domingo, 30 de dezembro de 2012

SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS E NOSSA


(Ano C – 01 de janeiro de 2013)



I Leitura: Nm 6,22-27
Salmo Responsorial: Sl 66(67),2-3.5.6 e 8 (R/.2a)
II Leitura: Gl 4,4-7
Evangelho: Lc 2,16-21

Queridos irmãos,


Estamos no Ano da Fé, iniciado em outubro próximo passado. E pensamos que esta data de hoje seja um bom momento para tratarmos da fé de Maria em relação à sua maternidade de Deus e não somente desta, como igualmente de sua maternidade na fé em relação à humanidade.


A fé de Maria é exaltada de maneira peculiar nos evangelhos. Iniciamos esta recordação evangélica quando da anunciação do Arcanjo que lhe levava o recado da sua predestinação e eleição para Mãe do Salvador, do Verbo Divino. Esta narrativa, iniciada pela localização do fato no tempo e no espaço, é sequenciado pela saudação angélica: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo! […] Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus” (Lc 1,28.30). Mesmo sendo segregada por Deus Pai para gerar, imaculadamente segundo a carne, o Filho pelo Espírito Santo, podemos entrever no vocativo dirigido à Virgem – “Ave, cheia de graça” – que este agraciamento de Maria não era nutrido apenas pelos ornamentos dirigidos por Deus a Maria, mas igualmente com a sua correspondência pela fé. Maria não é passiva, muito pelo contrário. O intercâmbio na relação entre Maria e seu Deus era feito de maneira oculta àquela bendita mulher, porém, desde a eternidade, querido pela divindade. Maria respondia ao amor único de Deus pela fé, mesmo sem saber da sua escolha para missão tão nobre e singular: ser a Mãe do Redentor do gênero humano.


“O Senhor é contigo, Maria!” Deus quis para si esta mulher, ao tempo em que Maria, discretamente, queria estar sempre ao dispor de Deus, em comunhão com Ele. E este desejo da Virgem Senhora era tão profundo que o susto, quando da saudação de Gabriel, invade-lhe. Deus se faz próximo daqueles que O desejam. E ninguém mais do que Maria teve este contato tão próximo, tão íntimo com Deus: ser escolhida para gerar em seu seio o seu Deus, sendo escolhida por Ele, gerando-O por meio Sua força. “O Senhor é contigo, Maria!” A fé de Maria aproxima-lhe ainda mais de seu Deus. “O Senhor é contigo, Maria!” A esta comunicação uma surpresa, uma perturbação. É a força da fé; é a resposta à fé. Santo Agostinho, já no quarto século, comenta: “Mais que contigo, Ele está em teu coração, se forma em teu seio, enche teu espírito, enche teu ventre” (In: sermo de Nativitate Domini 4). E, em outro escrito seu, o mesmo Bispo de Hipona dirá que Maria, antes mesmo de conceber o Filho de Deus em seu ventre, já O havia concebido no coração. Desta forma, se a Virgem concebe e dá à luz sem sêmen de homem, mas pelo poder de Deus, esta pré-concepção do Verbo no seu coração se lhe dá pela fé, tal como num óvulo, ela que esperava a redenção de Israel.


“Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco...” Esta oração imortalizada no coração dos cristãos, sendo um louvor à Virgem por ela mesma, é um louvor à sua fé inédita. Repetimos o elogio de Deus à sua criatura mais perfeita e predileta. Deus orna Maria de todos os benefícios celestes em previsão de seu Filho, e, indo mais além, enaltece-a. Na recorrência ao patrocínio da intercessão de Maria, utilizando as palavras de Gabriel, cujo nome significa ‘homem de Deus’, fazemo-lo repetindo o que dissera o próprio Deus. O anjo, como mensageiro não fala por si, não esbanja um conceito originariamente seu, mas repete o que o recebeu do Altíssimo; é Deus quem fala. Em cada Ave-Maria pronunciada em oração, falamos as palavras de Deus de engrandecimento a Maria, repetimo-las. Agora, em vez do ‘homem de Deus’ pronunciar a ditosa saudação, os homens e mulheres de Deus, em todo o mundo e de todas as épocas desde a Encarnação do Verbo, assim a homenageiam com as palavras saídas da boca do Altíssimo. “Em contraposição da voz dirigida à primeira mulher, agora se dirige a palavra à Virgem. Naquela se castiga com as dores do parto a causa do pecado, nesta se expulsa a tristeza por meio do gozo. Assim, o Anjo anuncia com razão a alegria à Virgem: ‘Deus te salve’. Segundo outros comentaristas, o anjo testemunha que é digna de ser desposada quando diz: ‘Cheia de graça’. Esta abundância de graças se mostra ao esposo como um dote, penhor ou arras, das quais de diz: Estas são da esposa, aquelas do esposo” (São Gregório de Nissa. In: Oratio in Christi Nativitate). 


Ainda no Evangelho de São Lucas, temos outra célebre referência à fé de Maria, desta vez emanada dos lábios da velha Isabel, que, inspirada pelo Espírito Santo, afirma: “Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!”, ao que Maria gratifica aquela amabilidade de sua prima rendendo uma louvação a Deus, o Magnificat. Esta é uma prerrogativa de quem se caracteriza pela fé: é cônscio de que é Deus quem age por meio si, ao tempo em que possui a certeza de que, tudo o que é, só se dá porque Ele assim o quis. Maria sabe que o artífice de todas aquelas maravilhas que lhe aconteciam não era ela mesma, que só era um instrumento, mas era o seu Criador que realizava tudo. Ele é o autor também de sua fé. A fé dada por Deus a Maria é retribuída de modo enormemente satisfatório. Por isso, remete os elogios que recebe a Deus porque tem consciência de que ela não é o fim dos louvores: “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo” (Lc 1,46-49).


E por que não rememorarmos a ação silenciosa de Maria, a de ‘guardar os fatos no coração’ e refletir sobre eles como um demonstrativo de sua fé? Mais tarde, o seu próprio rebento, o seu amado Jesus a engrandecerá quando da exclamação de uma mulher anônima em meio à multidão: “Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos que te amamentaram!” (Lc 11,27); ao que Jesus completa: “Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a observam!” (Lc 11,28). Ou mesma aquela passagem tão controvertida pelos não-católicos, mas tão esclarecida para nós da única Igreja de Cristo: “Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt 12,50).   


Esta atitude de confiar na Palavra de seu Deus, de confiar na Palavra eterna a quem humanamente ela gerou, terá repercussões imensas. Podemos citar dois trechos da mesma Escritura Sagrada. Ambos, inclusive, encontram-se no Evangelho de João. Primeiramente, vislumbramo-la no episódio das Bodas de Caná. Aí, a Virgem Mãe de Jesus aparenta querer antecipar a ação do Senhor: “Três dias depois, celebravam-se bodas em Caná da Galileia, e achava-se ali a mãe de Jesus. Também foram convidados Jesus e os seus discípulos. Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: Eles já não têm vinho. Respondeu-lhe Jesus: Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou. Disse, então, sua mãe aos serventes: Fazei o que ele vos disser” (Jo 2,1-5). Mesmo sem ter experimentado outrora algum milagre realizado pelo seu bendito Filho, ela testemunha a sua fé na pessoa do Cristo, tal como se quisesse dizer: ‘Ele é Deus. Quem fez o mundo, quem fez em mim maravilhas, capaz de fazer-me gerar sem participação de homem, a fim de que a humanidade toda pudesse ser redimida pela chegada Daquele que eu trouxe, dei à luz, nutri, eduquei, pode fazer coisas inimagináveis’. E, na confiança de Maria, Jesus realiza o seu primeiro sinal, fazendo-se manifesto ao mundo. Não é à toa que João, o Teólogo, realça: “Este foi o primeiro milagre de Jesus; realizou-o em Caná da Galileia. Manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele” (Jo 2,11). Olhemos Maria sendo instrumento para o despertar da fé dos discípulos no seu Filho e Senhor. E João traz mais: “Depois disso, desceu para Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos; e ali só demoraram poucos dias” (Jo 2,12), fazendo subentender que após este protomilagre, a quem João nomina sinal, os discípulos se deixam conquistar por Jesus e o acompanham, e, Maria vai com eles, acompanhando-o, desde como fizera na anunciação até o extremar da vida do Cristo na Páscoa, perpassando toda a Sua vida aqui na terra.


O segundo trecho do Evangelho de João que gostaria de evocar é o da crucificação. E João descreve: “Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena” (Jo 19,25). A atitude de permanecer de pé, impávida diante de um momento de tamanha dor, parece querer retratar que Maria sabia em quem havia depositado a sua fé (cf. 2Tm 1,12), que a sua fé pura e íntegra não iria cair por terra no escândalo da cruz. E, percebendo que o sustentáculo da fé de Maria seria um exemplo e um auxílio para os seus, Jesus, extenuado de dores, num ultimar de suspiros, intermedeia uma troca: de Si pela humanidade (que permuta mais descompensada!): “Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe” (Jo 19,26-27). Mas, a troca de favores perdura até hoje: ela é nossa intercessora; por causa de sua fé, é a ‘onipotência suplicante’. Bendita barganha que nos alcança! Ou melhor, sequer ousaria chamar tal relação entre nós e a nossa Advogada de ‘troca de favores’, já que o que lhe é tributado por nós soa mais como atitude gratificante de um dom recebido, pois é o mínimo que podemos e devemos fazer em retribuição: “Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência, e reclamado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado. Animado eu, pois, de igual confiança, a Vós, Virgem entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho e,  gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro aos Vossos pés. Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Filho de Deus humanado, mas dignai-Vos de as ouvir propícia e de me alcançar o que Vos rogo”, tal como reza São Bernardo em sua memorável oração a Virgem.


A fé de Maria das Dores é a constante da Mãe do Ressuscitado, da Mãe da Igreja nascente, da Mãe de Pentecostes, pois é, desde a juventude, a mulher resoluta do ‘FIAT’, do faça-se em mim segundo a vontade do Senhor (cf. Lc 1,38). Prova-nos esta constante fidúcia de Maria Santíssima o texto dos Atos dos Apóstolos: “Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele” (At 1,14). Por tal motivo, ela é modelo de fé para todos os tempos, ao tempo em que a recompensa por sua confiança é gozo na eternidade, prestando-nos um auxílio peculiar com a sua intercessão, missão que possui no céu, inerente à mediação de seu Filho. A Virgem cumpre a sua missão de Mãe dos homens, tal como fomos entregues por Cristo a Maria no Calvário. Com o seu amor maternal, encarrega-se de alcançar-nos graças ordinárias e extraordinárias para os que, também com fé, se lhe confiam. Ela, que no dizer de São Bernardo, “consola o nosso temor, aviva a nossa fé, fortalece a nossa esperança, dissipa os nossos temores e anima a nossa pusilanimidade” (In: Homilia na Natividade da Bv. Virgem Maria, 7).


Por fim, voltando os nossos olhos para a imagem da Virgem Maria, filialmente, recordemos de um antiquíssimo hino: Ave, do mar Estrela. Ao contemplarmos a fé de Maria, no ardente desejo de imitá-la, peçamos o seu auxílio intercessor, ela a quem novamente denominamos como ‘Onipotência Suplicante’. Nesta recordação do hino, detenho-me no verso “Mostrai ser nossa Mãe”. Assim, dirigimo-nos a Senhora Mãe da fé: “Mostrai ser nossa Mãe pela fé, ó Virgem Maria. Vós que sois a Mãe de Deus segundo a carne, sois a nossa segundo a fé. Amparai-nos, socorrei-nos nesta ou naquela necessidade. Mas auxiliai-nos com o vosso exemplo de confiança, pois o que crê nunca cansa. Amém.”

sábado, 22 de dezembro de 2012

ENTÃO, É NATAL...








Este bordão, nestes últimos dias, está sendo repetido em músicas, em mensagens de bons votos natalinos à beça. Luzes, árvores, enfeites, a troca de presentes, a figura de um ‘bom velhinho’ eternizado pelo comércio como Papai Noel, querem anunciar a chegada do Natal. São os efeitos exteriores desta época do ano, e isto sentimos, ao tempo em que nos mexe grandemente, fazendo climatizar uma espécie de harmonia peculiar entre as pessoas pela temporada. Longe da pretensão, pensamos que estas considerações a seguir sejam um instrumento iminente de preparação para uma data tão magnânima: o Natal de Jesus Cristo, tal como nos propõe o tempo do Advento.


Natal. Este termo aparenta estar esvaziado do seu sentido genuíno. O que festejamos? Para o comércio, esta é a estação mais próspera para os seus negócios; é uma fase de muitas vendas e lucros. Os centros comerciais efervescem. Em muitos setores, o superávit do Natal extrapola o do montante do resto do ano. Vive-se a data única e exclusivamente pela data, pela estação. O presépio? A atenção das crianças e as ornamentações dos lares são desviadas dele e dirigidas a um ser de cuja fundamentação é inexistente na vivência originariamente natalina: o Papai Noel. Para a decoração de nossas cidades, a representação mais autêntica do Natal, o presépio, passou a ser relegado a um plano inferior; em nossos lares, até a árvore de natal, com as suas bolas e luzes coloridas, rouba-lhe a cena, o lugar. Será o que presépio tornou-se ‘cafona’? Ele deixou de passar a sua mensagem, como pensara São Francisco, o pobrezinho de Assis, grande apaixonado pelo mistério da Encarnação? Questionamo-nos seriamente pelos dados fatídicos que nos são oferecidos pelas atitudes das pessoas. O presépio quer nos levar “a entender as lições que Jesus nos dá desde Menino, desde recém-nascido, desde que os seus olhos se abriram para esta bendita terra dos homens” (São Josemaría Escrivá de Balaguer. In: É Cristo que passa, n. 14)


Mas, até agora, nos detivemos nos aspectos exteriores do Natal. Até mesmo se todos montassem o presépio em detrimento da supervalorização dos outros símbolos natalinos, se este não transmitir nada ao coração das pessoas, de nada servirá. O sentimento que brota no Natal pode até ser despertado pelos enfeites, pelo clima que se impõe nesta festa (para muitos tão aguardada), ou mesmo, pode ser algo que nasce do interior e se externa como consequência: a ordem em que o ‘sentir natalino’ surgirá pouco importará. O que realmente vale é que ele surja.


O Natal, como festejos do nascimento de Jesus Cristo, é, desde a Sua vinda redentora aos homens, ocasião eminente de sentimentos. Os Evangelhos, ao narrarem o acontecimento do Natal do Filho de Deus, irão nos mostrar as emoções no coração de algumas pessoas: de Maria, de João Batista, de Zacarias e Isabel, dos Magos, de Herodes, da cidade de Belém. Sentimentos que vão desde uma expectativa serena e terna como a de Maria, que ‘tudo guardava no coração’ (cf. Lc 2,19.51), até mesmo ao pavor e ódio de Herodes que manda matar todas as crianças de seu reinado, da região de Belém. Porém, hoje, nestas vésperas do Natal, faz-se interessante ter diante dos olhos os anseios de glorificação e gratidão a Deus e de paz no coração dos homens: “Glória a Deus no mais alto dos céus e na terra paz aos homens de boa-vontade” (Lc 2,14). Se isto nos for possível, muita coisa será diferenciada e a harmonia, de que falávamos a pouco, não será uma quimera ou mesmo pré-datada pela ocasião das festividades deste período do ano, mas, deste momento, irradiará toda a existência da pessoa e buscará enredar toda a humanidade. Aqui, rememoramos a antífona da Missa da Noite do Natal, a vulgarmente conhecida Missa do Galo, quando afirma, coadunando os sentimentos de alegria e paz: “Alegremo-nos todos no Senhor: hoje nasceu o Salvador do mundo; hoje nasceu a nossa paz”. 


Sabemos que o Cristo nasceu, historicamente, apenas uma vez. Quanto à datação ‘exatíssima’ e cientificamente provada deste fato, esta não enriquecerá bastante o nosso coração. A celebração do Natal do Cristo, proposta todos os anos pela Igreja, não é aniversário de Jesus. Mas a Liturgia assim o faz para que, misticamente, os cristãos tenham, pelo menos uma vez ao ano, a bendita oportunidade de gerar a Paz, que é o próprio Senhor, em seu coração. Jesus nasceu na história, no século, e, agora, quer nascer em nós espiritualmente. Seria de bom alvitre que isto se desse cotidianamente, instantaneamente. Mas, se isto não acontece, será um bom começo se o concebermos por ocasião desta celebração do mistério do nascer do Cristo, pois este é o grande convite deste dia do calendário litúrgico sugerido a nós pela Igreja, pedagoga dos homens que anseiam o Reino de Deus. Se isto acontecer de verdade, poderemos cantar com entusiasmo e propriedade o refrão: “Então, é Natal!”
       

sábado, 1 de dezembro de 2012

I DOMINGO DO ADVENTO


(Ano C – 02 de dezembro de 2012)




I Leitura: Jr 33,14-16
Salmo Responsorial: Sl 24(25),4bc-5ab.8-9.10.14 (R/.1b)
II Leitura: 1Ts 3,12-4,2
Evangelho: Lc 21,25-28.34-36 (Fim do mundo)



Queridos irmãos,



Com a celebração de hoje, iniciamos o Tempo do Advento e, com ele, o terceiro ciclo de Ano Litúrgico (o chamado Ano C). A palavra que designa este tempo forte na Igreja, Advento, provém da adição dos termos latinos ad venire, aquele que está para chegar, preparando-nos não somente para a liturgia do Natal do Senhor, mas para a sua Segunda Vinda. Por isso, este tempo é marcado pela dupla expectativa do Senhor: a primeira, uma recordação litúrgica, uma vivência mística do seu nascimento em nossa pobre carne e natureza humanas; a segunda, uma vivência temporal de espera Daquele que virá para ‘julgar os vivos e os mortos’, tal como professa a Igreja. Esperamos o Cristo, e com ele toda a plenitude de graça. Algo que somente ele pode nos conceder. A primeira e segunda vindas, antes de se imbricarem, se inserem em um mesmo mistério: o da redenção do gênero humano pelo próprio Deus que, tomando a condição de homem, quis salvar-nos, e salvando-nos, nos levará para a sua morada eterna no fim dos tempos, fazendo-nos reinar com Ele, mas que antes disso, virá a nós mais uma vez.


Interessante percebermos que a Liturgia da Palavra deste Domingo, insere-nos nesta dinâmica da dúplice vinda do Senhor. Assim, já na Primeira Leitura de hoje, o próprio Deus, pelo profeta Jeremias, no Exílio da Babilônia do povo de Israel, recorda o cumprimento de suas promessas: a salvação, que se dará pela justiça. Poderíamos questionar-nos: ‘- Como pela justiça, se nós nada merecemos?’ Esta justiça não se dará conforme a nossa medida ou balança, mas segundo a misericórdia do Senhor: é aí que a justiça se embute. Com esta visão oferecida por Jeremias, percebemos uma faceta do Messias, o Prometido por Deus e o Esperado pelos homens: o Justo. Daqui para o término do Tempo do Advento, mais especificamente no dia 21 de dezembro, na última semana antes do Natal, nas antífonas do Ó, a Igreja exclamará: “Ó Sol nascente justiceiro, resplendor da Luz eterna. Oh, vinde e iluminai os que jazem entre as trevas e, na sombra do pecado e da morte, estão sentados!”. E a profecia vai além, falando também do novo povo de Jerusalém, ou seja, tece a nosso respeito, os remidos: “Jerusalém terá uma população confiante; este é o nome que servirá para designá-la: ‘O Senhor é a nossa justiça’” (Jr 33,16). Portanto, aos libertos da escravidão do mal pelo Cristo, pelo Senhor, ser-nos-á atribuída a designação memorável da Sua justiça, pois “o Senhor fez conhecer a salvação e às nações revelou a sua justiça” (Sl 97,2), ou como o próprio Salmo Responsorial de hoje: “Ele dirige os humildes na justiça, e aos pobres ele ensina o seu caminho” (Sl 24,2), querendo-nos encetar acerca da necessidade de permanecermos com o coração em Deus, na humildade, para alcançarmos-lhe pelo caminho da justiça de seus mandamentos.


No Evangelho, temos, dentro da apocalíptica lucana, a descrição da parusia, da vinda gloriosa de Cristo. Aqui, se faz notória a eclosão de fenômenos cósmicos, até então inéditos, que testemunharão a proximidade do retorno do Filho do Homem e da libertação dos homens. Estes eventos por parte da natureza querem realçar a onipotência do que virá. Comparando as duas do Senhor, São Cirilo de Jerusalém, em suas catequeses, afirmará: “Tudo o que concerne a nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre dupla dimensão. […] Dupla descida: uma, discreta como a chuva sobre a relva; outra, no esplendor, que se realizará no futuro”. Inclusive, este trecho das catequeses de São Cirilo é-nos apresentada hoje na Segunda Leitura do Ofício das Leituras. Acompanhada a esta descrição de eventualidades cósmicas, temos, ainda no Evangelho, uma dupla reação por parte dos homens: os pecadores se horrorizarão e temerão, ao tempo em que, os fiéis ao Senhor levantar-se-ão e erguerão a cabeça, fazendo valer a sua dignidade de seguidores de Jesus. Erguer a cabeça é posição de que é vencedor. E, neste caso, estes não o são de per si, mas pelo Cristo; pela força de Seu Divino Nome, enfrentaram as perseguições deste mundo (cf. Ap 7,14). Mas como os fiéis ao Senhor? Estes são os que seguiram à risca as orientações do Cristo, em contrapartida ao que é ensinado pelo mundo e seus prazeres: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós; pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os habitantes de toda a terra. Portanto, ficai atentos e vigiai, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem”. Este retorno do Senhor será a base de certeza, a partir de agora, para a vida do homem.
A insistência por parte da Segunda Leitura da vivência no Cristo, far-nos-á preparados para o ‘dia do Senhor’. Esta é, pois, a vivência da santidade: o agradar a Deus em um processo contínuo. A sede em possuir o Reino celeste, plenamente manifestada em obras, testemunhará o nosso rumar ao Senhor, testemunhar-nos-á para a tomada de nosso lugar à direita do Cristo, na comunidade dos justos (cf. Oração de Coleta do I Domingo do Advento).



Como afirmávamos outrora, o Advento é uma ocasião de dupla espera: uma místico-litúrgica, outra cronológica e escatológica. E, nesta intermitência entre ambas, resta-nos preparar, não somente a vinda do Senhor, mas preparar-nos, rumo a Ele que vem, aprontar-nos para este bendito e definitivo encontro. E o Tempo do Advento inspira-nos a isso de maneira mais enérgica: “Por isso, a Igreja, como mãe amantíssima e cheia de zelo pela nossa salvação, nos ensina durante este tempo, com diversas celebrações, com hinos, cânticos e outras palavras do Espírito Santo, como receber convenientemente e de coração agradecido este imenso benefício e a enriquecer-nos com seus frutos, de modo que nos preparemos para a chegada de Cristo nosso Senhor com tanta solicitude como se ele estivesse para vir novamente ao mundo” (Das Cartas Pastorais de São Carlos Borromeu). Que aproveitemos o Espírito de Deus, que quer agir em nós, para preparar-nos, a fim de sermos menos indignos de acolhermos o Senhor em nosso coração. Para tanto, admirando o exemplo dos patriarcas, dos profetas, de tantas homens e mulheres que esperaram o Senhor ao longo da história da Salvação, peçamos a intercessão da Virgem Maria. Ela que, de maneira singular, esperou, concebeu e gerou o Filho de Deus na carne, ajudar-nos-á em nossos esforços para acolhermo-lo também. 

sábado, 17 de novembro de 2012

XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano B – 18 de novembro de 2012)


I Leitura: Dn 12,1-3
Salmo Responsorial: Sl 15(16),5.8.9-10.11 (R/.1a)
II Leitura: Hb 10,11-14.18
Evangelho: Mc 13,24-32 (Profecia escatológica)

Queridos irmãos,

Não é de hoje que muitos falam sobre o fim do mundo. Até mesmo, estamos por dentro, antenados, na conversa que sempre é advinda pelos mais diversos meios, inclusive dos de comunicação, acerca da existência de uma profecia maia sobre o fim do mundo para este término de ano. Muitas pessoas, ao serem interpeladas por tal temática, criam uma ojeriza, ficam horrorizadas, temendo a consumação de tudo o que existe sobre a terra. E não é para menos! Pensemos que tudo o que temos hoje, principalmente o que se é julgado por ‘bom’ é fruto de uma história, da existência de inúmeras pessoas que passaram por aqui e que ainda permanecem no hoje, construindo o presente. Assim sendo, a reflexão, ainda que longínqua, sobre o fim do mundo, se torna para tantos uma frustração, pois empenharam todo o seu existir para esta realidade temporal; consumaram seus anos, bens, sonhos... Iniciamos esta nossa meditação, falando de maneira generalizada. Faz-se urgente para os que creem no Cristo, diante da proposta da Liturgia da Palavra deste domingo, que renovemos a nossa esperança e fé nas benditas promessas que Jesus nos fez: “Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais” (Jo 14,3). Mas, para que cheguemos a tal grandeza, o próprio Senhor nos aconselha: “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam” (Mt 6,19).


Fim dos tempos, segunda vinda de Jesus (em grego denominado parusia = realidade próxima; que está para acontecer; iminente)... Tudo o que é ligado a estas ideias, para o cristão, deve ser motivo de alegria, de expectativa: “O Senhor virá. Ele assim prometeu-nos: Vinde, Senhor!”. Neste sentido, a liturgia de hoje, na Antífona de Entrada, nos recordar a proeminência de tal sentimento diante desta verdade professada pela Igreja: “Meus pensamentos são de paz e não de aflição, diz o Senhor. Vós me invocareis, e hei de escutar-vos, e vos trarei de vosso cativeiro, de onde estiverdes” (Jr 29,11.12.14). O fato de o Senhor vir a nós, destruir toda esta opressão presente nesta terra de exílio, de passagem, e levar-nos para junto de si, recapitulando-nos consigo, em sua Glória, é verdade que nos faz enojados do que é transitório, efêmero, trivial, ao tempo em que nos faz ansiar o que é verdadeiro, perene, eterno, consumação do que somos. Porém, este enfado às coisas terrenas não nos deve furtar a ideia de que ainda estamos peregrinos, e, que para alcançar a meta, se faz extremamente necessário caminhar. Foi por este motivo que São Paulo advertiu os cristãos de Tessalônica e nos adverte, cristãos do século XXI: “Quem não quiser trabalhar, não tem o direito de comer. Entretanto, soubemos que entre vós há alguns desordeiros, vadios, que só se preocupam em intrometer-se em assuntos alheios. A esses indivíduos ordenamos e exortamos a que se dediquem tranquilamente ao trabalho para merecerem ganhar o que comer. Vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem” (2Ts 3,10-13). Portanto, no dizer do Apóstolo, o furtar-se às coisas terrestres só porque o seu lugar é o céu, é ser alheio ao próprio céu, obtido também por nosso comportar-se aqui. Muitos cristãos demonizam o que é secular. Tal atitude é fruto de um pensamento alienado, de preguiçoso. Sim, devemos estar incomodados com tudo isto que vemos, porém não nos devemos desencarnar da presente realidade. Jacques Maritain, filósofo francês do século XX, homem honrado por sua conduta cristã, vai dizer acerca de si: “Sou um mendigo do céu travestido em homem deste século”. Mas, qual a fórmula (se é que ela existe) para ‘sacralizarmos’ o hoje do nosso exílio sobre a terra? Ainda São Paulo vai dizer: “Para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Fl 1,21). Em outras palavras, é viver de tal forma bem, consoante com o Evangelho, na bendita esperança do Senhor, que estejamos unidos a ele, fazendo do nosso existir a manifestação de sua própria vida divina. Assim, enquanto não alcançarmos a plena vivência em Deus, que é a nossa vida verdadeira, não estamos alheios a Ele. Ainda com esta mesma ideia, temos, na liturgia deste domingo, a Oração de Coleta: “Senhor nosso Deus, fazei que nossa alegria consista em vos servir de todo o coração, pois só teremos felicidade completa, servindo a vós, o criador de todas as coisas”. O viver já neste mundo em Deus, ainda que de forma imperfeita, é um serviço cordial ao Senhor, que nos causa grande contentamento, na expectativa da verdadeira felicidade que só encontraremos nele.


Há um dito popular que servirá de entendimento para a Primeira Leitura: “Quem não deve, não teme”. O livro do profeta Daniel é considerado parte integrante do chamado ‘apocalipse do Antigo Testamento’, já que fala em destruição e em vida nova (ressurreição). Esta temática apocalíptica somente entrará no corpus do povo de Israel pela conquista da Palestina pelos gregos, aproximadamente no século II a.C.. Mediante a ressurreição, comum a todos, seremos mandados ou para a vida eterna ou para o opróbrio eterno. Mas com que critério isso se dará? Deus esclarece ao profeta: “Os que tiverem sido sábios, brilharão como o firmamento; e os que tiverem ensinado a muitos homens os caminhos da virtude brilharão como as estrelas, por toda a eternidade”. Logo, entrevemos, que os que não foram justos e sábios aos olhos de Deus, permanecerão na morte eterna, na escuridão, no afastamento daquele que é a Luz, o próprio Deus.


O Evangelho de hoje, próximo do fim do livro de Marcos, é colocado antes da narrativa do mistério pascal do Senhor. Acreditamos que esta localização não se dê aleatoriamente, mas com o propósito de inserir o leitor na dinâmica mesma da Profissão de Fé da Igreja: O Cristo padeceu, morreu, ressuscitou, subiu aos céus e virá em Sua Glória. Este capítulo de Marcos é exegeticamente conhecido como ‘apocalipse de Marcos’. Ele é iniciado com a saída do Senhor do Templo, sua predição acerca da destruição do mesmo, de Jerusalém e, por fim, de todo o mundo e, com esta a manifestação final do Cristo. Interessante é que, nas linhas do Evangelho de hoje, temos como sinais da chegada da Parusia o abalo das forças cósmicas. Este dado é visto, desde há muito pelos profetas, como descrição das potentes intervenções de Deus na história. Deus continua falando-nos. Não se revelando, pois já o fizera por completo ao longo da história da Salvação, em Cristo e no Espírito Santo. Mas fala-nos acerca de sua presença ao nosso lado. Esta é uma lição que devemos tirar para a nossa vida: Deus está onde aparentemente não está. Lembro-me de uma interrogação quando do terremoto que abalou o Haiti há alguns anos atrás: “Deus, onde estavas?”, a mesma que o Santo Padre Bento XVI fizera em Auschiwitz: “Onde estava Deus?”. Ocasiões de destruição, miséria e dor podem ser momentos de forte fala de Deus, inclusive quando essas intempéries acontecem dentro de nós. A mensagem de Deus é silenciosa, mas certeira; é um sossego entre vicissitudes, porém comunicante.


A Igreja é retratada com uma imagem peculiar de mulher, de esposa. Este arraigado atributo é perceptível em tantos momentos de sua vida, principalmente na Eucaristia, quando, tal como a amada que deseja o objeto do seu amor, a presença do amado, ela clama: “Vem, Senhor Jesus!” (cf. Ap 22,17), o que instantaneamente é correspondida: “Sim! Eu venho depressa! Amém. (Ap 22,20). A Esposa de Cristo, sem ruga e sem mancha, a nossa Mãe (cf. Gl 4,26), pede isso por nós, a cada Liturgia Eucarística, baseada em um dado fundamental: o anúncio do Cristo, morto e ressuscitado: “Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a vossa vinda!”; ou ainda: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”. Ao mesmo tempo, a Mãe Católica (no dizer de Santo Agostinho) diz à humanidade:  “Aquele que tem sede, venha! E que o homem de boa vontade receba, gratuitamente, da água da vida!” (Ap 22,17).

Somos o povo da espera pelo Senhor. A sua vinda encher-nos-á de alegria profunda. Somos firmados na promessa, no seu cumprimento e na expectativa futura: O Cristo nos veio e salvou; o Cristo virá e nos levará consigo. Por fim, queremos encerrar esta nossa reflexão com o pensamento de São Cirilo de Jerusalém em uma de suas Catequeses: “Anunciamos a vinda de Cristo: não apenas a primeira, mas também a segunda, muito mais gloriosa. Pois a primeira revestiu um aspecto de sofrimento, mas a Segunda manifestará a coroa da realeza divina. Aliás tudo o que concerne a nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre uma dupla dimensão. Houve um duplo nascimento: primeiro, ele nasceu de Deus, antes dos séculos; depois nasceu da Virgem, na plenitude dos tempos. Dupla descida: uma discreta como a chuva sobre a relva; outra, no esplendor, que se realizará no futuro. Na primeira vinda, ele foi envolto em faixas e reclinado num presépio; na segunda, será revestido num manto de luz. Na primeira, ele suportou a cruz, sem recusar a sua ignomínia; na segunda, virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos. Não nos detemos, portanto, somente na primeira vinda, mas esperamos ainda, ansiosamente, a segunda. E assim como dissemos na primeira: ‘Bendito o que vem em nome do Senhor!’ (Mt 19,9), aclamaremos de novo, no momento de sua segunda vinda, quando formos com os anjos ao seu encontro para adorá-lo: ‘Bendito o que vem em nome do Senhor!’ Virá o Salvador, não para ser novamente julgado, mas para chamar o juízo aqueles que se constituíram seus juízes. Ele, que ao ser julgado, guardara silêncio, lembrará as atrocidades dos malfeitores que o levaram ao suplício da cruz, e lhes dirá: ‘Eis o que fizestes e calei-me’ (Sl 49,21). Naquele tempo ele veio para realizar um desígnio de amor, ensinando aos homens com persuasão a doçura; mas no fim dos tempos, queiram ou não, todos se verão obrigados a submeter-se à sua realeza. O profeta Malaquias fala dessas duas vindas: ‘Logo chegará ao seu templo o Senhor que tentais encontrar’ (M1 3,1). Eis uma vinda. E prossegue, a respeito da outra: ‘E o anjo da aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o Senhor dos exércitos; e quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe, quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar’ (M1 3,1-3). Paulo também se refere a essas duas vindas quando escreve a Tito: ‘A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens. Ela nos ensina a abandonar a impiedade e as paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade, aguardando a feliz esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo’ (Tt 2,11-13). Vês como ele fala da primeira vinda, pela qual dá graças, e da segunda que esperamos? Por isso, o símbolo da fé que professamos nos é agora transmitido, convidando-nos a crer naquele que subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim. Nosso Senhor Jesus Cristo virá portanto dos céus, virá glorioso no fim do mundo, no último dia. Dar-se-á a consumação do mundo, e este mundo que foi criado será inteiramente renovado” (Catequeses de São Cirilo de Jesrusalém 15,1-3).

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano B – 11 de novembro de 2012)



I Leitura: 1Rs 17,10-16
Salmo Responsorial: Sl 145(146),7.8-9a.9bc-10 (R/.1)
II Leitura: Hb 9,24-28
Evangelho: Mc 12,38-44



Queridos irmãos,



Existe uma frase bastante conhecida em nosso meio, que, inclusive, é bíblica, mas que poderia, tranquilamente, sintetizar a Liturgia da Palavra deste domingo: “O que o homem vê não é o que importa: o homem vê a face, mas o Senhor olha o coração” (1Sm 16,7). Assim sendo, ao contrastar este trecho muito difundido no meio popular com o Evangelho, perceberemos uma nuance importante: Deus conhece-nos inteiramente! Assim, acontecera através do olhar que Jesus fitou sobre aqueles tantos que frequentavam o Templo de Jerusalém, inclusive esta bendita viúva colocada no anonimato.


Faz-se necessário que entremos no panorama bíblico-teológico do Evangelho de hoje. O Evangelho de São Marcos é organizado em quatro cenários teológicos: o Deserto, a Galileia, o caminho e Jerusalém. A perícope de hoje situa-se aí, em Jerusalém. E adentramos neste cenário com a Liturgia da Palavra do XXXI Domingo do Tempo Comum (Mc 12,28-34). Só que, aqui no Brasil, este Evangelho não foi proclamado no domingo passado por conta da Solenidade de Todos os Santos, transferida do dia 1º de novembro para o domingo, 04 do mês corrente. Este cenário de São Marcos é iniciado no capítulo 11 e se estende até o término do seu Evangelho.


Jesus sobe a Jerusalém para viver o Mistério Pascal, realizando a obra de redenção do gênero humano pelo seu sangue vertido na cruz, pela sua morte salvadora. E, desde que adentra na cidade, faz observações e denúncias pertinentes acerca da prática judaica, alertando sobre a caduquice da religião dos judeus (até porque a sua prática era levada a cabo tendo como norte as aparências e os ritualismos vazios), ao contrário do que propõe Jesus: uma religião nova, baseada unicamente em sua Divina Pessoa. Por este motivo, o evangelho de hoje ser iniciado pela censura aos doutores da Lei, marcos da religião judaica, que não reconheciam a grandeza do Cristo que se lhes apresentava, fechados em realidades outras, que alienam o homem: luxo, honra, cobiça e dissimulação.


Ao criticar severamente os mestres da Lei por prezarem as vaidades e as honrarias do mundo, o Senhor recomenda aos seus discípulos para que não façam o mesmo, e os assevera, advertindo: “Tomai cuidados com os doutores da Lei! […] Eles receberão a pior condenação” (Mc 12,38.40). Percebemos ainda, pela audição das leituras deste domingo, que a figura da viúva é posta em evidência. Esta classe desfavorecida da sociedade judaica, cuja atenção já era cobrada pela Torá (cf. Ex 22,22), era defraudada pela falsa piedade das autoridades do judaísmo, pelos teoricamente versados na Palavra de Deus.


O texto de São Marcos prossegue, mostrando o Senhor no Templo, sentado, diante do cofre das esmolas, concorrido por muito ricos e pobres, inclusive viúvas, e, dentre estas, uma que, inconscientemente, furta o olhar de Jesus para si, sem pretensão alguma, ao depositar suas duas moedinhas, monetariamente insignificantes, mas valorosas porque, juntamente com aquelas frações míseras, a mulher havia colocado como oferta ao Senhor o que de mais valioso possuía: toda a sua existência, tudo o era no que tinha. Havia entregado a sua humana razão de viver Àquele de quem todo o viver procede, agradando enormemente a Deus. Neste sentido, meditando a ação desta viúva, cujo interior Jesus exaltou, um autor conhecido pelo apelido de pseudo-Jerônimo afirma: “Em sentido místico, os ricos são aqueles que tiram do tesouro de seu coração o novo e o velho, quer dizer, os segredos e recônditos mistérios da divina sabedoria de um e de outro Testamento [da Palavra de Deus]. E, quem é essa pobrezinha senão eu mesmo e meus semelhantes, que damos o que podemos e desejamos que se nos explique o que não podemos? Porque Deus não considera o que haveis entendido, mas sim o vosso ânimo de entendê-lo. Todos podemos oferecer um quadrante [duas moedas], que é a boa vontade, a qual se chama quadrante porque existe com outras três coisas, a saber: pensamento, palavra e obra”; ao mesmo tempo em que São Beda, o Venerável, alude: “Alegoricamente, os ricos que lançavam na arca representam os judeus orgulhosos da justiça e da lei; a viúva pobre representa a simplicidade da Igreja, sendo pobre porque se despojou do espírito da soberba ou das concupiscências do temporal, e viúva porque aquele a quem estava unida sofreu a morte por ela. E põe duas moedinhas na arca, porque leva as oferendas do amor a Deus e ao próximo, ou da fé e da oração. Estas moedinhas valem pouco. No entanto, têm o mérito da piedosa intenção, pela qual são aceitas e mais estimadas que tudo o oferecido pelos soberbos judeus. Estes fazem oferendas ao Senhor do que lhes sobra, enquanto que a Igreja dá-lhe tudo o que tem, porque entende que tudo o que é vida nela não é mérito seu, mas dom de Deus” (In Marcum, 3,42).


Símile atitude temos no exemplo da viúva de Sarepta, pagã, pobre e faminta juntamente com o seu filho, que não hesitando em servir o profeta Elias, quando da seca que atingiu a terra, confia na Palavra de Deus e é solícita, ofertando ao Senhor pelo profeta o que serviria para o seu parco sustento: “Pela vida do Senhor, teu Deus, não tenho pão. Só tenho um punhado de farinha numa vasilha e um pouco de azeite na jarra” (1Rs 17,12). Ao que lhe disse o profeta: “Não te preocupes! Vai e faze como disseste. […] Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘A vasilha de farinha não acabará e a jarra de azeite não diminuirá, até o dia em que o Senhor enviar a chuva sobre a terra’” (1Rs 17,13.14).


Se nos enche os olhos o agir dessas mulheres bíblicas, ambas anônimas, mas a primeira topônima, que cada uma, ao seu tempo, ofereceu ao Senhor, por meios diferentes, aquilo que lhes era necessário, o que diremos de Cristo, que o conhecemos, que, de rico, fez pobre para nos enriquecer, “sendo Deus, rebaixou-se a si mesmo, fazendo-se aos homens semelhante” (Fl 2,7), oferecendo-se, de “uma vez por todas” (Hb 9,12), tal como o reconhece a Segunda Leitura? Muito mais do que essas viúvas, não seria o Cristo, o máxime, para não dizer o Verdadeiro, o único exemplo de entrega? Muito antes de nos inspirarmos nessas mulheres, servas de Deus, não deveríamos imitar o que por nós se ofereceu? Tendo Jesus como modelo de entrega eminentíssimo, Santo Inácio de Loiola escreverá: “Recebei, Senhor, a minha liberdade inteira. Recebei minha memória, minha inteligência e toda a minha vontade. Tudo o que tenho ou possuo de vós me veio; tudo vos devolvo e entrego sem reserva para que a vossa vontade tudo governe. Dai-me somente vosso amor e vossa graça e nada mais vos peço, pois já serei bastante rico”. E, mais tarde, o que poeticamente surgirá pelos arranjos do sacerdote português Cartagena, inspirado no mesmo Santo Inácio: “Toma a minha vida, aceita, Senhor! Que a Tua chama arda no meu peito. Todo o meu ser anseia por Ti. Tu És meu Mestre, ó Divino Rei. Fonte de vida, de paz e amor. Por Ti eu clamo sempre, Senhor. Guia a minha alma, enche-a também: Sê meu refúgio e supremo bem. De todo o mal, guarda-me, Senhor. Só Tu me guias, meu Rei e meu Deus. Se a noite esconde a luz aos meus olhos, és minha estrela a brilhar nos céus. Eis que vem a aurora de um novo dia. O céu dourado, um fogo tão belo. Já vem Jesus, para quê chorar? Cabeça erguida, Ele vai chegar!”


Bastante interessante a lógica, a atitude de Deus: Ele pede de nós o essencial, o que de melhor temos, porque não dizer a nossa vida por inteiro. Concomitante o oferecemos, mais largamente nos dá e pede de nós. Retribuiremos com generosidade porque com maior gratuidade nos é sempre dado. Oferta agradável ao Senhor, pois “a oblação do justo enriquece o altar; é um suave odor na presença do Senhor” (Eclo 35,8). Desta forma, faremos valer o que Jesus já nos havia solicitado: “Recebestes de graça, de graça dai!” (Mt 10,8); e ainda: “Dai, e dar-se-vos-á. Colocar-vos-ão no regaço medida boa, cheia, recalcada e transbordante, porque, com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos vós também” (Lc 6,38). Destarte, a Divina Providência, agindo no absurdo de nossa vida doada incondicional e ilimitadamente, fará dela a paradoxal famigerada e sutil vida de Deus, tal como o Cristo que se oferece inteiramente para ganhar-nos para Si.


Cabe-nos ainda mais uma consideração: aqueles outros que depositavam as suas sobras no cofre do tesouro do Templo não haviam sido impulsionados, de alguma forma, por Deus para que fizessem a sua oferta? Caso positivo, o porquê, espiritualmente e intencionalmente falando, não primaram pela generosidade? Por que não foram tão sensíveis ao influxo de Deus, tal como a viúva inominada? Caso negativo, qual foi a real motivação que os levou a depositar o seu ofertório no altar do Senhor? E nós, diante desta situação bifurcada, nos enquadramos onde? O que nos impede, se pensarmos como os demais de cuja oferta era desconexa com a vida, de fazermos o diferente?


Nas aparências que mundo bastante preza, podemos tantas vezes não ser importantes, tampouco gerarmos o interesse dos que se vão ‘na onda do momento’. O que importa? O que lhe ofereceremos nunca será tão precioso quanto aquilo que damos ao Senhor: nosso coração, com a real intenção de sermos só Dele, ele mesmo que se rejubila por um que lhe vem ao encontro, ou que por ele é alcançado no amor, do que com os que já lhe pertencem, sendo seus (cf. Lc 15,1-10). Nossa frágil vida é um tesouro indispensável aos olhos do Criador de toda vida que não deseja que ninguém se perca: “Assim é a vontade de vosso Pai celeste, que não se perca um só destes pequeninos” (Mt 18,14). A Divina Providência sempre nos surpreende. Este dar de nossa pobreza a Deus, far-nos-á, posteriormente, dignos do céu, tal como disse o Senhor no Sermão da Montanha e a estrofe do canto de aclamação recordará: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3).


Que o exemplo dessas duas viúvas da liturgia de hoje nos inspirem. Que o Senhor Jesus, que se ofereceu inteiramente a Deus por nós, por sua morte salvadora, nos sirva de modelo. Sempre cônscios de que nosso viver não é nosso, mas é Daquele de quem tudo procede, por amor.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

“A RESIGNAÇÃO DOS QUE FICAM É A CERTEZA DE QUE OS BONS ESTÃO NA CASA DE DEUS”



Queridos irmãos,


Acredito que foi no ano de 2003 (muito embora a data pouco importe de fato), ao fazer um trabalho escolar no Cemitério Senhor do Bonfim, na cidade de Lagarto, encontrei um belíssimo mausoléu revestido de um granito tirado a cor rubi, encimado com uma belíssima escultura da La Pietà e uma inscrição em uma placa de bronze: “A resignação dos que ficam é a certeza de que os bons estão na Casa de Deus”. Esta ficou gravada em minha mente e, por ocasião da morte de algum ente querido, sempre me serve de consolo. Ora, a frase da qual estamos falando é uma sintetização bem feita da esperança cristã acerca da morte.


O dia de hoje insere-se dentro da realidade da Solenidade de Todos os Santos. Santos são todos aqueles que viveram de tal forma unidos a Deus que, no ocaso de sua vida, alcançaram o prêmio eterno, a coroa imarcescível da glória. Por isso, a Igreja nomina a comemoração de hoje como dos fiéis defuntos, já que obtendo este adjetivo, hoje, merecem gozar de uma eternidade feliz e a celebra um dia após o 1º de novembro.


Ao celebrarmos a Comemoração dos Fiéis Defuntos, cuja fama é conhecida como Dia de Finados, os cristãos são convidados a um tríplice movimento de fé. O primeiro se pontua na realidade da vitória de Cristo sobre o Pecado e a Morte. Esta primordial certeza nos abastece de esperança, pois, “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé [...] E se Cristo não ressuscitou, é inútil a vossa fé, e ainda estais em vossos pecados” (1Cor 15,14.17). Logo, podemos perceber que esta memória litúrgica possui um laço bastante forte com a Páscoa. A partir desta afirmativa, adentramos no segundo movimento: A Páscoa (passagem) dos que já nos precederam. Cronologicamente, tantos nos antecederam na viagem rumo à Pátria dos Bem-Aventurados, o Céu. Neste sentido, a partir da redenção operada por Cristo Jesus, a morte (cuja visão era a de castigo por conta do pecado) ganha um sentido novo: a de ingresso na Vida Eterna. Santa Teresa de Lisieux, no leito de sua morte, afirma: “Eu não morro, entro na vida”. Esta verdade deve servir-nos de consolo se nos lamentamos com a perda trazida pela morte. No terceiro movimento da fé cristã, estamos nós. Nesta dimensão, somos convidados a lembrar-nos de que o nosso dia também chegará; será a nossa páscoa, nosso encontro com o Senhor. Este ingresso, esta passagem (Páscoa), em Cristo, não é mais amparada pelo pecado, mas pelo poder de sua Cruz: “Se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos, morremos para o Senhor. Quer vivamos quer morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14,8). Destarte, a morte para o fiel cristão é a consumação da nossa pertença a Cristo, pois obteremos a visão beatífica: “Caríssimos, desde agora somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser. Sabemos que, quando isto se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porquanto o veremos como ele é” (1Jo 3,2).


Sim somos convidados, no dia de finados, a pensar na nossa realidade mortal. Ontem, eles se foram; hoje, pode ser nós. Hoje, eles recebem a nossa oração e reverência; amanhã seremos nós quem as receberá. Mas, no dia do chamado do Senhor para a ‘verdadeira vida’, o que lhe apresentaremos? Este pensamento nos deve sempre invadir. Construímos com a nossa existência, com as obras cristãs unidas à fé no Senhor da Vida (cf. Tg 2, 20), a nossa trilha para a Bem-Aventurança.  Se tivermos feito por onde obtermos a Vida de Deus e a Vida Nele, adentraremos na Jerusalém Celeste, onde “Nem olho algum viu, nem ouvido algum ouviu, nem jamais passou pela cabeça do homem o que Deus preparou para os que o amam” (1Cor 2,9). Mas, por que tememos a morte? Vem-me à mente: “Onde está o teu coração aí está o teu tesouro” (Mt 6, 21), e ainda, “Somos concidadãos dos santos” (Ef  2, 9). Portanto, se estamos com os nossos pés nesta terra, mas com os olhos direcionados para o alto, não temeremos a morte, porque estaremos cônscios de que a meta desta vida não está nas realidades terrenas, mas que estas devem servir-me de meio para alcançar a meta real: a vida de Deus e a vida Nele. O Céu é o tesouro do fiel cristão, porque lá está Deus.


Em meio à explosão de tantas teorias espíritas, parece que a doutrina cristã está sendo olvidada. Nós, cristãos, não cremos na reencarnação! Nossa passagem por esta terra é única, irrepetível. A purificação de nossa alma já se deu de uma vez por todas na cruz do Senhor, e se dá cotidianamente na páscoa sacramental por meio da Confissão e da Eucaristia. Obviamente a vivência cristã deva ser regada pela caridade exteriorizada por uma vida retamente virtuosa. O Cristianismo crê na ressurreição! “Ora, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição de mortos?” (1Cor 15,12). Cristo ressuscitou, e nós ressuscitaremos com Ele! Esta é uma afirmação da Igreja, e excomungado está quem não professa este dado de fé! Dentre as provas dadas pelos Apóstolos à Igreja de Cristo, apresentamos todo capítulo quinze da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios.


Ao refletirmos sobre a morte (cuja tratação na Teologia cabe à Escatologia), também somos chamados a ponderar acerca dos Novíssimos ou dos últimos fins do homem. A Sagrada Teologia, logicamente apoiada nas Sagradas Escrituras, afirma que os destinos do homem são basicamente dois: Paraíso e Inferno. Assim sendo, conforme reza o Catecismo da Igreja Católica, após o juízo particular de cada um, a pessoa, no estado de alma imortal, recebe uma retribuição imediata em relação à sua fé e às suas obras. Essa retribuição consiste no acesso à Glória Eterna, imediatamente ou depois de uma adequada purificação, ou no ingresso à condenação eterna (cf. Catecismo da Igreja Católica 1021-1022; 1051). Por céu, a Santa Igreja Católica entende “o estado de felicidade suprema e definitiva. Os que morrem na graça de Deus e não têm necessidade de ulterior purificação são reunidos em torno de Jesus e de Maria, dos anjos e dos santos. [...] Vivem em comunhão de amor com a Santíssima Trindade e intercedem por nós (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 209). Por purgatório[1], a “Mãe Católica” prega que este estado de espírito é concedido aos que morrem reconciliados com Deus, mas que precisam de purificação para poder entrar no céu. Logo, quem, de imediato após a morte, é enviado para cumprir as suas penas no purgatório, tem a garantia do céu, pois é um estágio momentâneo, muito embora na eternidade não possua o caráter da temporalidade. Às almas que estão no purgatório, podemos ajudá-las com as nossas orações de sufrágio, em especial com a Santa Missa, como também através das esmolas, indulgências e obras penitenciais. E o que a Igreja diz acerca do inferno? No Compêndio do Catecismo da Igreja Católica encontramos a resposta: o inferno “consiste na condenação eterna dos que, por livre escolha, morrem no pecado mortal. A pena principal do inferno consiste na separação eterna de Deus, em quem unicamente o homem tem a vida e a felicidade para as quais foi criado e às quais aspira” (n. 212). “Dos que morrem no pecado mortal...”, daí a extrema importância de tentar viver de maneira ilibada os valores cristãos, principalmente em um mundo tão adverso e hostil à moral trazida pelo Cristo. O pecado mortal é uma excomunhão, uma recusa espontânea por parte do homem do amor misericordioso de Deus.


Nós, os vivos, sentimos quando da morte das pessoas a quem amamos. Chegamos até a chorar. Isso é normal, pois trata-se de uma separação (ainda que momentânea). Ao cristão não é cabível o desespero. Isso é inadmissível! Pois, em Cristo, todos encontrar-nos-emos: este é o nosso alento. Nós, Igreja Peregrina neste mundo, rumamos para o lugar onde não haverá mais dores e pranto, onde habitaremos no coração de Deus, tal como os que nos precederam pela porta da morte e já gozam da feliz eternidade do convívio com Ele e n’Ele. Unir-nos-emos aos que já se rejubilam na Igreja triunfante da comunhão dos santos. Por tal motivo, concluímos que a morte é sinal de esperança para todos.


Que esta expectativa de encontro definitivo com o Senhor e com aqueles que já nos precederam no gozo celeste preencha o nosso coração, a fim de estarmos preparados com dignidade para este divino momento, onde tomaremos posse dos bens eternos reservados por Jesus para nós, onde seremos recapitulados em Cristo (cf. Ef 1, 10), onde Deus será “tudo em todos” (1Cor 15, 28).



[1] As provas bíblicas da existência do purgatório, encontramos em Mt 12, 32; 1Cor 3, 15; 1Pd 1, 7; 2Mc 12, 46; Jó 1, 15.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano B – 21 de outubro de 2012)


I Leitura: Is 53,10-11
Salmo Responsorial: Sl 32(33),4-5.18-19.20.22 (R/.22)
II Leitura: Hb 4,14-16
Evangelho: Mc 10,35-45 (Os filhos de Zebedeu)


Queridos irmãos,


Em nossa jornada, temos a tentação de esquecer qual o real peso que de nós é exigido por carregarmos o nome de cristãos. Tal atributo a nós dado, imerecidamente, que é proveniente da bendita missão de Nosso Senhor, faz-nos assemelhar a ele. Obviamente, cristão significa seguidor do Cristo, que, longe de ser uma ideia, é uma Pessoa, é o Filho de Deus que, tal como nos afirma o Evangelho deste domingo, veio a este mundo para servir e não para ser servido (cf. Mc 10,45), dando a sua vida como resgate para muitos.


A atitude de ser cristão faz com que, sendo seguidor de Cristo, não nos esqueçamos das cruzes, mesmo quando estas podem ser esquivadas em um caminho alheio ao de Deus. Sim, diante de certos instantes de nossa existência, muitas são as cruzes que enfrentamos, ou melhor, que carregamos. Em algumas outras ocasiões parecer-nos-á mais fácil e cômodo a opção avessa a Deus, em um desejo de uma vida mansa e sem sofrimentos, do que uma vida enraizada com Jesus na sua cruz.


Sofrer e servir. Aqui, na Liturgia da Palavra, essas duas ações estão concatenadas, unidas. Para que serve o sofrimento? Este pode ser muito útil para o serviço aos outros, por exemplo, para a sua santificação. É o que a Igreja chama de mortificação, onde o sofredor oferece as suas dores e angústias pelo bem espiritual de tantos. Este é um serviço eminente, fruto de uma caridade amadurecida; é um doar-se mesmo no absurdo. Vejamos o exemplo que temos na Primeira Leitura, o do Servo Sofredor: “Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas” (Is 53,11). Quem é o Servo Sofredor senão Jesus, o justo, que, compadecendo-se das nossas fraquezas, assumiu a condição de servo, fazendo-se semelhante aos homens (cf. Fl 2,7)? Ou, como nos afirma a Carta aos Hebreus: “e por isso convinha que ele se tornasse em tudo semelhante aos seus irmãos, para ser um pontífice compassivo e fiel no serviço de Deus, capaz de expiar os pecados do povo” (Hb 2,17). A salvação operada pelo Cristo é a máxima noção que podemos ter de serviço. Por isso, ele é pontífice porque leva, integralmente, os homens a Deus, pois, como nos diz a Segunda Leitura: “Temos um sumo-sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas” (Hb 4,15).


A ação de servir, também em nosso caso, deve ser uma constante. Assim, pelo serviço, tantas e tantas vezes, seremos chamados a renunciar a nossa vontade própria para que Deus opere em nós e demonstremos o suave odor do Cristo. Essa nossa renúncia o que seria senão aniquilamentos, grandes ou pequenos, que fazemos em prol do próximo e por amor a Deus nele?


Ser seguidor de Jesus nunca se adéqua à glória que mundo oferece. No Evangelho de Marcos, os ensinamentos de Jesus levam a crer qual deve ser o papel do discípulo: servo e criança. Com o trecho proclamado há pouco, entrevemos que alguns daquele círculo em que Jesus estava não entenderam a sua mensagem. Logo, Tiago e João, ao pedirem a Jesus que lhes reserve dois lugares de maior honra, ilustram essa não compreensão. Mais adiante, também a atitude indignada dos outros dez discípulos, ao saberem do pedido dos irmãos zebedeus, confirmam que eles, até então, tinham um entendimento diminuto do serviço ao Reino, pois o que nos parece é que também eles desejavam a glória tal como o mundo concebe, tal como Tiago e João imaginavam.


À exclamação interrogativa de Jesus – “Vós não sabeis o que pedis. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que eu vou ser batizado?” (Mc 10, 38) – surge uma presunção: “Sim, podemos!”. Porém, o real entendimento de beber o cálice e ser batizado eles não têm, pois esses dois elementos traduzem o dar para ganhar a vida: são o cálice e o batismo do sangue derramado: “Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas o que perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho, salvá-la-á” (Mc 8,35). De fato, São Tiago e São João ofereceram ao Senhor as suas vidas: Tiago com o martírio de sangue, cruento, e João que, não sendo assassinado pelo nome de Jesus, bebeu igualmente o cálice do Cristo por meio de uma vida de perseguição e privação.


No entanto, justamente naquele momento, Jesus queria mostrar aos discípulos que a lógica do Reino é diferente; e ele mesmo já o tinha feito ver com a sua vida para o mundo. Toda a vida de Jesus foi um serviço contínuo e a sua doutrina um apelo constante aos homens para que se esqueçam de si próprios e se deem aos outros, gratuitamente. Nós, os cristãos, que queremos imitar o Senhor, temos que nos dispor a fazer da vida um serviço alegre a Deus e aos outros, sem esperar nada em troca; dispor-nos a servir mesmo aos que não agradecerão o serviço que lhes prestamos. Conta-se que uma jornalista norte-americana foi entrevistar Madre Teresa de Calcutá. E, ao ver aquela frágil mulher cuidando de uma ferida fétida de um dos pacientes, a jornalista exclamou: “Eu não faria isto nem por um milhão de dólares!”. Ao que Madre Teresa retrucou: “Nem eu!” A disponibilidade em ver Deus no outro é o elemento inicial da prática do serviço, e, por isso, é grandeza do ser cristão. Por isso, Jesus dizer: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos” (Mc 10,42).


Desta maneira, no serviço alegre, disponível e sutil, viveram os santos. Vivamos, igualmente, para servir e portaremos Jesus em nosso coração, manifestando, por nossas singelas atitudes o seu amor contagiante e envolvente.

domingo, 16 de setembro de 2012

A IGREJA E A SUA SANTIDADE INDEFECTÍVEL


          
       

             De veneranda memória, as Profissões de Fé da Igreja Católica sempre foram uma síntese riquíssima das verdades da nossa fé, logicamente apoiadas na mais sã teologia, provenientes da Escrituras Sagradas e da Tradição dos Apóstolos. Assim, perpassaram ao longo da história da Igreja o que os fiéis sempre creram com fundamentos doutrinais da fé católica. Debruçados sobre elas, nós decidimos fazer uma acurada pesquisa acerca daquilo que constantemente professamos: “Credo in Sancta Ecclesia”. Portanto, constatamos que esta ideia de que a Igreja é Santa graças aos méritos de seu Divinal Fundador já é arraigada desde cedo em esmagadora maioria das fórmulas de fé e que é uma constante independentemente do lugar em que são professadas. Mesmo as que não fazem referência direta a santidade da Igreja não fazem uma alusão contrária. A partir deste dado inicial, supomos logicamente que se a Igreja, de fato, fosse pecadora, maculada pelos erros de seus membros, o Magistério da Igreja já havia, há muito, acenado para este dado, não o excluindo do seu Credo. Com estas informações iniciais, queremos, utilizando documentações não segundo uma devida ordem cronológica, mas conforme o desejado para ilustrar o nosso pensamento, provar a santidade da Igreja como elemento ontológico de seu ser e agir no mundo, continuadora da missão de Cristo, sendo Sacramento de Salvação operada pelo seu Deus e Fundador.


          O Catecismo Romano nos diz: “Crer que a Igreja é ‘santa’ e ‘católica’ e que ela é ‘una’ e ‘apostólica’ é inseparável da fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo” (1,10). As quatro notas revelam a identidade da Igreja e a sua operação no mundo. A Igreja não é uma mera reunião de pessoas, mas, existindo já no coração de Deus (cf. LG 2), é uma ‘convocatio fidelis’, existindo independentemente de nós, pois é uma instituição do próprio Cristo. É convocação de fiéis porque, mesmo tendo sido querida e edificada pelo Senhor, nós, pelo Batismo, somos integrados nela: “Já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus. É nele que todo edifício, harmonicamente disposto, se levanta até formar um templo santo no Senhor. É nele que também vós outros entrais conjuntamente, pelo Espírito, na estrutura do edifício que se torna a habitação de Deus” (Ef 2,19-22). Desta forma, excluamos a pretensa e reducionista ideia de que formamos a Igreja por nós mesmos, fazendo com que todas as nossas atividades (inclusive os míseros nossos pecados) sejam também do “Corpo Místico de Cristo”, tal como aconteceria em uma relação hipostática. Somos Igreja por uma alusão, que é verdadeira e válida, mas alusão.  Daqui, somos suficientemente inteligentes para excluirmos a ideia herética de que a Igreja é santa e pecadora.


      Coadunando com o que já afirmamos, exporemos, adiante, o que a Igreja, em seus diversos pronunciamentos em concílios, sínodos e outras formas do exercício do seu Magistério, afirma:


          “Cremos também que a Igreja Católica, sem mancha no operar e sem ruga [cf. Ef 5,23-27] na fé, é o seu corpo [de Cristo] e possuirá o Reino, com a sua Cabeça, o onipotente Cristo Jesus, depois que esta realidade corruptível se tiver vestido com a incorrupção e esta realidade mortal, com a imortalidade [1Cor 15,53], ‘a fim de que Deus seja tudo em todos’ [ib. 15,53]. Por meio desta fé são purificados os corações [cf. At 15,9], mediante ela são extirpadas as heresias, nela, a Igreja inteira já toma lugar no Reino celeste e, permanecendo (ainda) no século presente, se gloria; e não há salvação em outra fé ‘pois não foi dado aos homens outro nome debaixo do céu, no qual devamos ser salvos’ (At 4,12)” (VI Sínodo de Toledo, iniciado em 9 de janeiro de 638; Denzinger 493).


           “Se alguém, de modo confesso, pensa e louva a opinião dos iníquos hereges e com apresentada tolice diz que estas são as doutrinas da piedade, transmitidas pelos que desde o início foram testemunhas oculares e ministros da Palavra – isto é, os cinco Sínodos santos e ecumênicos –, enquanto calunia os próprios cinco santos Sínodos ecumênicos, para engano dos mais simples ou amparo à própria fé errônea e profana, esse tal seja condenado. Se alguém, de acordo com os iníquos hereges, de algum modo…remove ilicitamente os marcos que fixaram de modo irremovível os santos Padres da Igreja Católica – isto é, os cinco Sínodos santos e ecumênicos –, e temerariamente inventa inovações e exposições de outra fé, ou fórmulas ou leis ou estatutos, ou livros, ou artigos, ou cartas, ou assinaturas, ou falsos testemunhos, ou sínodos, ou atos de registro, ou ordenações inválidas não reconhecidas pela regra eclesiástica, ou representações ou representantes sem legalidade e acanônicos; e, em suma, se faz qualquer outra coisa que os ímpios hereges costumam fazer, mediante operação diabólica, tortuosa e astutamente, contrariando as pias e ortodoxas pregações da Igreja católica – isto é, dos seus Padres e Sínodos –, para destruir a sincera profissão do Senhor nosso e Deus Jesus Cristo; e se persevera até o fim sem arrependimento neste ímpio agir, seja condenado pelos séculos dos séculos, ‘e todo o povo dirá: assim seja, assim seja’ [Sl 106,48]” (Sínodo de Latrão, ocorrido entre 5-31 de outubro de 649, cânones 19-20. Denzinger 521-522).


 “Como, porém, ‘sem a fé é impossível agradar a Deus’ [Hb 11,6] e chegar ao consórcio dos seus filhos, ninguém jamais pode ser justificado sem ela, nem conseguir a vida eterna se nela não ‘perseverar até o fim’ [Mt 10,22 ;24,13]. Ora, para que pudéssemos cumprir o dever de abraçar a verdadeira fé e nela perseverar constantemente, Deus instituiu, por meio de seu Filho Unigênito, a Igreja, e a muniu com os sinais manifestos da sua instituição, para que pudesse ser por todos reconhecida como guarda e mestra da palavra revelada. Porquanto somente à Igreja Católica pertencem tudo o que, tão numeroso e tão prodigioso, foi por Deus disposto para tornar evidente a credibilidade da fé cristã. Além disso, a Igreja em si mesma, pela sua admirável propagação, exímia santidade e inesgotável fecundidade em todos os bens, por sua unidade católica e invicta estabilidade, é um grave e perpétuo motivo de credibilidade, e um testemunho irrefutável da sua missão divina” (Concílio Ecumênico Vaticano I: Constituição “Dei Filius”. Denzinger 3012-3013).



Cristo, mediador único, estabelece e continuamente sustenta sobre a terra, como um todo visível, a Sua santa Igreja, comunidade de fé, esperança e amor, por meio da qual difunde em todos a verdade e a graça. Porém, a sociedade organizada hierarquicamente, e o Corpo místico de Cristo, o agrupamento visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja ornada com os dons celestes não se devem considerar como duas entidades, mas como uma única realidade complexa, formada pelo duplo elemento humano e divino. Apresenta por esta razão uma grande analogia com o mistério do Verbo encarnado. […] Esta é a única Igreja de Cristo, que no Credo confessamos ser una, santa, católica e apostólica; depois da ressurreição, o nosso Salvador entregou-a a Pedro para que a apascentasse (Jo 21,17), confiando também a ele e aos demais Apóstolos a sua difusão e governo (cf. Mt 28,18 ss.), e erigindo-a para sempre em ‘coluna e fundamento da verdade’ (I Tim 3,5). […] Enquanto Cristo ‘santo, inocente, imaculado’ (Hb 7,26), não conheceu o pecado (cf. 2Cor 5,21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (Hb 2,17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação” (LG 8).


“A Igreja é santa, mesmo tendo pecadores em seu seio, pois não possui outra vida senão a da graça: é vivendo de sua vida que seus membros se santificam; é subtraindo-se à vida dela que caem nos pecados e nas desordens que impedem a irradiação da santidade dela. É por isso que ela sofre e faz penitência por essas faltas, das quais tem o poder de curar seus filhos, pelo sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo” (Paulo VI. Credo do Povo de Deus, 19).                                                                                 


“A Igreja, à qual todos somos chamados e na qual por graça de Deus alcançamos a santidade, só na glória celeste alcançará a sua realização acabada, quando vier o tempo da restauração de todas as coisas (cf. At 3,21) e, quando, juntamente com o gênero humano, também o universo inteiro, que ao homem está intimamente ligado e por ele atinge o seu fim, for perfeitamente restaurado em Cristo (cf. Ef, 1,10; Col. 1,20; 2Pd. 3,10-13). […] Já chegou, pois, a nós, a plenitude dos tempos (cf. 1Cor 10,11), a restauração do mundo foi já realizada irrevogavelmente e, de certo modo, encontra-se já antecipada neste mundo: com efeito, ainda aqui na terra, a Igreja está aureolada de verdadeira, embora imperfeita, santidade. Enquanto não se estabelecem os novos céus e a nova terra em que habita a justiça (cf. 2Pd 3,13), a Igreja peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à presente ordem temporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem e sofrem as dores de parto, esperando a manifestação dos filhos de Deus (cf. Rom 8,19-22)” (LG 48).


         “Sendo desta fé, a santa Igreja católica, purificada pela água do batismo, redimida mediante o precioso sangue de Cristo e sem ruga na fé nem mancha de obras sórdidas [cf. Ef 5,23-27], é rica de insígnias, reluz pelas virtudes e resplandece cheia de dons do Espírito Santo. Ela reinará para sempre com a sua Cabeça, nosso Senhor Jesus Cristo, de quem, sem sombra de dúvida, é o corpo; e todos aqueles que agora de modo algum estão nela, ou nela não estarão, ou se afastaram ou dela se afastarão, ou que, pelo mal da incredulidade, negam que nela os pecados são remitidos, se não retornarem a ela com o auxílio da penitência e não tiverem crido de sombra de dúvida todas as afirmações que o Sínodo de Niceia ..., a reunião de Constantinopla … e a autoridade do primeiro Concílio de Éfeso decidiram aceitar e que a vontade unânime dos santos Padres de Calcedônia ou dos outros Concílios, ou também de todos os venerandos Padres que viveram retamente na santa fé prescrevem observar, (todos eles) serão sancionados com a condenação à punição eterna e, no fim do tempo, serão queimados com o diabo e os seus asseclas em fogueiras vomitando chamas” (XVI Sínodo de Toledo, iniciado em 02 de maio de 693, cânones 36-37. Denzinger 575).


        Pode aparentar uma pretensão e arrogância, porém, acreditamos que diante destas considerações nossas, utilizando as palavras mesmas da Igreja para uma definição acerca de si mesma, deva ser execrado todo o pensar tortuoso de alguns ditos ‘teólogos católicos’ que levantam a bandeira sorrateiramente contra as ortodoxas fé e teologia da Imaculada Esposa de Cristo e que invadem a prática de piedade e o conhecimento de muitos dos que professamos, desde há muito, a fé dada por Jesus aos seus para que a guardassem e a anunciassem.


       Que ao Supremo Pastor da Mater Ecclesia seja dada a glória imensa que lhe é devida e que a Santidade que dele brota e que perpassa pelo úbere do seu ditoso redil possa alcançar-nos mediante a abertura de nosso ser à experiência de uma fé sem arestas e confusões ensinadas pela sua mesma Igreja.