Maria é a graça criada com uma finalidade específica
nos planos de Deus
Por Dom Rafael Maria, OSB*
Em 1936 na
localidade do Sítio Guarda (Cimbres), município de Pesqueira, interior do
estado de PE aconteceram algumas aparições da Virgem Maria a duas meninas. Tais
mariofanias são desconhecidas por parte dos católicos brasileiros por motivos
vários. Nestas supostas aparições, com o nosso olhar de especialista no campo
mariológico, detectamos que parece possuir todas das características de
veracidade, porém muito se deve estudar. Assinalamos alguns elementos
importantes: o representante eclesial, isto é o pároco da época, em nome da
Igreja local, procurou fazer um diálogo com a aparição e as videntes
(analfabetas), utilizando estratégias que nunca foi realizada antes em uma
mariofania. Ele dialogava em alemão e latim com a visão e as videntes
respondiam em português. Outro feito extraordinário é a denominação que a
aparição se atribui. Nossa Senhora diz as meninas: «EU SOU A GRAÇA», e deseja
ser invocada com o título «DAS GRAÇAS» naquele local. Seria aqui uma imitação
das aparições da Medalha Milagrosa? Diríamos: Não. Tudo revela algo novo,
dinâmico e teológico. A Virgem Maria aparece com o menino Jesus nos braços e
envolta em um nicho com colunas revestidas de pedras preciosas, segundo o
relato das videntes.
O nome
«Cimbres» de origem francesa que quer dizer: “armação para molde de madeira de
arco ou abobada” (ou Cambota), isto é, um nicho? Condiz então com o modo como a
Virgem aparece no Sítio Guarda, dentro de nicho.
Interessante
é que Cimbres, nome da cidadezinha onde se localiza o Sítio Guarda é de origem
portuguesa, onde existe uma cidade do mesmo nome com um santuário de Nossa
Senhora da Graça (Sic!).
Um outro
detalhe é que, no Brasil recém-descoberto, duas igrejas consideradas as mais
antigas, foram dedicadas a Nossa Senhora da Graça: na Bahia datada de 1535 e o
Seminário de Olinda de 1551. Portanto, as matrizes da devoção mariana no Brasil
é GRAÇA?
Entre as
aparições de Paris e as de Cimbres existe diferenças singulares. Lá em Paris,
Maria aparece de mãos estendidas, disponível a distribuir graças, aqui no
entanto ela tem o menino Jesus nos braços que é a GRAÇA por excelência. É Dele
que Maria alcança tudo para nós.
O que
nos interessa aqui é fazer um estudo teológico para se compreender um título
tão inusitado que a Virgem maria se atribui no Sítio Guarda: «Eu sou a Graça».
Como
sabemos, é salutar sempre uma formação adequada e continuada quando se fala da
Virgem Maria, pois em torno a mesma surgem equívocos devocionais que
desvirtuam, seja o culto mariano seja a doutrina. Para isto temos que voltar a
dois mil anos do início do cristianismo, à Bíblia. O fundamento bíblico que
atesta o que Maria é se pode tomar de Lc 1,26 na saudação angélica, onde o anjo
saúda a Virgem com um novo nome «kaire
kekarithoméne» (Regozija-te Agraciada). O anjo substitui o nome próprio de
“Maria” com um outro, «Agraciada/Graça». Dai por diante, ela será chamada
«Graça». Maria é a “graça criada” com uma finalidade específica nos planos de
Deus, sendo assim instrumento ativo na obra da salvação (cf. Lumen Gentium 56),
quando gera e dá a luz “o Filho do Altíssimo” (cf. Lc 1,35). Maria, é “graça
criada” e não a “graça incriada”, pois a graça incriada é Deus mesmo. Estejamos
sempre atentos a esta diferença!!!
A saudação
angélica é uma programação de vida para Maria que não tem origem naquele
momento, mas já existia na eternidade de Deus.
Como vimos
acima, o nome da Virgem de Nazaré será de hoje em diante «Graça/Imaculada». É
como se uma senhora se apresentasse e lhe perguntasse seu nome. “Como se chama,
senhora?” E ela me responderia aquilo que é, “Eu sou a Graça” ou, “eu sou a
Antônia” ou, “eu sou a Rosalva”, etc. Portanto, o título que o anjo Gabriel dá
à Virgem de Nazaré, revela o que é, e o que faz, distribuir/interceder aquilo
que recebeu de Deus, a Graça ou as Graças, em uma só palavra: Jesus Cristo. A
nossa reflexão até aqui não é suficiente, se faz necessário algo mais: a força
da Palavra de Deus. Ora, tal função de intercessora e distribuidora das graças
do Senhor, é um eco do que encontramos na 1Pd 4,10: “Cada um viva
segundo a graça recebida, colocando-a ao serviço dos outros, como bons
administradores de uma multiforme graça de Deus”.
A natureza
humana de Maria, cumulada pela Graça de Deus, não exerce uma função para si mas
para o serviço e crescimento da Igreja, como nos indica Mt 10,8: “Gratuitamente
recebestes, gratuitamente dai”. Com esta gratuidade, buscamos ainda com o
testemunho da Palavra divina o que nas atitudes de Maria nos revelam o mistério
do seu serviço a favor da humanidade. Na sua visita a Isabel (cf. Lc 1,39-56),
onde cumulada pela Graça/Espírito Santo, vai distribui-la a sua parente
necessitada e Lucas afirma depois da saudação de Maria a Isabel, «…Isabel
ficou repleta do Espirito Santo» (Lc 1,39-41). A continuidade deste
serviço no amor é nas Bodas de Caná que Maria mais uma vez revela o seu papel
de “Agraciada/Intercessora”, consola os necessitados da festa do Esposo/Jesus
(cf. Jo 2,1-11), colaborando assim no aumento da fé no Senhor (cf. Jo 2,11).
Aprendamos
com Maria a distribuir as graças que recebemos!
Pe. Rafael Maria é diplomado para "Postulação para beatificação e
canonização” pela Congregação para Causa dos Santos (Cidade do Vaticano) e
doutor em Mariologia pela Pontifícia Faculdade Teológica «MARIANUM»
(Roma). Leciona atualmente um «Curso de Mariologia» via internet,
cf. www.cursoscatolicos.com.br
Para maiores informações e comentários: d.rafaelmariaosb@hotmail.com
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