terça-feira, 30 de abril de 2013

COM A SUA MORTE DESTRUIU A NOSSA MORTE E COM A SUA VIDA TEMOS NOVA VIDA


Queridos irmãos,

Existe um ícone da tradição oriental em que Jesus Cristo aparece à Mansão dos Mortos e resgata pelo braço, mais propriamente pelo punho, Adão e Eva, representando assim toda a humanidade presa aos infernos, antes da sua morte redentora, bem como chamando ao Paraíso todos os justos do Antigo Testamento, inclusive Abraão, Moisés e João Batista. Cremos que esta representação iconográfica responda o afã interrogativo de muitos, quando se questionam: “Por que Jesus ressuscita após três dias? O que estaria fazendo ao longo deste tríduo?”
Representação iconográfica de Cristo que, descendo aos Infernos, resgata, a partir de Adão e Eva, todos os justos que esperavam a redenção
  No Símbolo Apostólico, a mais antiga Profissão de Fé da ‘Mãe Católica’ (utilizando os termos eclesiológicos agostinianos), temos, integralmente: “[Jesus Cristo] desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia”. Esta afirmativa equivale ao quinto artigo de fé proposto pelo Credo. Lembrando, desde agora, que a Ressurreição de Cristo, em consonância com todo o Mistério Pascal do Senhor (que também contempla a Sua Paixão e Morte), é o núcleo central de nossa fé. Assim sendo, no quinto artigo do Credo, vislumbramos a alma de Jesus Cristo que, logo após ter se separado do corpo quando da sua morte salvadora na cruz, foi ao Limbo, também chamado mansão dos mortos, ou ainda aos infernos, ao lugar onde estavam as almas dos justos, esperando a redenção de Jesus Cristo, e que, ao terceiro dia, se uniu de novo ao corpo, para nunca mais dele se separar.
“Descendit ad ínferos” – Desceu à mansão dos mortos. Este conteúdo inspira-nos no entendimento de que realmente Jesus morreu, tal como todos os homens expiram, e assume uma vida após a morte. No capítulo terceiro do Gênesis, lemos a passagem da queda e expulsão de Adão e Eva do Éden, graças ao pecado da desobediência. Com eles, também foi privada à humanidade a vivência no Paraíso. Viram-se privados da amizade plena com Deus, a intimidade com a Divindade; viram-se privados da visão de Deus. Para a tradição judaica (e de fato isso era condizente), todos os que morriam estavam destinados à morada dos mortos (em hebraico, Sheol). Independentemente de terem sido moralmente maus ou bons, lá esperavam o seu Redentor. As almas dos justos, portanto, não foram introduzidas no Paraíso antes da morte de Jesus Cristo, porque, graças ao pecado de Adão, o Paraíso estava fechado; e convinha que Jesus Cristo, cuja morte o reabriu, fosse o primeiro a entrar nele.
Jesus desce aos infernos para anunciar aos mortos a Boa Nova (cf. Jo 5,25; 1Pd 4,6; Hb 2,14-15; Ap 1,18), cumprindo até a plenitude o anúncio evangélico da salvação, encerrando a sua missão messiânica. A partir desta descida, a todos os homens, de todos os tempos e lugares, é descortinada a entrada da morada celeste, para uma contemplação inédita da Trindade, que nem sequer o antigo Paraíso entrevê. No Ofício das Leituras do Sábado Santo, precisamente na Segunda Leitura, a Igreja orante oferece-nos para meditação uma anosa homilia, arcana em autor, que tenta espiritualmente traduzir o ingresso de Jesus aos Infernos, não para destruí-lo, como condenação, mas para libertar os condenados. Diz-nos o escrito: “Ele vai antes de tudo à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos. O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: ‘O meu Senhor está no meio de nós’. E Cristo respondeu a Adão: ‘E com teu espírito’. E tomando-o pela mão, disse: ‘Acorda, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará. […] Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso mas num trono celeste’”. Deus, que ‘É’, vai onde não existe o ser, onde existe o ‘não-ser’, surpreendendo ao ingressar onde não deveria estar, vencendo, de uma vez para sempre, a morte e, com ela, o seu autor,o Diabo.
“Resurrexit a mortuis” – Ressuscitou dos mortos. No terceiro dia, estando no seio da terra, o Senhor ressuscita, conforme havia anunciado de sobremaneira. No Catecismo de São Pio X, no número 117, temos: “Por que Jesus Cristo quis esperar até ao terceiro dia para ressuscitar? Jesus Cristo quis demorar até ao terceiro dia para ressuscitar, para mostrar de modo insofismável, que verdadeiramente tinha morrido”. Por ressurreição de Cristo jamais a apresentemos como um mero retorno à vida terrenal. Não! O Cristo Ressuscitado é detentor de um corpo glorioso por ser participante da vida divina. Por tal motivo, o Ressuscitado não é atido pelas leis físicas e fisiologicamente humanas, tendo a liberdade soberana de aparecer a quem Ele quer, como e onde Ele quer, sob aspectos diferentes. A Ressurreição de Jesus Cristo não foi semelhante à dos outros homens ressuscitados, como por exemplo Lázaro (Jo 11,1-44), o filho da viúva de Naim (Lc 7,11-17) e a filha de Jairo (Mc 5,21-43). Eles apenas tornaram a viver, foram ressuscitados por virtude de Deus, enquanto que o Senhor ressuscitou por virtude própria.
Mesmo ressuscitando por seus próprios méritos, por ser um só Deus com o Pai e o Espírito Santo, obviamente não se exclui a obra trinitária deste evento magnânimo. Deste modo, “o Pai manifesta o seu poder; o Filho ‘retoma’ a vida que livremente ofereceu (Jo 10,17), reunindo a sua alma e o seu corpo, que o Espírito vivifica e glorifica” (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 130).
Na Cristologia, temos o estudo teológico da vida de Jesus Cristo. Neste campo da Teologia Dogmática, aprendemos que toda a vida de Cristo na história humana se dá desde a Encarnação até a Sua Páscoa Redentora. A Igreja crê – e nós com ela – que neste derradeiro evento da vida de Jesus Cristo Nosso Senhor encontra-se o ápice da Encarnação e todo o seu sentido. O Seu ressuscitar confirma tudo o que fez e ensinou, mesmo o que é inacessível ao espírito humano, acha o significado em Cristo Ressurreto. Nele estão as primícias da nossa ressurreição, pois Nele recebemos a filiação adotiva que é real participação do seu ser divino, já que ressuscitando, a humanidade de Cristo entra na glória de Deus, elevando consigo toda a humanidade: “Cristo ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que morreram! Com efeito, se por um homem veio a morte, por um homem vem a ressurreição dos mortos. Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão. Cada qual, porém, em sua ordem: como primícias, Cristo; em seguida, os que forem de Cristo, na ocasião de sua vinda. Depois, virá o fim, quando entregar o Reino a Deus, ao Pai, depois de haver destruído todo principado, toda potestade e toda dominação” (1Cor 15,20-24).
           
Irmãos, gozando o admirável Tempo Pascal, a certeza impera em nós pela fé: Cristo ressuscitou! Somos suas testemunhas! Com Ele também ressuscitaremos! Ele prometeu-nos igualmente como disse que ressuscitaria! Que esta realidade não seja proferida distantemente da vida, mas que sempre vivamos tendo este dado de fé diante de nós, com os olhos fixos no Ressuscitado.

sábado, 27 de abril de 2013

V DOMINGO DA PÁSCOA


(Ano C – 28 de abril de 2013)

 Pelo Seminarista André Fernandes


I Leitura: At 14,21b-27
Salmo Responsorial: Sl 144(145),8-9.10-11.12-13ab (R/. cf. 1)
II Leitura: Ap 21,1-5a
Evangelho: Jo 13,31-33a.34-35 (Glorificação e amor)

“Verdadeiramente é digno e justo, razoável e salutar, que Vos louvemos, Senhor, em todo tempo e com especialidade, mais gloriosamente neste tempo, em que Cristo, nossa Páscoa, foi imolado” (cf. Prefácio para o Tempo Pascal)

            Caríssimos irmãos,
No transcorrer do Tempo da Ressurreição do nosso Divino Salvador, podemos perceber, através da leitura dos Atos dos Apóstolos, ora no Lecionário Dominical, ora no Lecionário Ferial, as consequências do evento do Mistério Pascal. Essas são manifestadas, sobretudo, no que tangencia a pregação apostólica executada por Pedro, Tiago, João e aqueles outros recém-conversos que se uniram ao número daqueles seguidores do ‘Caminho’.
            À Primeira Leitura, somos colocados no contexto do término da primeira viagem apostólica de Paulo e Barnabé. Voltaram para as cidades de Listra, Icônio e Antioquia. Nestas, mediante o testemunho e pregação dos apóstolos, muitos creram no nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. E, como bem sabemos, tal adesão trará sérios desdobramentos. Se para os nossos tempos a profissão de fé viva e verdadeira no Filho de Deus é, como disse Jesus, no solene discurso das Bem-Aventuranças: “Felizes sois, quando vos injuriaram e vos perseguirem e, mentido, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois foi assim que perseguiram os profetas, que vieram antes de vós” (cf. Mt 5, 11-12).
            Pensemos nos primeiros anos da propagação da fé cristã, quando recebida diretamente dos apóstolos. Pensemos nos nossos primeiros irmãos, que, às escondidas, nas catacumbas, reuniam-se, como nós, em assembleia litúrgica, para fazer “zikáron”, ou seja, memória atualizada pelo sacrifício incruento da Eucaristia do Mistério da Páscoa. Apraz-nos lembrar às palavras de Tertuliano aos protomártires da Igreja de Cristo nos primeiros séculos: “O sangue dos mártires é semente para novos cristãos”. Com esta assertiva, irmãos, tão viva e atual, vemos-nos que nos tornamos cristãos pelo mergulho à pia batismal e outrossim pelo perenal legado de fé testemunhal dos primeiros!
            Com as veneráveis palavras do apóstolo dos gentios ao encorajar os cristãos daquelas cidades: “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus”, nós também, conforme assinalou o Papa Bento XVI quando de sua renúncia à Cátedra de São Pedro ao afirmar que “os nossos tempos passam por rápidas transformações”, precisamos da obtenção daquela fé genuína não adquirida, mas transmitida pelos Doze por benevolência e graça, concedeu-nos o Senhor através da sua Esposa. Na transitoriedade dos acontecimentos, jamais podemos perder o centro da nossa ‘peregrinação terrestre’, ei-la, a saber: Jesus Cristo.
            Devemos, quotidianamente , recobrar a consciência e nos questionarmos acerca da fé no Filho de Deus: Desejamos ardentemente o Cristo das Sagradas Escrituras? Creio em Nosso Senhor, cuja doutrina provém da ‘Senhora Católica’? Quero o Cristo dos Evangelhos que sempre me proporá a cruz e ir após Ele? Indagações como estas precisam ser retomadas pelos cristãos, porquanto, verdadeiramente, elas sustentam a nossa adesão ao Evangelho, de modo que, não obstante a nossa tibieza, suportaremos as adversidades da existência e, como diz, o Bem-Aventurado Pedro, o Apóstolo: “Se sofreis por causa da justiça, bem-aventurado sois! Não tenhais medo de nenhum deles, nem fiqueis conturbados, antes, santificai a Cristo, o Senhor, em vossos corações, estando sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pede” (cf. 1Pd 3, 13-15).
            São Lucas ainda pontua, a suma importância, daqueles que foram constituídos, pela imposição das mãos dos apóstolos, presbíteros, anciãos para a primaz colaboração no exercício do sacerdócio apostólico: “Os apóstolos designaram presbíteros para cada comunidade”. A função dos presbíteros, exercida na colegialidade, com os apóstolos, hoje na pessoa do Bispo, sucessor dos apóstolos, e dos seus diretos colaboradores, os presbíteros em união total com o Vigário de Cristo, é mister para assistir a fé dos crentes na pregação da palavra, na celebração dos sacramentos, e com excelência a Sagrada Eucaristia.
À Segunda Leitura, João mostra-nos a vitória do Cordeiro. Este, por sua vez, é por ora apresentado na belíssima alegoria do Esposo que vem ao encontro da nova Jerusalém, sua Esposa. A visão joanina, fragmentada em alegorias, sintetiza o aniquilamento total do mal: “Vi um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi a cidade santa, a Nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, vestida qual esposa enfeitada para o seu marido”. A misteriosa visão de São João é presente no Antigo Testamento como a era do Messias, ou que dizemos de o “kairós”, o tempo da Graça, por razão mesmíssima, diz o apóstolo: “Deus vai morar no meio deles. Eles serão o seu povo, e o próprio Deus estará com eles. Deus enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem choro, nem dor, porque passou o que havia antes”.
            Na perspectiva da leitura do Apocalipse, vemos, clarividente, dois grandes momentos na história da salvação: o primeiro quando Deus, através, do seu Verbo, ‘armara a sua tenda entre os homens’, inaugurando a plenitude dos tempos com a concretização das promessas outrora feitas à primeira aliança. O segundo é de pendor escatológico quando o Crucificado-Ressuscitado, o Justo Juiz, consumará a história da salvação com o seu advento glorioso e aí, a Nova Jerusalém será desposada quando os bem-aventurados forem introduzidos “às núpcias do Cordeiro Pascal”.
            No Evangelho, encontramos-nos diante do quadro da paixão do Senhor. Ao final daquela ceia com os Doze, antecipação incruenta da cruz, Jesus institui o seu Testamento: o mandamento da caridade. Percebamos, caríssimos irmãos, onde nasce o mandamento da caridade. Registra-nos o Evangelho: “Depois que Judas saiu do cenáculo, disse Jesus: ‘Agora foi glorificado o Filho do Homem e Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo’”.  Eis: é durante a traição do Iscariotes!
           
Naquele ínterim em que o Cordeiro Pascal imolar-se-ia e na terrível traição do Iscariotes concede, Nosso Senhor, pelos méritos de sua beatíssima Paixão e Morte de cruz, o mandamento da caridade. O que diz Jesus naquela hora do início da sua ‘suprema agonia’, torna-se o fato do mistério da salvação na ara da cruz. A glorificação do Filho de Deus encontra a sua máxima no mandamento da caridade e também no gesto sacerdotal da entrega livremente à cruz! Aqui, concentra-se toda a ação de Cristo desde o limiar do seu ministério até a subida a Jerusalém e a chegada ao calvário! A glória de Cristo, da qual, discorre, São João é, de fato, a hora da sua paixão e morte. Porque é a destruição do pecado e da morte.
            Oxalá possamos nós, milícia do Senhor dos exércitos, viver a plenitude da caridade que consiste em unir-se ao Divino Pelicano e como Ele imolarmo-nos, amarmo-nos, porque o “vínculo da perfeição é a caridade”, segundo São Paulo. Ao ‘Kyrios’ glorificado, Senhor do tempo e da eternidade, a glória, a adoração e a realeza por todo o sempre. Amém!
                 

sexta-feira, 26 de abril de 2013

MARIA É A “GRAÇA”


Maria é a graça criada com uma finalidade específica nos planos de Deus



Por Dom Rafael Maria, OSB*
Em 1936 na localidade do Sítio Guarda (Cimbres), município de Pesqueira, interior do estado de PE aconteceram algumas aparições da Virgem Maria a duas meninas. Tais mariofanias são desconhecidas por parte dos católicos brasileiros por motivos vários. Nestas supostas aparições, com o nosso olhar de especialista no campo mariológico, detectamos que parece possuir todas das características de veracidade, porém muito se deve estudar. Assinalamos alguns elementos importantes: o representante eclesial, isto é o pároco da época, em nome da Igreja local, procurou fazer um diálogo com a aparição e as videntes (analfabetas), utilizando estratégias que nunca foi realizada antes em uma mariofania. Ele dialogava em alemão e latim com a visão e as videntes respondiam em português. Outro feito extraordinário é a denominação que a aparição se atribui. Nossa Senhora diz as meninas: «EU SOU A GRAÇA», e deseja ser invocada com o título «DAS GRAÇAS» naquele local. Seria aqui uma imitação das aparições da Medalha Milagrosa? Diríamos: Não. Tudo revela algo novo, dinâmico e teológico. A Virgem Maria aparece com o menino Jesus nos braços e envolta em um nicho com colunas revestidas de pedras preciosas, segundo o relato das videntes.
O nome «Cimbres» de origem francesa que quer dizer: “armação para molde de madeira de arco ou abobada” (ou Cambota), isto é, um nicho? Condiz então com o modo como a Virgem aparece no Sítio Guarda, dentro de nicho.
Interessante é que Cimbres, nome da cidadezinha onde se localiza o Sítio Guarda é de origem portuguesa, onde existe uma cidade do mesmo nome com um santuário de Nossa Senhora da Graça (Sic!).
Um outro detalhe é que, no Brasil recém-descoberto, duas igrejas consideradas as mais antigas, foram dedicadas a Nossa Senhora da Graça: na Bahia datada de 1535 e o Seminário de Olinda de 1551. Portanto, as matrizes da devoção mariana no Brasil é GRAÇA?
Entre as aparições de Paris e as de Cimbres existe diferenças singulares. Lá em Paris, Maria aparece de mãos estendidas, disponível a distribuir graças, aqui no entanto ela tem o menino Jesus nos braços que é a GRAÇA por excelência. É Dele que Maria alcança tudo para nós.
 O que nos interessa aqui é fazer um estudo teológico para se compreender um título tão inusitado que a Virgem maria se atribui no Sítio Guarda: «Eu sou a Graça».
Como sabemos, é salutar sempre uma formação adequada e continuada quando se fala da Virgem Maria, pois em torno a mesma surgem equívocos devocionais que desvirtuam, seja o culto mariano seja a doutrina. Para isto temos que voltar a dois mil anos do início do cristianismo, à Bíblia. O fundamento bíblico que atesta o que Maria é se pode tomar de Lc 1,26 na saudação angélica, onde o anjo saúda a Virgem com um novo nome «kaire kekarithoméne» (Regozija-te Agraciada). O anjo substitui o nome próprio de “Maria” com um outro, «Agraciada/Graça». Dai por diante, ela será chamada «Graça». Maria é a “graça criada” com uma finalidade específica nos planos de Deus, sendo assim instrumento ativo na obra da salvação (cf. Lumen Gentium 56), quando gera e dá a luz “o Filho do Altíssimo” (cf. Lc 1,35). Maria, é “graça criada” e não a “graça incriada”, pois a graça incriada é Deus mesmo. Estejamos sempre atentos a esta diferença!!!
A saudação angélica é uma programação de vida para Maria que não tem origem naquele momento, mas já existia na eternidade de Deus.
Como vimos acima, o nome da Virgem de Nazaré será de hoje em diante «Graça/Imaculada». É como se uma senhora se apresentasse e lhe perguntasse seu nome. “Como se chama, senhora?” E ela me responderia aquilo que é, “Eu sou a Graça” ou, “eu sou a Antônia” ou, “eu sou a Rosalva”, etc. Portanto, o título que o anjo Gabriel dá à Virgem de Nazaré, revela o que é, e o que faz, distribuir/interceder aquilo que recebeu de Deus, a Graça ou as Graças, em uma só palavra: Jesus Cristo. A nossa reflexão até aqui não é suficiente, se faz necessário algo mais: a força da Palavra de Deus. Ora, tal função de intercessora e distribuidora das graças do Senhor, é um eco do que encontramos na 1Pd 4,10: “Cada um viva segundo a graça recebida, colocando-a ao serviço dos outros, como bons administradores de uma multiforme graça de Deus”.
A natureza humana de Maria, cumulada pela Graça de Deus, não exerce uma função para si mas para o serviço e crescimento da Igreja, como nos indica Mt 10,8: “Gratuitamente recebestes, gratuitamente dai”. Com esta gratuidade, buscamos ainda com o testemunho da Palavra divina o que nas atitudes de Maria nos revelam o mistério do seu serviço a favor da humanidade. Na sua visita a Isabel (cf. Lc 1,39-56), onde cumulada pela Graça/Espírito Santo, vai distribui-la a sua parente necessitada e Lucas afirma depois da saudação de Maria a Isabel, «…Isabel ficou repleta do Espirito Santo» (Lc 1,39-41). A continuidade deste serviço no amor é nas Bodas de Caná que Maria mais uma vez revela o seu papel de “Agraciada/Intercessora”, consola os necessitados da festa do Esposo/Jesus (cf. Jo 2,1-11), colaborando assim no aumento da fé no Senhor (cf. Jo 2,11).
Aprendamos com Maria a distribuir as graças que recebemos!
Pe. Rafael Maria é diplomado para "Postulação para beatificação e canonização” pela Congregação para Causa dos Santos (Cidade do Vaticano) e doutor em Mariologia pela Pontifícia Faculdade Teológica «MARIANUM» (Roma).  Leciona atualmente um «Curso de Mariologia» via internet, cf. www.cursoscatolicos.com.br
Para maiores informações e comentários: d.rafaelmariaosb@hotmail.com

sábado, 20 de abril de 2013

IV DOMINGO DA PÁSCOA


(Ano C – 21 de abril de 2013)

Pelo Seminarista André Fernandes



I Leitura: At 13,14.43-52
Salmo Responsorial: Sl 99(100),2.3.5 (R/3ac)
II Leitura: Ap 7,9.14b-17
Evangelho: Jo 10,27-30 (As ovelhas ouvem a voz do pastor)



“Ressuscitou o Bom Pastor, que deu a vida por suas ovelhas, e quis morrer pelo rebanho, aleluia!” (Cf.Antífona da Comunhão)

Caros irmãos,

A Igreja, seguindo os passos de Nosso Senhor, vivo e ressuscitado, neste admirável Tempo da Ressurreição, celebra em todo o ‘orbe’, o Quarto Domingo da Páscoa, também, cognominado, o ‘Domingo do Bom Pastor’. A antífona da Comunhão, reservada para a hodierna Liturgia, compendia, deveras, o significado da missão do Pastor? O ofício pastoril, em Israel, era um exercício de valor sublime, porquanto as ovelhas garantiam a subsistência dos mesmos. O Antigo Testamento faz referências acerca de tal em diversas passagens dos profetas e alhures. Sublinhemos dos grandes profetas Jeremias (cf. 23, 1ss.) e Ezequiel (34, 1ss.).  Diz Jeremias: “Ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho miúdo de minha pastagem!- oráculo do Senhor. Escolherei para elas pastores que as apascentarão, de sorte que não tenham receios nem temores, e já nenhuma delas se extravie. [...] Dias virão [...] em que farei brotar de Davi um rebanho justo que será rei e governará com sabedoria e exercerá na terra o direito e a equidade. Sob seu reinado será salvo Judá, e viverá Israel em segurança”.  No profeta Ezequiel, ouvimos a censura acerca dos pastores que se portam como ‘mercenários’, ou seja, não se preocupam pelo rebanho, mas garante-se do mesmo para ufanar-se. “Ai dos pastores de Israel que só cuidam do seu próprio pasto. Não é seu rebanho que devem pastorear os pastores. Vós bebeis o leite, vestis-vos de lã, matais as reses mais gordas e sacrificais, tudo isso sem nutrir o rebanho”.
À lume da leitura dos profetas, percebemos a trajetória da economia da salvação. O múnus do pastoreio no Antigo Testamento, ainda que imperfeito, atinge o seu apogeu no Filho de Deus. De fato, é Ele, por antonomásia não somente o Pastor, mas o Cordeiro, a Ovelha, a Vítima e o Altar. Jesus Cristo é o Pastor boníssimo que nos conduz ao Pai, como mesmo disse de si: “Eu sou a porta das ovelhas. Todos quantos vieram antes de mim foram ladrões e salteadores, mas as ovelhas não o ouviram. Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim será salvo; tanto entrará como sairá e encontrarás pastagem” (Jo 10, 7-9). É um tremendo mistério assentirmos que Jesus não é somente Pastor, mas, outrossim, o cordeiro, a vítima e o altar. Por quê? Eis a admirável alegoria do Profeta Isaías no capítulo cinquenta e três, quando do cântico do Servo do Senhor. “Foi maltratado e não abriu a boca, como um cordeiro que se conduz ao matadouro, e uma ovelha muda nas mãos do tosquiador. Ele não abriu a boca”.
Perguntamo-nos novamente: Como um Pastor pode se tornar uma ovelha inocente e um cordeiro para ser imolado? Acaso o Pastor não é maior que o seu rebanho? Não o conduz? Pode encaminhá-lo com a sua voz para outros campos? Jesus, Nosso Senhor, é o Pastor porque é o Messias do Pai para salvar o que estava perdido. É simultaneamente a ovelha e o cordeiro porque livremente se entrega para superar os sacrifícios primitivos da aliança, pois dele ouvimos do maior dos nascidos de mulher, João Batista: ‘Ecce Agnus Dei’ – Eis o Cordeiro de Deus. Aqui, está Aquele que, como Pastor, conduz-nos ao Pai e, como ovelha, entrega-se livremente para expiar o pecado do mundo!

No Evangelho, ouvimos de Jesus a intimidade do Pai para com Ele, logo as ovelhas foram entregues. Qual a relação em que as ovelhas ouvem a voz do Pai? O discipulado. A escuta autêntica e disciplinar daquela suprema vontade para pôr-se nos braços do Bom Pastor e aí seguir, como apóstolo, os seus passos. O Bom Pastor conduz para os prados eternos! Leva-nos à vida eterna. Este é o aprisco verdadeiro. Nele não há veredas para perder-se, mas, sim a eterna contemplação do amor de Deus que como Pastor nos conduz!

terça-feira, 16 de abril de 2013

sábado, 13 de abril de 2013

III DOMINGO DA PÁSCOA


(Ano C – 14 de abril de 2013)

Pelo Seminarista André Fernandes



I Leitura: At 5,27b-32.40b-41
Salmo Responsorial: Sl 29(30),2 e 4.5 e 6. 11 e 12a e 13b (R/ 2a)
II Leitura: Ap 5,11-14
Evangelho: Jo 21,1-19 (Pesca e Pedro)



“Aclamai a Deus, toda a terra, cantai a glória de seu nome, rendei-lhe glória e louvor, aleluia” (Cf. Antífona da Entrada).


    Caríssimos irmãos,


No desdobramento do santo Tempo Pascal, temos observado a tônica tão peculiar desse tempo Litúrgico. Eis que este, como já pudemos refletir na Liturgia precedente, o Segundo Domingo Pascal, é pautada através do ‘kérigma apostólico’, ou seja, o anúncio solene do evento da nossa salvação realizado na plenitude dos tempos na pessoa do Filho de Deus, o Verbo encarnado, que “tendo amado os seus, amou-os até o extremo”, como no-lo testifica o Evangelista e Apóstolo São João. Eis o Mistério Pascal! Lembremo-nos da Catequese de Nosso Senhor para com o discípulo Nicodemos no capítulo terceiro de São João: “Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho único para que não morra quem Nele crer, mas tenha a vida eterna”. Sabido deste honroso e santíssimo evento da economia da salvação, celebramos, com a Mãe Católica, o Terceiro Domingo do Tempo Pascal.
À Primeira Leitura, deparamo-nos com a objeção do Sinédrio para com Pedro e os apóstolos outros. No quadro proposto pelo Lecionário da hodierna liturgia dominical, somos conduzidos ao pensamento das cruentas perseguições pelas quais os apóstolos e os nossos primeiros irmãos cristãos padeceram às primícias da pregação apostólica nos primeiros séculos até o Quarto Século. Por que tais tormentos? Por que verter sangue? Por que imolar-se por um Jesus que, na concepção d’alhures, permanece caduco e esquecido no tempo? Por que entregar-se uma vez que o “Jesus é só histórico”? Em verdade, tais indagações são proferidas por muitos que se declaram, como diz o Apóstolo, “inimigos da cruz do Senhor” e outrossim por aqueles que se  veem céticos e ateus. O que vale este Jesus?
A posição do conselho contraria todas as perguntas supracitadas o que deixa cair por terra que o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo é deveras, amiúde, um fato sempre novo, pois, Ele chega, como entoara Maria Santíssima naqueles versos do singular “Magnificat” “de geração a geração”. Havia um incômodo no que tangencia as autoridade romanas e judaicas, no ministério dos apóstolos e doutros irmãos que com o anuncio do Cristo morto e ressuscitado  convertia a muitos e estes tornavam-se seguidores do ‘Caminho’, nome primário dado ao Cristianismo.
De Santo Inácio de Antioquia recebemos: “Ubi Petrus, ibi Eclesia est”, onde está Pedro aí está a Igreja. O venerado apóstolo é ousado quando toma a palavra e diz: “É preciso obedecer a Deus antes que aos homens. O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes, pregando-o numa cruz. Deus, por seu poder, o exaltou, tornando-o Guia Supremo e Salvador, para dar ao povo de Israel a conversão e o perdão dos pecados. E disso somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe obedecem”. A têmpera de Pedro e dos demais apóstolos é a “parresia” que indica a ousadia em conclamar o senhorio do Filho de Deus a toda criatura, mesmo que tal ato custe o martírio da própria vida.
Vejamos a palavra de São Pedro: “É preciso obedecer a Deus que aos homens”. Quão presente, para os nossos dias, cristãos do tão moldurado Século XXI! Dum século, como os seus precedentes, em que a intenção do homem é anular a revelação plena em Cristo e substituí-lo pelo exacerbado “antropos”, pondo-o ao centro. Eis, a, digamos, ousada profissão de fé do apóstolo é também a nossa, porquanto não seguimos uma vã e falaciosa doutrina como pensavam e concebem, mas deixamo-nos, na liberdade, sermos encontrados por uma Pessoa: Jesus de Nazaré! E mais: não é o ‘jesus’ das ideias e formulações humanas, mas, sim, o Cristo do Santo Evangelho, imagem reveladora do Pai e crido por sua Esposa, a Igreja e conservado pela Sagrada Tradição. 
“É preciso (constantemente) obedecer a Deus que aos homens”. Para quem é dirigida as palavras de Pedro? Para quem é descrente! Para quem em debalde acha que a inabalável fé cristã, católica e apostólica ruirá mais tarde. Não, insensatos! “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular e isto é maravilhoso para o Senhor nosso Deus!” Se falara o egrégio apóstolo é porque é Pedro, isto é, como sabemos, a edificação do Corpo Místico de Cristo que sustenta e supera as vicissitudes das vias da existência na realidade temporal.
À Segunda Leitura, somos imergidos na teofania do vidente São João. Podemos dizer sim que se trata duma profissão de fé para ratificar as comunidades cristãs, uma vez que estará o apóstolo exilado na Ilha de Patmos e escreveu ora em visões, ora em alegorias para que os cristãos não temessem no seguimento a Nosso Senhor. São João nos descreve uma belíssima visualização: O Cordeiro Imaculado, o que, posteriormente, tornar-se-á parte da iconografia cristã. Por que o Cordeiro? Por que o é imaculado?
O cordeiro é o tipo de animal dos sacrifícios da antiga aliança para a obtenção da libação dos pecados. Recordemos da vez em que o sacerdote adentrava o Tempo e oferecia o sacrifício expiatório, ora por seus pecados, ora pelos pecados do povo. Na eterna aliança, temos o Novo Cordeiro Pascal: o Filho de Deus. De fato é ele simultaneamente: o sacerdote, a vítima e o altar. É o ‘Agnus Dei’ como na Liturgia dos Divinos Mistérios cantamos com a Igreja-Esposa, para que o Cordeiro Pascal nos torne menos indignos de recebermos a oblação do Corpo do Senhor aí velado no Santíssimo Sacramento.
No Evangelho, somos surpreendidos por mais uma aparição do Ressuscitado no Lago de Tiberíades. É mister fazermos a perlustração diligente de tal aparição. A priori, verificamo-la: às margens do Lago de Tiberíades ou o Lago de Genesaré. Neste ambiente, Jesus, ordenara a Simão Pedro para lançar-se “às águas mais profunda”.  A tomar outras redes e navegar numa Barca maior e que concentra peixe de todos os tipos! Sendo assim, caríssimos irmãos, visualizamos a constante presença do Crucificado-Ressuscitado entre os seus. E onde? Na Igreja! A pesca só pode acontecer por causa da ordem do Senhor: “Lançai as vossas redes à direita da barca e achareis”. E assim pescaram, diz o texto sagrado, “cento e cinquenta e três grandes peixes”. Qual a razão de tamanha quantidade? Por que ainda nos coloca à par o Evangelho o pormenor de que “apesar da quantidade a rede não se rompeu?”
Porque, assim como a Barca é de Pedro, a rede também o é, logo são símbolos da realidade que é a Igreja! A primeira porque concentra os batizados (barca) e a segunda porque “apanha peixes de todos os tipos”. Aqui, aferimos a nota da universalidade da Esposa de Cristo, porquanto Nela estar o Salvador do Gênero Humano. A quantidade de peixes revela isto: Jesus de Nazaré veio para tirar o pecado do mundo. Veio para muitos que, ao encontrá-Lo, põe-se debaixo do seu adorado senhorio!
Na narração também ouvimos de maneira solene a tríplice profissão de amor de Simão! Quão misterioso é este fragmento! “- Pedro tu me amas? - Sim, Senhor, tu sabes tudo, sabes que te amo! - Apascenta os meus cordeiros”. Jesus insiste três vezes à aparente indagação. A palavra de Jesus a Simão Pedro é a confirmação do seu ministério de apóstolo e do seu primado cujo ofício primordial é-nos confirmar na fé de sempre! As consequentes respostas de Pedro sinalizam a ascensão da sua caridade por Jesus, de modo que, como diz São Paulo, “nem a vida nem a morte, nem a fome, nem a perseguição...”, nenhuma situação, poder-me-á “separar do Amor de Deus manifestado em Cristo Jesus”. O bendito Pedro que, a vez primeira que viu o Senhor às margens do mar, deixou a barca, a rede, os seus e foi. Este santo apóstolo é o mesmíssimo que entregará a vida, como diz a tradição, suspenso numa cruz para baixo, “pois não era digno de morrer na mesma posição do Mestre”. Por que o faz? Porque o seu amor é genuíno e autêntico. “Petros, agapâs-me?” (Pedro, amas-me incodicionalmente?), “Petros, fileîs-me?” (Pedro, amas-me pelo menos como amigo?). E é de fato aqui que se concentra o cerne da Liturgia deste Domingo Pascal.
Deparar-se com o Cristo Ressuscitado, encontrá-Lo e até mesmo lançar-se ao mar como sinal de indignidade é a razão cônscia de quem se dispõe como Pedro a lançar as redes para águas mais profundas. Ao Cristo, o vencedor do pecado e da morte a glória, o poder e a eternidade por todo o sempre. Amém.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

IESUS CHRISTUS EST “PASSUS SUB PONTIO PILATO, CRUCIFIXUS, MORTUUS, ET SEPULTUS”




Queridos irmãos,



Retornamos, depois de certo tempo, às nossas pequenas ‘catequeses’ acerca do Ano da Fé. Nesta ocasião, queremos tratar sobre o quarto artigo do nosso Credo: “Padeceu sob Pôncio Pilatos. Foi crucificado, morto e sepultado”. O presente artigo de fé foi bem comentado durante os últimos dias, na Semana Santa e no Sacro Tríduo Pascal. No entanto, é salutar que nos debrucemos sobre a temática mais uma vez, agora à lume do Ano proposto pela Igreja para o aprofundamento do crer a fé da ‘Esposa de Cristo’.
            O quarto artigo do Credo ensina-nos que Jesus Cristo, para remir o mundo com o seu precioso Sangue, padeceu sob Pôncio Pilatos, governador da Judéia entre os anos 26-36 d.C., e, como sabemos, Jesus morreu no madeiro da Cruz, da qual foi descido, e no fim sepultado. O termo ‘padeceu’ (em latim, passus, da mesma raiz etimológica da palavra paixão) tal como porta o Símbolo dos Apóstolos e o Niceno-Constatinopolitano, exprime, com justeza, todos os sofrimentos suportados por Jesus Cristo na sua Paixão. Mesmo sendo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, Jesus Cristo padeceu enquanto homem somente, porque enquanto Deus não podia padecer nem morrer, graças à imortalidade de que só Deus goza.
O Senhor foi crucificado. Mas que espécie de castigo era esse? Para quem servia? O suplício da cruz era, naqueles tempos, o mais cruel e ignominioso de todos os suplícios (cf. 1Cor 1,24). Mesmo reconhecendo a inocência de Jesus, Pilatos ordena que o crucifiquem, cedendo, covardemente, às ameaças dos judeus. Logo, foi um conchave entre as autoridades judaicas e o poder romano que ludibriaram o povo. Jesus sofre a pena máxima porque afirmou ser ‘Filho de Deus’ – o que de fato era. Acusado de blasfêmia, Jesus paga o mais alto preço: a perda da vida com a máxima pena: ser crucificado!
“E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2,8). Jesus bem que poderia ter-se livrado das mãos dos judeus e de Pilatos (“O meu Reino não é deste mundo. Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu Reino não é deste mundo” – Jo 18,36). Sim, Jesus Cristo podia livrar-se das mãos dos judeus ou de Pilatos; mas, conhecendo que a vontade do seu Eterno Padre era que Ele padecesse e morresse pela nossa salvação, submeteu-Se voluntária e obedientemente, e até saiu ao encontro dos seus inimigos, e deixou-se espontaneamente prender e conduzir à morte em uma cruz que encimou o Monte Calvário, ou Gólgota (em hebraico, ‘Lugar da Caveira’).
Muitas foram dádivas que nos advieram de Jesus na cruz: o exemplo de perdão e oração pelos inimigos; deu por Mãe ao discípulo São João, e na pessoa dele a nós todos, a sua mesma Mãe, Maria Santíssima; deu-nos os sacramentos, graças ao seu peito aberto, de onde jorrou sangue e água; ofereceu a sua morte em sacrifício, e satisfez à justiça de Deus pelos pecados dos homens. Mas, o maior de todos os presentes foi o restabelecimento e a sublimação da nossa união com Deus pela salvação do gênero humano em seu corpo estendido na cruz. Não bastaria que viesse um Anjo satisfazer por nós, porque a ofensa feita a Deus pelo pecado era, sob certo aspecto, infinita; e para satisfazê-la requeria-se uma Pessoa que tivesse merecimento infinito, Jesus Cristo, homem, para poder padecer e morrer, e Deus, para que os seus sofrimentos fossem de valor infinito. Por isso, Santo Agostinho exclama: “O certe necessarium Adæ peccátum, quod Christi morte delétum est! O felix culpa, quæ talem ac tantum méruit habére Redemptorem!” – Ó pecado de Adão, de que certamente se pode afirmar, que foi necessário; sendo ele extinto pela morte de Cristo! Ó culpa feliz, que nos valeu semelhante e tão grande Redentor! – Este mesmo canto é imortalizado no Exúltet, proclamação da Páscoa na Mãe de todas as vigílias, a Vigília Pascal.
Ainda relacionado ao tamanho dos méritos do Redentor para a nossa salvação, ressaltamos que eles deveriam ser de valor infinito, porque a majestade de Deus, ofendida pelo pecado, é infinita. No entanto, não era absolutamente necessário que Jesus Cristo padecesse tanto, porque o menor dos seus sofrimentos bastaria para a nossa redenção, pois cada um dos seus atos era de valor infinito. Jesus quis sofrer tanto, para satisfazer mais abundantemente à justiça divina, para nos mostrar mais claramente o seu amor, e para nos inspirar maior horror ao pecado. Mesmo expirando no patíbulo da cruz, a divindade não se separou nem do corpo nem da alma de Jesus Cristo; morreu como todos os homens morrem: somente a alma se separou do seu corpo.
Acompanhados das dádivas de Jesus estendido no ‘altar da cruz’, percebemos, graças aos evangelhos, alguns prodígios na morte de Jesus, que revelam a magnanimidade de sua extenuação: obscureceu-se o sol, tremeu a terra, abriram-se algumas sepulturas, e muitos mortos ressuscitaram.
Jesus Cristo morreu pela salvação de todos os homens, e satisfez por todos. Todavia, nem todos se salvam, porque nem todos O reconhecem, nem todos seguem a sua lei, nem todos se servem dos meios de santificação que nos deixou. Isso significa dizer que, para nos salvarmos não basta que Jesus Cristo tenha morrido por nós, mas é necessário que sejam aplicados, a cada um de nós, o fruto e os merecimentos da sua Paixão e morte, aplicação que se faz, sobretudo, por meios dos Sacramentos, instituídos para este fim pelo mesmo Jesus Cristo; e como muitos ou não recebem os Sacramentos, ou não os recebem com as condições devidas, eles tornam inútil para si próprios a morte de Jesus Cristo.
            Queridos irmãos, bebamos da graça da salvação haurida por Cristo inanimado na cruz. A sua morte, a morte da Vida trouxe-nos vida na morte: aproveitemo-la enormemente! Que sempre exclamemos com palavras e boas obras: “Bendita e louvada seja a paixão e morte de Jesus Cristo, Nosso Senhor. Que quis padecer e morrer por nosso amor!”

sábado, 6 de abril de 2013

II Domingo da Páscoa

(Domenica in Albis ou da Misericórdia)
(Ano C – 07 de abril de 2013)

Pelo Seminarista André Fernandes


I Leitura: At 5,12-16
Salmo Responsorial: Sl 117(118),2-4.22-24.25-27a (R/.1)
II Leitura: Ap 1,9-11a.12-13.17-19
Evangelho: Jo 20,19-31 (Tomé)


“Como crianças recém-nascidas, desejai o puro leite espiritual para crescerdes na salvação, aleluia” (Antífona da Entrada).

Caros irmãos,                                                                  

Nos júbilos da Páscoa de Nosso Senhor, nesse último dia na Oitava, o Segundo Domingo, oito dias depois, da alegria perenal advinda do sepulcro vazio, dos vestidos dobrados, das aparições primeiras do Ressuscitado, das mulheres que, por primeiro, o viram gloriosamente, adentramos no Tempo Litúrgico da Páscoa. Que é este? Ei-lo: a Igreja no-lo responde em todas as missas no prefácio que abre solenemente a Anáfora. ‘’mas, sobretudo, neste Tempo Solene em que Cristo, nossa Páscoa foi imolado; transbordando de alegria pascal.’’
O Tempo Pascal tem o seu desdobramento desde à Quinta-Feira Santa, na Ceia do Senhor, principiando o Tríduo Sacro do Crucificado-Ressuscitado e prolonga-se durante cinquenta dias quando culmina-se a obra da redenção. O Filho volta para o seio do Pai, Ascensão, e, na plena unidade, concede à sua Esposa o Espírito Santo, efundido no cenáculo de Jerusalém no Quinquagésimo dia após o evento da ressurreição. O caractere por excelência do Tempo da Páscoa é a pregação apostólica. Em que a consiste? Quem a faz por primazia?
Encontramo-la de maneira solene no Livro dos Atos dos Apóstolos redigido por São Lucas Evangelista, todo o conteúdo é justificado e ratificado num único Evangelho e que nós o escutamos no Domingo, na Ressurreição do Senhor da boca de São Pedro. ‘ ‘Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo pregado por João: como Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder. Ele andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo demônio; porque Deus estava com ele. E nós somos testemunhas de tudo o que Jesus fez na terra dos Judeus e em Jerusalém. Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia, concedendo-lhe manifestar-se  não a todo povo, mas às testemunhas que Deus havia escolhido: nós, que comemos e bebemos com Jesus, depois que ressuscitou dos mortos. E Jesus nos mandou pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu Juiz dos vivos e dos mortos. Todo aquele que crê em Jesus recebe, em seu nome o perdão dos pecados’’ (cf. At 10, 34-37). Este é o miolo da pregação dos apóstolos e que, na ininterrupta Tradição, garantida pela sucessão apostólica, perdura, na Igreja de Cristo e é centralidade de todo o apostolado: o Evento Cristo na sua paixão, morte de cruz e triunfante ressurreição. Quem o faz? Já fomos orientados: Pedro. É Nele, na sua fé genuína e autêntica, que acontece a pregação. E este é o “kérigma’’, o anúncio solene: Jesus Cristo é o Crucificado-Ressuscitado.

Este Domingo é tido como o “Domenica in Albis’’ ou seja: o dia em que os neófitos que haviam recebidos no Sábado Santo os sacramentos da iniciação cristã despiam-se das suas vestes brancas e assim comprometiam-se em levar uma vida irrepreensível, sem mácula, semelhante àquela vestimenta usada no Banho da Regeneração, o Batismo. O Beato Papa João Paulo II convencionou o Segundo Domingo como o Domingo da Misericórdia, considerando a aparição do Senhor à Santa Faustina.
À Primeira Leitura, ouvimos o quanto as multidões estavam aderindo à pregação petrina. Os Atos dos Apóstolos evidencia a expansão da Igreja de Cristo. De fato, é em Pentecostes que o tempo da Igreja é iniciado. Cristo, qual cabeça no Corpo, volta para a glória dos céus e deixa os seus como diretos colaboradores na economia da salvação. Esta que se dá pelo anúncio da Sua Pessoa e da administração dos sacramentos, sobretudo o Batismo. O texto sagrado destaca que muitos levavam os enfermos nas macas para que, “ao menos a sombra de Pedro os tocasse’’. Pedro, com o predicativo de Vigário de Cristo, continuará a missão do Ungido do Senhor: mostrar-lhes a salvação através dos sinais. É bem sublinhado por Lucas: “Crescia em mais multidão os que aderiam o Senhor pela fé, em número de homens e mulheres’’. O testemunho de Pedro e dos demais foi crucial para que a semente do Evangelho caísse no coração de muitos e, deste modo, adquirir o conhecimento paulatino da pessoa de Cristo que se dá na comunidade de fé, isto é, a Igreja.
No Evangelho, ouvimos o que se chama de ‘’Pentecostes joanino’’. Oito dias depois estavam os apóstolos reunidos no Cenáculo e as portas estavam fechadas por medo das autoridades. Eis aqui um ponto que devemos refletir. O medo, na verdade, é um espasmo pelo novo, por um acontecimento. Os discípulos estavam ainda boquiabertos com todos aqueles fatos. E a característica outra daquele temor é justamente pensar quem seriam por eles? O nosso Mestre, o Nazareno, foi crucificado e morto; mas tudo é mudado quando o Senhor saúda-lhes como o “Shalom”, a Paz: “A paz esteja convosco!”
Cautelemos-nos! A saudação do Ressuscitado não é utópica; abstrata! Quando o Senhor, já em estado glorioso, deseja-lhes a paz, quer falar de Si mesmo. Eu sou a vossa paz, não precisa haver temor! É como se Jesus dissesse que todos os acontecimentos recentes atingiram o máximo no dia terceiro, naquela manhã, quando a Paz, ou seja, a reconciliação de Deus para conosco voltara em seu Unigênito.
Dentre os onze, não estava Tomé, o Dídimo, e como nos diz a Escritura, que não crê no testemunho da comunidade. Por que será tal reação? Será Tomé, mesmo há muito, com Jesus, ter-se tornado um cético? É demasiada misteriosa e digna de ensinamentos  a ausência e a presença do apóstolo. Quando Tomé não está dentre os crentes que formara o Colégio dos apóstolos é um sinal de quem se distancia da fé arraigada em Nosso Senhor.
Longínquo do “nós cremos, ouvimos e por isso testemunhamos” certamente ruirá a experiência pessoal da fé no Ressuscitado: Nós cremos! Vejamos, meus irmãos,  experimentamos e conhecemos a Nosso Senhor por aquela fé primeira, herdada no Batismo e do testemunho, mas, deveras, para sustê-la por causa das vicissitudes e da efemeridade da nossa existência é mister permanecermos na comunhão e unidade, pois estas são atributos notabilíssimos do Corpo Místico de Cristo. Neste sentido podemos aferir: não há emancipação da fé! A fé é guardada e transmitida desde os nossos primeiros irmãos da pia batismal.
Tomé, à distância, é o exemplo de quem concebe que a sua religião é executada em casa quando ‘uma velinha é acesa para o meu santo de devoção’. Não! Fé é professada com uma multidão de irmãos numa adesão pessoal, porque, do contrário, “a lâmpada não será colocada na vasilha, mas, sim sob a cama e apagar-se-á”. Como nos admoesta os Padres apostólicos, “em Tomé, o Senhor veio ao encontro da nossa falta de fé”. Logo, diz: “Bem-Aventurados sois vós que crerdes sem terem visto”. Que a profissão de fé pronunciada por São Tomé seja, literalmente, um valioso testemunho quando pensarmos em não ser fieis a Cristo. Lembremo-nos que a fidelidade e a fé constituem-se em uma única realidade!
Há ainda, neste relato do Segundo Domingo da Páscoa, a grande dádiva que o Senhor deixou à sua Esposa Divinal: o Sacramento da Penitência! Jesus na força da sua ressurreição, impregnado do Espírito Santo, sopra, o ‘ruah’ de Deus. Na primeira criação Deus insufla nas narinas de Adão para torná-lo vivente, animado! Hoje, já, a segunda e perfeita recriação a partir de Cristo tal  sopro, mesmíssimo, é feito para os apóstolos, pois se tornando ministros da misericórdia, da ‘hesed’, do Senhor que recriará o homem, uma vez que este fora afeito no Batismo.  E aqui observamos a Tradição: desde aí os gestos penitenciais do Antigo Testamento, eram penumbras da realidade do Sacramento da Reconciliação.
Que o Tempo Pascal nos torne mais apóstolos do Senhor como Maria Madalena e tantos outros e tenhamos audácia para conclamarmos: ‘’Eu vi o Senhor!’’ A Ele, o Primogênito de entre os mortos a glória e a imortalidade pelos séculos dos séculos. Amém!