(O que
Deus uniu...)
Em um mundo onde o erotismo está altamente em voga, de cujo efeito são
provenientes tantos contra-valores adversos ao cristianismo, bem como
relativizações inumeráveis. Inseridos em uma existência onde o sentir-se bem se
confunde com atitudes egoístas, individualistas, somos levados, como seguidores
da verdade do Evangelho, a Boa Nova de Jesus, transmitida fielmente pela Igreja
Católica, a uma ponderação acerca do sacramento do matrimônio, inclusive a sua
natureza, particularidade e finalidade.
São João, em sua carta, abertamente dirá qual é um dos atributos da
essência de Deus: “Deus caritas est et qui manet in caritate in Deo manet
et Deus in eo” (1Jo 4,16). Deus, que é amor, cria
o homem por amor, e, chamando-o à vida, torna-lhe capaz de amar. Dentro desta
capacidade, dá-lhe as condições necessárias para, em uma vida de entrega ao seu
Deus, amar um semelhante, baseado em uma vida de comunhão, de maneira tal que
não são mais dois seres, mas uma só carne (cf. Mt 19,6). Fazendo o homem capaz
de amar, Deus comunica à essência humana um dos atributos de seu ser. Assim, a
capacidade de amar como que diviniza o homem, tornando-o sublime.
A Palavra de Deus, o Verbo eterno, Jesus, nosso Salvador, no evangelho
de Mateus 19,3-9, engrandece a ação do amor esponsal, ou seja, do homem para
com a mulher e vice-versa. Para isso, o Senhor rememora o livro do Gênesis
(2,24), para refutar a pretensiosa ideia do divórcio: Deus cria o homem e a mulher,
e os une em uma só carne. Tal aceitação é, antes mesmo de ser um consentimento
mútuo entre os noivos, uma adesão ao projeto de amor infinito que o Criador
possui para as suas vidas. O sim que dão é, acima de tudo, a Deus, manifestado
na pessoa que escolheram para dividir as suas existências, a partir do enlace
matrimonial. É com a promessa de amor nas diversas circunstâncias da união
matrimonial, que os nubentes celebram o sacramento do matrimônio, e não pensam
mais em si sozinhos ou isoladamente, mas como uma só e mesma pessoa, claro que
dentro da individualidade que cada um possui. Os seus pais, os seus bens, enfim,
as suas vidas, inclusive as alegrias e tristezas, serão de ambos. Logo, o
enlace não acontece apenas corporeamente, mas com tudo o que possuem. Aos olhos
humanos, tal atitude abraçada por muitos é de difícil cumprimento, mas Deus dá
as forças necessárias para cotidianamente serem cada vez mais um do outro, no
Senhor. Tal pertença difere-se do sentimento de possessão; refere-se unicamente
a ver Deus naquele que Ele, em seu desígnio, escolheu para colocar ao lado do
outro, como uma realidade intimamente unida. Para isto, é sempre salutar
recordar a exclamação que Adão faz ao ser apresentado a Eva: “Hoc nunc os ex
ossibus meis et caro de carne mea haec vocabitur virago quoniam de viro sumpta
est”
(Gn 2, 23). Pelo sagrado matrimônio a esposa é parte constitutiva do ser de seu
esposo, e vice-versa.
Pela firme decisão de deixar pai e
mãe e se unir a um outrem, formando uma só carne, a pessoa completa-se através
do amor e fidelidade, através da união com aquela outra com a qual se uniu. A
tal atitude damos o nome de sacramento do Matrimônio, que não é um contrato entre
um homem e uma mulher, como apregoa o conceito de casamento no Direito Civil,
tampouco para em uma dimensão ritual como muitos pensam, mas é a partir das
promessas e juras de fidelidade e amor entre um homem e uma mulher, bem como de
estarem abertos aos planos de Deus, colaborando com o Criador em sua obra,
estando abertos à vida de uma prole, através do testemunho e bênção da Esposa
de Cristo, a Santa Igreja Católica, que, de fato, acontece o matrimônio
cristão, que perdura até a morte de um dos cônjuges. Portanto, a união
matrimonial é algo indispensável para que o homem se complete. O sacramento do
matrimônio é de importância tamanha que é a máxima ideia de relação humana, já
que se baseia na unicidade de dois seres.
O matrimônio cristão possui uma
dupla finalidade: 1) Pelo sagrado vínculo do matrimônio acontece a unicidade
daquele homem e mulher que o contraem (caráter unitivo); 2) A vida conjugal,
dentro do sacramento do matrimônio, é a via mais querida por Deus para a
geração da vida humana (caráter procriativo). A comunhão entre um homem e uma
mulher unidos pelo vínculo matrimonial é tão estreita, tão profunda, que é
capaz de gerar frutos: a vida. Teologicamente, esta ideia de unicidade dos
cônjuges e de procriação entre eles é associada à relação de Cristo com a sua
Igreja, pois o Senhor está tão unido a sua Amada, e esta, por sua vez, tão
unida a seu Divinal Esposo, que é chamada de Sacramento de Cristo e, pelo
setenário sacramental, de forma especial pelo Batismo, é que o Cristo faz nascer,
no seio de sua Esposa, inúmeros filhos. Cristo e a Igreja são fiéis um ao outro,
fazendo-nos entrever o imperativo de fidelidade que deve existir nos laços
matrimoniais.
No Concílio de Trento, a Igreja
reafirmou que todo o setenário sacramental da vida da Igreja foi instituição do
próprio Jesus. Também o matrimônio, portanto, possui fundamentos e estruturas
dados pelo próprio Deus, dentre estas leis temos a indissolubilidade do laço
matrimonial, que não é uma união qualquer entre pessoas humanas, chegando a ser
confundido com um relacionamento à toa. Pela sua própria natureza, o matrimônio
rato e consumado é indissolúvel, devido ao caráter unitivo do sacramento. Ainda
que a vida matrimonial não seja levada adiante por conta de alguns revezes, e o
casal se separe, os cônjuges não são livres para obter uma nova união com um terceiro,
a não ser que a Igreja detecte e expresse alguma nulidade (irregularidade) na
celebração do primeiro matrimônio, graças à sua autoridade.
Os problemas inerentes à má
interpretação e vivência do sacramento do Matrimônio ganha proporções maiores,
abrangendo a família e, a partir desta, a sociedade. O matrimônio, com seu
duplo aspecto unitivo e procriativo, gera a família. A instituição familiar é
um núcleo e realidade natural; é fundamento da própria sociedade, já que a
procriação é o princípio de novos membros para a atuação na sociedade, como
pertencentes a ela; é igualmente a família o lugar primário de transmissão da
cultura e do cultivo dos valores. Percebemos, então, a grandiosa importância de
um seio familiar equilibrado sendo tido como um bem necessário e indispensável
em todos os tempos. Aqui, habita o porquê de a família ter resguardos os seus
direitos, sendo reconhecida como tal pela sociedade (de quem é mãe) e pelo
Estado.
Se o matrimônio possui as suas leis
divinamente instituídas, não há nenhuma necessidade de o sacramento ou, a
partir deste, a vida matrimonial, serem arbitrariamente legislados por pessoas
e sociedade, conforme opiniões ideológicas deturpadas e convencionadas segundo
bel-prazeres. O matrimônio não é um fenômeno culturalmente regrado e
convencionado dependentemente do ‘pensar de cada época’, mas embute em si um
ideário divino, pois as leis do matrimônio encontram-se, desde a eternidade,
escritas no coração amoroso de Deus. Por isso, a estabilidade do matrimônio e
da família devem ser inalienáveis, independendo da intenção e da boa vontade
dos implicados; é de caráter institucional, e, assim sendo, tem um caráter
público, independente do reconhecimento jurídico por parte do Estado. Nunca se
deve olvidar que também neste ponto referente ao equilíbrio matrimonial está
relacionada a própria dignidade da prole como frutos de uniões íntimas marcadas
pela constância e seguridade, proveniente de pais unidos. Esta necessidade é um
velar eminente e inicial sobre os filhos, frutos de um amor entre os cônjuges.
Com este pensamento, o matrimônio é uma gama de responsabilidade da qual “resulta
um bem não só para os próprios cônjuges e filhos no seu crescimento afetivo e
formativo, como também para os outros membros da família. […] O matrimônio é um
bem fundamental e precioso para a sociedade inteira, cujos entrelaces mais
firmes estão sob os valores que se manifestam nas relações familiares que
encontram sua garantia no matrimônio estável. O bem gerado pelo matrimônio é
básico para a própria Igreja, que reconhece na família a ‘Igreja doméstica’ (LG
11).
Observando, preocupada, as
vicissitudes que se abatem sobre o Matrimônio cristão e sobre a instituição
familiar, a Igreja se pronuncia contrária às uniões de fato, afirmando que
desgraças inúmeras são constatadas quando “se vê comprometido com o abandono da
instituição matrimonial implícito nas uniões de fato” (CONSELHO PONTIFÍCIO PARA
A FAMÍLIA. Família – Matrimônio e
“Uniões de fato”. 26 de julho de 2000). Diante da cultura do descartável, o
vínculo matrimonial deve ressoar como uma segurança de vida proporcionada por
Deus àqueles que se deixaram entrelaçar por um amor comprometido e não por um
torpe sentimento desenfreado e concupiscente de uma sexualidade desregrada,
onde o que importa é um conforto momentâneo de vida proporcionado pelos
prazeres e não por uma experiência séria de vida à dois, devidamente abençoada
por Deus que os constituiu uma só carne pelo sacramento para isto destinado, o
que deve ser um exemplo urgente para os pueris e juvenis, em meio de uma
mentalidade marital deturpada de “se não der certo, nos separamos!” e de “se
casamento fosse bom, não precisava testemunhas. Pra que padre, pra que juiz, se
o que faz a gente ser feliz é amar e querer bem”, como a música ridiculariza.
Há pouco tempo, a lei positiva do
Brasil e, antes mesmo desta, as legislações outras de países diversos puseram
em seus bojos o reconhecimento da união estável de pessoas do mesmo sexo, o que
vulgarmente denominamos “casamento gay”. A lei brasileira chega ao cúmulo de
nominar família a união homossexual, bem como a garantia de adoção de criança
por estes indivíduos. Que reconheçam a união estável entre as pessoas do mesmo
sexo é um mal menor; porém, não a denomine família, tampouco lhe ofereça o
direito de adotar crianças. Isto afirmamos por razão lógica: com a eventual
adoção infantil, a ausência da bipolaridade sexual cria obstáculos e incertezas
no desenvolvimento normal das crianças, podendo chegar a um parâmetro
irreversível na vida do que é adotado como filho, gerando complexos e
conturbações sentimentais.
Relacionada a uma pretensa
equiparação entre família e uniões homoafetivas, é algo contrário à verdade dos
valores devidamente enraizados no coração e na saudável e antiquíssima cultura
humana, não somente no Ocidente cristianizado, mas em todas as civilizações, em
todas as épocas. Além do mais, esta equidade equivocada e forçada entre família
e união estável de homossexuais anula diferenças substanciais, introduz
conceitos monstruosos, ao tempo em que desacredita a família ordinária a todos
os tempos e lugares e que tem o matrimônio como realidade originária.
Se a legislação brasileira outorga à
união homossexual direitos equiparados ao de família no sentido lato do termo,
questionamos se é-nos cabível criticarmo-la. Santo Tomás de Aquino ensina-nos
que a lei positiva só “tem força de lei quando é justa e não contradiz a lei
natural. Doutra forma já não seria lei, senão corrupção da lei” (LONDOÑO,
Álvaro Mejía. Natureza, particularidade
e finalidade do matrimônio cristão. In: Lumen Veritatis: Revista de Inspiração
Tomista. Faculdade Arautos do Evangelho. Ano I, n. 4, julho a setembro de
2008). Logo, este despautério logradamente legal não tem força alguma de lei para
pessoas sensatas, independentemente de serem cristãs ou não, pois a sociedade,
há muito, está consorte no que se refere à noção básica de família,
fundamentado na comunhão de vida entre um homem e uma mulher, devidamente
abertos à geração da vida humana. A negação e ausência desta verdade elementar
e fundamental relegariam a sociedade a uma destruição total, inclusive de
valores, desconhecendo o que vem a ser bem comum e as verdades sobre o homem,
dadas não apenas pela lei natural, como pela lei divinamente revelada.
Eis o que afirma a Congregação para
a Doutrina da Fé acerca do reconhecimento civil das uniões homoafetivas: “Não
existe nenhum fundamento para assimilar ou estabelecer analogias, nem mesmos as
remotas, diante das uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio
e a família. O matrimônio é santo, enquanto as relações homossexuais contrastam
com a lei moral natural. Na realidade, as relações homossexuais não permitem o
dom da vida pelo ato sexual. Não são frutos de uma verdadeira complementação
afetiva e sexual. Não podem receber aprovação em caso algum” (CONGREGAÇÃO PARA
A DOUTRINA DA FÉ. Considerações acerca
dos projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais,
03 de junho de 2003).
Para provar que existe uma ausência
radical de caráter sexual, tanto no plano físico-biológico como no psicológico,
que acontece apenas numa relação matrimonial, apontamos, inspirados em Álvaro
Mejía Londoño, uma série de razões que se opõem a essas uniões estáveis de
pessoas do mesmo sexo: 1) De ordem racional: As leis, por serem conformes ao
direito natural, devem ter em vista o bem comum e o bom senso, não cabendo ao
Estado o incutir de leis que contrariem a instituição matrimonial, em nome de
instituições meramente humanas e falsamente genéricas; 2) De ordem biológica e
antropológica: Não existe nenhuma complementariedade fisiológica e sexual, não
promovendo como fruto de um coito a vida; e, como afirmamos anteriormente, a
adoção é de consequência desastrosa; 3) De ordem social: A sociedade só existe
porque existe o relacionamento familiar tradicional (aliás, o homem, sujeito da
sociedade, só advém pela copulação entre sexos distintos), baseado no
matrimônio e nos valores aí nascidos; o reconhecimento das uniões homossexuais
redefine arbitrariamente o conceito de matrimônio, pois não levaria em conta o
que em sacramentologia chamamos matéria do sacramento do matrimônio: um homem e
uma mulher; 4) De ordem jurídica: Se é de interesse público a preservação dos
direitos humanos, deve-se igualmente resguardar o direito da procriação, uma
união em que, potencialmente, seja privada a manifestação da vida humana
(exceto em casos de esterilidade), não deveria ser tida pelo Direito Civil e
pelas legislações ora vigentes como união estável.
Apontados alguns argumentos acerca
da necessidade da defesa do matrimônio e da família tradicionais, fazemos votos
de que a selvageria ocasionada pela ilogicidade dos contra-valores apregoados
pela mentalidade hodierna de prazeres e benesses que minorias almejam
(apoiados, tantas das vezes, pelas políticas populistas dos que nos governam) não
abatam o bom senso e o bem comum tão válidos à humanidade, principalmente
quando as estruturas milenares aparentam ruir, não pelas suas fragilidades, mas
pelo intento comum de todos quantos são contrários à verdade. Que a ponderada
razão humana saiba, iluminada pelas luzes do Altíssimo, discernir o que é
realmente válido, justo e verdadeiro.
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