quinta-feira, 30 de junho de 2011

SOLENIDADE DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO, APÓSTOLOS



I Leitura: At 12, 1-11
Salmo Responsorial: Sl 33 (34), 2-3. 4-5. 6-7. 8-9 (R/. 5)
II Leitura: 2Tm 4, 6-8. 17-18
Evangelho: Mt 16, 13-19 (Tu és Pedro)



“Ó Roma feliz, adornada de púrpura pelo sangue precioso de príncipes tão excelsos. Tu ultrapassas toda a beleza do mundo”


            Queridos irmãos,

            Gostaríamos de iniciar a nossa reflexão, rememorando a frase acima, atribuída a Paulino de Aquileia (+806), que a Liturgia das Horas nos apresenta como hino das II Vésperas da Solenidade de hoje.
            Roma é feliz porque, em uma nova fase de sua história, mesmo sem saber que iriam inaugurar uma era inédita e durável para esta civilização, acolhe as duas principais colunas da Construção de Deus, uma divindade que lhe era estranha até então. Roma é felizarda porque, em seu seio, Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, e Paulo, o Doutor dos gentios, espiraram violentamente para este mundo e adentraram para a glória do Céu que tanto ansiavam. Roma é feliz porque é contagiada e vencida pelo avesso ao seu nome – AMOR – que estes dois corajosos homens lhe implantaram como consequência do Evangelho anunciado por eles, e testemunhado até as suas mortes. Ó Felix Roma!
            Como já era de se supor, toda a Liturgia da Palavra de hoje gira em torno destas figuras ímpares do cristianismo: Pedro e Paulo. Pedro, de simples pescador galileu, ganha, graças à missão recebida do próprio Senhor, uma cidadania que nunca imaginara para si: a universal. Paulo, de fabricante de tendas e judeu zeloso, reseta toda a sua vida, renuncia todo o seu ‘pseudo-prestígio’ e lança-se numa aventura sem precedentes para si: a de ser perseguido. Se foram distantes em vida, como alguns maldosamente aludem, o martírio os irmanou. No entanto, preferimos ficar com o pensamento de Santo Agostinho que afirma, na segunda leitura do Ofício das Leituras da solenidade de hoje: “Um só dia é consagrado à festa dos dois apóstolos. Mas também eles eram um só. Embora tenham sido martirizados em dias diferentes, eram um só. Pedro precedeu, Paulo seguiu [...] Celebremos, pois este dia de festa, consagrado a nós pelo sangue dos apóstolos” (Discurso 295, 7.8). Ambos tinham consciência da importância da missão do outro: “Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o Evangelho da Salvação” (Prefácio de São Pedro e São Paulo, Apóstolos).
            Uma antiga tradição, proveniente da era apostólica, conta que, onde atualmente se ergue a majestosa Basílica de São Paulo Fora dos Muros, aconteceu o último encontro entre Pedro e Paulo, naturalmente antes do martírio. Nesta feita, os dois teriam abraçando-se demoradamente, abençoando-se reciprocamente. Neste sentido, São Leão Magno comenta: “Dos seus méritos e das suas virtudes, superiores a quanto se possa dizer, nada se deve pensar que os oponha, nada que os divida, porque a eleição os tornou semelhantes, a fadiga e o final, iguais” (In natali apostolorum, 69, 6-7).
            O Evangelho de hoje apresenta-nos Jesus que apela à consulta dos seus seguidores no intuito de saber se o povo tinha consciência de quem realmente ele era. Para a massa, Jesus poderia ser tudo, raros eram os que lhe atribuíam a sua verdadeira identidade: Filho de Deus. Isso porque o povo estava interessado apenas nas atitudes exteriormente miraculosas que Jesus poderia realizar. E, se estranhava a sua forma de pregar, o associava a algum dos profetas que tinham marcado a história de Israel. Jesus falava diferente, “como quem tinha autoridade” (Mt 7, 29). Logo, muitos imaginavam que ele falasse em nome de Deus (profeta), nunca pensavam que ele fosse Deus, o Filho. Jesus repete a pergunta com um direcionamento diferente. Antes, perguntava aos discípulos quem ele era no pensamento popular; agora, ainda aos discípulos, pergunta-lhes como se manifestava: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16, 15). Não sabemos se o coração dos apóstolos já tinha discernido acerca da real pessoa de Jesus; mas, de uma maneira clara, percebemos que o coração de Pedro já tinha decodificado quem era Jesus: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt. 16, 16). Para que Cefas chegasse a tal certeza, duas atitudes foram essenciais: Jesus já tinha dado provas suficientes sobre a sua pessoa e missão, não somente a Pedro, mas a todos; Pedro, mesmo com o seu jeito tronco, era o mais sensível dos que seguiam Jesus. Profissão semelhante a esta de Pedro, encontraremos em uma outra passagem, quando o próprio Simão Pedro afirma ante uma provocação de Jesus: “A quem iremos, Senhor? Só tu tens palavras de vida eterna. Agora nós acreditamos e sabemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 68-69).
            Pedro é o homem da profissão (cf. At 2, 14-36), mas também o da negação (cf. Jo 18, 15-18). É um homem cabeça dura (cf. Mt 14, 22-33; 16, 21-23), como é o homem do arrependimento (cf. Mt 27, 69-75; Jo 21, 15-19). Pedro é um ser de múltiplas facetas; é um homem surpreendente.           
            À proporção da crença acerca da revelação da identidade de Jesus por parte de Pedro para os seus, o Cristo publica uma nova face de Pedro, até então inédita para todos, inclusive para o próprio Pedro. Primeiro, atribui-lhe o título de “feliz” (cf. Mt, 16 17); depois, de sensível ao próprio Deus – “porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está nos céus” (Ibidem); ainda, outorga o designativo matriz “Pedra”, que implica, dentre tantos outros atributos, a função de guardião contra os poderes adversos à Igreja de Cristo, resguardando-a do maligno (cf. Mt 16, 18); e, por fim, a titulação de “despenseiro” entre os céus e a terra: “Tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 19).
            A Primeira Leitura, dos Atos dos Apóstolos, nos traz o episódio da segunda prisão de Pedro, desta vez expedida por ordem de Herodes. Esta perícope marca também o fim da primeira etapa da história da Igreja centralizada em Jerusalém e no mundo judaico. Mas isto não vem ao caso por hora. A data trazida pelo texto para a prisão de Pedro nos remete à paixão de Jesus: “Eram os dias dos Pães ázimos” (At 12, 3). Herodes manda prendê-lo para agradar ainda mais os judeus, já que os tinha aprazido quando manda matar Tiago à espada. Tendo prendido Pedro no dia da Festa dos Pães, Herodes tinha intenção de ordenar a sua execução para os dias posteriores à Páscoa, justamente para preservar os judeus de uma suposta impureza. A priori, Lucas não apresenta nenhuma defesa por parte de Pedro. Isso significa dizer que ele não renegou a sua fé, fazendo jus a idéia de inabalável que o seu nome porta. A Igreja está unida ao seu pastor, coração a coração. Por isso, ela o acompanha com as suas orações.
            Já nas vésperas de sua apresentação e consequente execução, um anjo é enviado para libertá-lo. Interessantes são as palavras do mensageiro divino: “Levanta-te depressa! [...] Coloca o cinto e as tuas sandálias! [...] Põe tua capa e vem comigo! (cf. At 12, 7-8). A fala do anjo nos evoca à memória aquilo que Jesus já advertira a Pedra-Pedro: “Quando eras jovem, tu mesmo amarravas teu cinto e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, outros te cingirão e te levarão para onde não queres ir” (Jo 21, 18). O anjo liberta Pedro da masmorra de Herodes porque o evento da sua morte não seria de cunho regional. O anjo o liberta para que, livre, ele continue cumprindo as consequências inerentes ao seu seguimento. Pedro ainda tem muito o que fazer, não somente em Israel, mas em todo o orbe, representado pelo seu martírio na então “capital do mundo”: Roma. Tal idéia é confirmada pela única frase de São Pedro nesta passagem dos Atos dos Apóstolos: “Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava” (At 12, 11).
            Na Segunda Leitura, é-nos apresentada a figura de São Paulo fazendo uma espécie de “balancete” de sua missão apostólica; ou, como muitos dizem, aqui, neste trecho da segunda epístola a Timóteo, São Paulo apresenta o seu “testamento apostólico”.
            Homem íntegro, Paulo sabe do valor do seu trabalho. Não se ufana quando diz: “Trabalhei mais do que todos eles (os apóstolos); não eu, mas a graça de Deus que está comigo” (1Cor 15, 10), mas é cônscio do papel único e eficaz que assumiu ao anunciar o Evangelho.
            Ao se apresentar como pronto “para ser derramado em sacrifício” (2Tm 4, 6), não se apresenta como vítima, mas como libação. Utilizando uma linguagem típica da cultura religiosa da época, Paulo afirma que as vítimas (hóstias) são as almas que ele conquistou para Cristo, enquanto ele mesmo seria como que o vinho, a água, ou mesmo o óleo derramado sobre elas, significando que pelo bem delas, ele derramou a sua vida, tal como o Servo Sofredor, Cristo, que se consumiu de amor (cf. Is 53, 12).
            Paulo lutou, combatendo pela fé, para que o Evangelho chegasse aos pontos mais distantes da terra. Lutou inclusive contra si mesmo (cf. Rm 7, 19), contra os espinhos da carne (cf. 2Cor 12, 7); lutou com esperança: “spes non confundit” (Rm 5, 5), por isso espera a “coroa da justiça” (2Tm 4, 8), que lhe está reservada pelo “Justo Juiz”. E por ter certeza disto, é que reconhece o auxílio do Senhor em sua missão, porque a obra é Dele, por isto sabe que é apenas um “embaixador de Cristo” (cf. 2Cor 5,20), que está levando a cabo o que lhe foi confiado pelo próprio Senhor.
            Que os ensinamentos dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, transmitidos fielmente pela Igreja, sejam para nós uma regra de vida testemunhal do próprio Senhor.       
       

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