sexta-feira, 21 de novembro de 2014

XXXIV DOMINGO DO TEMPO COMUM - SOLENIDADE DE CRISTO REI DO UNIVERSO

(Ano A – 23 de novembro de 2014)


I Leitura: Ez 34, 11-12. 15-17
Salmo Responsorial: Sl 22 (23), 1-2a. 2b-3. 5-6 (R/. 1)
II Leitura 1Cor 15, 20-26.28
Evangelho: Mt 25, 31-46 (O último julgamento)

Queridos irmãos,

Com este domingo que, desde 1925, é conhecido como Solenidade de Cristo Rei do Universo, estamos encerrando um terço do ciclo litúrgico trienal, o Ano A.  Com a solenidade de hoje, a Igreja quer ressaltar a soberana autoridade de Cristo sobre a humanidade e, com o contexto mais hodierno, sobre as instituições diante dos progressos do laicismo na sociedade. Prova disso, rezamos ao Pai na Oração de Coleta: “Deus eterno e todo-poderoso, que dispusestes restaurar todas as coisas no vosso amado Filho, Rei do Universo, fazei que todas as criaturas, libertas da escravidão e servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente”. A Igreja entende que muitas das desordens provocadas pelo laicismo ateu são consequentes das agitações provocadas pela escravidão do pecado. O pecado afasta o homem de Deus, fazendo com que a criatura humana olvide dos valores evangélicos, bases fundamentais da cultura ocidental. 

O Apocalipse, por sua vez, nos apresenta o Cristo como “o Alfa e o Ômega”. Hoje é vislumbramos oportunamente este dizer da visão de São João. O próprio Jesus, Verbo eterno de Deus, por meio de quem todas as coisas foram feitas e fim para o qual tudo ruma, é o Senhor de toda história. Ele possui os tempos nas mãos (chronos e kairós); é o centro da história e da humanidade. A volta do Senhor Jesus é uma promessa bastante citada na Sagrada Escritura, Ele que diz à sua Igreja, alentando-a: “Eis que venho em breve, e a minha recompensa está comigo, para dar a cada um conforme as suas obras” (Ap 22,12).

A liturgia de hoje, com seu teor escatológico, não pretende atemorizar o homem, antes disso, quer alargar em nosso coração a perspectiva do primado de Cristo, Ele, Senhor dos tempos e da eternidade. Neste domingo, a Mãe Católica, antes de apresentar o Senhor como Juiz, apresenta-o como Rei Supremo e Universal, apresenta-o com uma imagem terna de pastor. O julgamento do Senhor se embute na sua realeza, como também na sua mansidão, pois o Senhor assim nos garantiu: “O Reino de Deus não virá de um modo ostensivo” (Lc 17,20).

Neste sentido, a Liturgia da Palavra de hoje nos traz Jesus revelando a sua Segunda Vinda (Parusia). Coadunando com a Primeira Leitura, o Evangelho nos apresenta o Senhor como rei-pastor. Percebamos, caros amigos, que Jesus não prima por uma imagem de um rei cujo resplendor ensoberbece um poder opressivo, mas na sua magnificência - “Quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os anjos, então se assentará em seu trono glorioso”(v. 31), manifesta delicadeza. Sim, delicadeza! Vejamos que ele não nos vai julgar a seu bel-prazer, de qualquer forma, sendo arbitrário ao que fizemos, mas segundo as nossas práticas nesta terra. Assim, se não nos preocupamos com os que sofrem, com os esquecidos e marginalizados, estamos relegando o próprio Jesus, Rei glorioso e Justo Juiz, ao escanteio. Onde está a maior manifestação da glória de Jesus na terra senão nos famintos, sedentos, estrangeiros e sem-teto, nus, doentes e encarcerados, não apenas em um sentido estritamente literal, mas tantos que são desprovidos de dignidade de diversas ordens. Jesus se traveste neles. Assim, desde a encarnação, “o Senhor escolhe o que é fraco para confundir os fortes” (1Cor 1,27). Grande prova disto é o seu despojamento da glória fazendo-se aos homens semelhante: “mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens”. (Fl 2,7). O Senhor nos vem cotidianamente no irmão!

Se o Senhor, Rei e Juiz se compadece de nós, qual pastor preocupado com o seu redil, principalmente com aquela ovelha dispersa, extraviada, alquebrada, ferida (cf. Ez 34, 15), quem somos nós para não possuirmos os mesmos sentimentos de compaixão do próprio Deus? Interessante, o Pastor Divino se interessa por todo o seu aprisco, indistintamente, porém, a quem mais precisa de atenção e cuidados, o zelo torna-se maior. Essa é a justiça de Deus a ser imitada. Cristo é Pastor que reúne as ovelhas e as segrega em bons e maus: “Todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e eles separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda” (Mt 25,32-33)

O nosso povo, em sua simplicidade, afirma: “Quem não deve, não teme”. Por que nos aterroriza o dia do juízo? Se nos sentimos apavorados é sinônimo de que a nossa caminhada não está sendo trilhada conforme o querido por Deus. Se isso realmente acontece, há uma incongruência entre o que rezamos e a nossa prática de fé, já que, diariamente, pedimos na Oração do Senhor: “Venha a nós o Vosso Reino!”.

O dia do juízo deve abastecer de esperança a todos. Lembremo-nos o que a Carta de São Paulo aos Romanos alude: “Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia” (Rm 8,22). Logo, todos ansiamos por este dia; a Igreja expecta esta bem-aventurada data das calendas divinas, por isso, cotidianamente ela implora: “Vem, Senhor Jesus!”  (Ap 22, 20), ou ainda, “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição: Vinde, Senhor Jesus!”.

Na Segunda Leitura, São Paulo, mais uma vez, afirma a fé-fundamento da Igreja: Cristo ressuscitou. Para isso, ele utiliza uma palavra bastante atípica, ‘primícias’ para falar do Ressuscitado. Assim sendo, ele começa a perícope: “Na realidade, Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (1Cor 15, 20). Primícias são os primeiros frutos de uma árvore a cada estação frutuosa. Dependendo das primícias, sabemos a qualidade dos outros frutos. Ora, se as primícias são boas, os frutos subsequentes também serão da mesma qualidade; o contrário, também é válido. Pois bem, as primícias da fé cristã é a ressurreição do Senhor, por ele e como ele igualmente ressuscitaremos; assim como Adão é primícias de morte, Cristo é primícias da ressurreição. Como Cristo ressuscitado é vitorioso sobre a morte, nós também o seremos. Tudo acontece a partir dele: “Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda” (v. 23). A ressurreição de todos nós será a realização plena e perfeita da obra de Cristo; é a entrega do Reino de Cristo ao Pai, quando seremos um e nos “perderemos em Deus” (cf. v. 28).

Que Cristo Senhor, Rei do Universo, inicie o seu reinado em nossa vida. Que lhe sejamos submissos. Ele que é bendito e já reina para sempre. 



sexta-feira, 14 de novembro de 2014

XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM

(Ano A – 16 de novembro de 2014)


I Leitura: Pr 31,10-13.19-20.30-31
Salmo Responsorial: Sl 127(128),1-2.3.4-5ab (R/. cf. 1a)
II Leitura: 1Ts 5,1-6
Evangelho: Mt 25,14-30



“Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). É com esta certeza que o autor do Livro dos Gênesis conclui o primeiro relato da criação. Tudo, inclusive os homens, Deus cria, e assim o faz tendo em vista a Sua bondade, enquanto Criador, e a utilidade de toda criatura para a glória divina e para o bem da criação. Logo, como criaturas de Deus, fomos pensados com um talento primário: a bondade, e, por este caráter, refletimos o próprio Criador. Entretanto, alguns não fazem caso deste ‘proto-talento’ – fazer o bem, ser do bem – e obstinam-se no mal. Mas, o que é talento?
Talento era uma unidade de medida relativa ao ouro. Um talento equivalia a um montante de quase trinta e cinco quilo de ouro. Logo, não é uma moeda, mas uma fortuna considerável. O Evangelho diz-nos que o homem da parábola, ao viajar para o estrangeiro, “chamou os seus empregados e lhes entregou seus bens”, o que supomos que, muito rico, entregou nos oito talentos de ouro, toda a sua fortuna. Deus, em sua benevolência, oferece os bens da criação ao homem para que, na sua administração, seja capaz de fazer frutifica-los em multíplices outras benesses.
Percebam que a fortuna foi distribuída desigualmente, e o Evangelho deixa claro o porquê: [deu] “a cada um de acordo com a sua capacidade” (Mt 25,15). No original grego, encontramos o termo dynamis (dynamin), o que em latim se traduz por virtus (virtutem), ou seja, de acordo com as forças de cada um. Deus conhece-nos muito mais do que nós pensamos nos conhecer, sabe de quanto somos disponíveis a oferecer. Entretanto, ninguém pense que nasceu desprovido de dom, de talento que possa servir a Deus e ao próximo. Neste sentido, São João Crisóstomo nos afirma: “Esta parábola se apresenta contra aqueles que não só com dinheiro, nem com palavras, nem com qualquer outro modo querem ser úteis a seus próximos, mas, pelo contrário, não lhes servem” (Homiliae in Matthaeum, hom. 78,2). Todos possuímos algo para o oferecimento ao Reino e ao irmão, pois ninguém é tão pobre que não tenha nada a ofertar, já que o Senhor nos infunde os seus valorosos dons para que os desenvolvamos.
O patrão se ausenta. Sequer diz quando retornará para tomar posse do que lhe pertence e receber a devida prestação de contas, esperando que cada um tenha feito multiplicar aquilo que Lhe pertence, mas que foi dado para que outrem administre. Este homem é o nosso Redentor, que subiu ao céu. Aparentemente está distante, alheio às nossas obras, ao desenvolvimento dos talentos que Dele recebemos, mas esta viagem “para o estrangeiro” significa unicamente que Ele, doador dos talentos e dos dons provenientes de Sua bondade, nos deixa livres para administrá-los como quisermos, porém que esta liberdade não dispensa a responsabilidade e a justiça de, quando da sua volta, pedir satisfação do que lhe pertence e que havia-nos confiado.
Percebam ainda que, com seu o retorno, o homem, além de pedir contas do que é seu, ele não se escusa de tecer juízos de valores, ou seja, não deixa de realizar o seu julgamento. De imediato, vislumbramos que, além de dono dos talentos, ele também é juiz. Aos dois primeiros, que foram multiplicadores dos talentos do seu patrão, não economizando esforços, trabalhos, lutas, coragem para enfrentar as dificuldades no conseguimento do lucro, o homem, igualmente à competência dos seus servos, não economiza nos elogios e na recompensa: “Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!” (Mt 25,21.23). Por terem sido conscientes da sua responsabilidade, por terem levado adiante e a bom termo o pouco desigual que lhes fora confiado, os dois empregados recebem do Divino Patrão e Juiz título igual ao de Moisés: ‘Homem de confiança para toda a minha casa’ (cf. Nm 12,7). Já quanto a recompensa, o patrão lhe confia, por incrível que pareça mais trabalho, uma responsabilidade maior e, mormente, mais sublime: a participação na alegria do seu senhor. Onde se dará esta alegria? No Céu. Lá gozaremos da alegria, da festa, da contínua presença do Senhor, o Divino Patrão e Justo Juiz. Neste sentido, a Oração de Coleta, dirigindo-se ao Senhor, reza: “[…] fazei que a nossa alegria consista em vos servir de todo o coração, pois só teremos felicidade completa, servindo a vós, o Criador de todas as coisas”.
Mas, vocês podem me questionar: E no céu existe maior e mais sublime trabalho do que aqui na terra? Sim, meus irmãos, lá há trabalho incansável e prazeroso. Como partícipes da alegria do Senhor, reinaremos com Ele; ser-nos-á, por exemplo, nos confiada a intercessão dos servos que ainda ficarão no campo, desenvolvendo os talentos do homem justo e exigente. Enquanto no céu estaremos unidos num labor mais eminente do reinado de Cristo, na terra, os bons empregados, entoarão, mediante o exemplo que tivermos deixado, os elogios a nós destinados, tal como a Primeira Leitura deste Domingo se encerra: “Proclamem o êxito de suas mãos, e na praça louvem as suas obras” (cf. Pr 31,31).
Debrucemo-nos agora sobre o terceiro servo. “Mas aquele que havia recebido um só, saiu, cavou um buraco na terra, e escondeu o dinheiro do seu patrão” (Mt 25,18). Na sua comodidade, infidelidade, covardia, preguiça, pensamento baixíssimo e irresponsabilidade, o terceiro homem, mesmo sabendo da severidade do seu senhor, prefere ocultar o que de precioso recebeu e que é conforme à sua capacidade, às suas forças. O terceiro homem é reflexo daqueles que apegam e se teimam ao que é terreno. Por isso, na parábola, o homem não esconde em outro lugar, mas num buraco, envolto em terra. Estes receberão um adjetivo e uma recompensa proporcionada às suas atitudes de inutilidade e desleixo, similares ao do terceiro empregado do Evangelho: “Servo mal e preguiçoso”, jogar-te-ei “lá fora, na escuridão”, onde “haverá choro e ranger de dentes”. Às fortíssimas dores de ser atirado, jogado fora, une-se a humilhação de ser condenado aos tormentos infernais.
O que estamos fazendo com os talentos que recebemos do Divino Patrão? Se o dia do Senhor, [que] virá como ladrão, nos advier hoje, estaremos dormindo, apegados à terra, desguarnecidos, como os outros, ou estaremos vigilantes e sóbrios para lhe retribuir com lucro o que Ele nos concedeu? Ouçamos o conselho de São Paulo na Segunda Leitura de hoje. Obriguemo-nos a empregar todos os bens que Deus nos concedeu fazendo a Sua vontade, na mesma consciência de que, com apenas um talento, podemos ser gloriosos, já que, no dia de nossa morte teremos de prestar estritas contas ao nosso Juiz, Jesus Cristo, a quem sejam dadas honras e glórias infindas.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

FESTA DA DEDICAÇÃO DA BASÍLICA DO LATRÃO

(09 de novembro de 2014)



I Leitura: Ez 47,1-2.8-9.12
Salmo Responsorial: Sl 45(46),
II Leitura: 1Cor 3,9c-11,16-17
Evangelho: Jo 2,13-22

           
           

Hoje, celebramos a antiquíssima festa da Dedicação da Basílica do Latrão, Catedral de Roma, em recordação à sua consagração pelo Papa Silvestre em 09 de novembro de 324. Esta igreja, construída pelo Imperador Constantino, é a mais antiga e a primeira em dignidade das igrejas do Ocidente, sendo, por isso mesmo, considerada a “Mãe e Cabeça de todas as igrejas de Roma e do mundo” (Urbi et Orbe).
            Na realidade, celebrar a festa de hoje é celebrar Cristo Jesus, morada de Deus entre nós; Ele que montou a Sua ‘tenda’ em nosso meio, o Sheninah. Aquele que é Deus, e, portanto, atemporal e não pode ser contido em espaço algum, vem até nós, encarnando-se, para congregar-nos em Si, em Seu interior. Mesmo existindo na história, Cristo Senhor, morada eminentíssima de Deus entre nós, continua a congregar tantos em Si e a Si pelo mistério da Igreja. Ele, a Cabeça; nós, os membros que só temos vida e sentido se interligados ao cerne do corpo, fonte das emoções e da razão.
            A Primeira Leitura de hoje, que nos traz a visão profética de Ezequiel em relação ao Templo, é, de fato, uma visão prefigurativa do mistério de Cristo e da Igreja. Cristo é o Templo, cuja contemplação absorve o olhar de Ezequiel; a sua Graça é escorrida pela correnteza da Igreja; o curso desta correnteza, ou seja, a sangria deste rio esplendoroso é a história e a Terra inteiras, desbravadas por este majestoso e fecundo rio; às suas margens observa-se o crescimento de toda espécie de árvores frutíferas, cujas folhas são imarcescíveis e frutos infindáveis, porque às pessoas de todos os séculos e lugares aos quais chegou, chega e chegará a Graça Divina através da Igreja, única despenseira da vida imperecível para a humanidade, produziram frutos incalculáveis e insondáveis. Como poderíamos medir ou quantificar o bem produzido pelos cristãos ao longo destes dois milênios, se a Graça de Deus transmitida a eles pela Igreja através dos Sacramentos age neles? Nossa vida só frutifica e remedia o mundo se estamos fincados na Igreja, Corpo Místico de Cristo.
            Creio, meus irmãos, que a cena de Cristo no Calvário, crucificado, com o seu peito dilacerado, jorrando sangue e água em abundância, é a concretização desta visão de Ezequiel. É do peito aberto do Senhor que nasce a Igreja, que, por ser Sacramento de Cristo, congrega, revitaliza a vida de tantos quantos estão mortos, ressequidos, cujas ramagens estão secas. E como isto acontece senão pelos sete sacramentos simbolizados no sangue e na água que irromperam do Crucificado, do Verdadeiro Templo de Deus?
            Também nós somos habitação de Deus pelo Espírito que age e mora em nós.  Esta é a reflexão da Segunda Leitura. A Igreja, por sua prática sacramental, infunde em nós esta condição de santuário de Deus, alicerçados em Cristo – que também nos é pedra angular, pedra de amarração da construção que somos nós. Santo Agostinho afirma com toda clareza: “Aqueles que habitam na casa de Deus, são também eles mesmos casa de Deus”. Logo, entrevemos a importância de estarmos congregados na única Igreja de Cristo, a Igreja Católica, Corpo Místico do Senhor, ao tempo em que também nós somos, por participação, esta Igreja, este Corpo.

            No Evangelho, temos o Senhor, consumido de zelo pela casa de Deus, purificando-a de vendilhões, trapaças e crimes. Na realidade, movido de ímpeto, Nosso Senhor, com chicote de cordas não quer expulsar somente os cambistas do templo. A mensagem vai além: Cristo Senhor decreta o fim da importância do judaísmo profanado pela infidelidade e pelo desrespeito a Deus. O templo a ser purificado não é aquele, mas o que será fundado sobre o seu Corpo – por este motivo, Jesus fala de reconstruí-lo em três dias. Jesus quer fundar a Sua Igreja límpida, purificada, a tão ponto bela que faz dela a Sua Esposa; o Senhor ao falar do Seu corpo, fala também de nós, da nossa pureza, da nossa limpidez, da nossa purificação e da nossa beleza garantidas pelo Seu triunfo pascal – Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão. No Corpo Majestoso do Senhor, estamos nós.
            São Cesário de Arles, no distante século VI, ilustra-nos a necessidade de prezarmos pela beleza do Templo de Deus, em seus dois aspectos: o interior (que somos nós) e o edifício de pedras, ao qual, por conveniência, também denominamos igreja: “Todos nós, caríssimos, antes do batismo fomos templos do demônio; depois do batismo, obtivemos ser templos de Cristo. E se meditarmos com atenção sobre a salvação de nossa alma, reconheceremos que somos o verdadeiro templo vivo de Deus. Deus não habita somente em construções de mão de homem (At 17,24) nem em casa feita de pedras e madeira; mas principalmente na alma feita à imagem de Deus e edificada por mãos deste artífice. Desse modo pôde São Paulo dizer: O templo de Deus, que sois vós, é santo (1Cor 3,17). […] Queres ver bem limpa a basílica? Não manches tua alma com as nódoas do pecado. Se desejas que a basílica seja luminosa, também Deus quer que tua alma não esteja em trevas, mas que em nós brilhe a luz das boas obras, como disse o Senhor, e seja glorificado aquele que está nos céus. Do mesmo modo como tu entras nesta igreja, assim quer Deus entrar em tua alma, conforme prometeu: E habitarei e andarei entre eles (cf. Lv 26,11.12)”.
            Que esta festa hoje celebrada nos encha de zelo para cuidarmos da propriedade de Deus neste mundo: a Igreja, habitação interior de Deus, que somos nós; e a igreja-edifício, sublime casa onde nos reunimos para nos nutrir dos Sacramentos e da Palavra de Deus pela fé, e para a reunião dos crentes em Jesus.