sábado, 18 de agosto de 2012

SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA


                                                        (Ano B – 19 de agosto de 2012)



Liturgia da Palavra da Vigília:
I Leitura: 1Cr 15,3-4.15-16; 16,1-2
Salmo Responsorial: Sl 131 (132),6-7.9-10.13-14 (R/. 8)
II Leitura: 1Cor 15,54-57
Evangelho: Lc 11,27-28 (“Felizes os que ouvem a palavra de Deus”)

Liturgia da Palavra do dia:
I Leitura: Ap 11,19a; 12,1.3-6a.10ab
Salmo Responsorial: Sl 44 (45),10bc.11.12ab.16 (R/. 10b)
II Leitura: 1Cor 15,20-27a
Evangelho: Lc 1,39-56 (Cântico de Maria)


Queridos irmãos,


Hoje a Bem-Aventurada Virgem Maria, após a sua santa e benfazeja trajetória nesta terra, foi elevada ao Céu em corpo e alma pelos santos anjos. Sim, meus irmãos, a Igreja celebra hoje a gloriosa Assunção de Maria Santíssima, aquela que, preservada da nódoa do pecado, gerou em seu coração e em seu ventre o Salvador do gênero humano, pois a terra não poderia corromper o que fora resguardado pelo próprio Deus: o castíssimo corpo de Maria, casto integralmente, pois o pecado nunca a acabrunhou. A criatura cheia de Deus foi ornada pelos dons mais altos, desde esta vida terrenal, porque foi fiel ao seu Senhor.


Contemplamos hoje Maria adentrando, como criatura, no seio da Trindade. Ela antecipa-nos porque é typus da Igreja. Maria, a única das criaturas a possuir tal proeza - a de ser elevada ao céu de corpo e espírito, não por méritos próprios, mas pelos de Cristo (por isso ser assunção e não ascensão) –, embute nos que ainda participam da Igreja militante uma esperança inenarrável (“Por ele [por Cristo] é que tivemos acesso a essa graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança de possuir um dia a glória de Deus […] E a esperança não engana” (Rm 5,2.5).


Dizíamos que Maria, após o seu trajeto aqui nesta terra, foi elevada ao céu, o que não significa dizer que no céu ela não tenha uma missão: a de intercessora. Quem melhor do que ela soube amar a Deus? E, porque muito amou, recebe como justíssima recompensa um lugar privilegiado no Céu e na vida da Igreja. Neste sentido, o hino das Vésperas desta solenidade de hoje entoa: “Os anjos apregoam-te Rainha,/ e apóstolos, profetas, todos nós: /no mais alto da Igreja estás sozinha, /da divindade após”. Sim, em importância, Maria encontra-se infinitamente abaixo de Deus por ser criatura, mas está na mais remota dianteira se comparada com os anjos e com o restante da criação. E, por estar mais próxima de Deus do que qualquer outra pessoa angélica ou humana, ela, melhor do que ninguém, pode pedir por nós. E a sua Assunção é este inicial. Pura desde esta terra, Maria retorna a Deus sem deixar os seus irmãos, os seus filhos, para diante da Trindade, e por ela, receber a coroa da eternidade, a glória dos santos e, assim, interceder por nós. A Igreja, desde cedo, compreendeu tal realidade de Maria: “Em vosso parto, guardastes a virgindade; em vossa dormição, não deixastes o mundo, ó Mãe de Deus: fostes juntar-vos à fonte da vida, vós que concebestes o Deus vivo e, por vossas orações, livrareis nossas almas da morte” (Liturgia Bizantina, Tropário da festa da Dormição).
Maria assunta ao céu é o início do que dissera São Paulo: “Aqueles que Deus predestinou, também os chamou. E aos que chamou, também os tornou justos; e aos que tornou justos, também os glorificou” (Rm 8,30). Maria, predestinada antes da criação do mundo para ser a Mãe de Cristo, redimida antes de todos nós, é a primeira a colher em plenitude os frutos da Ressurreição do Senhor: “Ora, se morremos com Cristo, cremos que viveremos também com ele, pois sabemos que Cristo, tendo ressurgido dos mortos, já não morre, nem a morte terá mais domínio sobre ele” (Rm 6,8); e mais: “juntamente com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus”. (Ef 2,6). Desta forma, se seremos conformes ao Cristo glorioso, Maria já o é antecipadamente, pois, como dissera o Servo de Deus Pio XII, quando da proclamação do Dogma da Assunção de Nossa Senhora, o mais recente do corpus dogmaticus: “Finalmente, a Imaculada Virgem, preservada imune de toda mancha de culpa original, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celeste. E para que mais plenamente estivesse conforme a seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte, foi exaltada pelo Senhor como Rainha do universo”.


Quando a Igreja proclama solenemente um dogma de fé, é porque, de há muito, ela já percebe que tal verdade se encontra no coração, no patrimônio de sua fé, de sua Tradição proveniente dos Apóstolos (inclusive a Sagrada Liturgia), que também é Palavra de Deus, tal como a Sagrada Escritura. Por tal justificativa, Pio XII, na Constituição Apostólica Munificentíssimus Deus, afirma: “Os fiéis, guiados e instruídos pelos pastores, souberam por meio da Sagrada Escritura que a virgem Maria, durante a sua peregrinação terrestre, levou vida cheia de cuidados, angústias e sofrimentos; e que, segundo a profecia do santo velho Simeão, uma espada de dor lhe traspassou o coração, junto da cruz do seu divino Filho e nosso Redentor. E do mesmo modo, não tiveram dificuldade em admitir que, à semelhança do seu unigênito Filho, também a excelsa Mãe de Deus morreu. Mas essa persuasão não os impediu de crer expressa e firmemente que o seu sagrado corpo não sofreu a corrupção do sepulcro, nem foi reduzido à podridão e cinzas aquele tabernáculo do Verbo divino. Pelo contrário, os fiéis iluminados pela graça e abrasados de amor para com aquela que é Mãe de Deus e nossa Mãe dulcíssima, compreenderam cada vez com maior clareza a maravilhosa harmonia existente entre os privilégios concedidos por Deus àquela que o mesmo Deus quis associar ao nosso Redentor. Esses privilégios elevaram-na a uma altura tão grande, que não foi atingida por nenhum ser criado, excetuada somente a natureza humana de Cristo” (n. 14).


Consorte aos fiéis, os Santos Padres da Igreja e outros homens inspirados muito afirmaram acerca desta verdade de fé. Já no fim do século VII e despontar do VIII, temos São João Damasceno que ensinava tal prerrogativa da bendita Mãe de Deus. Consoante, temos outro mais antigo, São Germano de Constantinopla (de meados do século VII), que se dirige à Mãe de Deus com estes termos: “Vós, como está escrito, aparecestes ‘em beleza’; o vosso corpo virginal é totalmente santo, totalmente casto, totalmente domicílio de Deus de forma que até por este motivo foi isento de desfazer-se em pó; foi, sim, transformado, enquanto era humano, para viver a vida altíssima da incorruptibilidade; mas agora está vivo, gloriosíssimo, incólume e participante da vida perfeita” (In Sanctam Dei Genitricis Dormitionem, sermo I). Posteriormente, já na Idade Média, Santo Antônio de Pádua (século XIII) veementemente ratifica o sensus fidelium: “Assim como Jesus Cristo ressuscitou triunfante da morte e subiu para a direita do Pai, assim também ressuscitou a Arca da sua santificação, quando neste dia a Virgem Mãe foi assunta ao tálamo celestial” (Sermones dominicales et in solemntatibus, In Assumptione Sanctae Mariae Virginis Sermo). E, percorrendo toda a vida histórica da Igreja através de tantos santos e pensadores cristãos que ainda vivem e proclamam a sua fé por meio de seus escritos e do que disseram, somos invitados pela Mater Ecclesia a olhar o mais recente Concílio, o jubilar Vaticano II, e redescobrirmos por meio dele a nossa fé na Mãe de Deus, na sua gloriosa Assunção: “A Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que se há de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor (cf. 2 Pd. 3,10)” (LG 68).


Mas como, de há muito, a Igreja percebeu, ainda que com fontes históricas rudimentares, tal verdade de fé? Porque, guardiã dos divinos ensinamentos do seu fundador e assistida pelo Espírito Santo, ela vê em Maria as referências já acenadas pela Escritura Sagrada em diversas passagens, dentre as quais: “Quem é esta que sobe do deserto apoiada em seu bem-amado? Sob a macieira eu te despertei, onde em dores te deu à luz tua mãe, onde em dores te pôs no mundo tua mãe” (Ct 8,5); ou, como nos relata a Primeira Leitura do dia da solenidade, referindo-se à Maria e à Igreja: “Abriu-se o templo de Deus no céu e apareceu, no seu templo, a arca do seu testamento […] Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas” (Ap 11,19-12,1). A Igreja entende que ao professar a fé também na Assunção de Maria, manifesta a sua confiança e esperança: “E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir” (Credo Niceno-Constantinopolitano), cumprimento da Palavra do Senhor, já realizado na Beatíssima Virgem Maria: “Quando este corpo corruptível estiver revestido da incorruptibilidade, e quando este corpo mortal estiver revestido da imortalidade, então se cumprirá a palavra da Escritura: A morte foi tragada pela vitória (Is 25,8). Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão (Os 13,14)?” (1 Cor 15,54-55), como nos afirma a Primeira Leitura da Missa da Vigília desta solenidade.

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