. Em todo o país erguem-se louvores à Mãe de Deus sob tal advocação. Entoam-se os versos: “Viva a Mãe de Deus e nossa sem pecado concebida, viva a Virgem Imaculada a Senhora Aparecida”. A celebração da hodierna solenidade é uma epifania viva e singular da fé do Povo de Deus. Neste aspecto, vale-nos: “A luz de Deus brilha para Israel, através da comemoração dos fatos realizados pelo Senhor, recordados e confessados no culto, transmitidos pelos pais aos filhos. Desse modo, aprendemos que a luz trazida pela fé está ligada com a narração concreta da vida, com a grata lembrança dos benefícios de Deus e com o progressivo cumprimento de suas promessas” (cf. Lumen Fidei, 12).
           
      Desde aquele dia em que os pescadores encontraram em as profundezas do Rio Paraíba uma esfinge da Imaculada Conceição, muitas são as narrações dos crentes pelos benefícios recebidos por adjutório da Mãe de Deus. Neste sentido, sempre vislumbramos a presença maternal de Maria Santíssima junto àqueles que o Unigênito, na ara da obediência, o madeiro da cruz, concedeu como filhos na pessoa de João, dito o discípulo amado: “Mulher, eis aí o teu filho. Filho, eis aí a tua Mãe!” E sublinha com solenidade o evangelista: “Daquela hora em diante o discípulo a acolheu consigo!” Que significados podemos concluir desta palavra? Eis: a presença da Senhora Maria na vida de tantos! Neste solo brasileiro, quantos testemunhos! Quantas experiências por mediação da Virgem Santíssima. Caras são as palavras de São Bernardo quando diz: “À vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus, não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem Gloriosa e Bendita”. É a mesmíssima Virgem Maria de Nazaré que hoje é louvacionada e reverenciada como a Mãe da Conceição Aparecida.
             As leituras da Missa de hoje são compendiadas num único período: Maria é a medianeira da Nova e Eterna Aliança. À Primeira Leitura, ouvimos a solicitude da rainha Ester que, achando os favores do rei, olha para a vida de Israel. Diz-lhe: “Concede-me a vida. Eis o meu pedido! E a vida do meu povo. Eis o meu desejo!’’ Um paralelo há entre Ester e Maria: ambas são dispostas para estar à disposição de outrem e, neste, de Deus. Recordemos o quadro da visitação de Maria à Isabel. Daquela que às pressas fora encontrar a parenta para comunicar-lhe o autor da vida encerrado em suas puríssimas entranhas. À Segunda Leitura, ouvimos a narração apocalíptica de São João. “Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas. E ela deu à luz um filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro”.  Esta alegoria faz-nos pensar em Maria como aquela que engendrou, como diz a Epístola aos Hebreus, “o Consumador da nossa fé”. Desta maneira, Maria, tal como o Concílio Vaticano II, ratificou “é o Tipo Perfeito da Igreja”. Esta que, como ela, a Toda Santa, milita na existência, para que no Dia do Senhor, seja desposada pelo Esposo Divinal. Como Maria deu à luz ao Menino, hoje, a Igreja, dá-nos a Jesus Cristo: na Palavra, nos Sacramentos, no ensinamento dos pastores de almas. Nas vicissitudes dos acontecimentos, há a incompreensão de muitos, porquanto seus projetos dissociam da vontade de Deus. No Evangelho, é-nos proposto, no princípio do chamado ‘’Livros dos Sinais’’ de São João, o capítulo segundo. Trata-se das Bodas em Caná da Galileia. A Escritura menciona: “Houve Bodas no terceiro dia em Caná da Galileia e Jesus, sua Mãe e seus discípulos tinham sido convidados às Núpcias”. De repente perguntamo-nos: Quem são os nubentes? Por que o casamento aconteceu no terceiro dia? Como é peculiar ao evangelista São João, ele é riquíssimo nos detalhes. Possuídos de relevantes significados aos seus leitores. João, desde o Hino ao Verbo de Deus, deseja deixar clarividente: aquele Jesus que fez prodígios e portentos ao decurso do seu ministério messiânico é Deus Sempiterno. O ‘Kadosch’, o Santo de Israel. Jesus é o Ícone perfeito do ‘Eu Sou’!
           

         A presença do terceiro dia é um dado presente no Livro dos Sinais como o sinal da recriação da humanidade executada pelo Mistério Pascal. É justamente no terceiro dia que o Novo Adão reintegra toda a Humanidade, Nele! No mistério da sua Páscoa, Nosso Senhor, faz, por antonomásia, a aliança, desposa o que estava decaído. Nesta perspectiva, averigua-se a seis talhas vazias e a ausência de vinho. Nesta certeza, vemos a presença de Maria, corredentora, e Daquele, o Redentor. “Eles não tem mais vinho!” e Jesus declara: “Mulher, minha hora ainda não chegou!” Eis a ordem da Senhora Imaculada: “Fazei o que ele vos disser”. As seis talhas é a presença do Antigo Povo da Aliança. Um povo que ainda não havia conhecido uma aliança perfeita e eterna e por este motivo estavam vazios, uma vez que o Emanuel-Deus veio suplementá-la. “A Lei nos veio por Moisés, mas a graça e a verdade no-lo chegaram por Jesus Cristo!” Por que falta o vinho? Por que a palavra misteriosa dentre os versículos: “Todo mundo serve o vinho melhor e quando os convidados já estão embriagados serve o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora!”? Este vinho é a presença de Cristo-Esposo. Nele todas as coisas são renovadas. Com Ele o vinho é melhor.

Caná também é prefiguração do Banquete Sacrifical da Eucaristia. Vê-se no relato deste primeiro ‘sinal’ de Jesus a atuação de Nossa Senhora como aquela que ‘apressa’ a Nova Criação. Vê-se Maria em Caná que intercede, contempla-se Maria na soledade da cruz do seu Filho. Eis a Hora! Celebrando a Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira da Terra de Santa Cruz, peçamos a sua maternal mediação, para, não obstante os acontecimentos transitórios, fincarmos uma fé inquebrantável como ela que é a primeira dentre os crentes. A Bem-Aventurada porque creu. Salve Maria da Conceição Aparecida!

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A COMUNHÃO ENTRE OS AMIGOS DE DEUS


Queridos irmãos,

“Cremos na comunhão dos santos!” Esta é uma verdade cuja profissão de fé fazemo-la no Credo. Quem são os santos? De maneira simples, resumimos: os santos são os amigos de Deus. Dizemos amigos para designar um relacionamento de profunda intimidade com o Cristo de tal forma que, de tanta proximidade com Ele, o santo ganha as feições do Senhor, galgando cotidianamente uma vida de perfeição que ruma para o “perder-se” no Divinal Amigo. Ora, mergulhando nesta simplificada denominação, chegamos a pensar que o mundo hodierno carece de santos. Sim, urge o aparecimento de pessoas corajosas que, despojando-se de si mesmas, trilham, asceticamente, para uma vida cada vez mais conformada a de Jesus. A santidade não vem como num toque de mágica, mas acontece cotidianamente, dentro da humanidade do indivíduo que a abraça, através da superação das limitações, a partir das pequenas dificuldades.
Pelo Batismo, todo cristão é santo. Por isso que, no Credo, a Igreja afirma: “Creio na comunhão dos santos”. Comunhão, do latim communio, “união com”, assim, somos santos (da Igreja peregrina) unidos com os santos (da Igreja triunfante e da Igreja padecente); os santos pelo Batismo, os quais ainda estão no convívio com as coisas perecíveis do mundo que intercambiam com os santos que já consumaram a sua via e hoje gozam da Perpétua Glória do Coração de Deus ou se purificam no Purgatório para alcançar o prêmio eterno que lhes foi resguardo pelo Senhor; formamos uma única família: a do Corpo Místico de Cristo, embora este esteja inserido em uma dupla dimensão: temporalidade e eternidade.
É interessante que falemos sobre a intercessão dos santos. Tal como rezamos uns pelos outros, diante de Deus Nosso Senhor, os que já adentraram na amizade com Deus (aqueles que estão no Céu) ou mesmo os que se depuram no Purgatório rezam por nós, valendo-nos com a sua intercessão. A Lumen Gentium afirmará a este respeito: “Recebidos na pátria celeste e presentes diante do Senhor (cf. 2Cor 5,8), por Cristo, com Cristo e em Cristo, não deixam de interceder na terra por nós junto do Pai, mostrando os méritos que alcançaram na terra pelo único Mediador de Deus e dos homens, Jesus Cristo. […] Por conseguinte, por sua fraterna solicitude nossa fraqueza é grandemente auxiliada” (LG 49). Como as nossas preces e rogos chegam a eles? Deus, no esplendor de sua luz divina em que os santos estão envolvidos, mostra-lhes os pedidos e os louvores que lhes endereçamos. Pela via dos santos, as nossas preces e louvores se tornam menos indignas diante de Deus, mais possível de serem atendidas por serem mais aptas (cf. Ap 8,3), daí Santo Tomás de Aquino afirmar: Os santos “têm maior crédito frente a Deus após a morte do que em vida (pois estão mais próximos de Deus; nesta vida ‘peregrinamur longe a Domino’). Ora, já poderíamos pedir sua intercessão quando ainda viviam, segundo o exemplo do apóstolo São Paulo, que escrevia: ‘Eu vos exorto, irmãos, por Nosso Senhor Jesus Cristo e pela caridade do Espírito Santo, a que me ajudeis por vossas preces junto a Deus’ (Rm 15,30). Com maior razão devemos então pedir aos santos do céu o auxilio de suas preces” (S. Th., Suppl., p 72,a 2) . Em resumo, a comunhão dos Santos estende-se a terra, ao Céu e ao Purgatório, porque a caridade une as três igrejas - triunfante, padecente e militante - e os santos rogam a Deus por nós e pelas almas do Purgatório, enquanto que nós lhes tributamos honra e glória já que alcançaram a Bem-Aventurança eterna, ao tempo em que podemos aliviar as almas em via de purificação, aplicando, em sufrágio delas, Missas, esmolas, indulgências e outras boas obras.
Dissemos que os santos são amigos de Deus. Se somos santos pela graça batismal, logo, somos invitados a estreitar os laços com o Senhor. E como faremos esta proeza? O evangelho das bem-aventuranças (cf. Mt 5,1-12; Lc 6,20-23) responde-nos: através do alcance da felicidade. No entanto, não a entendamos como uma pseudo-felicidade, tal como o mundo apregoa com o oferecimento de prazeres, de bens e outras realidades que aumentam – ainda mais – o vazio no coração do homem, mas a atinjamos como vida realizada, plenificada em Deus já na angústia dos dias desta vida mortal, enquanto somos “travestidos em homem do nosso século”, como afirmara Jacques Maritain. Jesus, na perícope de Mateus acerca das bem-aventuranças, por nove vezes, utiliza a palavra “Bem-aventurados”, “Felizes”, por esta quantidade, entendemos o ‘Sermão das Bem-aventuranças’ como um projeto de realização pessoal e de Deus na vida do fiel. O homem sabe que, somente contando com os seus esforços, nunca conseguirá uma satisfação plena; sabe ainda que Deus não viola a liberdade do ser humano. Destarte, indubitavelmente somos cônscios de que a santidade é proporcionada pela Graça, mas deve haver a contribuição pessoal do cristão que a busca. Por isso, Jesus, a cada bem-aventurança, apresenta uma atitude ativa do fiel e, seguidamente, uma ação receptiva emanada do próprio Deus (“Bem-aventurados... porque...”).
É salutar termos diante dos olhos todo o ambiente físico em que acontece esta prédica do Senhor. Mateus situa Jesus em um monte. Subir, na Sagrada Escritura designa aproximar-se do próprio Deus. Percebamos, caríssimos, que as grandes manifestações de Deus acontecem em elevações geológicas. Notemos que Jesus não vai para lá sozinho, os discípulos se aproximam, afastam-se da baixeza da terra. Assim, sabemos que o Mestre quer atrair os seus para o Pai, de quem procede a santidade (Ele que, no superlativo, é o Santo dos Santos). O termo “santo”, que em hebraico é traduzido como kadosh, significa separado, apartado da transitoriedade. Quem, por essência, tem este caráter senão Deus? Através de Jesus, da sua encarnação como homem, obtemos, pelo Batismo, este afastamento, tornamo-nos “concidadãos do céu” (cf. Ef 2, 19).
Jesus, no monte, senta. Sentar-se, na linguagem litúrgica e até mesmo pedagógica é típico de quem ensina, é comum ao Mestre. A ação de instruir é de direito a quem tem autoridade sobre o aprendizando (discípulo) e sobre o que é ensinado. Jesus senta-se para falar da santidade de Deus e dos homens porque, como Verdadeiro Homem e Verdadeiro Deus, é santo. Jesus, sentado no monte, fala aos seus discípulos. Aos discípulos e não às multidões. Embora o chamado à santidade seja uma vocação universal, Jesus é consciente de que poucos – apenas os sensíveis à Boa Nova do Reino – são capazes de absorvê-la, pois a dinâmica das Bem-aventuranças soa aos ouvidos do mundo como irracionalidade. São João Crisóstomo afirma: “Nisto de pregar sobre um monte e na solidão, e não na cidade nem no fórum, nos ensinou a não fazer nada por ostentação e a separar-nos do tumulto, principalmente quando convém dialogar sobre coisas importantes” (Homiliae in Matthaeum, hom. 15,1). Pelo dito de João Crisóstomo, intuímos que a santidade não é uma realidade de vida que causa estardalhaços, mas que se prima em uma silenciosa violência contra os nossos quereres, principalmente quando não estão de acordo com a vontade divina, pois “o Reino dos Céus é para os violentos” (Mt 11, 12), o que é incompreensível e frustrante para o mundo.
Falávamos que a santidade é uma via de perfeição, um caminho para configurar-se a Cristo Deus. E que via é esta? Ela acontece, como dissemos, no cotidiano, através de pequenas atitudes silenciosas e profundas: pobreza em espírito; fortaleza nas aflições; mansidão; anseio e promoção da justiça; coração humilde e misericordioso; pureza de vida e costumes; pacificidade; enfim, alegria diante dos sofrimentos, injúrias, calúnias causadas pelas perseguições infligidas aos que seguem o Cristo.
O caminho para ser bem-aventurado (santo) não é fácil. E, sabendo das nossas condições, o próprio Deus nos cumula com suas recompensas à medida que lhe oferecemos a nossa disponibilidade para o projeto de santidade. Prova disto, temos as nove recompensas trazidas pelas Bem-Aventuranças. Ao escalarmos as escarpadas montanhas de uma vida pautada pela santidade, restar-nos-á a magna recompensa: o céu. Se formos perseverantes nesta boa ventura, diremos tal como São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tm 4,7), pois alcançaremos a imortalidade pela salvação.
São João, na sua celeste visão, enche-nos da certeza de que os santos contemplam e adoram Deus face a face. No fim dos tempos, os que foram marcados na fronte com a insígnia do Cordeiro serão levados para o festim do céu. O autor sagrado oferece o número dos que foram marcados: cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos de Israel. Este número é prenhe de significado, pois é o quadrado de doze (algarismo que designa o sagrado na numerologia bíblica) multiplicado por mil. Logo após oferecer-nos esta quantia, São João traduz qual o desígnio do número doze vezes doze vezes mil: “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos e línguas, e que ninguém podia contar” (Ap 7, 9). Primeiramente, João diz que os cento e quarenta e quatro mil eram da casa de Israel; depois, que são de todos os recantos do mundo. O que ele realmente quer afirmar é que esta multidão pertence à Igreja, a Nova Israel, que congrega em si os filhos de Deus, a legião dos santos espalhada por todo o orbe. Estes eleitos estavam revestidos na veste da pureza, empunhavam a palma da vitória sobre o poder da morte, a palma do martírio, e estavam de pé contemplando algo que nunca ninguém era capaz de ver: o próprio Deus.
Esses felizardos não estavam sós, compartilham os céus e a visão do Cordeiro com os anjos, ao tempo em que, com eles, misturavam as vozes em louvor, tal como fazemos na Eucaristia quando invocamos a santidade de Deus (Sanctus, Sanctus, Sanctus...), nosso louvor mistura-se ao dos entoados pela corte celeste. Meus caros, esses felizardos seremos nós se formos perseverantes. Imaginemos, quando chegarmos ao céu e perguntarem a nosso respeito: “De onde vieram esses?” E quando disserem de nós: “Esses vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas vestes no sangue do Cordeiro” (v. 14). Em outras palavras, dirão: - Esses souberam sofrer com valentia as agruras da vida, guardaram a fé; não sujaram as mãos e coração nas obras do mal, por este motivo merecem entrar e estabelecer morada no coração de Deus (cf. Sl 23, 4).
Se já nos é um grande presente de amor a adoção divina, esta adoção que nos faz filhos de Deus, o que poderíamos dizer acerca da manifestação de Deus em nós, já nesta vida, quando o transparecemos, até o momento da manifestação perenal, quando seremos um nele?
Que sigamos os conselhos de Paulo: “A noite vai adiantada, e o dia vem chegando. Despojemo-nos das obras das trevas e vistamo-nos das armas da luz” (Rm 13,12). Que nos travistamos de Cristo, com as vestes da santidade e tudo o que, em si, ela embute. Que o exemplo daqueles que já gozam da feliz eternidade nos inspire a força e a coragem no rompimento do pecado, a fim de que, auxiliados por sua intercessão, cheguemos à nossa meta: o Céu, a Vida em Deus, onde nos “perderemos de amor Nele”.