quinta-feira, 14 de novembro de 2013

ETERNAMENTE VIVOS EM CRISTO

Queridos irmãos,

“Creio na Ressurreição da Carne”. O undécimo artigo da Profissão de Fé Católica é categórico quanto à convicção de que a vida do homem não encontra termo aqui neste mundo passageiro no qual somos transeuntes, mas transcende-o até alcançar a realização plena de viventes, imortais no Cristo, ressuscitados Nele.
Afirma-nos o Apóstolo dos Gentios, São Paulo: “Ora, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição de mortos? Se não há ressurreição dos mortos, nem Cristo ressuscitou. Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé. Além disso, seríamos convencidos de ser falsas testemunhas de Deus, por termos dado testemunho contra Deus, afirmando que ele ressuscitou a Cristo, ao qual não ressuscitou (se os mortos não ressuscitam). Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é inútil a vossa fé, e ainda estais em vossos pecados. Também estão perdidos os que morreram em Cristo” (1Cor 15,12-18). Logo, podemos entrever duas coisas: 1) O acreditar na ressurreição da carne é uma atitude de fé que vê na ressurreição de Jesus a garantia da ressurreição de todos os homens; Ele é o “Ele o primogênito dentre os mortos” (Cl 1,18), portanto, o décimo primeiro artigo do Credo é uma espécie de adendo de uma outra parte do Símbolo de Fé: “[Creio em Jesus Cristo que] ressuscitou ao terceiro dia”. 2) Sob à luz do Ressuscitado nasceu e se desenvolveu o cristianismo: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,19). A verdade do Ressuscitado é conteúdo base de toda pregação da Igreja, desde seus primórdios: “A este Jesus, Deus o ressuscitou: do que todos nós somos testemunhas” (At 2,32). Logo, o ato de crer na ressurreição é um distintivo do ser cristão, tal como Tertuliano coadunava: “A confiança dos cristãos é a ressurreição dos mortos; crendo nela, somos cristãos”. Em síntese: só é cristão de fato quem crê na ressurreição, pois é promessa do próprio Senhor: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá” (Jo 11,25-26). Com os olhos da fé no Ressuscitado, São Paulo professa esta certeza quando escreve: “Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dos mortos habita em vós, ele, que ressuscitou Jesus Cristo dos mortos, também dará a vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós” (Rm 8,11).
A compreensão acerca desta temática não foi instantânea no cabedal dogmático judaico. A Lei não se referia diretamente ao assunto; existiam divergências no judaísmo acerca disto (cf. Mt 22,23-33; Mc 12,18-27; Lc 20,27-39; At 23,8). Entrementes, o Segundo Livro dos Macabeus (2Mc 7) já nos oferece uma centelha teológica no Antigo Testamento acerca da ressurreição, e olhe que eles ainda não possuíam a garantia da promessa da imortalidade feita pelo próprio Cristo, Ressurreição e Vida.
“Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos; porque todos vivem para ele” (Lc 20,38). Mas, por que morremos? Fisiologicamente, a ciência tem seus motivos para explicar o porquê da morte. Teologicamente, a morte é consequência do pecado. No entanto, com a salvação do homem, a morte é vencida, é redimensionada a uma passagem para a entrada numa vida, a vida eterna, ou, no dizer de Santa Teresa de Lisieux, a “verdadeira vida”. Santo Ambrósio, já no século IV, refletia: “Na verdade, a morte não era da natureza, mas converteu-se em natureza. No princípio, Deus não fez a morte, mas deu-a como um remédio. Pela prevaricação, condenada ao trabalho de cada dia e ao gemido intolerável, a vida dos homens começou a ser miserável. Era preciso dar um fim aos males, para que a morte restituísse o que a vida perdera. Pois a imortalidade seria mais penosa que benéfica, se não fosse promovida pela graça”. Se a morte entrou no mundo como castigo, ela é transformada por Deus, em Suas magníficas sabedoria e providência, em descanso. Se parássemos aqui, tendo a morte apenas na conta de repouso, excluindo a esperança de vida que ela embute, poderia até soar que a morte, de per si, é algo bom e necessário para o esfalfamento do homem, graças aos seus labores e lutas. Porém, este tirocínio de ter a morte como um pouso apenas não se caracteriza uma visão cristã acerca da morte. A morte é descanso? Sim, o é. Mas, descasaremos na paz do Senhor vivendo, vivendo na Sua luz. Morreremos para viver; viveremos para reinar, gozar da intimidade de Deus e encontrarmos o nosso ser no Seu ser: “Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão. […] Como está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente (cf. Gn 2,7); o segundo Adão é espírito vivificante” (1Cor 15,22.45); ou ainda: “Eis uma verdade absolutamente certa: Se morrermos com ele, com ele viveremos.Se soubermos perseverar, com ele reinaremos” (2Tm 2,11-12).
E o que é ressuscitar? Não é apenas uma mera reanimação de um corpo cadavérico. Não. Ressuscitar é, semelhantemente ao corpo de Cristo, a transformação do nosso corpo corruptível em glorioso, ou seja, que não se detém às condições físico-geográficas, etárias, fisiológicas, seremos imortais (cf. Lc 24,31; Jo 20,17.19.27). Segundo o Concílio de Latrão IV, “todos serão ressuscitados com seu próprio corpo, que têm agora” (Dz 801). No último dia, o Justo Juiz, Jesus, vindo em Sua glória, ressuscitará bons e maus e os julgará (cf. Jo 5,29), mas nem todos ressuscitarão da mesma forma. No dizer de São Pio X em seu Catecismo: “Haverá enorme diferença entre os corpos dos eleitos e os corpos dos condenados; porque somente os corpos dos eleitos terão, à semelhança de Jesus Cristo ressuscitado, os dotes dos corpos gloriosos. Os dotes que adornarão os corpos gloriosos dos bem-aventurados são: 1) a impassibilidade, pela qual eles não mais poderão estar sujeitos a males, nem dores de espécie alguma, nem às necessidades de alimento, de repouso e de qualquer outra coisa; 2) a claridade, pela qual eles resplandecerão como o sol e as estrelas; 3) a agilidade, pela qual eles poderão passar num momento sem fadiga, de um lugar para outro e da terra ao Céu; 4) a sutileza, pela qual eles poderão, sem obstáculo, passar através de qualquer corpo, como fez Jesus Cristo ressuscitado. Os corpos dos condenados serão destituídos dos dotes dos corpos gloriosos dos bem-aventurados, e trarão o horrível estigma da reprovação eterna” (Questões 242-244).
Mas, quando da nossa morte, qual o nosso destino? É conveniente tratarmos ainda sobre o duodécimo artigo do Credo: “Creio na Vida Eterna”. Como dissemos anteriormente, a morte não é o fim do homem, e sim o fim de um tempo de peregrinação por esta vida terrena. Ao fecharmos os olhos para esta realidade e pela morte adentrarmos na porvindoura, seremos julgados por Cristo: é o juízo particular, onde prestaremos contas de tudo quanto fizemos em nosso trilhar na terra (cf. Mt 16,26; Lc 16,22; 23,43; 2Cor 5,8; Fl 1,23; Hb 9,27; 12,23): “Ao morrer, cada homem recebe na sua alma imortal a retribuição eterna, num juízo particular que põe a sua vida em referência a Cristo, quer através duma purificação, quer para entrar imediatamente na felicidade do céu, quer para se condenar imediatamente para sempre” (Catecismo da Igreja Católica, 1022). Logo, dizemos, amparados pelo Magistério da Igreja, que três são os destinos da alma humana após a passagem da morte: o Céu, o Purgatório e o Inferno. Como já refletimos outrora quando falávamos do sétimo artigo do Credo (em um texto nosso intitulado “A Glória de Cristo e o seu julgamento”), “entendamos por Céu a vida em comunhão definitiva com Jesus; a bem-aventurança e a felicidade eterna de ver a Deus e estar junto dele. O Purgatório, por sua vez, significa que há pessoas que, no dia de sua morte, ainda não estão preparadas para um encontro com Deus em uma plena comunhão com ele. Nós acreditamos que Deus, em sua misericórdia, os purifica e lhes dá o perdão para que entrem, posteriormente, no Paraíso, no Céu. Ele prepara-os para esse encontro. Daí a importância de rezarmos pelos mortos, principalmente intercedendo pelas almas do Purgatório. Por Inferno, entendamos a exclusão definitiva da comunhão com Jesus, a infelicidade e a miséria dos que se separaram voluntariamente de Deus. Por isso, o Inferno ser tido como um estado de alma de tormentos e de sofrimentos. Um estado irreversível”. E com que parâmetros seremos julgados? São João da Cruz, permeado por uma mística admirável, poderá nos alentar ou não: “No entardecer da nossa vida, seremos julgados sobre o amor”.
A Palavra de Deus, piamente crida e ensinada pela Igreja, também nos fala do juízo final. Igualmente consoante ao sétimo artigo, retomamos: “No fim do mundo Jesus Cristo, cheio de glória e de majestade, há de vir do Céu para julgar todos os homens, bons e maus, e para dar a cada um o prêmio ou o castigo que tiver merecido. Podemos questionar-nos: Se cada um, logo depois da morte, há de ser julgado por Jesus Cristo no juízo particular, por que haveremos de ser julgados todos no Juízo universal? Isso acontecerá por várias razões: primeiramente, para glória de Deus; depois, para glória dos Santos, que alcançaram o Céu por uma vida de amizade com Deus; para confusão dos maus, que conquistaram a sua própria condenação; finalmente, para que o corpo, depois da ressurreição universal, tenha juntamente com a alma a sua sentença de prêmio ou de castigo. No Juízo universal, há de manifestar-se a glória de Deus, porque todos hão de reconhecer, transparentemente, a justiça com que ele governa o mundo, embora se vejam às vezes na presente realidade que os bons estão a sofrer e os maus em prosperidade. Sendo um único Deus com o Pai e o Espírito Santo, no Juízo universal também há de manifestar-se a glória de Jesus Cristo, porque, tendo Ele sido injustamente condenado pelos homens, aparecerá à face do mundo inteiro como Juiz supremo de todos. Dissemos, amparados pela sã doutrina da Mãe e Mestra ‘Senhora’ Católica, que no Juízo universal há de manifestar-se a glória dos Santos, porque, tendo sido muitos deles desprezados e mortos pelos maus, hão de ser glorificados em presença de todos os homens. No Juízo universal, a confusão dos maus será enorme, especialmente aqueles que oprimiram os justos, e aqueles que, durante a vida, procuraram ser tidos, falsamente, por homens virtuosos e bons, pois verão manifestados, à vista de todos, os pecados que cometeram, ainda que ocultamente” (cf. “A Glória de Cristo e o seu julgamento”).
            Queridos irmãos, disse-nos o Senhor: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo” (Jo 6,51). Pela Eucaristia, entramos, ainda que momentaneamente, na intimidade de Deus; antegozamos o céu, o convívio dos bem-aventurados em Deus, a vida eterna. Se pelo Batismo nos tornamos membros do Corpo de Cristo, pela Eucaristia travestimo-nos do Ressuscitado, que antecipará a Sua vida em nossa vida já nesta realidade terrenal. Que o Sacramento do Altar nos confirme nesta nossa adesão de fé na ressurreição e na vida gloriosa infindável reservadas para o fiel crente.

domingo, 27 de outubro de 2013

NA IGREJA CATÓLICA SUBSISTE A IGREJA DE CRISTO QUE, ALIMENTADA PELOS SACRAMENTOS, É ENVIADA


Caríssimos,
           

No quase crepuscular do ‘Annus Fidei’, convocado pelo Papa Emérito Bento XVI em outubro passado e que se concluirá em novembro próximo dentro da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, na Cidade Eterna e em todo o ‘orbe católico’, é mister refletirmos acerca desta magna verdade: na Igreja Católica subsiste a Igreja de Cristo. Decerto, poucos foram os crentes regenerados do lavacro batismal que pensaram acerca. Nesta perspectiva, somos também, no mês em curso, além de ser consagrado ao Rosário de Maria Virgem, a Conferência Episcopal do Brasil, a CNBB, convidados a pensar acerca da missionariedade da Igreja de Cristo.
            Por que os documentos da Igreja são incisivos em ratificar que ‘a Igreja é essencialmente missionária’? Com muita clarividência, logo em seu limiar, a Constituição Dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, pontua: “Sendo Cristo a Luz dos Povos, este Sacrossanto Sínodo, congregado no Espírito Santo, deseja ardentemente anunciar o Evangelho a toda criatura e iluminar todos os homens com a claridade de Cristo que resplandece na face da Igreja. E porque a Igreja é em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo gênero humano, ela deseja oferecer a seus fiéis e a todo mundo um ensinamento mais preciso sobre sua natureza e sua missão universal, insistindo no tema dos Concílios anteriores” (cf. LG 1).
            Essas palavras da cinquentenária constituição evidenciam quão presente é o apostolado da Igreja de Cristo presente na Senhora Católica. Neste ínterim, podemos pensar acerca da missão da Igreja. Por que quis o Senhor, na consumação da sua peregrinação terrestre, posteriormente ao mistério da sua Páscoa, permitir que a Sua Missão continuasse? Eis: porque Ele deseja a salvação de todos. Lembremo-nos de quando Lho indagam: “‘Senhor é verdade que são poucos os que se salvam?’ Responde-lhe: ‘Fazei todo o esforço possível de passar pela porta estreita’” (Lc 13,23-24). Por esta verdade, a missão redentora de Nosso Senhor Jesus Cristo, haurida do Mistério da sua Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição, foi legada à Esposa-Igreja. “Fazei Isto em memória de Mim!” (Lc 22,19). Antes da imperativa exclamação do Filho de Deus no Monte das Oliveiras, quando da sua Ascensão, ordenou naquela ceia sacrificial a atualização da sua Páscoa no Sacramento da Sagrada Eucaristia para quem, segundo São Tomás, “todos os outros sacramentos estão ordenados.”.
            Desta feita, entendemos a primordial missão da Igreja: perpetuar nos sacramentos o evento salvífico de Nosso Senhor. Assevera: “A missão universal da Igreja nasce do mandato de Jesus Cristo e realiza-se, ao longo dos séculos, com a proclamação do mistério de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, e do mistério da encarnação do Filho, como acontecimento de salvação para toda a humanidade” (cf. Dominus Iesus, 1).  A missão da Igreja outra não é senão a de atualizar a presença de Cristo, o que acontece de maneira solene pela Celebração da Sagrada Liturgia, nos demais sacramentos e por meio da pregação da Palavra de Deus. Assim quis o Senhor para a sua Igreja, “sacramento universal da salvação”, visivelmente presente, ininterruptamente, na Igreja Católica. Há uma mentalidade o quanto pragmática e dissociada do Evangelho, ao se conceber a missão, como a execução de ‘fazer coisas’. Não! A missionariedade acontece quando nos encontramos essencialmente com a pessoa de Jesus Cristo e o descobrimos na comunidade de fé, isto é, na Igreja. Nela se encontra, genuinamente, ‘o Jesus’, crido e transmitido pela fé Católica e Apostólica, guardado pela sã Tradição. É por essa razão que o então purpurado Joseph Ratiznger, com maestria,  no-lo exorta na Declaração Dominus Iesus, quando tece acerca do ’Ide’. Assim o escreve: “A missão universal da Igreja nasce do mandato de Jesus Cristo e realiza-se, ao longo dos séculos, com a proclamação do mistério de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, e do mistério da encarnação do Filho, como acontecimento de salvação para toda a humanidade” (Dominus Iesus, 1).
            Neste sentido, a Igreja, Esposa de Cristo, é a fidedigna depositária da missão  e, Nela, através dos seus ministros ordenados, por primeiro, o ministério de Cristo Cabeça é continuado. “Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como uma sociedade, subsiste [subsistit in] na Igreja Católica (grifo meu), governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele. Com a expressão substit in, o Concílio Vaticano II quis harmonizar duas afirmações doutrinais: por um lado, a de que a Igreja de Cristo, não obstante as divisões dos cristãos, continua a existir plenamente só na Igreja Católica e, por outro, a de que existem numerosos elementos de santificação e de verdade fora da sua organização, isto é, nas Igrejas e Comunidades eclesiais qua ainda não vivem em plena comunhão com a Igreja Católica” (Dominus Iesus, 16)

            Ao contemplarmos estupenda declaração, vemos a Igreja de Cristo presente na Igreja Católica. De que maneira? Pela Tradição Apostólica, pela transmissão sólida e íntegra da fé, dada por Jesus aos Doze e estes aos seus sucessores, a Celebração dos Sacramentos, o culto à Virgem Maria e aos santos. Quando periodízamos tais caracteres chegamos ao Mistério de Cristo que, com a Igreja, forma o ‘Cristo Total’. Cônscios desta certeza, a Igreja, desde o dia de Pentecostes, apregoa a centralidade da pessoa de Cristo e faz com que a fé seja transmitida a todos os povos, para que os mesmos, conforme diz o Apóstolo, “cheguem à estatura do Homem Perfeito” (Ef 4,13).

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O ‘BANHO’ DO PERDÃO


Queridos irmãos,

A Igreja, que é Mãe e Mestra, é a única depositária da salvação operada pelo Cristo. Ao tempo em que ela custodia também distribui tal graça eminente. Entrementes, muitos, inclusive os ‘cristãos desinformados’, não acreditam que a Igreja tem o poder de perdoar pecados, duvidam-lhe na sua extrema autoridade espiritual dada pelo próprio Deus. Não obstante aos incrédulos, temos em vista outros tantos ‘cristãos desleixados’ que não se deixam reconciliar com Deus pelo meio ordinário da Igreja que são os sacramentos. “Creio na remissão dos pecados”: eis o décimo artigo da Profissão de Fé da Igreja de Cristo.
Em algumas páginas do Evangelho, encontramos o fundamento para esta prática da Igreja. O próprio Senhor, ao demonstrar com o seu perfeito exemplo o modo de libertar as pessoas integralmente, curando-lhes principalmente o coração, o interior, não raramente afirmava aos miseráveis que o procuravam, pedindo-lhe vida nova: “Os teus pecados estão perdoados” (cf. Mt 9,2; Mc 2,5; Lc 5,20; 7,47-48). Esta prática não se bastou ao Cristo, que a confiou a Sua Igreja, continuadora de Sua missão redentora, conferindo ao Colégio Apostólico, as “colunas de Seu Corpo Místico”, o seu exercício baseado em um poder inigualável, procedente do próprio Deus: “Tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19); “Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,23); “Está alguém enfermo? Chame os sacerdotes da Igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o restabelecerá. Se ele cometeu pecados, ser-lhe-ão perdoados. Confessai os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros para serdes curados. A oração do justo tem grande eficácia” (Tg 5,14-16).
A limpeza operada por Deus através da Igreja e dos seus sacramentos se dá primariamente no banho da regeneração: o Batismo. Já constatamos esta verdade no Símbolo Niceno-Constantinopolitano: “Professo um só Batismo para a remissão dos pecados”. O principal efeito deste proto-sacramento, ao ser recebido pelo indivíduo com fé e conversão, é introduzi-lo no universo da graça, fazendo com que, ao serem-lhe perdoados os pecados, mergulhe na morte para o pecado e ressurja, regenerado e renovado pelo Espírito Santo, revestido de Cristo, santificado Nele.
A justa adesão de fé ao que crê a Igreja de Cristo, a ‘Senhora Católica’, encaminha o nosso olhar e vida para o Sacramento da Confissão (ou Reconciliação). Sabendo da debilidade humana que, mesmo regenerada em Si, ainda seria propensa ao pecado, Jesus, sapiente e providentemente, instituiu à Igreja o poder de anular todos os pecados por meio do sacramento que sana as faltas que cometemos após o banho batismal, reintegrando-nos a Deus e à comunidade cristã, ‘desencardindo a nossa alva veste batismal, enodoada pela infidelidade a Deus, pelo mal que cometemos’. O Senhor brindou-nos com o Sacramento da Penitência no dia da Sua ressurreição, no dia do Seu maior triunfo, quando, ressurgindo, venceu o pecado e a morte (cf. Jo 20,23). Por antonomásia, ao instituir tal sacramento no dia mesmo de Sua Páscoa, Jesus quer a ressurreição de nossa alma, tendo em vista que, se o pecado é a morte de nossa alma, o perdão que recebemos sacramentalmente é a sua ressurreição.
Quem já bebeu da graça sacramental da confissão, certamente sentiu o doce alívio que o ‘estar quite’ com Deus e Sua Igreja traz ao nosso interior. Imaginemos se Cristo não tivesse tal iniciativa de instituição, fruto do Seu coração misericordioso; se Cristo não tivesse dado à Sua Igreja o poder de perdoar os pecados, quantas pessoas não estariam em paz com Deus, com os irmãos, com a sua própria consciência? Quantos não viveriam no desespero e nos remorsos produzidos pelos pecados graves, comprometendo até mesmo a esperança da salvação? Poderíamos afirmar sem o medo do exagero: A confissão é a salvação dos pecadores. Alguns poderiam retrucar: “A salvação é Cristo!”. Treplicamos: Mas, quem é que salva o homem pela realidade sacramental, não é o próprio Jesus que confia à Sua Igreja tão grande mistério para oferecê-lo aos homens? Em um anoso manual de catequese (o livro “Leitura de Doutrina Cristã”, publicado pela Editora Vozes, em 1958), encontramos uma curiosa analogia: “A corda que salva o pecador da morte eterna e do poço do inferno é a confissão. Devemos agarrar-nos a ela quando cairmos em algum pecado. E foi Jesus que deu à sua Igreja esta corda de salvação dando-lhe o poder de perdoar os pecados” (p. 247).
Quem na Igreja exerce tal ministério de perdoar iniquidades? São Pio X, em seu famoso catecismo, responderá: “Os que na Igreja exercem o poder de perdoar os pecados são, em primeiro lugar, o Papa que é o único que possui a plenitude de tal poder; depois os Bispos e, sob a dependência dos Bispos, os Sacerdotes” (Questão 236). Solenemente, Cristo reveste os Apóstolos, seus sucessores e seus colaboradores imediatos, os sacerdotes, deste poder único. Ele poderia ter feito diferente, mas não o quis, pois desejou que esta faculdade do perdão passasse pelas mãos e voz dos homens, instrumentos de Sua misericórdia, quando dizem: “Deus, Pai de misericórdia, que, pela morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo consigo e enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”. Muitos, entretanto, se queixam da vergonha e do medo que se lhes invadem em auto-acusar-se na Confissão, chegando até a introjetar em suas mentes: “Eu não sei me confessar!”. Temos que ter muito cuidado: o demônio pode estar se utilizando dos nossos receios de humilhar-nos diante da poderosa misericórdia de Deus para fazer-nos, pecadores, subservientes seus. E outra: se temos vergonha de apontar os nossos erros, por que não temos acanhamento em cometê-los? São Pio de Pietrelcina afirmava, encorajando os penitentes: “A confissão é o único tribunal em que os ‘réus’ se acusam e saem inteiramente absolvidos”. Já Tertuliano compara o cristão que prescinde do Sacramento da Penitência (seja por ignorá-lo, seja por embaraço), de confessar os seus delitos ao sacerdote a um doente que, por bloqueio, não quer mostrar ao médico as feridas. Santo Agostinho de Hipona insistia: “Não basta confessar os pecados a Deus, para quem nada é oculto, é preciso também acusá-los ao sacerdote, que é o Seu ministro”.

Como sacramento que traduz esta potência da Igreja no perdão dos pecados temos também a Unção dos Enfermos, cuja instituição encontramos quando o Senhor Jesus Cristo envia os Apóstolos em missão: [Eles] “Ungiam com óleo a muitos enfermos e os curavam” (Mc 6,13). Igualmente nas Escrituras averiguamos a prática da Igreja mediante a ordem do Senhor (cf. Tg 5,13). O efeito da Unção dos Enfermos é a comunicação da graça, apagando as faltas que o doente ainda tem que expiar, inclusive aquilo que o Concílio de Trento chamará de “reliquias peccati” – sequelas do pecado, consolando e confirmando a alma do doente, excitando-o maiormente na confiança da divina misericórdia, por quem, reanimado, aprende a suportar com mais docilidade os desconfortos e sofrimentos impostos pela enfermidade, ao tempo em que adquire crescente resistência às insídias do demônio. Tudo isto sem olvidar da possibilidade de reaver a saúde do corpo, quando for importante para a alma (cf. Dz 1696).

Deus nos ama, e, por amar-nos, nos dá o seu perdão. Se desesperarmos de Sua infinita misericórdia, por quem esperaremos? Caríssimos irmãos, busquemos sempre o Senhor que se deixa, continuamente, encontrar por um coração arrependido, contrito, mas confiante em sua bondade e com desejo de servi-Lo (cf. Sl 129). Não paremos em nossas misérias. Não! Mergulhemos nesta senda de amor infinito que nos quer purificados e junto a Si, imirjamos sempre em Deus, banhemo-nos desta fonte que a Igreja nos oferece que é a divina misericórdia.  

sábado, 12 de outubro de 2013

SOLENIDADE DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA, RAINHA E PADROEIRA DO BRASIL

“Gaudens gaudébo in Dómino, et exsultábit ánima mea in Deo meo: quia índuit me vestiméntis salútis: et indumento iustítix circúmdedit me, quase sponsam ornátam monílibus suis.’’



  
   Caros irmãos,
           
            Hoje a Igreja, aqui no Brasil, celebra a Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira dessas terras de Santa Cruz. Em todo o país erguem-se louvores à Mãe de Deus sob tal advocação. Entoam-se os versos: “Viva a Mãe de Deus e nossa sem pecado concebida, viva a Virgem Imaculada a Senhora Aparecida”. A celebração da hodierna solenidade é uma epifania viva e singular da fé do Povo de Deus. Neste aspecto, vale-nos: “A luz de Deus brilha para Israel, através da comemoração dos fatos realizados pelo Senhor, recordados e confessados no culto, transmitidos pelos pais aos filhos. Desse modo, aprendemos que a luz trazida pela fé está ligada com a narração concreta da vida, com a grata lembrança dos benefícios de Deus e com o progressivo cumprimento de suas promessas” (cf. Lumen Fidei, 12).
           
      Desde aquele dia em que os pescadores encontraram em as profundezas do Rio Paraíba uma esfinge da Imaculada Conceição, muitas são as narrações dos crentes pelos benefícios recebidos por adjutório da Mãe de Deus. Neste sentido, sempre vislumbramos a presença maternal de Maria Santíssima junto àqueles que o Unigênito, na ara da obediência, o madeiro da cruz, concedeu como filhos na pessoa de João, dito o discípulo amado: “Mulher, eis aí o teu filho. Filho, eis aí a tua Mãe!” E sublinha com solenidade o evangelista: “Daquela hora em diante o discípulo a acolheu consigo!” Que significados podemos concluir desta palavra? Eis: a presença da Senhora Maria na vida de tantos! Neste solo brasileiro, quantos testemunhos! Quantas experiências por mediação da Virgem Santíssima. Caras são as palavras de São Bernardo quando diz: “À vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus, não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem Gloriosa e Bendita”. É a mesmíssima Virgem Maria de Nazaré que hoje é louvacionada e reverenciada como a Mãe da Conceição Aparecida.
             As leituras da Missa de hoje são compendiadas num único período: Maria é a medianeira da Nova e Eterna Aliança. À Primeira Leitura, ouvimos a solicitude da rainha Ester que, achando os favores do rei, olha para a vida de Israel. Diz-lhe: “Concede-me a vida. Eis o meu pedido! E a vida do meu povo. Eis o meu desejo!’’ Um paralelo há entre Ester e Maria: ambas são dispostas para estar à disposição de outrem e, neste, de Deus. Recordemos o quadro da visitação de Maria à Isabel. Daquela que às pressas fora encontrar a parenta para comunicar-lhe o autor da vida encerrado em suas puríssimas entranhas. À Segunda Leitura, ouvimos a narração apocalíptica de São João. “Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas. E ela deu à luz um filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro”.  Esta alegoria faz-nos pensar em Maria como aquela que engendrou, como diz a Epístola aos Hebreus, “o Consumador da nossa fé”. Desta maneira, Maria, tal como o Concílio Vaticano II, ratificou “é o Tipo Perfeito da Igreja”. Esta que, como ela, a Toda Santa, milita na existência, para que no Dia do Senhor, seja desposada pelo Esposo Divinal. Como Maria deu à luz ao Menino, hoje, a Igreja, dá-nos a Jesus Cristo: na Palavra, nos Sacramentos, no ensinamento dos pastores de almas. Nas vicissitudes dos acontecimentos, há a incompreensão de muitos, porquanto seus projetos dissociam da vontade de Deus. No Evangelho, é-nos proposto, no princípio do chamado ‘’Livros dos Sinais’’ de São João, o capítulo segundo. Trata-se das Bodas em Caná da Galileia. A Escritura menciona: “Houve Bodas no terceiro dia em Caná da Galileia e Jesus, sua Mãe e seus discípulos tinham sido convidados às Núpcias”. De repente perguntamo-nos: Quem são os nubentes? Por que o casamento aconteceu no terceiro dia? Como é peculiar ao evangelista São João, ele é riquíssimo nos detalhes. Possuídos de relevantes significados aos seus leitores. João, desde o Hino ao Verbo de Deus, deseja deixar clarividente: aquele Jesus que fez prodígios e portentos ao decurso do seu ministério messiânico é Deus Sempiterno. O ‘Kadosch’, o Santo de Israel. Jesus é o Ícone perfeito do ‘Eu Sou’!
           

         A presença do terceiro dia é um dado presente no Livro dos Sinais como o sinal da recriação da humanidade executada pelo Mistério Pascal. É justamente no terceiro dia que o Novo Adão reintegra toda a Humanidade, Nele! No mistério da sua Páscoa, Nosso Senhor, faz, por antonomásia, a aliança, desposa o que estava decaído. Nesta perspectiva, averigua-se a seis talhas vazias e a ausência de vinho. Nesta certeza, vemos a presença de Maria, corredentora, e Daquele, o Redentor. “Eles não tem mais vinho!” e Jesus declara: “Mulher, minha hora ainda não chegou!” Eis a ordem da Senhora Imaculada: “Fazei o que ele vos disser”. As seis talhas é a presença do Antigo Povo da Aliança. Um povo que ainda não havia conhecido uma aliança perfeita e eterna e por este motivo estavam vazios, uma vez que o Emanuel-Deus veio suplementá-la. “A Lei nos veio por Moisés, mas a graça e a verdade no-lo chegaram por Jesus Cristo!” Por que falta o vinho? Por que a palavra misteriosa dentre os versículos: “Todo mundo serve o vinho melhor e quando os convidados já estão embriagados serve o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora!”? Este vinho é a presença de Cristo-Esposo. Nele todas as coisas são renovadas. Com Ele o vinho é melhor.

Caná também é prefiguração do Banquete Sacrifical da Eucaristia. Vê-se no relato deste primeiro ‘sinal’ de Jesus a atuação de Nossa Senhora como aquela que ‘apressa’ a Nova Criação. Vê-se Maria em Caná que intercede, contempla-se Maria na soledade da cruz do seu Filho. Eis a Hora! Celebrando a Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira da Terra de Santa Cruz, peçamos a sua maternal mediação, para, não obstante os acontecimentos transitórios, fincarmos uma fé inquebrantável como ela que é a primeira dentre os crentes. A Bem-Aventurada porque creu. Salve Maria da Conceição Aparecida!

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A COMUNHÃO ENTRE OS AMIGOS DE DEUS


Queridos irmãos,

“Cremos na comunhão dos santos!” Esta é uma verdade cuja profissão de fé fazemo-la no Credo. Quem são os santos? De maneira simples, resumimos: os santos são os amigos de Deus. Dizemos amigos para designar um relacionamento de profunda intimidade com o Cristo de tal forma que, de tanta proximidade com Ele, o santo ganha as feições do Senhor, galgando cotidianamente uma vida de perfeição que ruma para o “perder-se” no Divinal Amigo. Ora, mergulhando nesta simplificada denominação, chegamos a pensar que o mundo hodierno carece de santos. Sim, urge o aparecimento de pessoas corajosas que, despojando-se de si mesmas, trilham, asceticamente, para uma vida cada vez mais conformada a de Jesus. A santidade não vem como num toque de mágica, mas acontece cotidianamente, dentro da humanidade do indivíduo que a abraça, através da superação das limitações, a partir das pequenas dificuldades.
Pelo Batismo, todo cristão é santo. Por isso que, no Credo, a Igreja afirma: “Creio na comunhão dos santos”. Comunhão, do latim communio, “união com”, assim, somos santos (da Igreja peregrina) unidos com os santos (da Igreja triunfante e da Igreja padecente); os santos pelo Batismo, os quais ainda estão no convívio com as coisas perecíveis do mundo que intercambiam com os santos que já consumaram a sua via e hoje gozam da Perpétua Glória do Coração de Deus ou se purificam no Purgatório para alcançar o prêmio eterno que lhes foi resguardo pelo Senhor; formamos uma única família: a do Corpo Místico de Cristo, embora este esteja inserido em uma dupla dimensão: temporalidade e eternidade.
É interessante que falemos sobre a intercessão dos santos. Tal como rezamos uns pelos outros, diante de Deus Nosso Senhor, os que já adentraram na amizade com Deus (aqueles que estão no Céu) ou mesmo os que se depuram no Purgatório rezam por nós, valendo-nos com a sua intercessão. A Lumen Gentium afirmará a este respeito: “Recebidos na pátria celeste e presentes diante do Senhor (cf. 2Cor 5,8), por Cristo, com Cristo e em Cristo, não deixam de interceder na terra por nós junto do Pai, mostrando os méritos que alcançaram na terra pelo único Mediador de Deus e dos homens, Jesus Cristo. […] Por conseguinte, por sua fraterna solicitude nossa fraqueza é grandemente auxiliada” (LG 49). Como as nossas preces e rogos chegam a eles? Deus, no esplendor de sua luz divina em que os santos estão envolvidos, mostra-lhes os pedidos e os louvores que lhes endereçamos. Pela via dos santos, as nossas preces e louvores se tornam menos indignas diante de Deus, mais possível de serem atendidas por serem mais aptas (cf. Ap 8,3), daí Santo Tomás de Aquino afirmar: Os santos “têm maior crédito frente a Deus após a morte do que em vida (pois estão mais próximos de Deus; nesta vida ‘peregrinamur longe a Domino’). Ora, já poderíamos pedir sua intercessão quando ainda viviam, segundo o exemplo do apóstolo São Paulo, que escrevia: ‘Eu vos exorto, irmãos, por Nosso Senhor Jesus Cristo e pela caridade do Espírito Santo, a que me ajudeis por vossas preces junto a Deus’ (Rm 15,30). Com maior razão devemos então pedir aos santos do céu o auxilio de suas preces” (S. Th., Suppl., p 72,a 2) . Em resumo, a comunhão dos Santos estende-se a terra, ao Céu e ao Purgatório, porque a caridade une as três igrejas - triunfante, padecente e militante - e os santos rogam a Deus por nós e pelas almas do Purgatório, enquanto que nós lhes tributamos honra e glória já que alcançaram a Bem-Aventurança eterna, ao tempo em que podemos aliviar as almas em via de purificação, aplicando, em sufrágio delas, Missas, esmolas, indulgências e outras boas obras.
Dissemos que os santos são amigos de Deus. Se somos santos pela graça batismal, logo, somos invitados a estreitar os laços com o Senhor. E como faremos esta proeza? O evangelho das bem-aventuranças (cf. Mt 5,1-12; Lc 6,20-23) responde-nos: através do alcance da felicidade. No entanto, não a entendamos como uma pseudo-felicidade, tal como o mundo apregoa com o oferecimento de prazeres, de bens e outras realidades que aumentam – ainda mais – o vazio no coração do homem, mas a atinjamos como vida realizada, plenificada em Deus já na angústia dos dias desta vida mortal, enquanto somos “travestidos em homem do nosso século”, como afirmara Jacques Maritain. Jesus, na perícope de Mateus acerca das bem-aventuranças, por nove vezes, utiliza a palavra “Bem-aventurados”, “Felizes”, por esta quantidade, entendemos o ‘Sermão das Bem-aventuranças’ como um projeto de realização pessoal e de Deus na vida do fiel. O homem sabe que, somente contando com os seus esforços, nunca conseguirá uma satisfação plena; sabe ainda que Deus não viola a liberdade do ser humano. Destarte, indubitavelmente somos cônscios de que a santidade é proporcionada pela Graça, mas deve haver a contribuição pessoal do cristão que a busca. Por isso, Jesus, a cada bem-aventurança, apresenta uma atitude ativa do fiel e, seguidamente, uma ação receptiva emanada do próprio Deus (“Bem-aventurados... porque...”).
É salutar termos diante dos olhos todo o ambiente físico em que acontece esta prédica do Senhor. Mateus situa Jesus em um monte. Subir, na Sagrada Escritura designa aproximar-se do próprio Deus. Percebamos, caríssimos, que as grandes manifestações de Deus acontecem em elevações geológicas. Notemos que Jesus não vai para lá sozinho, os discípulos se aproximam, afastam-se da baixeza da terra. Assim, sabemos que o Mestre quer atrair os seus para o Pai, de quem procede a santidade (Ele que, no superlativo, é o Santo dos Santos). O termo “santo”, que em hebraico é traduzido como kadosh, significa separado, apartado da transitoriedade. Quem, por essência, tem este caráter senão Deus? Através de Jesus, da sua encarnação como homem, obtemos, pelo Batismo, este afastamento, tornamo-nos “concidadãos do céu” (cf. Ef 2, 19).
Jesus, no monte, senta. Sentar-se, na linguagem litúrgica e até mesmo pedagógica é típico de quem ensina, é comum ao Mestre. A ação de instruir é de direito a quem tem autoridade sobre o aprendizando (discípulo) e sobre o que é ensinado. Jesus senta-se para falar da santidade de Deus e dos homens porque, como Verdadeiro Homem e Verdadeiro Deus, é santo. Jesus, sentado no monte, fala aos seus discípulos. Aos discípulos e não às multidões. Embora o chamado à santidade seja uma vocação universal, Jesus é consciente de que poucos – apenas os sensíveis à Boa Nova do Reino – são capazes de absorvê-la, pois a dinâmica das Bem-aventuranças soa aos ouvidos do mundo como irracionalidade. São João Crisóstomo afirma: “Nisto de pregar sobre um monte e na solidão, e não na cidade nem no fórum, nos ensinou a não fazer nada por ostentação e a separar-nos do tumulto, principalmente quando convém dialogar sobre coisas importantes” (Homiliae in Matthaeum, hom. 15,1). Pelo dito de João Crisóstomo, intuímos que a santidade não é uma realidade de vida que causa estardalhaços, mas que se prima em uma silenciosa violência contra os nossos quereres, principalmente quando não estão de acordo com a vontade divina, pois “o Reino dos Céus é para os violentos” (Mt 11, 12), o que é incompreensível e frustrante para o mundo.
Falávamos que a santidade é uma via de perfeição, um caminho para configurar-se a Cristo Deus. E que via é esta? Ela acontece, como dissemos, no cotidiano, através de pequenas atitudes silenciosas e profundas: pobreza em espírito; fortaleza nas aflições; mansidão; anseio e promoção da justiça; coração humilde e misericordioso; pureza de vida e costumes; pacificidade; enfim, alegria diante dos sofrimentos, injúrias, calúnias causadas pelas perseguições infligidas aos que seguem o Cristo.
O caminho para ser bem-aventurado (santo) não é fácil. E, sabendo das nossas condições, o próprio Deus nos cumula com suas recompensas à medida que lhe oferecemos a nossa disponibilidade para o projeto de santidade. Prova disto, temos as nove recompensas trazidas pelas Bem-Aventuranças. Ao escalarmos as escarpadas montanhas de uma vida pautada pela santidade, restar-nos-á a magna recompensa: o céu. Se formos perseverantes nesta boa ventura, diremos tal como São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tm 4,7), pois alcançaremos a imortalidade pela salvação.
São João, na sua celeste visão, enche-nos da certeza de que os santos contemplam e adoram Deus face a face. No fim dos tempos, os que foram marcados na fronte com a insígnia do Cordeiro serão levados para o festim do céu. O autor sagrado oferece o número dos que foram marcados: cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos de Israel. Este número é prenhe de significado, pois é o quadrado de doze (algarismo que designa o sagrado na numerologia bíblica) multiplicado por mil. Logo após oferecer-nos esta quantia, São João traduz qual o desígnio do número doze vezes doze vezes mil: “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos e línguas, e que ninguém podia contar” (Ap 7, 9). Primeiramente, João diz que os cento e quarenta e quatro mil eram da casa de Israel; depois, que são de todos os recantos do mundo. O que ele realmente quer afirmar é que esta multidão pertence à Igreja, a Nova Israel, que congrega em si os filhos de Deus, a legião dos santos espalhada por todo o orbe. Estes eleitos estavam revestidos na veste da pureza, empunhavam a palma da vitória sobre o poder da morte, a palma do martírio, e estavam de pé contemplando algo que nunca ninguém era capaz de ver: o próprio Deus.
Esses felizardos não estavam sós, compartilham os céus e a visão do Cordeiro com os anjos, ao tempo em que, com eles, misturavam as vozes em louvor, tal como fazemos na Eucaristia quando invocamos a santidade de Deus (Sanctus, Sanctus, Sanctus...), nosso louvor mistura-se ao dos entoados pela corte celeste. Meus caros, esses felizardos seremos nós se formos perseverantes. Imaginemos, quando chegarmos ao céu e perguntarem a nosso respeito: “De onde vieram esses?” E quando disserem de nós: “Esses vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas vestes no sangue do Cordeiro” (v. 14). Em outras palavras, dirão: - Esses souberam sofrer com valentia as agruras da vida, guardaram a fé; não sujaram as mãos e coração nas obras do mal, por este motivo merecem entrar e estabelecer morada no coração de Deus (cf. Sl 23, 4).
Se já nos é um grande presente de amor a adoção divina, esta adoção que nos faz filhos de Deus, o que poderíamos dizer acerca da manifestação de Deus em nós, já nesta vida, quando o transparecemos, até o momento da manifestação perenal, quando seremos um nele?
Que sigamos os conselhos de Paulo: “A noite vai adiantada, e o dia vem chegando. Despojemo-nos das obras das trevas e vistamo-nos das armas da luz” (Rm 13,12). Que nos travistamos de Cristo, com as vestes da santidade e tudo o que, em si, ela embute. Que o exemplo daqueles que já gozam da feliz eternidade nos inspire a força e a coragem no rompimento do pecado, a fim de que, auxiliados por sua intercessão, cheguemos à nossa meta: o Céu, a Vida em Deus, onde nos “perderemos de amor Nele”.



quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A ÚNICA SANTA IGREJA DE CRISTO

Igreja: Corpo Místico de Cristo


Queridos irmãos,


Chegamos ao nono artigo do nosso Credo que trata da nossa fé em tudo o que a Igreja é e bem como do nosso assentimento ao que ela crê e piamente ensina. Notoriamente, o “Creio na Santa Igreja Católica” é a primeira das afirmações que fazemos em nosso Símbolo da Fé após termos professado a Santíssima Trindade em cada uma de suas Três Pessoas divinas. Mas, por que no-lo fazemos? Para encetar a origem da Igreja, ou seja, desta realidade que nasce no coração do próprio Deus e adentra, através da vida de Cristo em nossa realidade temporal, na história humana. São Pio X, em seu Catecismo, vai afirmar: “Depois do artigo que trata do Espírito Santo, fala-se imediatamente da Igreja Católica, para indicar que toda a santidade da mesma Igreja procede do Espírito Santo, que é o autor de toda a santidade” (n. 143). Por estas informações, já temos o vislumbre: a Igreja é uma instituição divina porque provém de Deus mesmo.
Mas qual o porquê de chamarmos tal realidade “Igreja”? Este cunho é proveniente do termo grego ‘ekklesía’, sendo que esta palavra foi abduzida pela tradição cristã do seu sentido original político entendido como assembleia, transformando-o. Na Grécia antiga, os homens livres eram convocados para, em ‘ekklesía’, decidirem o rumo da sua polis. Desta forma, com a canonização desta palavra, o cristianismo, bebendo da tradição intelectual e filológica dos gregos, não quis olvidar do seu sentido de reunião, apropriando-se desta ideia. A noção de assembleia já se fazia presente na mentalidade judaica: a ‘qahal Iahweh’ que se reunia para celebrar os louvores do Deus único, adorando-o. Deduzimos então que o termo ‘ekklesía’ é uma nova nomenclatura para uma realidade que o povo de Israel já conhecia, mas esta mesma realidade ganha um diferencial: é uma assembleia reunida para, em nome de Cristo, adorar o único Deus. Adorar ‘em Cristo’ é o inédito, a novidade desta assembleia do Senhor. Eis a Igreja, tal como conhecemos hoje.
O Evangelho de São Marcos, ao relatar (ainda que brevemente) o início do ministério público de Jesus, é preciso: [Jesus] “subiu ao monte e chamou os que ele quis. E foram a ele. Designou doze dentre eles para ficar em sua companhia. Ele os enviaria a pregar, com o poder de expulsar os demônios” (Mc 3,13-15). Vemos que o Senhor Jesus Cristo convoca. De imediato, esta convocação pode ser considerada a gênese da Igreja. Jesus convoca e seus escolhidos atendem-lhe; é esta, ainda hoje, a dinâmica de Igreja: nós, povo eleito pelo Senhor, somos atraídos a Ele, ao tempo, em que Lhe vamos ao encontro. Mas, e o resto desta citação do Evangelho de Marcos: “Designou doze dentre eles para ficar em sua companhia. Ele os enviaria a pregar, com o poder de expulsar os demônios”? Ao sermos chamados pelo Senhor, ficamos sempre em união com Ele, e, permanecendo nesta bendita união, fazemos-lhe as vezes, realizamos, em continuidade, a Sua missão redentora, extirpando o mal. A missão da Igreja é também missão nossa; a missão da Igreja, que é continuadora da missão salvadora do Cristo, se faz, pelo nosso Batismo, missão do cristão, porque, pelos sacramentos, somos constantemente e em dimensão sempre crescente configurados a Ele (pelo menos deveriamos sê-lo!); e, configurados ao Cristo, permanecemos cada vez mais Nele, ao tempo em que Ele estará sempre ao nosso lado: “Permanecei em mim, como eu em vós […] Eu sou a videira e vós sois os ramos” (Jo 15,4-5); “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56); mesmo quando a Sua presença não é física, mas espiritual: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20).
Na Teologia Paulina, é brilhante a analogia que o Apóstolo dos Gentios faz, comparando a Igreja a um corpo. Dizemos analogia, mas esta parecença torna-se um verdadeiro conceito eclesiológico com profunda pertinência: “Porque, como o corpo é um todo tendo muitos membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo […] Ora, vós sois o corpo de Cristo e cada um, de sua parte, é um dos seus membros” (1Cor 12,12.27). Desta maneira, muito superior à ideia de analogia, percebemos uma unidade intrínseca entre Cristo e a Igreja, seu Corpo Místico, Sacramento visível de Cristo invisível, no qual somos (de nossa parte, imerecidos) participantes por querer do próprio Deus, por Sua convocação. Se somos os membros do Corpo Místico de Cristo, há, semelhantemente a um corpo fisiológico, uma cabeça que tudo rege, que comanda este corpo. Neste sentido, São Paulo ainda dirá: “Ele [Cristo] é a Cabeça do corpo, da Igreja” (Cl 1,18). Como não é possível que um corpo seja vivo sem a sua cabeça, similarmente é a Igreja. Cristo-Cabeça, por ser o principiador deste Corpo Sagrado, Místico, a quem chamamos Igreja, é o fundamento máximo de sua unidade, tendo em vista que, biologicamente, todos os membros de um corpo animal (e, portanto, humano!) estão unidos de alguma forma a um princípio, comando cerebral. Visivelmente, Cristo-Cabeça age através dos Pastores que governam, santificam e ensinam ‘na’ e ‘pela’ Igreja, operando ‘in persona Christi Capitis – na pessoa de Cristo Cabeça’. Deste modo, o Papa, os bispos, presbíteros e diáconos são os representantes do Cristo que “dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10,11).
Uma das representações da Igreja: a Barca de Pedro
O meio-secular Concílio Vaticano II, em uma de suas quatro constituições dogmáticas, a Lumen Gentium, destrincha incansavelmente sobre o mistério, a função e os membros da Igreja. Para o leitor que desejar aprofundar no estudo da Eclesiologia, a Lumen Gentium torna-se imprescindível. Mas, o Magistério não para aí, muito embora o que Igreja afirme doutrinalmente sejam informações válidas para o decurso dos séculos, os santos Pastores não cessam de, na continuidade do tesouro inexaurível da Tradição Católica, tecer, inclusive, acerca da realidade da Igreja. Apesar de existirem escritos mais veneráveis por sua antiguidade, o de São Cipriano, no Concílio de Cartago (251), em defesa da Igreja e da sua unidade, dirá, dentre muitas coisas: “A Igreja do Senhor, resplandecente de luz, lança seus raios no mundo inteiro, mas a sua luz, difundindo-se em toda parte, continua sendo a mesma e, de modo nenhum, é abalada a unidade do corpo. Na sua exuberante fertilidade, estende os seus ramos em toda a terra, derrama as suas águas em vivas torrentes, mas uma só é a cabeça, uma a fonte, uma a mãe, tão rica nos frutos da sua fecundidade. Do parto dela nascemos, é dela o leite que nos alimenta, dela o Espírito que nos vivifica. […] Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Como ninguém se pôde salvar fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da Igreja”. Nesta riquíssima afirmação de São Cipriano, poderíamos nos demorar em profunda reflexão; muitos os detalhes que poderíamos explorar, enriquecendo a nossa fé, fé que da Mãe Igreja recebemos. Mas, o que queremos salientar agora é: a única Igreja de Cristo é a Igreja Católica, não somente porque historicamente seja a mais antiga, mas por ter sido divinamente instituída pelo próprio Deus, Jesus Cristo. O então Cardeal Ratzinger, em documento da Congregação para a Doutrina da Fé “Dominus Iesus”, depois de quase dezoito séculos de São Cipriano, reafirmando a unidade e a unicidade da Igreja de Cristo, dirá: “Existe portanto uma única Igreja de Cristo, que subsiste na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele […] A Igreja é sacramento universal de Salvação, porque, sempre unida de modo misterioso e subordinada a Jesus Cristo Salvador, sua cabeça, tem no plano de Deus uma relação imprescindível com a salvação de cada homem. […] Com a vinda de Jesus Cristo Salvador, Deus quis que a Igreja por ele fundada fosse o instrumento de salvação para toda a humanidade” (n. 17;20;21). Por isto mesmo, o Magistério Católico diz ainda hoje: “Extra Ecclesia nulla salus – Fora da Igreja não há salvação”, porque a Igreja é depositária e despenseira desta salvação operada pelo Cristo, cuja missão redentora, santificadora é perpetuada pela ‘Senhora Católica’.
No Novo Testamento, São Paulo afirma em relação entre Cristo e a Igreja: A Igreja é Esposa de Cristo (cf. Ef 5,21-33). O Apocalipse também vai nesta mesma linha de reflexão (cf. Ap 19,7; 21,2.9). Cristo, ao desposar a Igreja, desposou-nos porque somos Igreja, sendo seus integrantes. Aqui, recordamos-nos da Carta aos Hebreus: “A casa de Deus somos nós” (3,6). Como casa, a Igreja é família de Deus: “Consequentemente, já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus. É nele que todo edifício, harmonicamente disposto, se levanta até formar um templo santo no Senhor. É nele que também vós outros entrais conjuntamente, pelo Espírito, na estrutura do edifício que se torna a habitação de Deus” (Ef 2,19-22). Mesmo com nossas fraquezas, misérias, pecados, o Senhor nos convoca para o Seu Corpo Místico, Sua família, Sua Casa, a Sua Santa Igreja e, nela, nos purifica. É por este ensejo que Santo Ambrósio, no distante século IV, apregoará a Igreja “immaculata virgo, sine ruga, pudore integra, amore plebleia, casta et meretrix, vidua sterilis, virgo fecunda – imaculada virgem, sem ruga, íntegra no pudor, amante pública, meretriz casta, viúva estéril, virgem fecunda” (In Lucam III,23), ressaltando a sua perfeita santidade, que consiste tanto na adesão sem hesitações e sem incoerências a Cristo, seu Esposo, quanto na vontade de alcançar todos para levá-los à salvação. Daí a Profissão de Fé Niceno-Constantinopolitana rezar a santidade da Igreja como uma de suas quatro notas fundamentais (“Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica”), mesmo tendo em seu seio pecadores que são santificados pela Cabeça, Cristo.

A fé na Igreja de Cristo é a fé no seu divinal fundador; é a fé em Deus. Assim, caros irmãos, não hesitemos em professar sempre, em espécie de compêndio de fé: “Creio na Igreja Católica!”, sabendo que por trás desta convicção está a certeza de crer em todo o Depósito de Fé que a Esposa de Cristo acredita, custodia e prega para a salvação de todos os que, com ela, se deixam alcançar por Jesus Cristo.

sábado, 17 de agosto de 2013

‘’Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça.’’ (cf. Ap. 12,1)



     Caros irmãos,

   Com esta antífona ora cantada pelo coro ou dita pelo sacerdote, a Igreja nos introduz no admirável mistério da hodierna Solenidade da Assunção de Maria Santíssima aos céus.  No Ano Santo de 1950, o Santo Padre, o Papa Pio XII, fez-nos ouvir esta tamanha verdade dogmática proclamando o dogma da Assunção de Nossa Senhora.  Por que afirmamos ser a elevação da Virgem à glória dos céus um mistério? Por que Maria, a Toda Santa, assuntou aos céus? Qual a esperança que nos leva a professar esta verdade de fé?
        Somos cônscios de que toda a economia da salvação chega à sua plenitude quando o Filho sempiterno de Deus, o Verbo ‘’pré-existente’’, encarna-se no seio da Virgem Filha de Sião e ‘’arma a sua tenda em nosso meio’’, ou seja, participa de maneira singular da mesma condição humana que a nossa, a fim de que, como no-lo exorta o apóstolo São Paulo ‘’aonde abundou o pecado, superabundou a graça.’’ E noutra passagem podemos ouvir declaração similiar: ‘’quando sou fraco aí é que sou forte.’’ Deus, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, quis, de bom grado, que o seu Unigênito, aceitasse a nossa humilde condição para aniquilar a ‘’morte eterna’’ já sentenciada pela crua desobediência dos nossos primeiros pais.
        A solene narrativa do memorial da Anáfora VII, (Sobre reconciliação-I) aprovada pela Sé Apostólica para o uso aqui no Brasil, do Missal Romano, de maneira misteriosa, faz-nos, na Sagrada Liturgia, sentirmos a consequência do pecado original, quando, da boca do sacerdote, ouvimos: ‘’Enquanto estávamos perdidos e incapazes de vos encontrar, vós nos amastes de modo admirável: pois vosso Filho- o Justo e Santo- entregou-se em nossas mãos aceitando ser pregado na cruz.’’ 
        Foi segundo o beneplácito de Deus, na potência do Espírito Santo, que o projeto salvífico passasse por uma nova Mulher, conforme, com razão excelsa já contém no ‘’Proto-Evangelho’’: ‘’Porei hostilidade entre a tua descendência e a descendência da Mulher.’’ (cf. Gn 3, 15) Eis ai: Por Eva, a primeira vivente, o advento da desobediência foi transmitida e pela obediência  da segunda e definitiva Eva, Maria Virgem, adentrou, com o seu ‘’fiat’’, a obediência como obséquio de salvação do cosmos e do gênero humano pelo ‘’ente-santo’’ nascido de suas fecundíssimas entranhas.
    Celebrar a assunção de Nossa Senhora é vislumbrarmos desde o cântico expoente do Novo Testamento, o Magnificat, a obra perfeita que Deus, desde sempre, fizera em Maria. São inspiradoras e crédulas as palavras: ‘’o Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor.’’ Maria, predestinada para ser a Mãe do Redentor, é assunta aos céus. É nesta observância que voltamos o nosso olhar para a Mãe de Deus que se torna a medianeira entre nós e o seu Filho glorificado, feito Pontífice da nossa fé!
     Maria santíssima é o ‘Tipo perfeito’ do Corpo Místico de Cristo. Esta é a segunda razão pela qual reverenciamos a ‘’Regina caelorum’’. Assevera-nos o Sagrado Concílio  Vaticano II, na Constituição Apostólica ‘Lumen Gentium’ número 62: ‘’Assunta aos céus, não abandonou este salvífico múnus, mas por sua multíplice intercessão prossegue em granjear-nos os dons da salvação eterna. Por sua maternal caridade cuida dos irmãos de seu Filho, que ainda peregrinam rodeados de perigos e dificuldades, até que sejam conduzidos à feliz pátria. Por isso a Bem-Aventurada Virgem Maria é invocada na Igreja sob os títulos de Advogada, Auxiliadora, Adjutriz, Medianeira. Isto, porém, se entende de tal modo que nada derrogue, nada acrescente à dignidade e eficácia de Cristo, o único Mediador.’’
      A Igreja, ‘já e ainda não’, tem em Maria a perfeitíssima consumação da obra de salvação. Maria é aquela que nos precede à Páscoa Eterna. À destra do Ressuscitado Ela que já goza das realidades escatológicas para onde, ‘’pressurosos e na penumbra da fé’’, peregrinamos. Esta solenidade nos lança um olhar de eternidade e este só pode ser trilhado a lume da fé. O Evangelho que hoje a Liturgia nos reserva mui bem nos faz imergir na postura e atitude crédula de Maria. Por isso a Mãe de Deus é reverenciada. ‘’Bem-Aventurada é aquela que acreditou porque se cumprirão as coisas que da parte do Senhor te foram ditas.’’ Maria vai ao encontro de sua parenta Isabel, naquela região montanhosa da Judeia, porque creu!  Neste cenário não nos cabe conter como uma visita familiar, mas, é, sobretudo, um encontro de fé. A anciã Isabel que em seu ventre trouxera o precursor do Messias e Maria que traz a salvação.

      A fé obediente de Maria sempre foi vista como a fé de Abraão. Este que parte para uma terra desconhecida para formar o Povo escolhido de Deus, que oferecera seu Filho em holocausto... aquela, que, em sua vida, deixou ser tocada por Deus e em ‘’previsão dos méritos de Cristo’’ foi plasmada e transbordante pelo Espírito Santo.  Ao pensarmos na glória que Maria recebeu, após o transcurso de sua peregrinação terrestre, devemos perlustrar a nossa vida cristã. Somos o Novo Israel que peregrina em direção à vida eterna. Com bastante razão valem as palavras de São Paulo: ‘’Aspirai as coisas do alto.’’  Que a mediação da gloriosa Virgem Maria, assunta aos céus, valha-nos, para que, nos acontecimentos desta vida busquemos a nossa plena realização na vida dos bem-aventurados, a qual, Ela, é protótipo e esperança da Igreja em milícia. Amém!

sexta-feira, 12 de julho de 2013

O NOSSO FIEL ADVOGADO


Nosso povo tem criado, graças à tradição cristã, uma proximidade sempre crescente com o Espírito Santo. Entretanto, muitos possuem uma compreensão muito sorrateira acerca desta Pessoa divina. Invocam-no, salutarmente, no principiar de um novo dia, no empreender atividades laborais ou intelectuais; tem-no como um valoroso Advogado, tendo em vista o que prometeu Jesus, antes de Sua Páscoa redentora: “Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco” (Jo 14,16).
Paráclito, do grego “Ραράκλητος”, é devidamente traduzido para as línguas neolatinas como advogado (do latim ad vocatus: aquele que é chamado para junto) ou consolador. É por meio deste eminente auxílio que entendemos as realidades divinas nos caracteres humanos de nossa vida, jornada rumo ao céu, inclusive no tocante à Palavra de Deus, que, tal como Jesus nos garantira: “o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo 14,26).
Na Profissão de Fé Católica, manifestamos: “Creio no Espírito Santo”. Este corroborar com a fidúcia da ‘Senhora Católica’ leva-nos à certeza de fé na terceira Pessoa da Santíssima Trindade, que é Deus eterno, infinito, onipotente, Criador e Senhor de todas as coisas, como o Pai e o Filho, porque de ambos procede, como de um só princípio, por via de vontade e de amor.
O Espírito Santo compõe, portanto, a Trindade e a Unidade em Deus, pois sendo resultado da relação amorosa entre o Pai e o Filho, personifica-se, sendo o amor que os une, em um mistério profundo e indecifrável. Não é um mero resultado acidental daquilo que permeia a unidade entre o Pai e o Filho, mas uma realidade querida por ambas as Pessoas divinas, procedendo voluntária e simultaneamente das duas Pessoas. Por tal motivo, a Igreja afirmar que o Espírito Santo procede por expiração, como de um só princípio entre o Pai e o Filho, por meio da vontade e do amor. Vislumbrando que a relação entre o Pai e o Filho se dá graças ao que, na Trindade, denominamos relação de paternidade e filiação, não como imaginamos com caracteres humanos, de um pai engendrar um filho no tempo, em um período de gestação, mas em Deus, este Filho é eternamente gerado pelo Pai, sem participação de um elemento feminino. É graças à Sua procedência pela expiração e amor que se denomina Espírito Santo a terceira Pessoa trinitária: “Qui ex Patre Filióque procédit” – Que procede do Pai e do Filho.
Juntamente com o Pai e o Filho, o Espírito Santo é co-eterno a ambos. Se dizemos que eternas são as três Pessoas divinas, é porque o Pai gerou o Filho desde sempre, e do Pai e do Filho procede o Espírito Santo, igualmente desde toda a eternidade. Juntamente com a eternidade, tributamos ao Espírito Santo a mesma adoração, a mesma glória que dispensamos ao Pai e ao Filho: “Qui cum Patre et Fílio simul adorátur et conglorificátur” – Que com o Pai e o Filho é igualmente adorado e conglorificado.
            A Igreja crê piamente que toda a obra de uma das Pessoas trinitárias deve ser atribuída a toda Trindade, ainda que se manifeste mais uma dessas Pessoas. Assim, por exemplo, dizemos que o Pai é Criador, que o Filho é Salvador e o Espírito Santo santifica as almas. Mas sendo ações de Deus, mesmo que se manifeste com maior realce apenas uma das Pessoas a obra é divina, sendo um só e mesmo Deus quem age. Destarte, se ao Espírito Santo adjudicamos em especial a santificação das almas, porque é obra de amor, e as obras de amor atribuem-se ao Espírito Santo, não obstante dizemos que o Pai e o Filho santificam-nos igualmente com o Divino Espírito.
            No Gênesis, lemos: “No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Deus disse: Faça-se a luz! E a luz foi feita” (Gn 1,1-3). Já nas primeiras linhas da Sagrada Escritura, entrevemos o agir trinitário: o Pai, que é Deus, cria com a Palavra que é o Verbo, o Filho, que também é Deus: “Faça-se!”. E, claramente, temos o Espírito de Deus, o Espírito Santo que pairava sobre as águas. Sinteticamente: o Pai que cria pelo Filho no Espírito Santo. E, desde a obra da criação rumando à Economia da Salvação, percebemos a manifestação paulatina e constante de Deus: na criação, como vimos, a ressalva ao Pai; perpassando pelo Antigo Testamento, o Pai se comunica aos homens com a Palavra, o Filho, falando aos patriarcas e aos profetas, sob influxo do Espírito Santo, que inspiradamente escreveram as Escrituras. Daí a Igreja, no Credo Niceno-constantinopolitano, apregoar: “Qui locútus per Prophétas” – Ele que falou pelos Profetas.
Quando da Encarnação, é o Espírito Santo quem fecunda o virginal ventre Daquela que foi escolhida para ser a Mãe de Deus: “Maria perguntou ao anjo: ‘Como se fará isso, pois não conheço homem?’ Respondeu-lhe o anjo: ‘O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus’” (Lc 1,35). É o Pai que envia o seu Filho ao mundo pelo seio imaculado de Maria, engendrado pelo Espírito Santo. Quando do ministério do Verbo Encarnado, Jesus Cristo, o Espírito repousa sobre ele, impelindo-O, fortificando-O em Sua missão, como por exemplo, dentre tantas perícopes dos Evangelhos: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19). Jesus, no vértice da cruz, extenuado de dores, em agonia de morte, concede-nos o Seu Espírito, porque o Espírito Santo é Espírito do Cristo e ao tempo em que é Espírito do Pai: “Havendo Jesus tomado do vinagre, disse: ‘Tudo está consumado’. Inclinou a cabeça e rendeu o espírito” (Jo 19,30). É o Pai que nos salva pelo Filho no Espírito Santo, este mesmo Espírito que ressuscita Jesus: o Pai que ressurge o Filho pelo Espírito Santo. Jesus Ressuscitado não cessa de dar o Espírito aos seus: “Disse-lhes outra vez: ‘A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós.’ Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,21-22).
Com a Ascensão de Jesus, cumpre-se o que ele havia prometido (“Descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força; e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria e até os confins do mundo” – At 1,8): o Espírito Santo, com a sua descida em Pentecostes, inaugura a missão da Igreja de ser continuadora da obra da salvação operada por Cristo, Seu Esposo. O Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos no dia de Pentecostes, isto é, cinquenta dias depois da Ressurreição de Jesus Cristo, e dez dias depois da sua Ascensão. “Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (At 2,1-4). O Espírito é enviado à ‘Igreja-Menina’, confirmando-a na fé, enchendo-a de luzes, de forças, de caridade e da abundância de todos os seus dons. O Paráclito é enviado a toda a Igreja e, nela, a todos os fiéis. Neste sentido, em seu Catecismo, o Papa São Pio X vai dizer: “O Espírito Santo, como a alma no corpo, vivifica a Igreja com a sua graça e com os seus dons; estabelece nela o reino da verdade e do amor; e assiste-lhe a fim de que oriente os seus filhos com firmeza ao caminho do Céu” (In: Terceiro Catecismo da Doutrina Cristã, questão 141).
Pondo termo à nossa breve reflexão sobre o oitavo artigo do Credo, citamos São Basílio de Cesareia, do século IV, que trazemos como espécie de resumo catequético da ação do Espírito Santo na obra da criação e redenção, na Economia da Salvação: “Quanto à ‘economia’ estabelecida pelo homem sobre o nosso magnífico Deus e Salvador Jesus Cristo, segundo a bondade de Deus, quem refutará a plena realização da graça do Espírito? Se consideramos o passado, as bênçãos dos Patriarcas, o auxílio trazido sob o dom da Lei, os ‘tipos’, as profecias, as ações brilhantes na guerra, os milagres alcançados pelos justos, ou as disposições relativas à vinda do Senhor na carne, tudo foi realizado sob o Espírito. Ele esteve desde o início à carne do Senhor, quando dele provém a ‘unção’ e a inseparável companhia, como está escrito: ‘Sobre quem vires descer e pousar o Espírito, é o meu Filho dileto’ (Jo 1,33; Lc 3,22) e ‘Jesus de Nazaré, que Deus consagrou no Espírito Santo’ (At 10,38). Pois toda a atividade de Cristo acontece na presença do Espírito. Ele estava lá também quando foi tentado pelo diabo, como está escrito: ‘Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado’ (Mt 4,1). Estava junto com ele, inseparavelmente, quando Jesus realizava os seus milagres, porque ‘eu expulso os demônio pela força do Espírito de Deus’ (Mt 12,28). Ele não O deixou depois da Sua Ressurreição dos mortos: quando o Senhor, para renovar o homem e para restituir-lhe – já que havia perdido – a graça recebida pelo sopro de Deus, quando o Senhor insuflou sobre as faces dos discípulos, que coisa disse? “Recebei o Espírito Santo; a quem perdoardes os pecados serão perdoados e a quem não os perdoar, ser-lhe-ão retidos (Jo 20,22-23). E a organização da Igreja? Não é evidente, e sem contradição, obra do Espírito Santo? Assim, segundo São Paulo, foi ele que deu à Igreja ‘em primeiro lugar dos apóstolos, em segundo lugar dos profetas, em terceiro lugar dos doutores; pois o dom dos milagres, pois carismas de curas, de assistência, de governo, de línguas diversas’ (1Cor 12, 28), o Espírito os distribuiu nesta ordem segundo a repartição de seus dons” (De Spirito Sancto, 16, 39).

Que as luzes do Divino Consolador, o nosso ‘Fiel Advogado’, estejam junto a nós, em auxílio de nossa fé.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

A GLÓRIA DE CRISTO E O SEU JULGAMENTO


Queridos irmãos,

Na caminhada do Ano da Fé, refletindo sobre o Credo da Santa Igreja Católica, destrinchado ultimamente em nossos artigos, pretendemos tratar nesta ocasião das realidades escatológicas, dos Novíssimos, ou seja, do nosso fim último, iniciado pela morte. Para isto, abordaremos o sexto e o sétimo artigos da Profissão de Fé Católica: “Está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso; donde há de vir julgar os vivos e os mortos” (Símbolo dos Apóstolos); ou como igualmente explicita o símbolo Niceno-constantinopolitano: “Onde está sentado à direita do Pai; e de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu Reino não terá fim”. Iniciaremos a nosso tirocínio, tomando como ponto de partida a Ascensão de Jesus, a sua subida ao céu. É deste evento igualmente pascal que começa para o homem um olhar de esperança: o Senhor Jesus Cristo subiu; mas ele retornará para julgar-nos e levar-nos, se merecermos, a Si.
O sexto artigo do Credo – “Está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso” – ensina-nos que Jesus, quarenta dias depois da sua ressurreição, na presença dos seus discípulos, subiu por Si mesmo ao Céu e que sendo, enquanto Deus, igual ao Pai Eterno na Glória, enquanto homem, foi elevado acima de todos os Anjos e de todos os Santos, e constituído Senhor de todas as coisas. No entanto, é sabido por nós que Jesus Cristo, depois da sua ressurreição, esteve quarenta dias na terra, antes de subir ao Céu, para provar, com várias aparições, que ressuscitara verdadeiramente, ao mesmo tempo em que instruía melhor os Apóstolos, confirmando-os nas verdades da fé.
Mas, por que Jesus Cristo subiu ao Céu? Primeiramente, para tomar posse do seu Reino, que havia merecido com sua morte. Depois, para preparar o nosso lugar na glória, e para ser nosso Mediador e Advogado junto do Pai Eterno. Por fim, para enviar o Espírito Santo aos seus Apóstolos.
O Senhor subiu aos céus; ascendeu. Este verbo ‘ascender’ é proveniente do latim, ascendere, subir com as suas próprias forças, sem intermediários. Jesus assim o faz porque é Deus e Homem. Por virtude própria, ele vai se elevando e assume o seu lugar de Senhor, retomando o seu trono de glória, existente desde toda a eternidade, mas deixado pelo evento de sua encarnação. Ascensão difere de assunção. O Cristo ascendeu aos céus; Maria não. Ela, como criatura, foi assunta, foi elevada pelos anjos, embora sendo a mais digna de todas as obras de Deus. Ela nunca teve este poder pertencente unicamente a Deus, o de adentrar por si só na glória celestial.
O Senhor subiu aos céus e assumiu o seu trono de glória, sentando-se à direita de Deus Pai. Estas palavras significam a posse pacífica que Jesus Cristo tem da sua Glória. Está à direita de Deus Pai todo-poderoso exprime que Ele tem o lugar de honra sobre todas as criaturas. A esperança de sua volta anima os cristãos. Jesus não voltará para causar-nos terror. O dito popular diz que ‘quem não deve não teme’, se nós estamos quites com Deus, por que temer a sua volta? Não dizemos em todas as missas: “Anunciamos, Senhor, a vossa Morte e proclamamos a vossa Ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”? Subentende-se com isto que desejamos ardentemente que ele volte. Mas, se lhe devemos algo por estarmos em situação de pecado...
O Senhor subiu aos céus, assumiu o seu trono de glória, mas virá novamente, não como da primeira vez, quando da encarnação, no silêncio, na docilidade e singeleza de uma criança, mas envolvido em sua glória, em seu esplendor. Esta é a verdade de fé que o sétimo artigo do Credo professa. Virá esplendorosamente em um dia tremendo e glorioso para julgar os vivos e os mortos. Ressuscitar-nos-á e julgar-nos-á: “Os que praticaram o bem irão para a ressurreição da vida, e aqueles que praticaram o mal ressuscitarão para serem condenados” (Jo 5,29). Os Novíssimos ensinados pela Igreja são morte, juízo, Inferno e Paraíso. O juízo está aí; integra-se aos Novíssimos pregados pela Esposa de Cristo, a Mãe e Mestra Católica como um meio para se alcançar o Céu ou não. Imediatamente quando morrermos, caríssimos irmãos, adentraremos no juízo particular, ou seja, prestaremos contas a Deus de tudo quanto fizemos nesta terra. Será uma espécie de ‘acerto’ de nossa parte. Deus não nos julgará arbitrariamente, mas serão as nossas ações os nossos acusadores ou defensores. Mediante este julgamento, seremos encaminhados para o Céu, o Purgatório ou para o Inferno. Entendamos por Céu a vida em comunhão definitiva com Jesus; a bem-aventurança e a felicidade eterna de ver a Deus e estar junto dele. O Purgatório, por sua vez, significa que há pessoas que, no dia de sua morte, ainda não estão preparadas para um encontro com Deus e uma plena comunhão com ele. Nós acreditamos que Deus, em sua misericórdia, os purifica e lhes dá o perdão para que entrem, posteriormente, no Paraíso, no Céu. Ele prepara-os para esse encontro. Daí a importância de rezarmos pelos mortos, principalmente intercedendo pelas almas do Purgatório. Por Inferno, entendamos a exclusão definitiva da comunhão com Jesus, a infelicidade e a miséria dos que se separaram voluntariamente de Deus. Por isso, o Inferno ser tido como um estado de alma de tormentos e de sofrimentos. Um estado irreversível.
O sétimo artigo do Credo ensina-nos que no fim do mundo Jesus Cristo, cheio de glória e de majestade, há de vir do Céu para julgar todos os homens, bons e maus, e para dar a cada um o prêmio ou o castigo que tiver merecido. Podemos questionar-nos: Se cada um, logo depois da morte, há de ser julgado por Jesus Cristo no juízo particular, por que havemos de ser julgados todos no Juízo universal? Isso acontecerá por várias razões: primeiramente, para glória de Deus; depois, para glória dos Santos, que alcançaram o Céu por uma vida de amizade com Deus; para confusão dos maus, que conquistaram a sua própria condenação; finalmente, para que o corpo, depois da ressurreição universal, tenha juntamente com a alma a sua sentença de prêmio ou de castigo.
No Juízo universal, há de manifestar-se a glória de Deus, porque todos hão de reconhecer, transparentemente, a justiça com que ele governa o mundo, embora se vejam às vezes na presente realidade que os bons estão a sofrer e os maus em prosperidade. Sendo um único Deus com o Pai e o Espírito Santo, no Juízo universal também há de manifestar-se a glória de Jesus Cristo, porque, tendo Ele sido injustamente condenado pelos homens, aparecerá à face do mundo inteiro como Juiz supremo de todos. Dissemos, amparados pela sã doutrina da Mãe e Mestra ‘Senhora’ Católica, que no Juízo universal há de manifestar-se a glória dos Santos, porque, tendo sido muitos deles desprezados e mortos pelos maus, hão de ser glorificados em presença de todos os homens. No Juízo universal, a confusão dos maus será enorme, especialmente aqueles que oprimiram os justos, e aqueles que, durante a vida, procuraram ser tidos, falsamente, por homens virtuosos e bons, pois verão manifestados, à vista de todos, os pecados que cometeram, ainda que ocultamente.
Queridos irmãos, peçamos, a Cristo Jesus Nosso Senhor, o Justo Juiz, que possamos, mergulhados e comprometido na fé e com a fé da Igreja, instruídos por ela, esperar ansiosamente a sua vinda gloriosa e benditíssima, a fim de que ele nos encontre atentos e preparados para, juntos com ele, reinarmos no Céu, onde habitaremos no coração de Deus.  Que nos afastemos das tentações, com a força do Espírito de Deus e assim não seremos arrastados para a perdição eterna, o temido e indesejado Inferno. Que os Santos, nossos percussores na Pátria Celeste, intercedam por nós e nos ajudem com os seus exemplos!