quinta-feira, 30 de junho de 2011

SOLENIDADE DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO, APÓSTOLOS



I Leitura: At 12, 1-11
Salmo Responsorial: Sl 33 (34), 2-3. 4-5. 6-7. 8-9 (R/. 5)
II Leitura: 2Tm 4, 6-8. 17-18
Evangelho: Mt 16, 13-19 (Tu és Pedro)



“Ó Roma feliz, adornada de púrpura pelo sangue precioso de príncipes tão excelsos. Tu ultrapassas toda a beleza do mundo”


            Queridos irmãos,

            Gostaríamos de iniciar a nossa reflexão, rememorando a frase acima, atribuída a Paulino de Aquileia (+806), que a Liturgia das Horas nos apresenta como hino das II Vésperas da Solenidade de hoje.
            Roma é feliz porque, em uma nova fase de sua história, mesmo sem saber que iriam inaugurar uma era inédita e durável para esta civilização, acolhe as duas principais colunas da Construção de Deus, uma divindade que lhe era estranha até então. Roma é felizarda porque, em seu seio, Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, e Paulo, o Doutor dos gentios, espiraram violentamente para este mundo e adentraram para a glória do Céu que tanto ansiavam. Roma é feliz porque é contagiada e vencida pelo avesso ao seu nome – AMOR – que estes dois corajosos homens lhe implantaram como consequência do Evangelho anunciado por eles, e testemunhado até as suas mortes. Ó Felix Roma!
            Como já era de se supor, toda a Liturgia da Palavra de hoje gira em torno destas figuras ímpares do cristianismo: Pedro e Paulo. Pedro, de simples pescador galileu, ganha, graças à missão recebida do próprio Senhor, uma cidadania que nunca imaginara para si: a universal. Paulo, de fabricante de tendas e judeu zeloso, reseta toda a sua vida, renuncia todo o seu ‘pseudo-prestígio’ e lança-se numa aventura sem precedentes para si: a de ser perseguido. Se foram distantes em vida, como alguns maldosamente aludem, o martírio os irmanou. No entanto, preferimos ficar com o pensamento de Santo Agostinho que afirma, na segunda leitura do Ofício das Leituras da solenidade de hoje: “Um só dia é consagrado à festa dos dois apóstolos. Mas também eles eram um só. Embora tenham sido martirizados em dias diferentes, eram um só. Pedro precedeu, Paulo seguiu [...] Celebremos, pois este dia de festa, consagrado a nós pelo sangue dos apóstolos” (Discurso 295, 7.8). Ambos tinham consciência da importância da missão do outro: “Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o Evangelho da Salvação” (Prefácio de São Pedro e São Paulo, Apóstolos).
            Uma antiga tradição, proveniente da era apostólica, conta que, onde atualmente se ergue a majestosa Basílica de São Paulo Fora dos Muros, aconteceu o último encontro entre Pedro e Paulo, naturalmente antes do martírio. Nesta feita, os dois teriam abraçando-se demoradamente, abençoando-se reciprocamente. Neste sentido, São Leão Magno comenta: “Dos seus méritos e das suas virtudes, superiores a quanto se possa dizer, nada se deve pensar que os oponha, nada que os divida, porque a eleição os tornou semelhantes, a fadiga e o final, iguais” (In natali apostolorum, 69, 6-7).
            O Evangelho de hoje apresenta-nos Jesus que apela à consulta dos seus seguidores no intuito de saber se o povo tinha consciência de quem realmente ele era. Para a massa, Jesus poderia ser tudo, raros eram os que lhe atribuíam a sua verdadeira identidade: Filho de Deus. Isso porque o povo estava interessado apenas nas atitudes exteriormente miraculosas que Jesus poderia realizar. E, se estranhava a sua forma de pregar, o associava a algum dos profetas que tinham marcado a história de Israel. Jesus falava diferente, “como quem tinha autoridade” (Mt 7, 29). Logo, muitos imaginavam que ele falasse em nome de Deus (profeta), nunca pensavam que ele fosse Deus, o Filho. Jesus repete a pergunta com um direcionamento diferente. Antes, perguntava aos discípulos quem ele era no pensamento popular; agora, ainda aos discípulos, pergunta-lhes como se manifestava: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16, 15). Não sabemos se o coração dos apóstolos já tinha discernido acerca da real pessoa de Jesus; mas, de uma maneira clara, percebemos que o coração de Pedro já tinha decodificado quem era Jesus: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt. 16, 16). Para que Cefas chegasse a tal certeza, duas atitudes foram essenciais: Jesus já tinha dado provas suficientes sobre a sua pessoa e missão, não somente a Pedro, mas a todos; Pedro, mesmo com o seu jeito tronco, era o mais sensível dos que seguiam Jesus. Profissão semelhante a esta de Pedro, encontraremos em uma outra passagem, quando o próprio Simão Pedro afirma ante uma provocação de Jesus: “A quem iremos, Senhor? Só tu tens palavras de vida eterna. Agora nós acreditamos e sabemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 68-69).
            Pedro é o homem da profissão (cf. At 2, 14-36), mas também o da negação (cf. Jo 18, 15-18). É um homem cabeça dura (cf. Mt 14, 22-33; 16, 21-23), como é o homem do arrependimento (cf. Mt 27, 69-75; Jo 21, 15-19). Pedro é um ser de múltiplas facetas; é um homem surpreendente.           
            À proporção da crença acerca da revelação da identidade de Jesus por parte de Pedro para os seus, o Cristo publica uma nova face de Pedro, até então inédita para todos, inclusive para o próprio Pedro. Primeiro, atribui-lhe o título de “feliz” (cf. Mt, 16 17); depois, de sensível ao próprio Deus – “porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está nos céus” (Ibidem); ainda, outorga o designativo matriz “Pedra”, que implica, dentre tantos outros atributos, a função de guardião contra os poderes adversos à Igreja de Cristo, resguardando-a do maligno (cf. Mt 16, 18); e, por fim, a titulação de “despenseiro” entre os céus e a terra: “Tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 19).
            A Primeira Leitura, dos Atos dos Apóstolos, nos traz o episódio da segunda prisão de Pedro, desta vez expedida por ordem de Herodes. Esta perícope marca também o fim da primeira etapa da história da Igreja centralizada em Jerusalém e no mundo judaico. Mas isto não vem ao caso por hora. A data trazida pelo texto para a prisão de Pedro nos remete à paixão de Jesus: “Eram os dias dos Pães ázimos” (At 12, 3). Herodes manda prendê-lo para agradar ainda mais os judeus, já que os tinha aprazido quando manda matar Tiago à espada. Tendo prendido Pedro no dia da Festa dos Pães, Herodes tinha intenção de ordenar a sua execução para os dias posteriores à Páscoa, justamente para preservar os judeus de uma suposta impureza. A priori, Lucas não apresenta nenhuma defesa por parte de Pedro. Isso significa dizer que ele não renegou a sua fé, fazendo jus a idéia de inabalável que o seu nome porta. A Igreja está unida ao seu pastor, coração a coração. Por isso, ela o acompanha com as suas orações.
            Já nas vésperas de sua apresentação e consequente execução, um anjo é enviado para libertá-lo. Interessantes são as palavras do mensageiro divino: “Levanta-te depressa! [...] Coloca o cinto e as tuas sandálias! [...] Põe tua capa e vem comigo! (cf. At 12, 7-8). A fala do anjo nos evoca à memória aquilo que Jesus já advertira a Pedra-Pedro: “Quando eras jovem, tu mesmo amarravas teu cinto e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, outros te cingirão e te levarão para onde não queres ir” (Jo 21, 18). O anjo liberta Pedro da masmorra de Herodes porque o evento da sua morte não seria de cunho regional. O anjo o liberta para que, livre, ele continue cumprindo as consequências inerentes ao seu seguimento. Pedro ainda tem muito o que fazer, não somente em Israel, mas em todo o orbe, representado pelo seu martírio na então “capital do mundo”: Roma. Tal idéia é confirmada pela única frase de São Pedro nesta passagem dos Atos dos Apóstolos: “Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava” (At 12, 11).
            Na Segunda Leitura, é-nos apresentada a figura de São Paulo fazendo uma espécie de “balancete” de sua missão apostólica; ou, como muitos dizem, aqui, neste trecho da segunda epístola a Timóteo, São Paulo apresenta o seu “testamento apostólico”.
            Homem íntegro, Paulo sabe do valor do seu trabalho. Não se ufana quando diz: “Trabalhei mais do que todos eles (os apóstolos); não eu, mas a graça de Deus que está comigo” (1Cor 15, 10), mas é cônscio do papel único e eficaz que assumiu ao anunciar o Evangelho.
            Ao se apresentar como pronto “para ser derramado em sacrifício” (2Tm 4, 6), não se apresenta como vítima, mas como libação. Utilizando uma linguagem típica da cultura religiosa da época, Paulo afirma que as vítimas (hóstias) são as almas que ele conquistou para Cristo, enquanto ele mesmo seria como que o vinho, a água, ou mesmo o óleo derramado sobre elas, significando que pelo bem delas, ele derramou a sua vida, tal como o Servo Sofredor, Cristo, que se consumiu de amor (cf. Is 53, 12).
            Paulo lutou, combatendo pela fé, para que o Evangelho chegasse aos pontos mais distantes da terra. Lutou inclusive contra si mesmo (cf. Rm 7, 19), contra os espinhos da carne (cf. 2Cor 12, 7); lutou com esperança: “spes non confundit” (Rm 5, 5), por isso espera a “coroa da justiça” (2Tm 4, 8), que lhe está reservada pelo “Justo Juiz”. E por ter certeza disto, é que reconhece o auxílio do Senhor em sua missão, porque a obra é Dele, por isto sabe que é apenas um “embaixador de Cristo” (cf. 2Cor 5,20), que está levando a cabo o que lhe foi confiado pelo próprio Senhor.
            Que os ensinamentos dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, transmitidos fielmente pela Igreja, sejam para nós uma regra de vida testemunhal do próprio Senhor.       
       

quarta-feira, 29 de junho de 2011

SEXTA-FEIRA APÓS O 2º DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES: SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS



I Leitura: Dt 7, 6-11
Salmo Responsorial 102 (103), 1-2. 3-4. 6-7. 8. 10 (R/. 17)
II Leitura: 1Jo 4, 7-16
Evangelho: Mt 11, 25-30


Queridos irmãos,


Hoje, celebramos a terceira das três solenidades pós-Tempo Pascal: a do Sagrado Coração de Jesus. Assim, muito mais do que uma simples lembrança da aparição de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque, a Mãe Igreja celebra o indizível amor de Deus pela humanidade. Um Deus que, de tanto nos amar, nos abraça filialmente pela salvação operada por Ele mesmo, pelo Filho.
           Nas culturas antigas, e até mesmo na atualidade, o coração é a sede dos sentimentos. Na Escritura, sempre se atribuía à incorporeidade de Deus, algumas imagens típicas da fisiologia humana para caracterizar, ainda que de maneira ilimitada, os sentimentos do próprio Deus. Assim, o coração de Deus é considerado o órgão de Sua vontade (daí, aparecer 26 vezes esta associação no Antigo Testamento).
            A Liturgia de hoje evidencia o amor e a consequente eleição que Deus nos faz: ele nos ama, e nos quer; nos quer porque nos ama; nos ama porque nos quer. Este trocadilho serve para manifestar a ligação intrínseca entre amor e escolha. O mistério do seu amor é marcado pela profundidade, por isso é inenarrável, insondável, ilimitado, enfim, tantos outros atributos que se associam à idéia de infinitude. O amor é também uma propriedade da onipotência divina: é porque pode tudo, que Deus nos ama plenamente, sente compaixão de nossas misérias.
             O trecho do Deuteronômio que escutamos como Primeira Leitura apresenta-nos Moisés falando ao povo da Antiga Aliança. Neste discurso aos hebreus é recordada a sua consagração ao Senhor, fruto de uma predileção da parte de Deus. Esta afeição não se baseia na quantidade de habitantes nem da importância de Israel na geografia do mundo nem do seu possível poderio (nem terra os hebreus possuíam). O amor do Senhor pelo seu povo é mistério,é profundo, é inexplicável, pois quanto mais Ele demonstra a sua ternura, mais o homem lhe é indiferente, não correspondendo, ainda que na sua limitação humana, com uma vida toda voltada a Ele. Mesmo quando Deus aparentava calar-se (como foi o caso dos quatrocentos anos de escravidão no Egito), não esquecia a promessa demonstrada a Abraão, Isaac e Jacó, patriarcas dos hebreus. E mesmo tendo a misericórdia do Senhor ao seu favor, Israel sempre lhe foi ingrato: “Israel era ainda criança, e já eu o amava, e do Egito chamei meu filho. Mas, quanto mais os chamei, mais se afastaram; ofereceram sacrifícios aos Baal e queimaram ofertas aos ídolos” (Os 11, 1-2). Esta ingratidão habita principalmente na não observância dos mandamentos do Senhor. O amor de Deus é de natureza tão infinita que, mesmo prometendo que a Sua benevolência seria proporcional ao cumprimento do mandamento, Ele foge e ama incondicionalmente, aqui se explicita a palavra misericórdia (coração que se compadece). O cumprimento dos mandamentos é o mínimo de gratidão que o povo poderia dispensar ao seu Deus.
           O amor que dispensamos ao Senhor é manifestável também no próximo. A isto nos alude a Segunda leitura. Quando nossas relações com outrem se manifestam na caridade, estamos cumprindo igualmente os preceitos que o Senhor nos deu: “Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18; Mt 22, 39). A medida do amor que dispensamos é o comedimento da nossa intimidade com Deus: por sentirmos ser alcançados pelo Seu amor, amamos. E o maior sentimento do amor de Deus habita no Cristo, “rosto humano de Deus” (Bem-aventurado João Paulo II). São Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, afirma, categoricamente: “A caridade jamais acabará” (1Cor 13, 8). Não findará porque no fim dos nossos dias, quando mergulharmos inteiramente em Deus, em seu Divino Coração, nos perderemos de amor, seremos amor no Amor; por isso, Paulo exalta a caridade, mais do que e esperança e a fé.
            João, o apóstolo-cantor do amor, o Discípulo Amado, afirma que é pela máxima manifestação do amor de Deus, Jesus Cristo, que alcançamos a vida. A vida nos vem pelo Amor: se pautarmos a nossa vida neste nobre sentimento (ágape), teremos a plenitude da vida porque amaremos o Amor por toda a eternidade, contemplando-o no céu, onde, como nos afirma São João da Cruz, nos perderemos de amor.
            Com maior eleição do que o povo de Israel, nós fomos escolhidos pelo próprio Deus, que nos amou desde toda a eternidade e nos predestinou a sermos o Povo da Nova e Eterna Aliança, instaurada pelo sangue de Jesus, o Sumo Amor. A nós foi revelada uma face inédita de Deus: Ele que, de tanto amar, quis fazer-se um de nós para que tivéssemos um livre acesso a Ele, ao Seu imenso Coração. Tal acesso já o temos: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 28-29). O jugo de Jesus é suave por que é ele mesmo, o Amor. A humildade do Coração de Jesus é tão suave que nos faz repousar nele. É, pois, do seu coração aberto pela lança, que o Cristo nos atrai a si, fazendo-nos “beber, com perene alegria, na fonte salvadora” (Prefácio do Sagrado Coração de Jesus). Constantemente, atrai-nos a si pelos sacramentos, onde, desde esta terra, como transeuntes, experimentamos o seu amor sempiterno. A água e o sangue que brotam, torrencialmente, do seu peito, são significativos da Graça que obtemos da Sua elevação na Cruz, maior prova de amor que Deus podia nos dar, a entrega do seu Unigênito para, morto nos braços de um lenho, nos dar a vida divina. Na Cruz, estendido, sem vida (porque no-la deu totalmente) está a “Fornalha Ardente de Caridade” (cf. Ladainha do Sagrado Coração de Jesus). Eis o Amor que foge à lógica dos homens! Do Coração de Jesus, ferido pelos nossos opróbrios, nos vêm os mais valiosos tesouros da infinita caridade de Deus.
             Celebrar o Coração de Deus é manifestar a nossa confiança nos mais imperscrutáveis dos seus sentimentos. Não é apenas uma recordação daquilo que recebemos dele; mas deve-nos levar a uma transcendência de vida, pois, pelo seu infindável amor, Deus nos eleva a si.
             Que nós, com nossas escolhas cotidianas, possamos fazer sempre a vontade de Deus, expressa nos seus mandamentos. Ele que, de tanta misericórdia, abriu o seu coração, nos ofertou uma vida inimaginável para a nossa humana condição: a vida divina. E nós como estamos retribuindo, dentro – é claro – das nossas imperfeições, ao gratuito amor de Deus, Ele cujo coração está ferido, machucado pelos nossos pecados, mas que, em compensação, abunda de amor por nós, que fomos resgatados pelo sangue saído de seu interior?      

terça-feira, 28 de junho de 2011

BENEDICTUS XVI: ECCE SACERDOS MAGNUS


           Por ocasião do 150º aniversário de falecimento de São João Maria Vianney, o Santo Cura d’Ars, toda a Igreja foi convidada a refletir, graças a conclamação do Santo Padre Bento XVI, como o “Sacerdócio é o amor do Coração de Jesus”. Esta célebre frase do Santo Cura d’Ars foi repetida incansavelmente no Ano Sacerdotal (2009-2010) pelo próprio Papa em seus discursos, e, consequentemente, teve repercussão por toda a Igreja.
            No próximo dia 29 de junho, toda a Igreja Universal meditará – mais uma vez – sobre a importância do sacerdócio na Igreja de Cristo. Nesta data, estaremos unidos a tantas pessoas que rendem graças a Deus por tão prestimoso dom; principalmente, estaremos unidos ao Vigário de Cristo nas comemorações do seu sexagésimo aniversário de Ordenação Presbiteral.
            Há 60 anos o jovem Joseph Ratzinger, nosso amado Bento XVI, juntamente com o seu irmão Georg Ratzinger, deu um sim eterno de amor ao Bom Pastor. Exatamente no dia 29 de junho de 1951, Dia de São Pedro e São Paulo (as duas principais colunas do edifício espiritual  chamado Igreja), estes dois jovens abraçaram como sua a Esposa Imaculada de Cristo, tornando-se, por beneplácito da Cabeça-Cristo, Sacerdotes da Nova Aliança, já que, pela imposição das mãos e oração consecratória, participam do Sacerdócio eminente de Jesus. Há sessenta anos, na Catedral de Frisinga, pelas mãos do cardeal Michael von Faulhaber, Bento XVI foi ordenado presbítero da Igreja Católica, a única querida por Jesus.
            “O Sacerdócio é o amor do Coração de Jesus”. Para nós, esta máxima do Vianney sintetiza o grande dom do chamado do Senhor para Joseph Ratzinger destinado à Igreja. Ratzinger foi e continuará sendo, durante toda a sua vida sacerdotal, mesmo como sucessor de Pedro, um arauto do Cristo, um “Cooperador da Verdade”; não apenas como o maior dos teólogos da atualidade, mas como um digno pastor da Grei do Senhor. Ratzinger é uma manifestação de amor do Cristo que nunca desampara a sua Amada. Bento é um dom do Coração de Jesus para a vida da Igreja em todo o orbe.
           
          Durante esses sessenta anos, o nosso homenageado viveu intensamente a exortação do seu ilustríssimo antecessor, o Príncipe dos Apóstolos, o Bem-Aventurado São Pedro: “Sede pastores do rebanho de Deus, confiado a vós; cuidai dele, não por coação, mas de coração generoso; não por torpe ganância, mas livremente; não como dominadores daqueles que vos foram confiados, mas antes, como modelos do rebanho” (1Pd 5, 2-3). Ratzinger viveu plenamente a diaconia, experimentando em si o que Jesus ordena: “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos” (Mc 9, 35), fazendo da sua consagração um inteiro serviço a Deus e aos irmãos, por amor Àquele que o chamou, que, por ser fiel, lhe concederá a “coroa permanente da glória” (1Pd 5, 4), na completude dos seus dias. Esta expectativa na participação da beatitude dos santos é o dinamismo que move um homem que segue o Senhor a querer ser grande, a querer ser servo. E, por lutar pela santidade, deseja que outros também cheguem a este parâmetro de vida: um santo nunca o quer ser sozinho. É por esta preocupação que Bento XVI se coloca como “Cooperator Veritatis”. É o amor à Verdade (cf. Jo 14, 6) que impulsiona este ilustre sacerdote (antes alemão, hoje cosmopolita) a testemunhar intrepidamente, ainda que com voz tímida e rouca e aparência frágil de um ancião octogenário, o Cristo; pois a Verdade (cf. Jo 14, 6) é o caminho para o Pai, para a santificação. Este é o nosso Joseph Ratzinger, que, por valorosa vontade de Deus, se tornou a presença do “Doce Cristo na terra”, sendo Bispo de Roma.
            Ecce sacerdos magnus, qui em diebus suis, placuit Deo” – Eis  o grande sacerdote, que em seus dias, aprouve a Deus. Com estas palavras, a Igreja costuma saudar os seus prelados, vendo neles o próprio Senhor. Santo Inácio de Antioquia nos ensina que o Bispo histórico, carnal, visível aos nossos olhos, é sinal ardente e inflamado do Bispo invisível que é Cristo, que preside a Igreja na caridade. Bento XVI, como Bispo da Igreja Católica, é este referencial que representa o Cristo, governando a sua Imaculada Esposa: Eis o sacerdote, grande presente do Senhor que a nós foi dado, o qual preside a grei como pastor zeloso, sendo Vicarius Christi.
           Em seu best-seller “Caminho”, São Josemaría Escrivá afirma acerca daqueles que o próprio Deus, em seu admirável e majestoso desígnio, escolheu para o múnus sacerdotal de Cristo. Diz-nos o santo: “O Sacerdote – seja quem for – é sempre outro Cristo. [...] Presbítero, etimologicamente, é o mesmo que ancião. – Se merece veneração a velhice, pensa quanto mais terás de venerar o sacerdote”. Assim sendo, ficamos a pensar que a nossa veneração por Bento XVI, como que, triplica, graças à sua longevidade, ao sacerdócio que porta e por ter sido escolhido pelo próprio Jesus, a quem testemunha fielmente, para ser o seu mui digno Vigário. Joseph Ratzinger é outro Cristo!
  
           Santo Padre, diante das diversas dificuldades que tentaram abater o vosso coração de pastor durante estes sessenta anos, sentistes a beneficência da mão do Senhor. Provastes como “Aquele que vos chamou é fiel” (1Ts 5, 24), porque nunca vos abandonou. Ele, em seu desígnio eterno, vos constituiu sacerdote no Sacerdócio do Filho, e, por meio de vós, operou maravilhas para toda a humanidade, através do grande sacramento que a Igreja é. Rendemos graças a Deus, Santidade, pelo maravilhoso dom que nos concedeu: o de ter escolhido a vós como Sacerdos Magnus, “pontífice dos homens nas suas relações com Deus” (Hb 5, 1). Nossa prece sobe Àquele que vos quis, pedindo-lhe que nunca cesse de abençoar-vos nem de governar a Igreja por meio de vós. A vós, Santíssimo Padre, a nossa humilde devoção e preito.

           

sábado, 25 de junho de 2011

XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM


I Leitura: 2Rs 4, 8-11.14-16 a
Salmo Responsorial: Sl 88 (89), 2-3.16-17.18-19 (R./ 2 a)
II Leitura:  Rm 6, 3-4.8-11
Evangelho: Mt 10, 37-42 (Quem é discípulo)


Queridos irmãos,


A Liturgia da Palavra de hoje, principalmente o Evangelho, tem como foco o discipulado e as condições que são exigidas por ele.
Estamos no capítulo décimo do Evangelho segundo São Mateus. Já no fim do capítulo nono, vemos Jesus no início de sua missão, percorrendo todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, proclamando a Boa Nova do Reino, curando os doentes, afirmando para os que o seguiam a urgência da sua missão: “A colheita é grande, mas poucos os operários. Pedi, pois, ao senhor da colheita que envie trabalhadores para a sua colheita” (Mt 9, 37-38). E chama doze discípulos enviando-os com poder de expulsar os demônios e curar todo o tipo de enfermidade. Porém, antes do envio propriamente dito, ele traça a instruções da missão dos discípulos, inclusive, adverte-os sobre os perigos que provém do ato do anúncio, tais como incompreensões, perseguições; mas também as benesses de quem os acolhe por serem discípulos. E é justamente nesta página que nos deteremos para a reflexão deste Domingo.
Podemos, para facilitar a nossa compreensão da perícope dividir o texto em duas partes: do versículo 37-39; e a outra do versículo 40-42.
Na primeira parte, Jesus adverte os apóstolos acerca das necessárias atitudes ativas para a consecução do trabalho evangelizador. O primordial sentimento do coração do apóstolo deve ser o de desprendimento. A exigência de Jesus é eminentemente pedagógico: nem um sentimento forte pode impedir a ação de anunciar, por isso, Ele inicia falando da indignidade daquele ama seus genitores e sua prole mais do que a nobre causa do Evangelho. Antes, nos versículos 35 e 36, Ele já os havia avisado: “Eu vim trazer a divisão entre o filho e o pai, entre a filha e a mãe, entre a nora e a sogra, e os inimigos do homem serão as pessoas de sua própria casa”. Logo, a nossa exigente missão será incompreendida até mesmo pelos nossos familiares e, a partir deles, pelo mundo. Jesus assim alude para que os apóstolos sejam cônscios de que, mesmo sendo odiados pelos seus, o kerigma não deve parar. Por mais doloroso que pareça ser, mas o sucesso da proclamação da Palavra de Jesus deve transcender às reservas sentimentais do que possui o eminente encargo de anunciar. Neste sentido, também entra o “apofatismo”: “Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim” (Mt 10, 38). Destarte, o Senhor não promete facilidades de vida para quem o segue; antes, “cruzes”. O que seria a cruz na vida do apóstolo senão todas as agruras que este possa enfrentar? A começar pela “auto-renúncia de si”. Por mais que este termo parece redundante, mas cotidianamente somos invitados à renúncia. Não somente das coisas que possuímos, mas, antes, de nós mesmos. Muitas vezes somos nós os grandes obstáculos do cumprimento do apostolado que recebemos pelo próprio Senhor da Messe no dia do nosso Batismo. Esta é a dimensão do “Quem procura conservar a sua vida vai perdê-la. E quem perde a sua vida, vai encontrá-la” (Mt 10, 39). Renunciar coisas e pessoas extrínsecas a nós, pode parecer dificultoso, mas é bem mais simples do que renunciar os nossos auto-confortos e pseudo-confianças, lançando-se na infinita providência de Deus. Aqui, recordo-me uma frase de São Josémaria Escrivá: “Paradoxo: para Viver é preciso morrer”. O apóstolo não é mais dono de si, mas propriedade de Deus, tal como nos alude a estrofe para o canto de Aclamação ao Evangelho trazida pelo Lecionário hoje (cf. 1 Pd 2, 9).
Quando Jesus promete a vida para os que a desprezam pelo crescimento do Reino, Ele não se refere a uma vida qualquer, tampouco a um aumento da quantidade de idade cronológica de nossa existência, nem a um sucesso material, mas a uma vida toda plena de Deus, a qual alcançaremos na glória do Céu. É lá que está o nosso cêntuplo (cf. Mt 19, 29).     
Na segunda parte do Evangelho (40-42), vemos Jesus que relaciona a atividade apostólica a algumas atitudes passivas do evangelizador. No versículo 40, Jesus traça uma tríade bastante interessante: apóstolo, Cristo, Pai. Assim, o apóstolo fala em nome de Cristo, que é o Verbo Eterno do Pai. Logo, quem presta um serviço de acolhimento a um evangelizador, o faz ao Cristo, e conseguintemente, o presta ao Pai. O contrário também é válido: quem não valoriza o apóstolo, despreza o Cristo, rejeita o Pai. Tal lógica nos faz rememorar a Oração Sacerdotal de Jesus que, dentre tantas palavras, recorremos a: “Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste, como amaste a mim” (Jo 17, 23).
A cultura da hospitalidade para com aquele que fala de Deus é um elemento marcante na Primeira Leitura. A atitude da mulher rica de Sunam que acolheu Eliseu é uma posição que faz frente às hostilidades preditas por Jesus, e que são tão comuns para o apostolado moderno. Porém, a retribuição para quem age com afabilidade com aquele que anuncia é algo certificado tanto pela Primeira leitura quanto pelo Evangelho. Claro que estas recompensas não se restringem a uma mera prosperidade material, mas é uma resposta de fé para aquele que crê em Deus. Os apóstolos devem ver a benevolência do Senhor nos pequenos gestos cativantes e gratificantes que os mais sensíveis proporcionam às suas vidas.
A Segunda Leitura trata sobre a nova realidade de vida daqueles que receberam o Batismo: viverem para Deus (cf. Rm 6, 10). Ora, depois de mortos para o pecado e ressuscitados, pelo lustro batismal, para Deus, não cabe senão para o cristão o sentimento da pertença a Cristo Senhor. Aqui, habita o porquê de o anunciarmos: queremos que outras pessoas também mergulhem nas águas mortais e vivificantes do Batismo e renasçam para uma vida em Deus, cuja plenitude será obtida quando nos unirmos integralmente a Ele, na morada eterna, onde consolidaremos o anseio da pertença à “raça escolhida” (1 Pd 2, 9), onde, plenamente, nos sentiremos “filhos da luz”, depois de cotidianamente havermos expulsado “as trevas do erro”, tal como imploramos na Coleta.
Que a Sagrada Liturgia deste Domingo nos dê a têmpera dos Santos Apóstolos, aquela que nos faz testemunhar o Senhor com ações e palavras até os confins do mundo.   

quinta-feira, 23 de junho de 2011

SOLENIDADE DA NATIVIDADE DE SÃO JOÃO BATISTA



Liturgia do dia 24:

I Leitura: Is 49, 1-6
Salmo Responsorial: Sl 138 (139) 1-3. 13-14ab. 14c-15 (R/. 14 a)
II Leitura: At 13, 22-26
Evangelho: Lc 1, 57-66.80



Queridos irmãos,


A Igreja reveste-se de júbilo celebrando o natal daquele a quem o próprio Cristo designa como “o maior dentre os nascidos de mulher” (cf. Lc 7, 28), João, o Batista. Pois bem, ao celebrá-la, a Mãe Igreja o faz tendo em vista o Natal do Salvador. Percebamos que a data desta solenidade de hoje antecede em exatos três meses a do Nascimento do Redentor da humanidade, ressaltando que a gestação de Isabel era três meses mais adiantada do que a da Virgem Maria.
A Liturgia da Palavra possui uma órbita em torno da relação do nascimento de João e o de Jesus. Na Primeira Leitura, o profeta Isaías nos apresenta o segundo cântico do Servo Sofredor. Como todos sabemos, quando Isaías utiliza tal recurso literário, diacronicamente, a Igreja o associa à pessoa do Messias, Jesus Cristo. Ele é o Verdadeiro Profeta do Altíssimo; os outros são prefigurativos Daquele cuja Palavra é eterna. Todo cabedal profético só tem sentido se for observado pelo viés do Cristo. Todos os eventos da Escritura convergem para o evento máximo chamado Verbo Encarnado. O caso de João Batista não difere dos outros. Ele é quem aponta o Servo do Senhor, Lumen Gentium (Is 49, 6), prova disso, temos o que João, o Evangelista, afirma acerca do Batista, logo no Prólogo de seu Evangelho: “Houve um homem, enviado por Deus, que se chamava João. Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele. Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz” (Jo 1, 7-8); e ainda: “João dá testemunho dele, e exclama: Eis aquele de quem eu disse: O que vem depois de mim é maior do que eu, porque existia antes de mim” (Jo 1, 15). Portanto, desde o seu nascimento, João já sabia da sua missão de ser o precursor da Luz,d o Sol Nascente, porque já a tinha escutado da boca de seu pai, Zacarias:

“E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor e lhe prepararás o caminho, para dar ao seu povo conhecer a salvação, pelo perdão dos pecados. Graças à ternura e misericórdia de nosso Deus, que nos vai trazer do alto a visita do Sol nascente, que há de iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e dirigir os nossos passos no caminho da paz” (Lc 1, 76-79).


            Se a palavra do profeta João incomodava, quanto mais incômoda era a fala da Palavra eterna cujos vocábulos eram comparados à espada afiada, à flecha aguçada escondida na aljava de Deus (cf. Is 49, 2), Daquele a quem João teve a honra de preceder. Sim, escondida porque eterno com o Pai e o Espírito, em sua economia, manifestou-se a nós pela sua Encarnação. Ele a quem desconhecíamos, porém já o esperávamos ansiosamente para, por meio Dele, restabelecermos a nossa amizade com Deus, alcançando a salvação que Ele mesmo nos traz (cf. Is 49, 6).
            A Igreja sempre viu na pessoa de João este “coadjuvante” do Cristo, porque ele adiantou-se a fim de preparar um povo que fosse digno Dele, ou seja, nós. Provamos tal pensamento pela Oração do Dia: “Ó Deus, que suscitaste São João Batista, a fim de preparar para o Senhor um povo perfeito...”. João se esmerou. Nenhum de nós teríamos igual ou maior capacidade de “endireitar os caminhos do Senhor” (Is 40, 3) como o Precursor. Nenhum de nós!
            Na Segunda Leitura, vemos o reconhecimento de João Batista feito por Paulo. Em outras palavras, o Apóstolo dos Gentios vê no Precursor do Messias aquele que, de maneira justíssima, cumpre a sua missão desde o batismo de conversão no Jordão até a declaração do término de sua missão, quando diz: “Eu não sou aquele que pensais que eu seja! Mas vede: depois de mim vem aquele, do qual nem mereço desamarrar as sandálias” (At 13, 25). Logo, dele podemos extrair para nós o exemplo da humildade: perceber que quem deve resplandecer no anúncio não é o que anuncia, mas Aquele que é anunciado. Lembremo-nos que, todos nós, pelo Santo Batismo, somos profetas: Que Cristo resplandeça em nós! Ele é a Salvação do mundo.
            O Evangelho, de maneira velada, apresenta a circuncisão do menino nascido da estéril e anciã Isabel. Cumprindo um mandamento do judaísmo, Zacarias, mudo desde a visão do anjo e a sua conseqüente dúvida acerca daquilo que o mensageiro divino havia lhe anunciado, e Isabel, aquela ditosa em quem a misericórdia divina abundou (cf. Lc 1, 58), se dirigem com o recém-nascido para o Templo. Ora, João, tal como Jesus posteriormente, era primogênito. E também com esta nuance percebemos a relação entre o menino de Isabel e o Filho de Deus, nascido de Maria. Ambos primogênitos. Era no ritual de circuncisão que o menino recebia um nome. Neste caso João (do hebraico יהוחנן, o Senhor mostrou privilégio) alcunha até então inédita na família de Zacarias. Mesmo com peleja, Isabel afirma a identidade do Precursor, que, posteriormente é confirmada pelo silêncio e escrita de seu pai Zacarias.
            João, cuja função é singular na Sagrada Escritura: “Foi o único dos profetas que mostrou o Cordeiro redentor. Batizou o próprio autor do Batismo, nas águas assim santificadas e, derramando seu sangue, mereceu dar o perfeito louvor de Cristo” (Prefácio da natividade de São João Batista). João, asceta em prol de sua vida e missão: “João usava uma vestimenta de pêlos de camelo e um cinto de couro em volta dos rins. Alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre” (Mt 3, 4). Suas vestes testemunhavam-no no sentido de que por suas atitudes firmes de penitência (inclusive conclamando outros para o mesmo), estava vigilante esperando o seu Senhor; sua alimentação refletia a sua inconformidade com os deleites e prazeres que o mundo oferecia: estava à espera Daquele que viria trazer à humanidade, com a sua presença divinal de Emanuel, o verdadeiro deleite: a Salvação!
            O Bispo de Hipona, Santo Agostinho é feliz ao comparar os diversos aspectos relevantes entre o nascimento do Batista e o Natal do Salvador em um de seus sermões (Sermo 293, 1-3), o qual nós refletimos hoje no Ofício das Leituras. No seu escrito, Agostinho alude o costume da Igreja em celebrar o nascimento de João, como esta também faz para festejar o Nascimento de Jesus. Também contrasta a maneira do nascimento: João de anciã estéril, Jesus de uma virgem; ambos contrários e impossíveis à fisiologia humana, porém, totalmente possíveis ao poder de Deus. O Santo Bispo de Hipona contraria a figura de Zacarias e Maria. O primeiro duvida e emudece. A segunda acredita e concebe. Ousaríamos dizer mais: Maria acredita, concebe e canta as maravilhas do Senhor (cf. Lc 1, 46-55). O filho de Santa Mônica ainda enaltece João como vértice da Escritura (logicamente, não podemos tê-lo na conta de ápice da Escritura), como veremos adiante: “João apareceu, pois, como ponto de encontro entre os dois Testamentos, o antigo e o novo. O próprio Senhor o chama de limite quando diz: ‘A lei e os profetas até João Batista’ (Lc 16, 16)”. Sim, ele é limite porque é o último, pois: “A graça e a verdade vieram por Jesus Cristo(Jo 1, 17). E continua o Bispo: “Ele representa o antigo e anuncia o novo. Porque representa o Antigo Testamento, nasce de pais idosos; porque anuncia o Novo Testamento, é declarado profeta ainda estando nas entranhas da mãe”. Em palavras similares as de Agostinho, afirmamos que João, desde o ventre materno, era um ser sensível a ponto de reconhecer a presença de Deus. Vejamos quando da visita de Maria a Isabel, o quanto João estremeceu no ventre, reconhecendo a presença do Sol Nascente ali, em sua casa. Neste momento, nos vêem à mente aquela famosa pintura de Da Vince que retrata um encontro entre Maria, sua mãe Ana, o menino Jesus e João, ainda criança, a adorar o Salvador que está sentado no colo de Maria.
            Ainda no texto de Santo Agostinho, ele, por meio de indagações nos leva à reflexão acerca da mudez de Zacarias, cessada com o nascimento de seu filho. Comenta: “Por fim, nasce. Recebe o nome e solta-se a língua do pai. [...] Zacarias emudece e perde a voz até o nascimento de João, o precursor do Senhor; só então recupera a voz. Que significa o silêncio de Zacarias? Não seria o sentido da profecia que, antes da pregação de Cristo, estava, de certo modo, velado, oculto, fechado? Mas com a vinda daquele a quem elas se referiam, tudo se abre e torna-se claro. O fato de Zacarias recuperar a voz no nascimento de João tem o mesmo significado que o rasgar-se o véu do templo, quando Cristo morreu na cruz. Se João anunciasse a si mesmo, Zacarias não abriria a boca. Solta-se a língua, porque nasce aquele que é a voz. [...] João é a voz; o Senhor, porém, ‘no princípio era a Palavra’ (Jo 1, 1). João é a voz no tempo; Cristo é, desde o princípio, a Palavra eterna”.
            Por tudo isso, ó ditoso São João Batista, que dissemos de ti, é que a Igreja, militante, unida à triunfante, te aclama e pede:

Ut queant laxis
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum,
Solve polluti
Labii reatum,
Sancte Ioannes

Para que os servos possam, com suas vozes soltas, ressoar as maravilhas de vossos atos, limpa a culpa do lábio manchado, ó São João!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

QUINTA-FEIRA APÓS A SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE: SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO





I Leitura: Dt 8, 2-3.14b-16 a

Salmo Responsorial Sl 147 (147B), 12-13.14-15.19-20 (R/. 12 a)

II Leitura: 1Cor 10, 16-17

Evangelho: Jo 6, 51-58





Ave Verum Corpus Natus da Maria Virgine!





Queridos irmãos,



Logo após a Solenidade da Santíssima Trindade – para sermos mais exatos, na quinta-feira seguinte –, a Igreja celebra uma segunda solenidade: a do Santíssimo Corpo e Sangue do Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, com uma pedagogia particular que lhe é própria, a Mãe Igreja nos convida a dirigir o olhar para a Hóstia Sagrada. Se, no domingo passado contemplávamos Deus em seu mistério trinitário, hoje o contemplamos no augustíssimo Sacramento da Eucaristia, sendo o mesmo Deus.

No Evangelho da Liturgia da Palavra de hoje, vemos Jesus se autodenominando Pão da Vida. Este discurso do Senhor que São João nos fornece é uma pregação que posteriormente nos remeterá para a Instituição da Eucaristia, ainda que este Autor Sagrado não a apresente em seu Evangelho (cf. Mt 26, 20-29; Mc 14, 17-25; Lc 22, 14-23; 1Cor 11, 23-25). Ora, esta realidade foi prefigurada desde muito no Antigo Testamento. Já com Abrão, vemos a figura de Melquisedec, que, de maneira misteriosa, sendo rei e sacerdote do Deus Altíssimo, traz para o nosso patriarca na fé, pão e vinho, dois alimentos ínfimos, e o abençoa (cf. Gn 14, 17-20). Que realidade desejaria aludir o autor do Gênesis, ao documentar tal fato sem precedentes e totalmente desfocado do restante do texto, se não for um sopro do Espírito que nos faz ver, diacronicamente, a figura do Verdadeiro Sacerdote (cf. Hb 7-8), do Verdadeiro Pão (cf. Jo  6, 51)?

Na Primeira Leitura, vemos outra prefiguração do Verdadeiro Alimento. Após ter dado ao Povo da Antiga Aliança, por meio de Moisés, a sua Lei, Deus recorda os seus benefícios para com Israel ao longo dos quarenta anos em que este estava errante pelo deserto. Lembra-lhes que, muito embora as dificuldades, o Senhor nunca havia relegado ao esquecimento o povo da primeira eleição. Todas estas benesses foram resumidas no fato de que Ele, em sua misericórdia, lhes alimentava com o maná, que proveniente do céu, era desconhecido pelos hebreus, e a partir destes, pelo restante da humanidade. Mas, o que era o maná? No começo era um nutrimento que enchia os olhos do povo de Israel, pois era dado pelo próprio Deus. Com o passar do tempo, fechados em seus duros corações, os hebreus começaram a sentir ojerizas por aquilo que lhes oferecera o Senhor. Nesta perícope de hoje, Deus revela qual a sua intenção ao dar-lhes o maná: “mostrar que nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca do Senhor” (Dt 8, 3). Pois bem, o maná prefigura o Verdadeiro Pão, o Autêntico Alimento proveniente do céu, Jesus Cristo. Se a intenção do Pai, ao dar o maná ao povo da antiga promessa, era manifestar que nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da sua boca (cf. Dt 8, 3), o que poderíamos pensar acerca de Jesus, Pão Verdadeiro? Ele, o Verbo Eterno do Pai, desceu dos céus, se fez um de nós, arrebanha em si os povos do mundo, fazendo-nos Povo da Nova e Irrevogável Aliança, alimenta-nos cotidianamente com o seu Corpo, inebria-nos com o seu Sangue, entregues de uma vez por todas no patíbulo da Cruz, coadunando em Si Palavra e Alimento celestes. Ele, o Verdadeiro Cordeiro Pascal, oferenda agradabilíssima ao Pai, prefigurado pelos sacrifícios judaicos, foi imolado uma vez por todas para nos libertar da escravidão do “Egito” do pecado, conduzindo-nos em meio aos desertos das agruras diárias que sofremos, visando o nosso bem futuro (cf. Dt 8, 16b), a Jerusalém do Alto (cf. Hb 12, 22). É ele o nosso viático.

Ao afirmar: “Ego sum Panis Vivus, qui de caelo descendi”, Jesus escandaliza não somente a alguns de seus seguidores, mas também nos nossos dias. A transubstanciação é um absurdo à nossa razão. Para esta, é inimaginável Deus se conter em espécies tão diminutas. Mais absurdo para os estultos é o poder de salvação que elas portam. Ao refletir acerca da realidade eucarística, São Josemaría Escrivá afirma, tecendo comentários sobre qual seria o maior ato de humildade de Jesus: “Humildade de Jesus: em Belém, em Nazaré, no Calvário... Porém, mais humilhação e mais aniquilamento na Hóstia Santíssima; mais que no estábulo, e que em Nazaré, e que na Cruz. Eucaristia é milagre do poder de Deus; da divindade que está velada nos acidentes de um frágil alimento e de uma licorosa bebida, mas que está totalmente ali, de maneira sacramental e verdadeira. Pela fé, nossos sentidos transcendem sem serem modificados. Nas espécies do pão e do vinho consagrados, experimentamos, desde já, aquilo que está reservado para nós no céu: a contemplação de Deus face a face, em um eterno festim: “Na Eucaristia, testamento de amor, ele se fez comida e bebida espirituais, que nos sustentam na caminhada para a Páscoa eterna” (cf. Prefácio da Santíssima Eucaristia III). Ainda que a linguagem seja deficiente na tentativa de tradução do Mistério, a Igreja, como Mestra, entoa solenemente a Sequência para enfatizar, ainda que sinteticamente, a proporção desta atitude de Jesus: fazer-se Alimento.

Já na Segunda Leitura, vemos a catequese de São Paulo aos coríntios sobre a unidade do Corpo Místico de Cristo, aludindo-a a igual unidade sacramental do Corpo e Sangue de Jesus. Se a cristandade participa, através da comunhão sacramental, da oferenda do Corpo e do Sangue do Senhor, atualizando o Sacrifício da Cruz de maneira incruenta, ela tem a suave obrigação de viver a unidade, tal como o próprio Jesus implorou ao Pai: “Ut unum sint” (Jo 17, 11). Este dever não é de cunho meramente sociológico, antes deve ser teológico: a Igreja não é agremiação, é comunhão! Somos a totalidade do Corpo Místico de Jesus, devemos ser um com Ele desde a nossa caminhada terrestre, sendo igualmente um com os irmãos, tornando-nos um só coração (cf. Prefácio da Santíssima Eucaristia II). Pois como afirma a Sequencia in Festo Sanctíssimi Corporis Christi:



Caro cibus, sanguis potus: manet tamen Christus totus sub utráque spécie. A suménte non concísus, non confráctus, non divísus: ínteger accípitur. Sumit unus, sumunt mille: quantum isti, tantum ille: nec sumptus consúmitur. Sumunt boni, sumunt mali: sorte tamen inaequáli, vitae vel intéritus” – Sua carne é comida, e seu sangue bebida, mas sob cada uma destas espécies está Cristo totalmente. Se o recebe integralmente, sem que nada possa dividi-lo, nem quebrá-lo, nem parti-lo. Recebe-o um, recebem-no mil, tanto estes como aquele, sem que nada possa consumi-lo. Recebem-no os bons, recebem-no os maus: no entanto com fruto desigual: para uns a vida, para outros, a morte.


É assim que, mergulhada nesta fé eucarística, colheremos continuamente os frutos da redenção, tal como pedimos ao Senhor Jesus na oração de coleta.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

DOM DULCÊNIO FONTES DE MATOS: PRO MUNDI VITA




Hoje, temos a grande alegria de agradecer a Deus por mais um dom para a Igreja de Jesus, recebido há exatos 10 anos. Estamos nos referindo a Ordenação Episcopal de Dom Dulcênio Fontes de Matos.
Foi naquele chuvoso 16 de junho de 2001, na Praça Barão do Rio Branco, em Estância, que toda a Diocese Estanciana entregava, como uma dádiva, à Arquidiocese de Aracaju um Bispo Auxiliar; um filho que, por benevolência divina, havia sido nomeado pelo Papa João Paulo II como Titular de Cozyla.
Sábado de festa! Olhares que se cruzavam em relances de emoção e curiosidade. Na “Cidade Jardim” de Sergipe florescia mais um sucessor dos Apóstolos, mais um Bispo para a Doce Mãe Igreja. Sentíamos, com a presença de um bom número de bispos ali presentes, provenientes de tantos lugares, como a comunhão da Esposa de Cristo é realmente Católica, sendo, portanto, assistida pelo Espírito Santo. Os pastores que, unidos ao seu povo, para o bem do Rebanho de Cristo, transmitiam a Plenitude do Sacramento da Ordem àquele sacerdote, davam um toque de lembrança essencialmente peculiar para a nossa fé: a Igreja é realmente Apostólica.
Oh, ditoso 16 de junho de 2001! A partir de ti, da tua localização no calendário da vida de tantos homens e mulheres, na “folhinha” da vida da Igreja, que surgiu aquele que, pelo lema de seu episcopado, quer dar, como o Mestre, a Vida para o Mundo, sendo, ele mesmo, esta vida no Cristo.
Pro Mundi Vita (Jo 6, 51). Esta divisa estampada em seu brasão reflete a missão recebida ao longo de um decênio. Dulcênio tem a missão do pão, que para ser alimento, passa por todo um processo de fabricação. Assim também ele o foi: trabalhado pelo Bom Pastor para servir de nutrimento para os homens, é consumido em favor deles, para que, em Cristo, Verum Panem, todos obtenham a vida perenal, que é o próprio Senhor, Via, Veritas et Vita (Jo 14, 6). Dom Dulcênio dá a sua vida para o bem de inúmeras vidas: tantos são os Sacramentos que, como auter Christus Capitis, ele celebra, dando vida para o mundo; como “endereço de Deus” muitos os fiéis que encontraram vida pelos ensinamentos que dele receberam; como “imagem viva de Deus Pai” exerceu o seu múnus de governar, vitalizando a Igreja, sendo como que um “dedo do Espírito”. Desta forma, vive eximiamente o seu tríplice múnus episcopal: santificar, ensinar e governar.
Dez anos. Ao furor do tempo que velozmente passa, vemos a obra maravilhosa que a Trindade fez por intermédio deste homem que, pela simplicidade e diligência, transparece Deus. Aracaju e Palmeira dos Índios são testemunhas privilegiadas de sua ação pastoral.
Dom Dulcênio, tantas são as pessoas que passaram por tua vida, igualmente inúmeras são aquelas que nesta data rendem-te homenagens. Elas são corações agradecidos que manifestam a sua gratidão, primeiramente a Deus, posteriormente a ti, por tua vida inteiramente doada, em especial nestes 10 anos, como Bispo da Igreja de Jesus. Sabe, pois, que a tua figura representa visivelmente a Cabeça da Igreja, o Cristo, que a preside numa caridade única e insuperável. Desejamos-te um profícuo pastoreio episcopal.

A ti, nosso humilde parabéns! 

terça-feira, 14 de junho de 2011

DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES: SANTÍSSIMA TRINDADE




I Leitura: Ex 34, 4b-6.8-9
Cântico responsorial: Dn 3, 52. 53. 54. 55. 56 (R/. 52b)
II Leitura: 2Cor 13, 11-13
Evangelho: Jo 3, 16-18 (Deus tanto amou o mundo)


Queridos irmãos,

Hoje celebramos, após o Domingo de Pentecostes, a Solenidade da Santíssima Trindade. Muito embora a Páscoa já tenha sido encerrada no domingo passado com o hoje teológico do Pentecostes, a solenidade da Santíssima Trindade, quanto a sua data, depende de todo o caminhar temporal da Páscoa. Hoje a Igreja reflete acerca da essência trinitária de Deus: uma Único e Suprema divindade em Três Pessoas. Esta é a primeira de três solenidades conseguintes, já que, na próxima quinta-feira, toda a Igreja celebra a Solenidade de Corpus Christi; e, na sexta-feira da semana seguinte, a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus. Cada uma destas três datas litúrgicas possui uma evidência peculiar, já que elas pretendem abarcar todo mistério da vida cristã da salvação, sintetizando, de certa maneira, a revelação de Jesus Cristo, da sua encarnação à morte, ressurreição, ascensão, bem como à doação do Espírito Santo. A solenidade de hoje nos convida à contemplação de um “céu aberto”, depois de uma revelação paulatina, mas profunda, de cada uma das Pessoas Trinitárias, inserindo-nos, com o olhar da fé, no mistério de um Deus, Uno na substância e Trino nas Pessoas.
A Oração de Coleta inicia apresentando o Pai como o remetente da missão do Filho e do Espírito Santo. O Pai envia em missão o Filho e o Espírito com a finalidade de revelar ao mundo o seu “inefável mistério”. Mas, por que o Pai tem esta atitude? O Evangelho é uma chave de resposta: “Deus tanto amou o mundo, que deu seu Filho Unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). É porque nos ama. É para que nos salvemos que Deus se revela. Porém, ao revelar sua glória Trinitária e Unidade onipotente, Deus nos vocaciona para o seio desta “Comunidade de Amor”, onde o Pai ama eternamente o Filho, o Amante Divino ao Eterno Amado (cf. Mt 3, 17; 17, 4; Mc 1, 11; 9, 7; Lc 9, 35; Jo 5, 20; Cl 1, 13; 2Pd 1, 17), ao tempo em que o Eterno Amado corresponde ao sentimento do Pai amando-o, fazendo inteiramente a sua vontade. Deste inesgotável intercâmbio, eis o Espírito Santo, o Amor, promotor desta relação misteriosa, porque é divina. É ainda vontade do Pai que a criatura humana seja inserida pelo Filho nesta “Comunidade”, embora pelo que, por nós mesmos, não tenhamos nada a acrescentar nesta sublime relação intra-trinitária. Somos filhos pelo Filho, a salvação nada mais é do que este habitar eternamente no seio de Deus, Uno e Trino. Aí se encontra a plenitude da vida.
A Primeira Leitura ilustra com justeza a predileção de Deus pela humanidade. Deus apresenta a sua glória a Moisés, no Sinai. Ora, o Monte Sinai figura o céu, é a elevação do Senhor. É neste acidente geográfico que acontecem muitas das teofanias do Pentateuco. Se lermos o capítulo 33, 8, veremos o pedido de Moisés a Deus: “Mostra-me a tua glória”, ao que Deus responde: “Eu te mostrarei todo o bem, e proclamarei diante de ti o nome ‘Senhor’; usarei de misericórdia com quem eu quiser, e serei clemente com aquele de quem me agradar”. Logo, temos uma promessa, não só dirigida a Moisés, mas ao povo. Promessa de benevolência, de misericórdia, de clemência. Tais favores foram demonstrados ao longo da história do povo de Israel, culminando com a chegada daquele que é, não mais em figuras, “esplendor da glória do Pai” (Hb 1, 3), o Verbo Encarnado, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
No diálogo, Deus ainda diz: “Não poderás ver a minha face, porque o homem não pode ver-me e viver”. Por que, ao ver Deus, o homem morreria? Porque o ser humano, assim como as outras criaturas, por si mesmo, não suportaria ver a glória de Deus.
Na economia das Pessoas Trinitárias, Deus se revela. E, na plenitude dos tempos, encarna-se. Pela encarnação do Verbo não somos mais prejudicados pela visão da glória da divindade: Ele se abaixa à nossa condição, faz-se um de nós: Kénosis. Somente assim, contemplamos o seu rosto. É pelo conjunto kenótico (Encarnação, Vida, Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão) de Jesus, Deus Encarnado, que o homem é divinizado. Logo, o ser humano passar a ver Deus, herda a sua glória, co-habitando na Trindade. Mais do que Moisés, que vê o Senhor apenas pelas costas, pela vinda do Filho, vemos Deus por inteiro, tornamo-nos herdeiros de Deus.
Mesmo vendo apenas as costas de Deus, Moisés o aclama, recordando alguns dos atributos da divindade: “Senhor, Senhor! Deus misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel” (vers. 6). Além dos atributos relativos à promessa que Deus faz anteriormente, Moisés proclama um substantivo correlato a glória, o verdadeiro nome de Deus (IHWH), aqui traduzido como Senhor.
Ao extasiar-se com o que vira, Moisés, o intercessor por excelência do Povo da Antiga Aliança, pede ao Senhor, em adoração profunda, graças aos seus próprios méritos, pelo seu povo: “caminha conosco; [...] perdoa nossas culpas e pecados e acolhe-nos como propriedade tua” (vers. 9). No mistério trinitário, o intercessor do povo da Nova Aliança, é o próprio Deus, o Filho. É por seus méritos que o Pai nos escuta, no Espírito Santo que ora em nós, nos une como irmãos, nos une à Trindade. Tal relacionamento impele-nos a viver sentimentos que nos aproximam de Deus e dos irmãos, tal como São Paulo nos ordena na Segunda Leitura: alegria, perfeição, coragem, concórdia, pacificidade. Tais parâmetros de vida são iniciados desde esta nossa passagem terrena, já almejando a completude do céu, até quando formos um só, “perdendo-nos” na Alegria Verdadeira, Perfeição Sublime, Concórdia Infinda, Pacificidade Suprema, ou seja, quando adentrarmos no coração da Trindade.                

domingo, 12 de junho de 2011

VALE A PENA AMAR O PAPA!

Neste mês de junho, celebramos, dentre tantas datas significativas, o Dia do Papa (29 de junho). Para homenagear o Vigário de Cristo, humildemente rememoro um texto que escrevi, tendo em vista as diversas perseguições que o Santo Padre, Bento XVI estava passando. Como no dia 29 também celebraremos o seu 60º aniversário de Ordenação Presbiteral é que lhe presto esta simples homenagem: iniciar as minhas atividades como blogueiro, dedicando a primeira postagem ao Sucessor de Pedro. 

 


Tu és Pedro, Bento XVI! És pedra!

Por Everson Fontes Fonseca (Seminarista)*


Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju - SE, em 15/05/2010

Intrépido, destemido, confiante, eis a face do “Cooperador da Verdade”. Confiança inabalável daquele que faz às vezes da Pedra da Igreja de Cristo. Bento XVI, com o seu silêncio comunicante, expressa uma máxima atitude: confia naquele que é a Cabeça da Igreja. Perante tantos ultrajes, ofensas, difamações, lá está ele, cabeça erguida, férula na mão, doce peso da Igreja às costas, voz rouca, testemunha a Verdade. Tu és Pedro, Bento XVI! E não falo de verdade ideológica, mas da Verdade, Cristo Jesus, Nosso Senhor (cf. Jo 14, 6).
No desenrolar dos dias, ao ver inúmeros episódios nefastamente satânicos e odiosos por parte de alguns órgãos da imprensa, tenho presente o que o próprio Jesus já avisara aos seus nas bem-aventuranças: “Felizes sois, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o tipo de mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, p orque será grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5, 11-12).
O ódio ao Papa Ratzinger é o ódio à Igreja. Como voz profética a “Mãe Católica” não pode sucumbir num silêncio omissivo diante das diversas formas de relativismos e de injustiças patrocinadas por ideologias adversas à moral cristã. Aqui, vale ressaltar a pretensão dos que querem descriminalizar o aborto; dos que ambicionam legalizar as uniões homossexuais; dos que se sentem incomodados com a presença e credibilidade da instituição Católica; enfim, de todos os que se colocam contra o Reino de Deus concretizado pela Igreja, e nela. Estes aderentes à subversão dos costumes buscam, inescrupulosamente, a todo o custo e em vão, sacudir a Barca de Pedro, guiada pelo sopro afável do Espírito Santo, cujo leme está nas mãos do fisicamente frágil e espiritualmente inabalável, Bento XVI. Tais “lobos” recorrem ao auxílio de inverdades alardemente divulgadas, ou mesmo correm a trás dos que não testemunham a sua fé e vocação (que, diga-se de passagem, é uma minoria irrisória) para macular a imagem da Totta pulcra (Toda bela), sem mancha e sem ruga Esposa de Cristo.
O Papa tem-se mostrado rocha. Não um seixo qualquer que se fragmenta facilmente, mas caracteriza-se pela sua consistência inabalável, já que alicerça “a Jerusalém Celeste, a nossa Mãe” (Gl 4, 26). Não sentimentalmente frio e apático, e sim transparente como o diamante artisticamente lapidado que possui uma alta valorização e durabilidade. E quem é este artista? Só pode ser Deus mesmo que, com o auxílio da sua graça, vai moldando esse santo homem, através das provações e incompreensões do mundo cruel e relativo que ora vivenciamos.
Incompreensão: alto preço pago pela defesa da Verdade. Aparente derrota: resultado figurativo que os diversos meios contrários à fé desejam passar da Santa Igreja e do Sucessor de Pedro. Confiança: res posta divinamente testemunhal dada por um octogenário ao mundo incrédulo, e por isso desesperançado. Paternidade transparente: adjetivo deste homem que é o Vigário de Cristo. Sim, transparente. Não esbraveja contra os seus opositores, silencia, e neste silêncio age. Não por cobrança exterior, mas continua o que de praxe já fazia esmeradamente: transmite o Cristo, confirma o seu rebanho que a ele foi confiado, extirpa os erros, apregoa a Verdade.
A solidez da Igreja de Cristo aborrece os indiferentes. Por isso, cria-se uma ojeriza à figura petrina. O confirmar os irmãos na fé, nem sempre é fácil. Ao interpelar o magnânimo Pedro para o exercício de apascentar o seu rebanho, Nosso Senhor o previne acerca do seu martírio (cf. Jo 21, 15-19). Hoje, Pedro é interpelado nesse ancião que rege o timão da Barca-grei do Senhor, através de um fiel e corajoso seguimento àquele que o chamou. É por amor que Bento rege. É por amor que Bento sofre o seu ma rtírio incruento, a sua aparente solidão humana. Porém, esta carência superficial é recompensada pela paz de espírito dada pelo Ressuscitado, luz inextinguível que brilha em meio às trevas do pecado e do mundo.
Agora, é mais fácil ter em mente o que Jesus quis dizer com “o poder do inferno nunca prevalecerá sobre ela” (cf. Mt 16, 18). É uma promessa! Esta se cumpre cotidianamente, principalmente quando parece que tudo e todos estão contra ela. É a Igreja que testemunha o Cristo. É o Cristo que perpetua o seu Reino através do testemunho de sua Amada.
Indago-me: Qual será a atitude do mundo quando perceber que a “enganosa veracidade” dos fatos que momentaneamente incriminam o Papa foi causada por homens desleais e maledicentes? Quando se derem conta que a todo instante foram enganados por mentirosos e antiéticos veículos de comunicação que abominam a Verdade em nome de suas “verdades”? Reconhecerão a voz profético-denu nciadora de Bento XVI ao anunciar o Cristo, cujo olhar incomoda?
“Salve, Santo Padre! Vivas tanto ou mais que Pedro!” É assim que cantamos a ti na Marcha Pontifícia. É um desejo nosso, Santo Padre: que em ti, apesar da tua longevidade, resplandeça a jovialidade daquela a quem te foi dado o encargo de governá-la vigorosamente. Ainda que as intempéries do mar do mundo balancem a Barca de Pedro, a Igreja de Cristo permanece firme, Bento, com fé inabalável. Ela não afundará! O Senhor está com ela até o fim dos tempos! (cf. Mt 28, 20).
Tu és feliz, Bento XVI! És por sofreres injúrias, perseguições e mentiras por amor à Verdade! A Verdade a quem defendes recompensar-te-á, ó Pedro em meio a nós, ó Bento XVI! “Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam!” (Tu ésPedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja!).
* Da Arquidiocese de Aracaju e bacharelando em Teologia pelo Seminário Maior Nossa Senhora da Conceição, em Aracaju-SE.