terça-feira, 7 de agosto de 2012

QUOD DEUS CONIUNXIT...


(O que Deus uniu...)




Em um mundo onde o erotismo está altamente em voga, de cujo efeito são provenientes tantos contra-valores adversos ao cristianismo, bem como relativizações inumeráveis. Inseridos em uma existência onde o sentir-se bem se confunde com atitudes egoístas, individualistas, somos levados, como seguidores da verdade do Evangelho, a Boa Nova de Jesus, transmitida fielmente pela Igreja Católica, a uma ponderação acerca do sacramento do matrimônio, inclusive a sua natureza, particularidade e finalidade.


São João, em sua carta, abertamente dirá qual é um dos atributos da essência de Deus: “Deus caritas est et qui manet in caritate in Deo manet et Deus in eo” (1Jo 4,16). Deus, que é amor, cria o homem por amor, e, chamando-o à vida, torna-lhe capaz de amar. Dentro desta capacidade, dá-lhe as condições necessárias para, em uma vida de entrega ao seu Deus, amar um semelhante, baseado em uma vida de comunhão, de maneira tal que não são mais dois seres, mas uma só carne (cf. Mt 19,6). Fazendo o homem capaz de amar, Deus comunica à essência humana um dos atributos de seu ser. Assim, a capacidade de amar como que diviniza o homem, tornando-o sublime.


A Palavra de Deus, o Verbo eterno, Jesus, nosso Salvador, no evangelho de Mateus 19,3-9, engrandece a ação do amor esponsal, ou seja, do homem para com a mulher e vice-versa. Para isso, o Senhor rememora o livro do Gênesis (2,24), para refutar a pretensiosa ideia do divórcio: Deus cria o homem e a mulher, e os une em uma só carne. Tal aceitação é, antes mesmo de ser um consentimento mútuo entre os noivos, uma adesão ao projeto de amor infinito que o Criador possui para as suas vidas. O sim que dão é, acima de tudo, a Deus, manifestado na pessoa que escolheram para dividir as suas existências, a partir do enlace matrimonial. É com a promessa de amor nas diversas circunstâncias da união matrimonial, que os nubentes celebram o sacramento do matrimônio, e não pensam mais em si sozinhos ou isoladamente, mas como uma só e mesma pessoa, claro que dentro da individualidade que cada um possui. Os seus pais, os seus bens, enfim, as suas vidas, inclusive as alegrias e tristezas, serão de ambos. Logo, o enlace não acontece apenas corporeamente, mas com tudo o que possuem. Aos olhos humanos, tal atitude abraçada por muitos é de difícil cumprimento, mas Deus dá as forças necessárias para cotidianamente serem cada vez mais um do outro, no Senhor. Tal pertença difere-se do sentimento de possessão; refere-se unicamente a ver Deus naquele que Ele, em seu desígnio, escolheu para colocar ao lado do outro, como uma realidade intimamente unida. Para isto, é sempre salutar recordar a exclamação que Adão faz ao ser apresentado a Eva: “Hoc nunc os ex ossibus meis et caro de carne mea haec vocabitur virago quoniam de viro sumpta est” (Gn 2, 23). Pelo sagrado matrimônio a esposa é parte constitutiva do ser de seu esposo, e vice-versa.


Pela firme decisão de deixar pai e mãe e se unir a um outrem, formando uma só carne, a pessoa completa-se através do amor e fidelidade, através da união com aquela outra com a qual se uniu. A tal atitude damos o nome de sacramento do Matrimônio, que não é um contrato entre um homem e uma mulher, como apregoa o conceito de casamento no Direito Civil, tampouco para em uma dimensão ritual como muitos pensam, mas é a partir das promessas e juras de fidelidade e amor entre um homem e uma mulher, bem como de estarem abertos aos planos de Deus, colaborando com o Criador em sua obra, estando abertos à vida de uma prole, através do testemunho e bênção da Esposa de Cristo, a Santa Igreja Católica, que, de fato, acontece o matrimônio cristão, que perdura até a morte de um dos cônjuges. Portanto, a união matrimonial é algo indispensável para que o homem se complete. O sacramento do matrimônio é de importância tamanha que é a máxima ideia de relação humana, já que se baseia na unicidade de dois seres.


O matrimônio cristão possui uma dupla finalidade: 1) Pelo sagrado vínculo do matrimônio acontece a unicidade daquele homem e mulher que o contraem (caráter unitivo); 2) A vida conjugal, dentro do sacramento do matrimônio, é a via mais querida por Deus para a geração da vida humana (caráter procriativo). A comunhão entre um homem e uma mulher unidos pelo vínculo matrimonial é tão estreita, tão profunda, que é capaz de gerar frutos: a vida. Teologicamente, esta ideia de unicidade dos cônjuges e de procriação entre eles é associada à relação de Cristo com a sua Igreja, pois o Senhor está tão unido a sua Amada, e esta, por sua vez, tão unida a seu Divinal Esposo, que é chamada de Sacramento de Cristo e, pelo setenário sacramental, de forma especial pelo Batismo, é que o Cristo faz nascer, no seio de sua Esposa, inúmeros filhos. Cristo e a Igreja são fiéis um ao outro, fazendo-nos entrever o imperativo de fidelidade que deve existir nos laços matrimoniais.


No Concílio de Trento, a Igreja reafirmou que todo o setenário sacramental da vida da Igreja foi instituição do próprio Jesus. Também o matrimônio, portanto, possui fundamentos e estruturas dados pelo próprio Deus, dentre estas leis temos a indissolubilidade do laço matrimonial, que não é uma união qualquer entre pessoas humanas, chegando a ser confundido com um relacionamento à toa. Pela sua própria natureza, o matrimônio rato e consumado é indissolúvel, devido ao caráter unitivo do sacramento. Ainda que a vida matrimonial não seja levada adiante por conta de alguns revezes, e o casal se separe, os cônjuges não são livres para obter uma nova união com um terceiro, a não ser que a Igreja detecte e expresse alguma nulidade (irregularidade) na celebração do primeiro matrimônio, graças à sua autoridade.


Os problemas inerentes à má interpretação e vivência do sacramento do Matrimônio ganha proporções maiores, abrangendo a família e, a partir desta, a sociedade. O matrimônio, com seu duplo aspecto unitivo e procriativo, gera a família. A instituição familiar é um núcleo e realidade natural; é fundamento da própria sociedade, já que a procriação é o princípio de novos membros para a atuação na sociedade, como pertencentes a ela; é igualmente a família o lugar primário de transmissão da cultura e do cultivo dos valores. Percebemos, então, a grandiosa importância de um seio familiar equilibrado sendo tido como um bem necessário e indispensável em todos os tempos. Aqui, habita o porquê de a família ter resguardos os seus direitos, sendo reconhecida como tal pela sociedade (de quem é mãe) e pelo Estado.


Se o matrimônio possui as suas leis divinamente instituídas, não há nenhuma necessidade de o sacramento ou, a partir deste, a vida matrimonial, serem arbitrariamente legislados por pessoas e sociedade, conforme opiniões ideológicas deturpadas e convencionadas segundo bel-prazeres. O matrimônio não é um fenômeno culturalmente regrado e convencionado dependentemente do ‘pensar de cada época’, mas embute em si um ideário divino, pois as leis do matrimônio encontram-se, desde a eternidade, escritas no coração amoroso de Deus. Por isso, a estabilidade do matrimônio e da família devem ser inalienáveis, independendo da intenção e da boa vontade dos implicados; é de caráter institucional, e, assim sendo, tem um caráter público, independente do reconhecimento jurídico por parte do Estado. Nunca se deve olvidar que também neste ponto referente ao equilíbrio matrimonial está relacionada a própria dignidade da prole como frutos de uniões íntimas marcadas pela constância e seguridade, proveniente de pais unidos. Esta necessidade é um velar eminente e inicial sobre os filhos, frutos de um amor entre os cônjuges. Com este pensamento, o matrimônio é uma gama de responsabilidade da qual “resulta um bem não só para os próprios cônjuges e filhos no seu crescimento afetivo e formativo, como também para os outros membros da família. […] O matrimônio é um bem fundamental e precioso para a sociedade inteira, cujos entrelaces mais firmes estão sob os valores que se manifestam nas relações familiares que encontram sua garantia no matrimônio estável. O bem gerado pelo matrimônio é básico para a própria Igreja, que reconhece na família a ‘Igreja doméstica’ (LG 11).


Observando, preocupada, as vicissitudes que se abatem sobre o Matrimônio cristão e sobre a instituição familiar, a Igreja se pronuncia contrária às uniões de fato, afirmando que desgraças inúmeras são constatadas quando “se vê comprometido com o abandono da instituição matrimonial implícito nas uniões de fato” (CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A FAMÍLIA. Família – Matrimônio e “Uniões de fato”. 26 de julho de 2000). Diante da cultura do descartável, o vínculo matrimonial deve ressoar como uma segurança de vida proporcionada por Deus àqueles que se deixaram entrelaçar por um amor comprometido e não por um torpe sentimento desenfreado e concupiscente de uma sexualidade desregrada, onde o que importa é um conforto momentâneo de vida proporcionado pelos prazeres e não por uma experiência séria de vida à dois, devidamente abençoada por Deus que os constituiu uma só carne pelo sacramento para isto destinado, o que deve ser um exemplo urgente para os pueris e juvenis, em meio de uma mentalidade marital deturpada de “se não der certo, nos separamos!” e de “se casamento fosse bom, não precisava testemunhas. Pra que padre, pra que juiz, se o que faz a gente ser feliz é amar e querer bem”, como a música ridiculariza.  


Há pouco tempo, a lei positiva do Brasil e, antes mesmo desta, as legislações outras de países diversos puseram em seus bojos o reconhecimento da união estável de pessoas do mesmo sexo, o que vulgarmente denominamos “casamento gay”. A lei brasileira chega ao cúmulo de nominar família a união homossexual, bem como a garantia de adoção de criança por estes indivíduos. Que reconheçam a união estável entre as pessoas do mesmo sexo é um mal menor; porém, não a denomine família, tampouco lhe ofereça o direito de adotar crianças. Isto afirmamos por razão lógica: com a eventual adoção infantil, a ausência da bipolaridade sexual cria obstáculos e incertezas no desenvolvimento normal das crianças, podendo chegar a um parâmetro irreversível na vida do que é adotado como filho, gerando complexos e conturbações sentimentais.


Relacionada a uma pretensa equiparação entre família e uniões homoafetivas, é algo contrário à verdade dos valores devidamente enraizados no coração e na saudável e antiquíssima cultura humana, não somente no Ocidente cristianizado, mas em todas as civilizações, em todas as épocas. Além do mais, esta equidade equivocada e forçada entre família e união estável de homossexuais anula diferenças substanciais, introduz conceitos monstruosos, ao tempo em que desacredita a família ordinária a todos os tempos e lugares e que tem o matrimônio como realidade originária.


Se a legislação brasileira outorga à união homossexual direitos equiparados ao de família no sentido lato do termo, questionamos se é-nos cabível criticarmo-la. Santo Tomás de Aquino ensina-nos que a lei positiva só “tem força de lei quando é justa e não contradiz a lei natural. Doutra forma já não seria lei, senão corrupção da lei” (LONDOÑO, Álvaro Mejía. Natureza, particularidade e finalidade do matrimônio cristão. In: Lumen Veritatis: Revista de Inspiração Tomista. Faculdade Arautos do Evangelho. Ano I, n. 4, julho a setembro de 2008). Logo, este despautério logradamente legal não tem força alguma de lei para pessoas sensatas, independentemente de serem cristãs ou não, pois a sociedade, há muito, está consorte no que se refere à noção básica de família, fundamentado na comunhão de vida entre um homem e uma mulher, devidamente abertos à geração da vida humana. A negação e ausência desta verdade elementar e fundamental relegariam a sociedade a uma destruição total, inclusive de valores, desconhecendo o que vem a ser bem comum e as verdades sobre o homem, dadas não apenas pela lei natural, como pela lei divinamente revelada.


Eis o que afirma a Congregação para a Doutrina da Fé acerca do reconhecimento civil das uniões homoafetivas: “Não existe nenhum fundamento para assimilar ou estabelecer analogias, nem mesmos as remotas, diante das uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família. O matrimônio é santo, enquanto as relações homossexuais contrastam com a lei moral natural. Na realidade, as relações homossexuais não permitem o dom da vida pelo ato sexual. Não são frutos de uma verdadeira complementação afetiva e sexual. Não podem receber aprovação em caso algum” (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Considerações acerca dos projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 03 de junho de 2003).


Para provar que existe uma ausência radical de caráter sexual, tanto no plano físico-biológico como no psicológico, que acontece apenas numa relação matrimonial, apontamos, inspirados em Álvaro Mejía Londoño, uma série de razões que se opõem a essas uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo: 1) De ordem racional: As leis, por serem conformes ao direito natural, devem ter em vista o bem comum e o bom senso, não cabendo ao Estado o incutir de leis que contrariem a instituição matrimonial, em nome de instituições meramente humanas e falsamente genéricas; 2) De ordem biológica e antropológica: Não existe nenhuma complementariedade fisiológica e sexual, não promovendo como fruto de um coito a vida; e, como afirmamos anteriormente, a adoção é de consequência desastrosa; 3) De ordem social: A sociedade só existe porque existe o relacionamento familiar tradicional (aliás, o homem, sujeito da sociedade, só advém pela copulação entre sexos distintos), baseado no matrimônio e nos valores aí nascidos; o reconhecimento das uniões homossexuais redefine arbitrariamente o conceito de matrimônio, pois não levaria em conta o que em sacramentologia chamamos matéria do sacramento do matrimônio: um homem e uma mulher; 4) De ordem jurídica: Se é de interesse público a preservação dos direitos humanos, deve-se igualmente resguardar o direito da procriação, uma união em que, potencialmente, seja privada a manifestação da vida humana (exceto em casos de esterilidade), não deveria ser tida pelo Direito Civil e pelas legislações ora vigentes como união estável.


Apontados alguns argumentos acerca da necessidade da defesa do matrimônio e da família tradicionais, fazemos votos de que a selvageria ocasionada pela ilogicidade dos contra-valores apregoados pela mentalidade hodierna de prazeres e benesses que minorias almejam (apoiados, tantas das vezes, pelas políticas populistas dos que nos governam) não abatam o bom senso e o bem comum tão válidos à humanidade, principalmente quando as estruturas milenares aparentam ruir, não pelas suas fragilidades, mas pelo intento comum de todos quantos são contrários à verdade. Que a ponderada razão humana saiba, iluminada pelas luzes do Altíssimo, discernir o que é realmente válido, justo e verdadeiro.

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