segunda-feira, 27 de agosto de 2012

MARIA, MÃE DA IGREJA


   
  Dom Dulcênio Fontes de Matos, à convite de Sua Excelência Reverendíssima Dom Antônio Muniz Fernandes, Arcebispo Metropolitano de Maceió, pregou, na manhã de hoje, 27, na Solene Concelebração Eucarística da Festa de Nossa Senhora dos Prazeres, excelsa padroeira da capital de Alagoas. Eis, na íntegra, as suas palavras:

  
MARIA, MÃE DA IGREJA. “EM JERUSALÉM, ESTAVAM NA SALA SUPERIOR, ONDE SE REUNIRAM: PEDRO, JOÃO, TIAGO E ANDRÉ, FILIPE E TOMÉ, BARTOLOMEU E MATEUS, TIAGO FILHO DE ALFEU, SIMÃO, O ZELOTE E JUDAS FILHO DE TIAGO. TODOS, UNÂNIMES, ERAM ASSÍDUOS À ORAÇÃO, COM ALGUMAS MULHERES, ENTRE AS QUAIS MARIA, A MÃE DE JESUS, E COM OS IRMÃOS DE JESUS” (ATOS 1,13-14).


Nesta hora de exultação da Igreja e do povo de Maceió, momento em que a fé se faz latente aqui, nesta Catedral e a partir dela; momento em que o sentimento de afeto filial é dispensado a Virgem Maria intitulada Nossa Senhora dos Prazeres por gente que a ama porque adora o seu Altíssimo Filho. Como Pastor da Igreja Particular de Palmeira dos Índios, de cuja alegria por seu Jubileu Áureo conseguimos vislumbrar e sentir, agradecemos a solidariedade da Igreja de Maceió neste clima de festa que nos invade. De muita polidez foi este alvitre do senhor Arcebispo Metropolitano, Dom Antônio Muniz, do Vigário desta Sé Catedral, do clero e de todo o povo maceioense em comungar do nosso gáudio, ao inserir na temática da festa da magna patrona deste Arcebispado a realidade por nós vivenciada do quinquagésimo ano de criação da nossa Diocese, convidando para a presidência de cada noite de novenário, rumo à festa de hoje, um dos nossos presbíteros, bem como, Dom José Francisco Falcão, ilustre filho de nosso bispado e que atualmente é Bispo Auxiliar do Ordinariado Militar do Brasil, e mesmo por nos convidar para pregar nesta solene concelebração eucarística de coroamento das festividades alusivas a Nossa Senhora dos Prazeres. Este vosso intento é um reflexo visível do que prezamos e tentamos viver: a fraternidade da Igreja de Jesus na Província Eclesiástica de Maceió.     

  
Indubitavelmente, cremos que a Santa Igreja de Cristo é conduzida pelo Espírito Santo, derramado no Cenáculo de Pentecostes. Sim, caros irmãos e irmãs, a Igreja, longe de ser uma inventiva humana, é fundação do próprio Cristo, é guiada pelo Espírito Santo e oferece ao Pai o sacrifício de Jesus, ao tempo em que continua a missão de seu fundador: salvar o homem porque é depositária da salvação do Cristo.


Diante dos olhos, temos uma assembleia de fé, e, no coração, o sentimento de pertença a um corpo: o Corpo Místico de Cristo. Fazemos parte da Igreja que, temporalmente, caminha nas sendas da história deste mundo e ruma até a eternidade da Pátria Celeste. Sob entraves, sob alegrias, a única Igreja de Jesus, governada visivelmente pelos seus pastores inspirados pelo Divino Espírito, é sacramento de Cristo. E, por sê-lo, chamamo-la de Mãe e Mestra. Sim, irmãos, todos somos conscientes do que tais adjetivos representam em nossa cultura: Mãe porque gera, mas gera pela fé dos sacramentos; Mãe porque alimenta a fé de sua prole com os sacramentos; Mãe porque acompanha os seus com os sacramentos. Assim, toda ação da Igreja em benefício da humanidade acontece porque ela é Mãe, muito embora não de todos, mas dos que se decidiram pelo Cristo, o seu Sublime Esposo. A Igreja é Mãe porque Deus é Pai. A Igreja é guardiã do rebanho do seu Senhor. Mas como exerce este pastoreio? Ela pastoreia ao tempo em que é rebanho? Sim, caríssimos irmãos e irmãs, agora queremos afirmar o magistério da Igreja. Ela é Mestra. E, como tal, é responsável pela prédica da Verdade que, longe de ser filosófica, é um ser especialíssimo, pois é vivo e real, não idealizado no abstrato, é o próprio Cristo que, vindo anunciar-nos a Boa Nova, disse de si mesmo: “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). A Igreja prega o que fora dito por Jesus. É, desta forma, o eco de suas palavras que ressoam pelo trilhar da humanidade. Ela apregoa o Cristo.


A Igreja, Mãe e Mestra, ensina os seus filhos gerando-os na fé, ao mesmo tempo em que gera filhos ensinando-os a fé. Mas donde lhe vem esta força vital se não do grande Doador de Dons, o Espírito Santo? Se a Igreja fosse um intento meramente humano já teria sido naufragada pelo mar da história, da nossa história. Digo da nossa por conta dos inúmeros pecados que cometemos. Quantos pastores e fiéis, frágeis por sua concupiscência inclinada às iniquidades, deram testemunho contrário ao querido pelo Senhor e proposto pela Igreja, de uma vida impregnada pela santidade mesma de Jesus? A Igreja é, indubitavelmente, sem mancha e sem ruga, resplandecente de beleza. Logo, não possui pecados. Os pecados da Igreja, como muitos enchem a boca para afirmar, não são dela, mas de seus filhos. Por ter Cristo Jesus como cabeça, a Igreja é santificada; por ser Corpo indefectível de Cristo, a Igreja é imaculada. No entanto, Nosso Senhor, ao fundar a sua Igreja sob o alicerce apostólico, disse ao que possui o primado dentre eles, dentre os apóstolos: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18). Este sentimento de eclesialidade, de pertença a um Corpo Divino, porque é de Cristo, é-nos ressaltada pela própria Sagrada Escritura, quando o Apóstolo das Nações, São Paulo, afirma: “Já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus. É nele que todo edifício, harmonicamente disposto, se levanta até formar um templo santo no Senhor. É nele que também vós outros entrais conjuntamente, pelo Espírito, na estrutura do edifício que se torna a habitação de Deus” (Ef 2,19-22).


Esta Igreja de Jesus possui como nota característica, além da unidade, santidade e apostolicidade, a catolicidade, ou seja, está espalhada por todo o mundo, reunindo no rebanho do Senhor gente de diversas raças, culturas e línguas, fazendo-nos irmãos pelo Batismo. Também em nossas terras alagoanas a Igreja de Jesus se faz presente, porque também nós somos chamados à santidade proveniente da Salvação em Cristo.
Há poucos dias, para sermos mais exatos, no dia 19 próximo passado, celebrávamos em Palmeira dos Índios o Jubileu Áureo Diocesano, recordando os cinquenta anos de criação e instalação da nossa Igreja Particular. Com a presença de mais de 20 bispos, de inúmeros sacerdotes e de milhares de pessoas, sentimos, como que empiricamente, esta catolicidade da Esposa de Cristo. Porém, independentemente disso, o sentimento de catolicidade deve está presente no coração dos fiéis, principalmente, quando estão junto ao seu Bispo, Sucessor legítimo dos Apóstolos, que, por sua vez, está consoante ao Sucessor de Pedro, o Papa, Bispo de Roma.


A Igreja Particular, como o próprio nome já nos alude, é uma parte da grandiosa Igreja de Cristo. Neste sentido, uma das Constituições Dogmáticas do também jubilando áureo Vaticano II, denominada Lumen Gentium, no número 23, esclarece-nos: “As Igrejas particulares são formadas à imagem da Igreja universal; é nelas e a partir delas que existe a Igreja Católica una e única”. No entanto, esta afirmativa trazida pelo Concílio Vaticano II não é originada aí, mas remonta aos primeiros séculos do cristianismo, mais especificamente ao III da era cristã. São Cipriano alegava veementemente em prol da unidade da túnica inconsútil de Jesus, a sua Igreja: “É Igreja una por todo o mundo, em muitos membros dividida”. E o Vaticano II prossegue: “Por isso, cada bispo representa a sua Igreja; e todos, juntamente com o Papa, representam toda a Igreja no vínculo da paz, do amor e da unidade” (LG 23). Logo, concluímos que em toda e cada Igreja particular está presente a única Igreja Católica, a única Esposa de Cristo, pois como recorda-nos a mesma Lumen Gentium: “A Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica”.


Conscientes da unicidade da Igreja do Senhor, somos convidados a olhar como a Esposa de Cristo incultura-se nas regiões onde ela se instala para propagar o Evangelho. Paulo VI já bem dizia: “A Igreja é perita em humanidade”. Assim sendo, a Esposa de Cristo possui como missão um prolongamento daquela que também é missão de Jesus: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19), não em uma atitude díspare da do seu Mestre, mas anunciando-o e, assim fazendo discípulos para ele, prestar o culto a Deus e elevar o homem a sua plena estatura na ordem da Graça; portanto, anunciando e salvando. A Igreja, com suas multíplices facetas, conformes às culturas, às gentes em que se faz presente, procura fazer-se uma com os seus filhos, tal como uma mãe generosa e abnegada. Compartilha com eles as suas agruras e felicidades. Sejam pobres ou ricos, a Igreja tem uma preocupação com o homem todo e todos os homens.


Aqui, na Arquidiocese de Maceió, o nosso irmão, Dom Antônio Muniz Fernandes, tem um dito: “A Igreja de Maceió é missionária e samaritana”. Paremos e pensemos a real carga significativa desta sua fala. A Igreja de Maceió, assim como toda a Igreja Universal anuncia o Cristo, vivo e glorioso, que fala aos homens pelo Evangelho, a Boa Nova. Porém, a Igreja maceioense preocupa-se também em reconhecer o Cristo e servi-lo onde ele grita por socorro: nos pobres e marginalizados, pois como dissera Jesus: “Tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim […] Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25,35-36.40). No entanto, a Igreja, mesmo se não se preocupasse com o social, faria um supereminente serviço à humanidade somente com o anúncio do Evangelho, pois, fazendo-o, estaria transformando corações e vidas, conquistando discípulos autênticos, tal como ordenara Nosso Senhor: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,19-20).


Depois de termos tentado discorrer acerca da Igreja, faz-se mister tratarmos daquela a quem a Tradição chama de “Typos” da Igreja: a Bem-Aventurada Virgem Maria.


A santa Virgem Maria, venerada hoje como Senhora dos Prazeres, é uma mulher repleta do Espírito Santo. Quando da Anunciação do Anjo, ela concebeu pelo poder do Espírito Divino. Assim, virginalmente Mãe, Maria educou de forma autêntica o Filho eterno de Deus feito homem para salvar a humanidade. Foi com os seus auspícios celestes que ela cumpriu o seu papel de Mãe e Mestra de Jesus. E foi portanto que, a partir da cruz, ela hauriu do seu Filho benditíssimo a maternidade universal, quando dele escuta: “Mulher, eis aí o teu filho!” (Jo 19,26). Neste momento, sendo Mãe dos viventes, quando do peito aberto de seu Filho e Senhor vê correrem a água e o sangue, sacramentos da Igreja, Maria torna-se testemunha visível do que com o mistério da Encarnação e da Páscoa nascia: a Igreja. Fazendo valer o seu papel maternal, estava junto aos Doze na hora mais difícil da história da Igreja: o seu nascimento. Maria confortava e confirmava com a sua confiança inabalável os apóstolos, sendo junto com eles assídua na oração.


Lembro-me que no ano passado refletia aqui, nesta Catedral, a realidade embutida no título de Nossa Senhora dos Prazeres. Recordo-me falar dos sete gozos de Maria. O Pentecostes, embora não esteja formalmente nesta listagem, foi um momento de exultação na vida de Maria Santíssima, pois, mais uma vez, o Espírito Santo a preenche e concede-lhe seus dons, justamente a ela, que fora escolhida para ser Mãe de Deus. Se antes desta teofania grande já era a fé de Nossa Senhora, quanto maior será agora, quando o Espírito de Deus, do Pai e de seu Filho, derrama sobre a Igreja Nascente a sua potência e vitalidade. Se antes Maria já encorajava os apóstolos, imaginemos agora. Se antes Maria rezava com e pela Igreja, quanto não orará depois deste magnânimo evento?


Com a sua Assunção aos céus, Maria não se afasta da sua função de ser pela Igreja. Muito pelo contrário, diante de seu Deus, ela é intercessora. Seu patrocínio é sentido desde há muito. E, para isto, basta-nos olhar a história da Igreja e percebermos as graças infindas que nos advieram quando muitos, pastores e fiéis, recorreram à sua maternal intercessão. E, como mestra, Maria, com a sua vida ilibada, continua a ser modelo para os filhos da Igreja. Se Maria é Mãe da Igreja o é porque, concomitantemente, é Filha da Igreja, a mais venturosa da prole da Esposa de Cristo.



A Virgem Maria é para o corpo eclesial modelo de fé e caridade; por isso é “typos”. Maria inspira a Igreja em seu serviço caritativo em favor do próximo, como também lhe move na fé incondicional ao seu Deus. Maria, que peregrinou na fé, alcançou, quando do fim de seus dias nesta terra, a sua glorificação diante de Deus e dos homens. Maria enche-nos de esperança para caminhar nesta terra com o olhar voltado para o céu. Com esta expectativa e com a intercessão daquela a quem denominamos Mater Ecclesiae, a Senhora dos Prazeres, a Igreja alcançará, depois da jornada fatigante pelas vicissitudes da história neste exílio temporal, o seu trunfo: a glória da Santíssima Trindade. A quem seja dada a glória pelos séculos dos séculos!

sábado, 25 de agosto de 2012

XXI DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano B – 26 de agosto de 2012)




I Leitura: Js 24,1-2a.15-17.18b
Salmo Responsorial: Sl 33(34),2-3.16-17.18-19.20-21.22-23 (R/.9a)
II Leitura: Ef 5,21-22
Evangelho: Jo 6,60-69 (“Senhor, a quem iremos nós?”)


Queridos irmãos,


Nossa vida é marcada pelas escolhas. Por meio das nossas opções, construímos a nossa história. Para nós, crentes em Deus, todas as vezes que escolhemos mal, caímos no pecado. É quando apostamos no espectro da nossa autossuficiência e potência que caímos na presunção de construirmos nossos ídolos. Às vezes, esses ‘deuses’ que idolatramos estão fora de nós e se caracterizam pelo ter e pelo poder. Porém, em tantos outros momentos, esses divos são o nosso ser: nos idolatramos. E, lógico, todas as vezes em que temos a pretensão de sermos absolutos, esquecemo-nos de Deus, abandonando-o.


A Liturgia da Palavra de hoje, em especial a Primeira Leitura e o Evangelho, nos põe em xeque e questiona-nos: A quem seguimos? Qual o papel que Deus ocupa em nossa vida?


No Evangelho, logo após o discurso do Senhor acerca do Pão da Vida, temos as reações dos discípulos diante da afirmação do Senhor, da sua autorrevelação: “Ego Sum Panis Vivus qui de caelo descendi si quis manducaverit ex hoc pane vivet in aeternum et panis quem ego dabo caro mea est pro mundi vita” – Eu Sou o Pão Vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo (Jo 6, 51). Sim, reações porque são duas: a dos discípulos que abandonaram o seguimento do Senhor, escandalizados: “Durus est hic sermo quis potest eum audire” – Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la? (Jo 6,60); e a dos discípulos que permaneceram com o Senhor, de cujas palavras São Pedro as verbaliza: “Domine ad quem ibimus verba vitae aeternae habes et nos credidimus et cognovimus quia tu es Christus Filius Dei” – A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus (Jo 6,68-69).


Mas, por que destas duas reações? O próprio Senhor, nesta mesma perícope, vai dizer o porquê: “Nemo potest venire ad me nisi fuerit ei datum a Patre meo” – Ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai (Jo 6,65). Ora, o Pai quer a todos, por isso atrai indistintamente a todos. O que nos cabe é deixar o coração aberto às moções de fé do Espírito Santo, que vivifica o nosso espírito e vida, e, dessa forma, fielmente, abrir-nos à ação de Deus, que, por sua vez, não é invasivo, mas respeita a decisão de cada um. O ‘amém’ dado com o nosso espírito (ainda que seja tíbio) vale muito mais do que belíssimas prédicas pronunciadas por uma boca mentirosa. À medida em que cremos no Cristo sofredor, vivo e glorioso, proclamando-o Senhor de tudo, inclusive de nossa existência, e assim seguimo-lo, com certeza estamos assumindo a mesma postura de comprometimento de fé e vida que São Pedro deu em nome dos que ficaram: “Domine ad quem ibimus verba vitae aeternae habes et nos credidimus et cognovimus quia tu es Christus Filius Dei”.


Na Primeira Leitura, contemplamos Josué e todo o povo hebreu, recém-adventícios à Terra Prometida por Deus a eles. Aí, livremente, Josué e o povo são incitados a uma escolha: a quem deveriam seguir: aos deuses mesopotâmicos, às divindades amorreias ou ao Senhor. Esta preferência marcará toda a sua vida e futuro. Por isso, Josué ao invitar o povo a uma resposta de fé, já deixa óbvio qual a sua decisão: “Ego autem et domus mea serviemus Domino” – Quanto a mim e a minha família, nós serviremos ao Senhor (Js 24,15). No entanto, o povo hebreu não se decide por um desconhecido, mas por alguém que está próximo dele. É por isso que Josué relembra ao povo tudo quanto Deus havia feito em toda a sua história, desde Abraão até aquele momento capital. O povo, de olho nas maravilhas do seu poder manifestado entre eles, valoriza mais o fazer do que o ser de Deus. No entanto, mesmo assim eles dizem: “Et ait absit a nobis ut relinquamus Dominum et serviamus diis alienis. Dominus Deus noster ipse eduxit nos et patres nostros de terra Aegypti de domo servitutis fecitque videntibus nobis signa ingentia et custodivit nos in omni via per quam ambulavimus et in cunctis populis per quos transivimus” Longe de nós abandonarmos o Senhor para servir outros deuses. O Senhor é o nosso Deus, ele que nos tirou, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da servidão; e que operou à nossa vista maravilhosos prodígios e guardou-nos ao longo de todo o caminho que percorremos, entre todos os povos pelos quais passamos” (Js 24,17). Ainda que, não em um futuro não muito distante daquele momento, o povo eleito de Deus, da primitiva aliança, não leve a cabo aquilo que dissera neste trecho apresentado há pouco, e cai na infidelidade para com o Deus Único. Tal como nossa inconstância humana costuma fazer-nos.


Também é interessante a forma pela qual o povo hebreu reconhece o Adonai como seu Deus: “Dominus Deus noster ipse eduxit nos et patres nostros de terra Aegypti de domo servitutis fecitque videntibus nobis signa ingentia et custodivit nos in omni via per quam ambulavimus et in cunctis populis per quos transivimus. Igitur Domino quia ipse est Deus noster” – Porque o Senhor, nosso Deus, ele mesmo, é quem nos tirou, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da escravidão. Foi ele quem realizou esses grandes prodígios diante de nossos olhos, e nos guardou por todos os caminhos por onde peregrinamos, e no meio de todos os povos pelos quais passamos. Portanto, nós também serviremos ao Senhor, porque ele é nosso Deus (Js 24,17-18). Enquanto Josué serve o Senhor Deus de coração livre, o povo segui-lo-á por conta do que ele operou em seu meio. Se Israel continuasse no seguimento, ainda que fosse com esta motivação das maravilhas obradas, seria um seguimento válido e, portanto, um caminho de realização, de felicidade.


“Servi o Senhor com alegria (Sl 99,2)”, eis o que nos propõe o salmo. Serviço a Deus é seguimento e vice-versa. Neste intuito, trilhemos a nossa vida. Somente no serviço e no seguimento haveremos de provar e ver a suavidade do Senhor, tal como nos propõe o Salmo Responsorial da Liturgia deste domingo em seu refrão (cf. Sl 33,9a).

terça-feira, 21 de agosto de 2012

A VIDA DE SÃO PIO X, O EXCELSO FUNDADOR E PADROEIRO SECUNDÁRIO DA ARQUIDIOCESE DE ARACAJU


Por Thiago Menezes



Queridos irmãos e irmãs,


A Diocese de Aracaju está em festa, pois nesta terça-feira, 21, a Igreja de Cristo faz memória litúrgica ao Papa São Pio X, Fundador da Diocese de Aracaju. Em honra ao nosso Excelso co-padroeiro Arquidiocesano, o Papa Bento XVI nos comunicará na sua Catequese, mais sobre a vida daquele que tanto nos ama e intercede por nós, em particular a diocese confiada também ao seu patrocínio intercessor. Diz-nos o Sucessor de São Pedro e, consequentemente, de São Pio X:



“Hoje, desejo ater-me à figura do meu Predecessor São Pio X, sublinhando alguns traços que podem ser úteis também para os Pastores e os fiéis do nosso tempo.


Giuseppe Sarto, assim era o seu nome, nasceu em Riese (Treviso), em 1835, em uma família de camponeses. Depois de estudar no Seminário de Pádua, foi ordenado sacerdote aos 23 anos. No começo, foi vigário em Tombolo, após pároco em Salzano, depois cônego da catedral de Treviso, com o encargo de chanceler episcopal e diretor espiritual do Seminário Diocesano. Nestes anos de rica e generosa experiência pastoral, o futuro Pontífice mostrou aquele profundo amor a Cristo e à Igreja, aquela humildade e simplicidade e aquela grande caridade com relação aos mais necessitados, que foram características de toda a sua vida. Em 1884, foi nomeado Bispo de Mântua e, em 1893, Patriarca de Veneza. Em 4 de agosto de 1903, foi eleito Papa. 



O pontificado de São Pio X deixou um sinal indelével na história da Igreja e foi caracterizado por um notável esforço de reforma, sintetizado no seu lema Instaurare omnia in Christo (Renovar todas as coisas em Cristo). Suas intervenções, de fato, envolveram os diversos ambientes eclesiais. Desde o início, dedicou-se à reorganização da Cúria Romana; após, deu início aos trabalhos para a redação do Código de Direito Canônico, promulgado pelo seu Sucessor, Bento XV. Promoveu, em seguida, a revisão dos estudos e do "iter" (processo) de formação dos futuros sacerdotes, fundando também vários Seminários regionais, equipados com boas bibliotecas e professores preparados. Outro setor importante foi aquele da formação doutrinal do Povo de Deus. Desde os anos em que era pároco, havia escrito ele próprio um catecismo e, durante o episcopado em Mântua, trabalhou a fim de se chegasse a um catecismo único, se não universal, pelo menos italiano. Como autêntico pastor, havia entendido que a situação da época, também devido ao fenômeno da emigração, tornava necessário um catecismo a que todos os fiéis pudessem recorrer independentemente do local e das circunstâncias da vida. Como Pontífice, preparou um texto de doutrina cristã para a Diocese de Roma, que se difundiu  depois por toda a Itália e no mundo. Esse Catecismo é chamado ‘de Pio X’.


Notável atenção dedicou à reforma da Liturgia, em particular da música sacra, para conduzir os fiéis a uma mais profunda vida de oração e a uma mais plena participação nos Sacramentos. No Motu Proprio Tra le sollecitudini (1903, primeiro ano de seu pontificado), ele afirma que o verdadeiro espírito cristão tem a sua primeira e indispensável fonte na participação ativa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja (cf. ASS 36 [1903], 531). Por isso, recomendou a recorrência frequente aos sacramentos, favorecendo a frequência cotidiana à Santa Comunhão, bem preparados, e antecipando oportunamente a Primeira Comunhão das crianças para em torno de sete anos de idade, "quando a criança começa a raciocinar" (cf. Sagrada Congregação De Sacramentis, Decretum Quam singulari)



Fiel à missão de confirmar os irmãos na fé, São Pio X, frente a algumas tendências que se manifestaram no contexto teológico no final do século XIX e início do século XX, interveio decisivamente, condenando o ‘Modernismo’, para defender os fiéis das concepções errôneas e promover um aprofundamento científico da Revelação em consonância com a Tradição da Igreja. Em 7 de maio de 1909, com a Carta Apostólica Vinea electa, fundou o Pontifício Instituto Bíblico. Os últimos meses de sua vida foram marcados pelos clarões da guerra. O apelo aos católicos do mundo, lançado em 2 de agosto de 1914 para expressar "a amargura" do momento presente, foi o grito sofredor do pai que vê os filhos se colocarem uns contra os outros. Morreu pouco tempo depois, em 20 de agosto, e a sua fama de santidade começou a se espalhar rapidamente entre os Cristãos.


Queridos irmãos e irmãs, São Pio X ensina a nós todos que a base da nossa ação apostólica, nos vários campos em que atuamos, sempre deve ser uma íntima união pessoal com Cristo, a se cultivar e crescer dia após dia. Esse é o núcleo de todo o seu ensinamento, de todo o seu compromisso pastoral. Somente se estamos enamorados pelo Senhor seremos capazes de levar os homens a Deus e apresentá-los a Seu amor misericordioso, e, assim, apresentar o mundo à misericórdia de Deus” (Catequese do dia dezoito de agosto de 2010).


Rogai por nós, São Pio X. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo!

sábado, 18 de agosto de 2012

SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA


                                                        (Ano B – 19 de agosto de 2012)



Liturgia da Palavra da Vigília:
I Leitura: 1Cr 15,3-4.15-16; 16,1-2
Salmo Responsorial: Sl 131 (132),6-7.9-10.13-14 (R/. 8)
II Leitura: 1Cor 15,54-57
Evangelho: Lc 11,27-28 (“Felizes os que ouvem a palavra de Deus”)

Liturgia da Palavra do dia:
I Leitura: Ap 11,19a; 12,1.3-6a.10ab
Salmo Responsorial: Sl 44 (45),10bc.11.12ab.16 (R/. 10b)
II Leitura: 1Cor 15,20-27a
Evangelho: Lc 1,39-56 (Cântico de Maria)


Queridos irmãos,


Hoje a Bem-Aventurada Virgem Maria, após a sua santa e benfazeja trajetória nesta terra, foi elevada ao Céu em corpo e alma pelos santos anjos. Sim, meus irmãos, a Igreja celebra hoje a gloriosa Assunção de Maria Santíssima, aquela que, preservada da nódoa do pecado, gerou em seu coração e em seu ventre o Salvador do gênero humano, pois a terra não poderia corromper o que fora resguardado pelo próprio Deus: o castíssimo corpo de Maria, casto integralmente, pois o pecado nunca a acabrunhou. A criatura cheia de Deus foi ornada pelos dons mais altos, desde esta vida terrenal, porque foi fiel ao seu Senhor.


Contemplamos hoje Maria adentrando, como criatura, no seio da Trindade. Ela antecipa-nos porque é typus da Igreja. Maria, a única das criaturas a possuir tal proeza - a de ser elevada ao céu de corpo e espírito, não por méritos próprios, mas pelos de Cristo (por isso ser assunção e não ascensão) –, embute nos que ainda participam da Igreja militante uma esperança inenarrável (“Por ele [por Cristo] é que tivemos acesso a essa graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança de possuir um dia a glória de Deus […] E a esperança não engana” (Rm 5,2.5).


Dizíamos que Maria, após o seu trajeto aqui nesta terra, foi elevada ao céu, o que não significa dizer que no céu ela não tenha uma missão: a de intercessora. Quem melhor do que ela soube amar a Deus? E, porque muito amou, recebe como justíssima recompensa um lugar privilegiado no Céu e na vida da Igreja. Neste sentido, o hino das Vésperas desta solenidade de hoje entoa: “Os anjos apregoam-te Rainha,/ e apóstolos, profetas, todos nós: /no mais alto da Igreja estás sozinha, /da divindade após”. Sim, em importância, Maria encontra-se infinitamente abaixo de Deus por ser criatura, mas está na mais remota dianteira se comparada com os anjos e com o restante da criação. E, por estar mais próxima de Deus do que qualquer outra pessoa angélica ou humana, ela, melhor do que ninguém, pode pedir por nós. E a sua Assunção é este inicial. Pura desde esta terra, Maria retorna a Deus sem deixar os seus irmãos, os seus filhos, para diante da Trindade, e por ela, receber a coroa da eternidade, a glória dos santos e, assim, interceder por nós. A Igreja, desde cedo, compreendeu tal realidade de Maria: “Em vosso parto, guardastes a virgindade; em vossa dormição, não deixastes o mundo, ó Mãe de Deus: fostes juntar-vos à fonte da vida, vós que concebestes o Deus vivo e, por vossas orações, livrareis nossas almas da morte” (Liturgia Bizantina, Tropário da festa da Dormição).
Maria assunta ao céu é o início do que dissera São Paulo: “Aqueles que Deus predestinou, também os chamou. E aos que chamou, também os tornou justos; e aos que tornou justos, também os glorificou” (Rm 8,30). Maria, predestinada antes da criação do mundo para ser a Mãe de Cristo, redimida antes de todos nós, é a primeira a colher em plenitude os frutos da Ressurreição do Senhor: “Ora, se morremos com Cristo, cremos que viveremos também com ele, pois sabemos que Cristo, tendo ressurgido dos mortos, já não morre, nem a morte terá mais domínio sobre ele” (Rm 6,8); e mais: “juntamente com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus”. (Ef 2,6). Desta forma, se seremos conformes ao Cristo glorioso, Maria já o é antecipadamente, pois, como dissera o Servo de Deus Pio XII, quando da proclamação do Dogma da Assunção de Nossa Senhora, o mais recente do corpus dogmaticus: “Finalmente, a Imaculada Virgem, preservada imune de toda mancha de culpa original, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celeste. E para que mais plenamente estivesse conforme a seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte, foi exaltada pelo Senhor como Rainha do universo”.


Quando a Igreja proclama solenemente um dogma de fé, é porque, de há muito, ela já percebe que tal verdade se encontra no coração, no patrimônio de sua fé, de sua Tradição proveniente dos Apóstolos (inclusive a Sagrada Liturgia), que também é Palavra de Deus, tal como a Sagrada Escritura. Por tal justificativa, Pio XII, na Constituição Apostólica Munificentíssimus Deus, afirma: “Os fiéis, guiados e instruídos pelos pastores, souberam por meio da Sagrada Escritura que a virgem Maria, durante a sua peregrinação terrestre, levou vida cheia de cuidados, angústias e sofrimentos; e que, segundo a profecia do santo velho Simeão, uma espada de dor lhe traspassou o coração, junto da cruz do seu divino Filho e nosso Redentor. E do mesmo modo, não tiveram dificuldade em admitir que, à semelhança do seu unigênito Filho, também a excelsa Mãe de Deus morreu. Mas essa persuasão não os impediu de crer expressa e firmemente que o seu sagrado corpo não sofreu a corrupção do sepulcro, nem foi reduzido à podridão e cinzas aquele tabernáculo do Verbo divino. Pelo contrário, os fiéis iluminados pela graça e abrasados de amor para com aquela que é Mãe de Deus e nossa Mãe dulcíssima, compreenderam cada vez com maior clareza a maravilhosa harmonia existente entre os privilégios concedidos por Deus àquela que o mesmo Deus quis associar ao nosso Redentor. Esses privilégios elevaram-na a uma altura tão grande, que não foi atingida por nenhum ser criado, excetuada somente a natureza humana de Cristo” (n. 14).


Consorte aos fiéis, os Santos Padres da Igreja e outros homens inspirados muito afirmaram acerca desta verdade de fé. Já no fim do século VII e despontar do VIII, temos São João Damasceno que ensinava tal prerrogativa da bendita Mãe de Deus. Consoante, temos outro mais antigo, São Germano de Constantinopla (de meados do século VII), que se dirige à Mãe de Deus com estes termos: “Vós, como está escrito, aparecestes ‘em beleza’; o vosso corpo virginal é totalmente santo, totalmente casto, totalmente domicílio de Deus de forma que até por este motivo foi isento de desfazer-se em pó; foi, sim, transformado, enquanto era humano, para viver a vida altíssima da incorruptibilidade; mas agora está vivo, gloriosíssimo, incólume e participante da vida perfeita” (In Sanctam Dei Genitricis Dormitionem, sermo I). Posteriormente, já na Idade Média, Santo Antônio de Pádua (século XIII) veementemente ratifica o sensus fidelium: “Assim como Jesus Cristo ressuscitou triunfante da morte e subiu para a direita do Pai, assim também ressuscitou a Arca da sua santificação, quando neste dia a Virgem Mãe foi assunta ao tálamo celestial” (Sermones dominicales et in solemntatibus, In Assumptione Sanctae Mariae Virginis Sermo). E, percorrendo toda a vida histórica da Igreja através de tantos santos e pensadores cristãos que ainda vivem e proclamam a sua fé por meio de seus escritos e do que disseram, somos invitados pela Mater Ecclesia a olhar o mais recente Concílio, o jubilar Vaticano II, e redescobrirmos por meio dele a nossa fé na Mãe de Deus, na sua gloriosa Assunção: “A Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que se há de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor (cf. 2 Pd. 3,10)” (LG 68).


Mas como, de há muito, a Igreja percebeu, ainda que com fontes históricas rudimentares, tal verdade de fé? Porque, guardiã dos divinos ensinamentos do seu fundador e assistida pelo Espírito Santo, ela vê em Maria as referências já acenadas pela Escritura Sagrada em diversas passagens, dentre as quais: “Quem é esta que sobe do deserto apoiada em seu bem-amado? Sob a macieira eu te despertei, onde em dores te deu à luz tua mãe, onde em dores te pôs no mundo tua mãe” (Ct 8,5); ou, como nos relata a Primeira Leitura do dia da solenidade, referindo-se à Maria e à Igreja: “Abriu-se o templo de Deus no céu e apareceu, no seu templo, a arca do seu testamento […] Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas” (Ap 11,19-12,1). A Igreja entende que ao professar a fé também na Assunção de Maria, manifesta a sua confiança e esperança: “E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir” (Credo Niceno-Constantinopolitano), cumprimento da Palavra do Senhor, já realizado na Beatíssima Virgem Maria: “Quando este corpo corruptível estiver revestido da incorruptibilidade, e quando este corpo mortal estiver revestido da imortalidade, então se cumprirá a palavra da Escritura: A morte foi tragada pela vitória (Is 25,8). Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão (Os 13,14)?” (1 Cor 15,54-55), como nos afirma a Primeira Leitura da Missa da Vigília desta solenidade.

sábado, 11 de agosto de 2012

XIX DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano B – 12 de agosto de 2012)


I Leitura: 1Rs 19,4-8
Salmo Responsorial: Sl 33(34),2-3.4-5.6-7.8-9 (R/. 9a)
II Leitura: Ef 4,30-5,2
Evangelho: Jo 6,41-51 (Ouvir o Pai e crer)


Queridos irmãos,


Quantas vezes em nossa vida sentimo-nos como que acabrunhados, fatigados pela aparente futilidade de nossa existência? Nada nos parece ter sentido diante do sofrimento e de tantas situações que nos interpela e exige? O sentimento que invadiu o coração do profeta Elias, não raras vezes, tenta habitar o nosso interior. É no deserto de nosso viver que pensamos em desistir de tudo e, quando nada mais parece ter jeito, no meio da desolação do nosso interior ressequido, encontramos um refúgio: Deus – representado na Primeira Leitura pelo junípero – e, em vez de nos reclinarmos e descansarmos sob a sua proteção, não tardamos a reclamar: “Agora basta, Senhor! Tira a minha vida, pois eu não sou melhor que meus pais” (1Rs 19,4). Eis que o Senhor nos surpreende. O seu amor providente invita-nos: “Levanta-te e come! Ainda tens um longo caminho a percorrer” (1Rs 19, 7).


Elias entrou deserto adentro porque fugia da mulher de Acab, rei de Israel, Jezabel, que lhe queria morto, já que o profeta denunciou as suas práticas pecaminosas, bem como as do rei, seu marido. Antes disso, Elias tenta lutar com as suas forças, o que lhe pareceu ser em vão. Por isso, desanima e ruma ao deserto, para desistir de si. Esquece-se que é um enviado de Deus, que fala em seu nome, lhe é amigo. Quando Elias não possui mais forças próprias, chegando a ponto de deixar a dura peleja de sua vida e missão, Deus, como que lhe diz: “Agora é a minha vez, Elias. Eu sou a tua força. ‘Levanta-te e come! Ainda tens um longo caminho a percorrer’” (1Rs 19,7). Deus beneficia as forças do profeta com alimento e bebida misteriosos que vieram do céu. Seria o pão do caminho. E o autor sagrado prossegue: “Elias levantou-se, comeu e bebeu, e, com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus” (1Rs 19,8).


Faz-se interessante, recorrermos à teologia deste texto. Já falamos anteriormente acerca do significado espiritual e existencial do deserto no qual Elias adentrou: é a aridez da existência transviada de Absoluto, ressecada pelo pecado. A caminhada de um dia realizada pelo profeta quer e pode-se associar à ideia de que trilhar pelos caminhos de um deserto causticante de uma vida absorta na miséria humana, sem expectativas de Deus, é uma desventura árdua, que nos faz abater ainda mais as forças, as nossas energias. O junípero, como que um oásis, abriga o homem neste seu estado de inquietação, de impaciência, dando-lhe refrigério, ocasião para restauro. Deus, como já aludimos, é a vida segura num deserto de tribulações. É no junípero, árvore cônica, cujas folhagens apontam para o céu infinito, tal como Abraão no carvalho de Mambré no maior calor do dia, que encontramos o Senhor e, ainda mais, ele nos alimenta. Os quarenta dias que o profeta percorre rumo ao Horeb, representa a nossa caminhada de exílio rumo ao céu, figurado pelo Monte de Deus, o Horeb.


Mas, o que representa o alimento dado ao profeta pelo próprio Deus senão o Pão para a jornada chamado Eucaristia: da figura (pão unicamente material servido pelo anjo ao profeta) à realidade (o Cristo total sacramentados nos sinais do pão e do vinho). Não é sem motivo que um dos nomes do sublímissimo Sacramento do Altar é viático, provisão para o caminho. Designa assim que o Corpo de Cristo é sinal de conforto de vida aos que, fugindo das perseguições e malquerenças do mundo, quando tudo parece estar encerrado, entregam as suas vidas nas mãos de Deus pela entrega de Deus feito Pão, feito alimento. E qual é a função do alimento? Ele sustém-nos a fim de que possamos realizar vigorosamente as nossas atividades. A Eucaristia sustém o homem que caminha rumo ao sentido da verdadeira realização de sua existência: o céu, o próprio Deus; é nele que o homem alcança a sua plenitude. Que mistério inefável: Deus leva o homem a Deus; Deus atrai o homem a si.


No Evangelho de hoje, vemos, logo no início do texto, o dado da murmuração dos judeus porque Jesus dissera ser o Pão descido do céu. Interessante é notar que, momentos antes, ao de multiplicar os pães, Jesus o faz, não porque o povo havia pedido, mas por ter sido sensível e pronto às suas necessidades. Por tal motivo, posteriormente, Jesus afirmar: “Em verdade, em verdade vos digo: buscais-me, não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes fartos. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que dura até a vida eterna, que o Filho do Homem vos dará. Pois nele Deus Pai imprimiu o seu sinal” (Jo 6,26-27). E, a partir daí, ele inicia o discurso do Pão da Vida, desapontando os judeus, já que esperavam um Messias milagreiro, conveniente aos seus bel-prazeres, inclusive às suas necessidades mais prementes como é a comida. Enquanto Jesus estava falando de uma realidade superior, o Pão de vida verdadeira (o que em grego chamamos ζωέ, zoé) e não de vida perecível (βίος: bios). Os judeus estavam tão enganados acerca do Cristo que, sentindo-se cômodos com um Jesus meramente provedor de um pão banal, dizem: “Este é verdadeiramente o profeta que há de vir ao mundo” (Jo 6,14). Sim, Jesus é a voz mais eloquente de Deus, é a concretude de toda profecia, mas não o é porque faz milagres, inclusive de dar pães, comida, mas porque, compadecido das nossas misérias, a fim de salvar-nos, oferece-se inteiramente, dando-nos vida em Deus (zoé). Esta vida dada pelo Senhor no alto de sua cruz, de seu sacrifício redentor, é atualizada e dada a nós na Missa, epla Eucaristia. Os sacramentos, inclusive a Eucaristia, são meios ordinários da Graça.


Jesus ao dizer: “Não murmureis entre vós” (v. 43), é como se quisesse dizer: “Acertastes quando dissestes que eu não sou aquele que vós suponhais que eu seja. Vós pensastes falsamente acerca de mim. ‘Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai’” (v. 44). O que é necessário para o que o Pai possa atrair alguém? Deus quer a todos. Logo, potencialmente, todos são atraídos por Ele. O que nos impede de sermos solícitos à atração do Pai é o nosso fechamento a Ele, um entorpecimento à sua Graça. A este esquivar-se muitos o denominam ateísmo, indiferentismo, laxismo... Se tivermos sede de Deus, deixemo-nos contagiar pelo seu amor sempre e sempre mais. Se o Pai atrai-nos a Jesus, o Filho nos dá a vida eterna em Deus. Neste sentido, Santo Agostinho afirma: “O Senhor quis dar a conhecer o que Ele era. Por isto diz: ‘Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim tem a vida eterna’, como se dissesse: O que crê em mim, me tem. E o que ter-me? Ter a vida eterna. E a vida eterna é o Verbo que no princípio estava com Deus e a vida era luz dos homens (cf. Jo 6,4). A vida assumiu a morte, para que a morte fosse destruída pela vida” (In Ioannem tract., 26).


Ao intitular-se: “Eu Sou o Pão da vida” (v. 48), Jesus utiliza um recurso já empregado por Deus no Sinai ao revelar o seu nome a Moisés: “EU SOU AQUELE QUE SOU […] EU SOU envia-me junto de vós.” (Ex 3,14). Prontamente, poderíamos sintetizar com a autodenominação: Deus Pão da Vida. Na Eucaristia, Deus é o nosso Pão, faz-se nosso alimento eterno, pois, o que vemos aqui sob os véus dos sacramentos, veremos em plenitude na glória dos eleitos: Deus; saciamo-nos grandemente de Deus sob as espécies do pão e do vinho consagrados no altar porque, na pátria dos eleitos, deleitar-nos-emos da presença indescritível de Deus, o mesmo que já o recebemos no Santíssimo Sacramento e sentimo-lo.


“Eu sou o Pão vivo descido do céu. Quem comer deste Pão viverá eternamente. E o Pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (v. 51). Muito mais do que o maná que caiu temporariamente do céu para os que rumavam à Terra Prometida, o ‘Pão-Cristo’ desceu da glória do céu, onde estava eternamente porque é Deus. Este Pão dá a imortalidade divina à criatura; este Pão é carne do próprio Cristo.


Mesmo sendo todos convidados para o banquete do Pão da Vida (“Provai e vede quão suave é o Senhor” – Sl 33,9, como invita-nos o Salmo Responsorial), faz-se mister que pela Eucaristia, tornemo-nos seres ‘eucaristizados’. Destarte, afirmamos fazendo alusão ao imperativo de São Paulo na Segunda Leitura de hoje: “Sede imitadores de Deus” (Ef 5,1). Este assumir os mesmos sentimentos de Jesus faz-nos dependentes de Deus, inclusive na oração. A frequência assídua à mesa do Altar pela comunhão eucarística nos torna mais íntimos de Deus, nos ‘cristificamos’, fazendo-nos entrar na sua Glória, a mesma que contemplaremos de uma vez por todas no céu, obtendo, desde já a sua Graça. Também é louvável a contemplação dos mistérios de Deus pela adoração eucarística, pois também aí o cristão antevê o que olhos do espírito nunca se cansarão de visualizar na feliz eternidade, quando seremos “recapitulados em Cristo” (Ef 1,10).


Que sintamos sempre crescente em nós a fome de Deus e que, saciados pela Eucaristia, Pão dos viandantes, corramos, pressurosos, na via que nos é proposta – a nossa existência – alcançando a vida inacabável. Que valorizemos sempre mais o Sacramento do Altar, e que a Eucaristia por nós participada sempre produza com largueza os seus frutos em nosso interior, pois, como diz-nos São Pio de Pietrelcina: “Cada Missa bem assistida produz em nossa alma efeitos maravilhosos”.   

terça-feira, 7 de agosto de 2012

CONSIDERAÇÕES

Estimadíssimo leitor,

Há um bom tempo não nos comunicamos e refletimos juntos alguns aspectos concernentes à fé da nossa Igreja aqui neste nosso blog. Isto se deu por conta de atividades outras que nos tomaram enorme tempo, bem como adversidades afins. Estamos de volta! Espero que com vigor. Desculpe-nos a ausência! Foram as forças das circunstâncias.

Desde já, agradecemos a sua mui sensível compreensão!

Seminarista Everson Fontes

QUOD DEUS CONIUNXIT...


(O que Deus uniu...)




Em um mundo onde o erotismo está altamente em voga, de cujo efeito são provenientes tantos contra-valores adversos ao cristianismo, bem como relativizações inumeráveis. Inseridos em uma existência onde o sentir-se bem se confunde com atitudes egoístas, individualistas, somos levados, como seguidores da verdade do Evangelho, a Boa Nova de Jesus, transmitida fielmente pela Igreja Católica, a uma ponderação acerca do sacramento do matrimônio, inclusive a sua natureza, particularidade e finalidade.


São João, em sua carta, abertamente dirá qual é um dos atributos da essência de Deus: “Deus caritas est et qui manet in caritate in Deo manet et Deus in eo” (1Jo 4,16). Deus, que é amor, cria o homem por amor, e, chamando-o à vida, torna-lhe capaz de amar. Dentro desta capacidade, dá-lhe as condições necessárias para, em uma vida de entrega ao seu Deus, amar um semelhante, baseado em uma vida de comunhão, de maneira tal que não são mais dois seres, mas uma só carne (cf. Mt 19,6). Fazendo o homem capaz de amar, Deus comunica à essência humana um dos atributos de seu ser. Assim, a capacidade de amar como que diviniza o homem, tornando-o sublime.


A Palavra de Deus, o Verbo eterno, Jesus, nosso Salvador, no evangelho de Mateus 19,3-9, engrandece a ação do amor esponsal, ou seja, do homem para com a mulher e vice-versa. Para isso, o Senhor rememora o livro do Gênesis (2,24), para refutar a pretensiosa ideia do divórcio: Deus cria o homem e a mulher, e os une em uma só carne. Tal aceitação é, antes mesmo de ser um consentimento mútuo entre os noivos, uma adesão ao projeto de amor infinito que o Criador possui para as suas vidas. O sim que dão é, acima de tudo, a Deus, manifestado na pessoa que escolheram para dividir as suas existências, a partir do enlace matrimonial. É com a promessa de amor nas diversas circunstâncias da união matrimonial, que os nubentes celebram o sacramento do matrimônio, e não pensam mais em si sozinhos ou isoladamente, mas como uma só e mesma pessoa, claro que dentro da individualidade que cada um possui. Os seus pais, os seus bens, enfim, as suas vidas, inclusive as alegrias e tristezas, serão de ambos. Logo, o enlace não acontece apenas corporeamente, mas com tudo o que possuem. Aos olhos humanos, tal atitude abraçada por muitos é de difícil cumprimento, mas Deus dá as forças necessárias para cotidianamente serem cada vez mais um do outro, no Senhor. Tal pertença difere-se do sentimento de possessão; refere-se unicamente a ver Deus naquele que Ele, em seu desígnio, escolheu para colocar ao lado do outro, como uma realidade intimamente unida. Para isto, é sempre salutar recordar a exclamação que Adão faz ao ser apresentado a Eva: “Hoc nunc os ex ossibus meis et caro de carne mea haec vocabitur virago quoniam de viro sumpta est” (Gn 2, 23). Pelo sagrado matrimônio a esposa é parte constitutiva do ser de seu esposo, e vice-versa.


Pela firme decisão de deixar pai e mãe e se unir a um outrem, formando uma só carne, a pessoa completa-se através do amor e fidelidade, através da união com aquela outra com a qual se uniu. A tal atitude damos o nome de sacramento do Matrimônio, que não é um contrato entre um homem e uma mulher, como apregoa o conceito de casamento no Direito Civil, tampouco para em uma dimensão ritual como muitos pensam, mas é a partir das promessas e juras de fidelidade e amor entre um homem e uma mulher, bem como de estarem abertos aos planos de Deus, colaborando com o Criador em sua obra, estando abertos à vida de uma prole, através do testemunho e bênção da Esposa de Cristo, a Santa Igreja Católica, que, de fato, acontece o matrimônio cristão, que perdura até a morte de um dos cônjuges. Portanto, a união matrimonial é algo indispensável para que o homem se complete. O sacramento do matrimônio é de importância tamanha que é a máxima ideia de relação humana, já que se baseia na unicidade de dois seres.


O matrimônio cristão possui uma dupla finalidade: 1) Pelo sagrado vínculo do matrimônio acontece a unicidade daquele homem e mulher que o contraem (caráter unitivo); 2) A vida conjugal, dentro do sacramento do matrimônio, é a via mais querida por Deus para a geração da vida humana (caráter procriativo). A comunhão entre um homem e uma mulher unidos pelo vínculo matrimonial é tão estreita, tão profunda, que é capaz de gerar frutos: a vida. Teologicamente, esta ideia de unicidade dos cônjuges e de procriação entre eles é associada à relação de Cristo com a sua Igreja, pois o Senhor está tão unido a sua Amada, e esta, por sua vez, tão unida a seu Divinal Esposo, que é chamada de Sacramento de Cristo e, pelo setenário sacramental, de forma especial pelo Batismo, é que o Cristo faz nascer, no seio de sua Esposa, inúmeros filhos. Cristo e a Igreja são fiéis um ao outro, fazendo-nos entrever o imperativo de fidelidade que deve existir nos laços matrimoniais.


No Concílio de Trento, a Igreja reafirmou que todo o setenário sacramental da vida da Igreja foi instituição do próprio Jesus. Também o matrimônio, portanto, possui fundamentos e estruturas dados pelo próprio Deus, dentre estas leis temos a indissolubilidade do laço matrimonial, que não é uma união qualquer entre pessoas humanas, chegando a ser confundido com um relacionamento à toa. Pela sua própria natureza, o matrimônio rato e consumado é indissolúvel, devido ao caráter unitivo do sacramento. Ainda que a vida matrimonial não seja levada adiante por conta de alguns revezes, e o casal se separe, os cônjuges não são livres para obter uma nova união com um terceiro, a não ser que a Igreja detecte e expresse alguma nulidade (irregularidade) na celebração do primeiro matrimônio, graças à sua autoridade.


Os problemas inerentes à má interpretação e vivência do sacramento do Matrimônio ganha proporções maiores, abrangendo a família e, a partir desta, a sociedade. O matrimônio, com seu duplo aspecto unitivo e procriativo, gera a família. A instituição familiar é um núcleo e realidade natural; é fundamento da própria sociedade, já que a procriação é o princípio de novos membros para a atuação na sociedade, como pertencentes a ela; é igualmente a família o lugar primário de transmissão da cultura e do cultivo dos valores. Percebemos, então, a grandiosa importância de um seio familiar equilibrado sendo tido como um bem necessário e indispensável em todos os tempos. Aqui, habita o porquê de a família ter resguardos os seus direitos, sendo reconhecida como tal pela sociedade (de quem é mãe) e pelo Estado.


Se o matrimônio possui as suas leis divinamente instituídas, não há nenhuma necessidade de o sacramento ou, a partir deste, a vida matrimonial, serem arbitrariamente legislados por pessoas e sociedade, conforme opiniões ideológicas deturpadas e convencionadas segundo bel-prazeres. O matrimônio não é um fenômeno culturalmente regrado e convencionado dependentemente do ‘pensar de cada época’, mas embute em si um ideário divino, pois as leis do matrimônio encontram-se, desde a eternidade, escritas no coração amoroso de Deus. Por isso, a estabilidade do matrimônio e da família devem ser inalienáveis, independendo da intenção e da boa vontade dos implicados; é de caráter institucional, e, assim sendo, tem um caráter público, independente do reconhecimento jurídico por parte do Estado. Nunca se deve olvidar que também neste ponto referente ao equilíbrio matrimonial está relacionada a própria dignidade da prole como frutos de uniões íntimas marcadas pela constância e seguridade, proveniente de pais unidos. Esta necessidade é um velar eminente e inicial sobre os filhos, frutos de um amor entre os cônjuges. Com este pensamento, o matrimônio é uma gama de responsabilidade da qual “resulta um bem não só para os próprios cônjuges e filhos no seu crescimento afetivo e formativo, como também para os outros membros da família. […] O matrimônio é um bem fundamental e precioso para a sociedade inteira, cujos entrelaces mais firmes estão sob os valores que se manifestam nas relações familiares que encontram sua garantia no matrimônio estável. O bem gerado pelo matrimônio é básico para a própria Igreja, que reconhece na família a ‘Igreja doméstica’ (LG 11).


Observando, preocupada, as vicissitudes que se abatem sobre o Matrimônio cristão e sobre a instituição familiar, a Igreja se pronuncia contrária às uniões de fato, afirmando que desgraças inúmeras são constatadas quando “se vê comprometido com o abandono da instituição matrimonial implícito nas uniões de fato” (CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A FAMÍLIA. Família – Matrimônio e “Uniões de fato”. 26 de julho de 2000). Diante da cultura do descartável, o vínculo matrimonial deve ressoar como uma segurança de vida proporcionada por Deus àqueles que se deixaram entrelaçar por um amor comprometido e não por um torpe sentimento desenfreado e concupiscente de uma sexualidade desregrada, onde o que importa é um conforto momentâneo de vida proporcionado pelos prazeres e não por uma experiência séria de vida à dois, devidamente abençoada por Deus que os constituiu uma só carne pelo sacramento para isto destinado, o que deve ser um exemplo urgente para os pueris e juvenis, em meio de uma mentalidade marital deturpada de “se não der certo, nos separamos!” e de “se casamento fosse bom, não precisava testemunhas. Pra que padre, pra que juiz, se o que faz a gente ser feliz é amar e querer bem”, como a música ridiculariza.  


Há pouco tempo, a lei positiva do Brasil e, antes mesmo desta, as legislações outras de países diversos puseram em seus bojos o reconhecimento da união estável de pessoas do mesmo sexo, o que vulgarmente denominamos “casamento gay”. A lei brasileira chega ao cúmulo de nominar família a união homossexual, bem como a garantia de adoção de criança por estes indivíduos. Que reconheçam a união estável entre as pessoas do mesmo sexo é um mal menor; porém, não a denomine família, tampouco lhe ofereça o direito de adotar crianças. Isto afirmamos por razão lógica: com a eventual adoção infantil, a ausência da bipolaridade sexual cria obstáculos e incertezas no desenvolvimento normal das crianças, podendo chegar a um parâmetro irreversível na vida do que é adotado como filho, gerando complexos e conturbações sentimentais.


Relacionada a uma pretensa equiparação entre família e uniões homoafetivas, é algo contrário à verdade dos valores devidamente enraizados no coração e na saudável e antiquíssima cultura humana, não somente no Ocidente cristianizado, mas em todas as civilizações, em todas as épocas. Além do mais, esta equidade equivocada e forçada entre família e união estável de homossexuais anula diferenças substanciais, introduz conceitos monstruosos, ao tempo em que desacredita a família ordinária a todos os tempos e lugares e que tem o matrimônio como realidade originária.


Se a legislação brasileira outorga à união homossexual direitos equiparados ao de família no sentido lato do termo, questionamos se é-nos cabível criticarmo-la. Santo Tomás de Aquino ensina-nos que a lei positiva só “tem força de lei quando é justa e não contradiz a lei natural. Doutra forma já não seria lei, senão corrupção da lei” (LONDOÑO, Álvaro Mejía. Natureza, particularidade e finalidade do matrimônio cristão. In: Lumen Veritatis: Revista de Inspiração Tomista. Faculdade Arautos do Evangelho. Ano I, n. 4, julho a setembro de 2008). Logo, este despautério logradamente legal não tem força alguma de lei para pessoas sensatas, independentemente de serem cristãs ou não, pois a sociedade, há muito, está consorte no que se refere à noção básica de família, fundamentado na comunhão de vida entre um homem e uma mulher, devidamente abertos à geração da vida humana. A negação e ausência desta verdade elementar e fundamental relegariam a sociedade a uma destruição total, inclusive de valores, desconhecendo o que vem a ser bem comum e as verdades sobre o homem, dadas não apenas pela lei natural, como pela lei divinamente revelada.


Eis o que afirma a Congregação para a Doutrina da Fé acerca do reconhecimento civil das uniões homoafetivas: “Não existe nenhum fundamento para assimilar ou estabelecer analogias, nem mesmos as remotas, diante das uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família. O matrimônio é santo, enquanto as relações homossexuais contrastam com a lei moral natural. Na realidade, as relações homossexuais não permitem o dom da vida pelo ato sexual. Não são frutos de uma verdadeira complementação afetiva e sexual. Não podem receber aprovação em caso algum” (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Considerações acerca dos projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 03 de junho de 2003).


Para provar que existe uma ausência radical de caráter sexual, tanto no plano físico-biológico como no psicológico, que acontece apenas numa relação matrimonial, apontamos, inspirados em Álvaro Mejía Londoño, uma série de razões que se opõem a essas uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo: 1) De ordem racional: As leis, por serem conformes ao direito natural, devem ter em vista o bem comum e o bom senso, não cabendo ao Estado o incutir de leis que contrariem a instituição matrimonial, em nome de instituições meramente humanas e falsamente genéricas; 2) De ordem biológica e antropológica: Não existe nenhuma complementariedade fisiológica e sexual, não promovendo como fruto de um coito a vida; e, como afirmamos anteriormente, a adoção é de consequência desastrosa; 3) De ordem social: A sociedade só existe porque existe o relacionamento familiar tradicional (aliás, o homem, sujeito da sociedade, só advém pela copulação entre sexos distintos), baseado no matrimônio e nos valores aí nascidos; o reconhecimento das uniões homossexuais redefine arbitrariamente o conceito de matrimônio, pois não levaria em conta o que em sacramentologia chamamos matéria do sacramento do matrimônio: um homem e uma mulher; 4) De ordem jurídica: Se é de interesse público a preservação dos direitos humanos, deve-se igualmente resguardar o direito da procriação, uma união em que, potencialmente, seja privada a manifestação da vida humana (exceto em casos de esterilidade), não deveria ser tida pelo Direito Civil e pelas legislações ora vigentes como união estável.


Apontados alguns argumentos acerca da necessidade da defesa do matrimônio e da família tradicionais, fazemos votos de que a selvageria ocasionada pela ilogicidade dos contra-valores apregoados pela mentalidade hodierna de prazeres e benesses que minorias almejam (apoiados, tantas das vezes, pelas políticas populistas dos que nos governam) não abatam o bom senso e o bem comum tão válidos à humanidade, principalmente quando as estruturas milenares aparentam ruir, não pelas suas fragilidades, mas pelo intento comum de todos quantos são contrários à verdade. Que a ponderada razão humana saiba, iluminada pelas luzes do Altíssimo, discernir o que é realmente válido, justo e verdadeiro.