domingo, 5 de novembro de 2023

A maravilha de ser santo


 


Padre Everson Fontes Fonseca,

Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru)


Diante desta Solenidade de todos os Santos e Santas de Deus, sentimos, mormente, a plenitude da misericórdia divina, que, em tão frágil criatura quanto é a humanidade, manifesta a Sua grandiosidade, já que realiza Ele maravilhas em nós. Mas, que tipo de prodígio? A santidade que provém da Sua graça.

No Apocalipse de São João, são designados santos, misteriosamente, "os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro" (Ap 7,14). Isso nos quer dizer muito. Primeiramente, a multidão incalculável vista por São João diante do trono do Cordeiro não passou a vida senão sofrendo diversas agruras, "grande tribulação", porque o seguimento ao Senhor, na radicalidade da nossa fé, é uma luta renhida, pois, como bem disse o Apóstolo São Paulo: "Nossa luta não é contra seres humanos, e sim contra principados e potestades, contra os dominadores deste sistema mundial em trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais" (Ef 6,12). E quantas situações se lançam sobre nós?! Permitidas por Deus, as provações devem fazer com que nos unamos mais a Ele, que nos fortalece com a Sua providência, e faz-nos pôr em prática o que Dele recebemos, para não termos em mente que a vida cristã é marcada pela facilidade, pela calmaria da "sombra e água fresca" ou do "mar de rosas", como dizem por aí. Mas, podemos pontuar mais: isso de lavar e alvejar as vestes no sangue do Cordeiro, de encharcar-nos, traz-nos a ideia de mergulho em Cristo, porque, revestindo-nos Dele, mergulhando em Sua vida divina, fazemos dela nossa vida, inclusive no que diz respeito à dignidade de sermos filhos de Deus, condição proporcionada pela redenção cumulada pelo Sacrifício do Senhor.

Estarmos revestidos de uma alva veste, de uma pura indumentária espiritual significa imitarmos o Cristo. Isto me faz lembrar de Esaú e Jacó. De como este último, para ganhar a bênção paterna da primogenitura, reveste-se das roupas do seu irmão gêmeo, para passar-se por ele, enganando o seu pai Isaac, já cego (cf. Gen 27,11ss.). Somos revestidos de Cristo pelo batismo, pelo banho no Seu Sangue, pelo banho da regeneração, pelo banho da santidade. Revestidos para a luta; lutamos porque fomos revestidos; lutamos revestidos, mas não podemos macular a veste do espírito nas más obras, haja vista que precioso é O que nos purificou e nos deu de Sua santidade como um dom a ser, constantemente, cultivado. O revestir da veste de Cristo, além de produzir em nós a imortalidade, faz-nos imitá-Lo, porque santo é aquele que imita Jesus, nunca estando alheios a Ele. A vida fora da imitação do Senhor é inhumana, não dá felicidade, desassossega-nos, cansando-nos imensamente.

Uma vida de santidade é um constante desinstalar-se, violentar-se; é um ultrapassar a natureza humana. E São Gregório de Nissa nos ilustra no que queremos dizer: "de mortal se torna imortal; de efêmero, eterno; em suma, de homem, Deus" (Omelia settima). Uma vida de santidade é uma saudável ousadia de nutrir e apropriar-se dos sentimentos do próprio Deus, de maneira que, como filhos Seus, cumulados por este grande presente em nós chamado filiação divina, tornamo-nos semelhantes a Ele, porque O contemplamos, aprendendo Dele, inclusive a, neste processo chamado santidade - simultaneamente tão sofrido e prazeroso -, também sermos dom incomedido para os outros, para os irmãos, testemunhando a obra do amor de Deus em nós chamada santidade.

Do testemunho à contemplação eterna, deste mundo ao céu, percebemos a urgência de abraçarmos, sem reservas, a santidade oferecida por Aquele que é o Santo a nós (cf. 1Pd 1,15-16). Que sintamos o Seu imperativo inesquecível: "Sede santos como eu, vosso Deus, sou Santo" (Lv 20,7), pois para isto fomos criados, eleitos e

 consagrados.

sábado, 16 de janeiro de 2016

II Domingo Comum- As bodas de Caná-O vinho novo não deve ser guardado

        Com a celebração do passado Domingo, o Batismo do Senhor no Rio Jordão, a Igreja concluiu o Tempo do Natal, este, pois, caracterizado pela manifestação do Filho de Deus: desde um recém-nascido, um infante, que os pastores encontraram na gruta de Belém a também o Rei dos judeus que os sábios do Oriente vieram adorar. Com o seu batismo, Jesus, é apresentado pelo Pai na força de seu Espírito a Israel e, então,principia sua missão como o Ungido do Senhor, conforme podemos ouvir à Oração de Coleta da Festa do Batismo:  Deus eterno e todo-poderoso, que, sendo o Cristo batizado no Jordão, e pairando sobre ele o Espírito Santo, o declarastes solenemente vosso Filho..."
       A Liturgia da Igreja do ano lucano, (C), neste Domingo, nos apresenta uma particularidade: a narrativa das Bodas de Caná, no segundo capítulo do evangelho de São João que não é proclamada em nenhum Domingo do Tempo Comum, restrito, para o final do Tempo da Quaresma e para todo o Tempo Pascal. Uma outra observação é que essa mesma passagem é outrossim lida nas duas formas do Rito Romano, o que, na Forma Extraordinária, é o chamado II Domingo depois da Epifania do Senhor. Com esta sintonia, a Liturgia hodierna, faz-nos recordar a solene antífona do Cântico Evangélico cantada pela Igreja no dia da Epifania e sua oitava: Hoje o Esposo celestial se uniu à Igreja, porque o Cristo lavou no Jordão os crimes de sua Esposa; Os magos se apressam para as núpcias do Rei, com as dádivas suas; e a água se transforma em vinho e os convivas se alegram. Aleluia. 
          Na referente antífona se encontra condensada de uma certa maneira, a partir de sua conclusão que remete ao milagre da água mudada em vinho, o que significa o ministério de Jesus de Nazaré, começado na Galileia. Diferentemente dos sinóticos onde Jesus, do Batismo, é levado pelo Espírito para o deserto, João, que não pormenoriza o rito de ablução do Batista, dedica-se a narrar o início dos sinais numa festa de casamento onde a Mãe de Jesus e seus discípulos estavam presentes, enquanto que em Lucas o início da pregação é na sinagoga, em Nazaré, cidade da sua vida oculta com seus pais, quando, ali, lendo o Profeta Isaías O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a libertação dos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor, no capítulo sessenta e um, onde se verifica uma síntese para a pergunta que um dia fará E vós quem dizeis que eu sou?
         O primeiro aceno que devemos destacar é a festa de casamento. Por que, Jesus, iniciar o ministério numa festa? Ainda: O que significa a presença, ali, de sua Mãe, Maria Santíssima, a quem chama a vez primeira por Mulher? E os seus discípulos? Ainda há de sublinhar as talhas cheias de água, o mestre-sala, que toma da água mudada em vinho, e, por principal, o que  conclui: Todo homem serve primeiro o vinho bom e, quando os convidados já estão embriagados serve o vinho inferior. Tu guardaste o vinho bom até agora. Antes de nos determos aos supramencionados é interessante um significado sobre o vinho. Para os banquetes d'outrora, para Israel, o era sinal da alegria e da fartura no festim. O sacramental do vinho é aludido na mitologia grega por Dionísio. A representação deste deus é feita como um jovem imberbe, risonho e festivo, tendo, em uma das mãos, um cacho de uvas ou uma taça a transbordar um vinho generoso. O mito do deus do vinho, Dionísio, descrito de entre a gama das histórias gregas, serve como uma espécie de plano de fundo para Aquele Único que pode dispensar o vinho bom e que não cessa! Esta certeza canta Davi no Salmo 22, quando diz: (..) minha taça transborda.
        O cenário das bodas, do casamento, descrito pelo evangelista, pode ser compreendido a partir da primeira leitura da Missa de hoje. O profeta Isaías anuncia com uma linguagem extremamente poética o reestabelecimento de Jerusalém. A imagem que adota e que também se consagra, por exemplo, no livro do Profeta Oséias, é a figura da noiva que será desposada no dia nupcial pelo seu esposo e o povo de Israel exilado era comparado como uma esposa abandonada porque foi infiel ao seu marido. O amor de Deus por Jerusalém era tão predileto, singular, que a idolatria, era, conforme se lê no Levítico, um adultério. A volta de Israel, cujos crimes Deus aplacara,esquece-os, é narrada por Isaías como uma aliança conjugal. O Senhor, por um amor incondicional, recebe Jerusalém parecendo o noivo que diante do altar recebe a noiva para fazê-la sua esposa, numa aliança indissolúvel; assim como o jovem desposa a donzela, assim teus filhos te desposam; e como a noiva é a alegria do noivo, assim também tu és a alegria de teu Deus, ouvimos a conclusão na leitura primeira deste Domingo.
       Para nós, portanto, as promessas da Aliança do Deus de Israel, tem o seu apogeu em Jesus Cristo. É Ele, o esposo em Caná e, esta, é a Igreja! Se em Caná ele inicia sua missão messiânica, hoje, ela se perpetua na Igreja, onde o Esposo não mais muda a água em vinho, mas, na força do Seu Espírito converte o vinho na Sua Eucaristia. E, uma vez que é o "Tão Sublime Sacramento" é, por esta razão, que o vinho que vai lembrar o júbilo dos esponsais, evoca a Nova Doutrina, o ensinamento dado com autoridade pelo Cristo Deus, de modo tal, que escreve o Papa Bento XVI, citando o teólogo Fílon de Alexandria: Fílon fixa (...) sua teologia do logos histórico- salvificante em Melquisedec, o qual ofereceu pão e vinho: em Melquisedec é o logos que atua e que nos oferece os dons essenciais para a existência humana; então o logos aparece ao mesmo tempo como sacerdote de uma liturgia cósmica. 
        Essa reflexão, aqui, pode ser compreendida em dois aspectos presentes à narração das Bodas em Caná. Num primeiro momento é a presença de Maria que chamada Mulher, como sê-la-á aos pés da Cruz, para contrapor a primeira vivente, Eva, nossa mãe. A Mãe de Deus, portadora do Logos,  aos discípulos de Seu Filho: Fazei o que ele vos disser. A Virgem Maria, discípula e mediadora, da Nova e Eterna Aliança, faz-se presente como a testemunha e a primeira que compreende, porque guardava os fatos e meditava sobre eles em seu coração. Maria, a cheia de graça, amiúde, aponta para o seu Filho-Deus. Se foi por sua palavra que a Palavra no-lo foi revelada em plenitude, " feita" carne, em Caná, pela palavra da Virgem de Nazaré, naquele seu fazei o que ele vos disser, aos discípulos, para que também estes O obedeçam, Deus, no Messias prometido pelos santos profetas, toma as talhas e a água da primeira aliança e a transforma no vinho que inebria e salva. Maria se torna além da Nova Mulher, membro dos justos que esperavam a redenção, e, por conseguinte, a primeira partícipe do novo Israel, a Igreja. 
           No que diz respeito ao mestre-sala que afirma  mas tu guardaste o vinho bom até agora, entendemos o quanto o Novo, que se inaugura a partir da vida de Jesus, não deve ser retido. O seu inteiro ensinamento, bondade e clemência, misericórdia e contrição, juízo e sentença, deve ser anunciado. Esta verdade pode ser notada com este particular :quando os convidados já estão embriagados serve o vinho menos bom. Esta alegoria é importante para observar tão só: Não há um outro vinho absolutamente novo para ser dado senão aquele que dá o Cristo em sua Caná pela palavra e pelos sacramentos. Este é o vinho bom que é conservado na integridade dos salutares ensinamentos de Nosso Senhor confiados à Igreja, que, serva e esposa, O escuta. Ainda sobre a necessidade de ser oferecido o vinho novo, certa vez, observaram  a Jesus sobre o jejum que só os discípulos seus não seguiam como os de João Batista. Jesus, logo, responde: Acaso pode fazer que os amigos do noivo jejuem enquanto o noivo está com else? Dias virão, porém, em que o noivo lhes será tirado; e na queues dias jejuarão. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; caso contrário, o vinho novo estourará so odres, derramar-se-á, e os odres ficarão inutilizados. Põe-se, antes, vinho novo em odres novos. Mas, ninguém, após ter bebido vinho velho, quer do novo. Pois diz: O Velho é que é bom!"  cf. Lc 5, 34 sg. 
                Com esta parábola podemos fazer um paralelo com o milagre em Caná. O vinho novo e bom que falatara era o do advento de Cristo. Nosso Senhor vem para trazer o Reino em Sua Pessoa. A presença Dele às bodas deve lembrar que em nossa vida é oportuna e essencial. Sem ele as bodas da sua Páscoa, lembrada, pelo terceira dia, em que o casamento acontece, o vinho novo sempre será nulo, mas, atentemo-nos, que tal vinho para muitos não será bem degustado parque exige uma resposta mútua para que nos cristifiquemos como um cônjuge que pela aliança se torna um.
               Iniciando o Tempo Comum que preenche grande parte do arco do Ano Litúrgico, peçamos ao Senhor que nos despose, fato este, evento de salvação, que se dá no Sacramento do Altar. Da videira, a uva amassada que dará o vinho que conforta e nos alegra, fruto do Espírito Santo, que sempre nos permitirá a beber do vinho bom
       

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

PER ANNUM - Tempo Comum-O Tempo da vida besta

                                                                                                             *Dom Henrique Soares


     Com a Festa do Batismo do Senhor, terminou o Tempo do Natal. Após a Missa, retirou-se o presépio e, no dia seguinte, hoje precisamente, iniciou-se o chamado Tempo Comum, aquele, em que não se celebra nada de especial, a não ser o mistério mesmo do Cristo.
Tempo Comum… Tempo de nada, tempo da mesmice, da vida besta, da qual falava Carlos Drummond de Andrade? “Eta vida besta, meu Deus!” – dizia o poeta.
Não! A cor própria deste período é o verde, exatamente para mostrar que este Tempo Comum não é tempo miúdo, mesquinho da rotina de cada dia! O verde, é o da esperança, aquela que invade o coração de quem sabe que “nasceu para nós um Menino, um Filho nos foi dado”, como dizia Isaías; aquela esperança de quem sabe que o Menino é o Cordeiro de Deus que, morto, ressuscitou e permanece vivo no coração da Igreja e do mundo! O Tempo Comum é o tempo da esperança em Deus, tempo de crer que o Senhor está presente no dia a dia, nas pequenas coisas, que parecem sem sentido e bêbadas de banalidade!
Sabem um bom quadro da Bíblia para compreender este tempo? A vida oculta de Jesus em Nazaré. Alguns curiosos tontos – desses que não entendem nada de Bíblia e se metem a falar do que não sabem – ficam perguntando o que fez Jesus nos trinta anos de vida oculta. Será que foi ao Egito aprender alquimia? Teria ido à Pérsia aprender os segredos dos magos, as mágicas e feitiços dos pagãos? Alguns, alucinados, dizem que fora ao Tibet, aprender meditação… Festival de bobagens; coisas de desmiolados pedantes… De fazerem rir e chorar!
Mas, então, o que fez Jesus nestes trinta anos? O Evangelho diz, revela; é tão claro: Ele crescia! Isso mesmo: crescia, em estatura, sabedoria e graça (cf. Lc 2,52), como qualquer criança. Trinta anos de dia a dia, de coisas pequenas, de vidinha igual, rotineira, na acanhada Nazaré, aprendendo a ser gente, a ser homem… Que coisa linda: o Filho de Deus viveu em tudo a nossa condição!
Trinta anos de acordar, trabalhar, rezar, comer e dormir, trinta anos de coisinhas miúdas, tornadas grandes pelo amor de cada dia, desse que a gente quase nem percebe, para nos ensinar a encher de Deus o nosso dia a dia. Isso mesmo: Ele Se encheu da nossa rotina para que a nossa rotina fosse cheia Dele!
Eis o sentido do Tempo Comum, tempo verde: dizer que nossos dias, por miudinhos que sejam, são cheios da graça e da verdade de Deus, a tal ponto, que são sementes de eternidade! Aproveitemos o tempo, por comum que seja, e ele será sempre tempo da graça de Deus, tempo de encontrar a eternidade!

sábado, 2 de janeiro de 2016

Epifania do Senhor- A Igreja é a Casa da adoração ao Deus de Jesus Cristo

Caros irmãos,
   
  
  Ainda imersos às alegrias do singular evento da Encarnação do Verbo sempiterno, Nosso Senhor Jesus Cristo, voltamo-nos para o presépio e eis, que hoje, na segunda das maiores Solenidades do Tempo do Natal, encontramos a Sagrada Família e, dentre muitos, os sábios magos oriundos do Oriente; e da boca da Igreja escutamos, como é bem expressa à Antífona da Entrada da Missa de hoje: ‘‘Eis que veio o Senhor dos senhores, em suas mãos, o poder e a realeza.’’  Celebramos hoje a Solenidade da Epifania do Senhor.
     Do grego, ‘’Θεοφάνεια’’, significa etimologicamente, "manifestação", aparição, revelação.’’ Sabido disto, é, pois, a Manifestação do Senhor a todo o mundo. Aquele lá das alturas, toma a nossa forma humana, a nossa visibilidade, ou seja, é próximo de nós, o Divino companheiro, Emanuel, Deus conosco que veio salvar a todos: o que se verifica na diversidade dos magos.
        Este arcano desígnio de salvação é expresso em todos os textos que a Liturgia da Palavra nos apresenta. Vejamos as palavras de Isaías profeta: Levanta-te, acende as luzes Jerusalém, porque chegou a tua luz apareceu sobre ti a glória do Senhor. Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti (cf. Is 60, 1 sg.).
      À priori é a imagem que encoraja o Povo de Israel à volta da peleja e severa servidão em Babilônia. Longe do Templo, imersos na idolatria, destarte abandonando o Deus Bendito dos seus pais. Continua o Profeta:  Os povos caminham à tua luz e os reis ao clarão de tua aurora... Ao vê-los, ficarás radiante, com o coração vibrando e batendo forte, pois com eles virão as riquezas de além-mar e mostrarão o poderio de suas nações; será uma inundação de camelos e dromedários de Madiã e Efa a te cobrir; virão todos os de Sabá trazendo ouro e incenso e proclamando a glória do Senhor .Esta exortação fora dirigida ao povo da primitiva aliança, pois voltavam para a Cidade de Sião, para adorar o Deus Santo que bem fez todas as coisas!
      Nestes tempos, que são os últimos, tomamos o Antigo Testamento, e nele, constatamos as epifanias feitas pelo Senhor na paulatina história da salvação. As alianças sancionadas, a aparição a Moisés na visão da sarça, faz-nos lembrar o ensinamento de Santo Agostinho, contido no Catecismo da Igreja Católica, nº 2055-  Novum in Vetere latet in Novo Vetus patet- o Novo Testamento está escondido no Antigo, ao passo que o Antigo é desvelado no Novo. Como somos cônscios, iluminados pela Palavra de Deus e pelo Magistério Apostólico, a plenitude da Revelação é o Verbo encarnado, esta é, por antonomásia, a epifania de Deus entre povos, como canta hoje o Salmo setenta e um: As nações de toda terra hão de adorar-vos, ó Senhor. Os reis de toda a terra hão de adorá-lo, e todas as nações hão de servi-lo.
    Pois bem: Quem é Jerusalém? 
   É a Igreja, que acolhe todos as gentes e fá-los único: os batizados, que iluminados pelo fulgor da Luz, tornam-se reflexos seus para o mundo descrente, como disse o mesmíssimo profeta, na Noite de Natal: O povo, que andava na escuridão, viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu. Porque nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho.
  A hodierna Solenidade revela-nos que somente Deus é o Senhor dos senhores. Esta verdade é-nos colocada pelo Evangelho quando da atitude dos magos: Ao verem de novo a estrela, os magos sentiram uma alegria muito grande. Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele, e o adoraram (cf. Mt 2, 1 sg.). A adoração é uma atitude de reconhecimento do senhorio de Cristo diante daquilo que somos. Impressiona-nos a presença da estrela. Não nos detendo nas diversas possibilidades que possa sê-la, cabe-nos a interrogação: Se aqueles que também eram entendedores da ciência astronômica, que  tinham um conhecimento mais enfático sobre os corpos celestes, suas posições, aparições, por que, então, não “permaneceram” absortos pela luz do astro? Não! A estrela, ainda que tenha luz própria, não poderia conter Aquele que é “Lumen gentium”, o único que pode fazer das trevas luz e colocar o homem no seu lugar para que Deus reine!

      Neste aspecto, vale sublinhar,  o que reflete o Papa Bento XVI: poder-se-ia falar de uma espécie de guinada atropológica: o homem assumido por Deus- como aqui se mostra no Filho Unigênito- é maior que todos os poderes do mundo material e vale mais do que o universo inteiro (cf. A Infância de Jesus, p. 86). O recém- nascido encontrado, agora, pelos sábios oriundos das terras do outro polo geográfico do mundo, é, pois, um início da Igreja que no primeiro Pentecostes fora pelo Espírito Santo, através dos apóstolos e os seus colaboradores, dispersa com as sementes do Evangelho para que se encontre e se proponha a via de salvação que traz a Sua Cabeça, no Unigênito da Virgem Maria. Nela, (Igreja), muito além das concepções alheias e desprovidas da sua essência, ela é “Mysterium”. O homem enxertado em Cristo pelo Batismo, entra, como os magos ao presépio e, então, chegam à conclusão, à verdadeira finalidade: E entraram na casa, e acharam o menino com Maria, sua Mãe e, prostrando-se, O adoraram (cf. Mt 2, 11 sg.)
   Outro dado importante é o que encerram-se em seus cofres: o ouro, o incenso e a mirra. Quais os sinais destas dádivas? São símbolos que anunciam a verdade do Infante-Deus. O ouro: Ele é Rei do Universo. O incenso: Ele é Deus; o soberano ‘’que supera todos os deuses, pois um nada são os deuses dos pagãos. Bem diz o salmista:’’ Têm olhos, mas não podem ver’, têm ouvidos mas não podem ouvir, têm nariz mas não podem cheirar, têm boca, mas não podem falar” e uma especial atenção à mirra. Esta é sinal da Paixão, do fel, do vinagre dado, da glória do martírio cruento, que aguarda o Divino Infante.
    À segunda leitura, da Carta de São Paulo aos Efésios, (cf. Ef 3, 2sg.), diz o Apóstolo:  Este mistério, Deus não o fez conhecer aos homens das gerações passadas, mas acaba de o revelar agora, pelo Espírito, aos seus apóstolos e profetas: os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.  O referido mistério é a Revelação plena de Deus em o seu Unigênito, sim, Aquele mesmíssimo, que, como diz São João, ‘’estava na intimidade do Pai’’,  manifesta-se para salvar o homem da imundície do pecado, por isso mesmo diz São Paulo que os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.
     Celebrar a Epifania do Senhor é reconhecer no Filho de Deus, a “imagem do Deus invisível’’, que, tendo se manifestado a todos os povos para salvá-los, já levou, a nossa humanidade redimida, quando ascendeu ao mais alto dos céus!

  Vamos,  pois ,e o Adoremos, Aquele que é, foi e será!

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus-Maria: portadora da verdadeira Paz





                                                                                


 *Por Ian Farias de Carvalho Almeida
      
    Ao iniciarmos mais um ano, queremos agradecer ao Senhor da vida que nos concede a oportunidade de introduzirmos um novo tempo em nossa história, onde poderemos trilhar, na cotidianidade, os caminhos que nos propusermos a fazer em nosso percurso existencial. Para tanto, devemos sempre ter em mente que este momento não se dá jamais de forma desregrada ou autossuficiente, mas está inteiramente sob a conduta de uma vida que sabe ver em Deus o ápice de todo caminhar. O primeiro dia do ano não é marcado somente pela felicidade momentânea de troca de votos e de desejos expressivos de um ano próspero e duradouro. Outra celebração, ainda mais revestida de esplendor, assinala este momento: a Solenidade da Maternidade divina de Maria. Na vasta gama de oportunidades para celebrarmos esta data, aprouve a Igreja confiar a Virgem Mãe este momento. Na alvissareira condição histórica, Maria é aquela que nos faz silenciar na escuta atenta, no acalanto do regaço materno e no tempo que devemos oferecer a Deus.

    “O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti! O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!” (Nm 6,24-26). A Francisco de Assis parecia agradar-lhe muito essa fórmula de bênção da primeira leitura de hoje, que depois a liturgia também tomou para as celebrações, inserindo-a como a primeira nas possibilidades das bênçãos “per annum”. Ele mesmo escreveu-a de próprio punho ao seu confrade, confessor e pai, Frei Leão. Como diácono, Francisco sabia que Leão estava acima dele enquanto sacerdote, por isso nutria-lhe grande respeito e nele reconhecia a dignidade da identidade sacerdotal. Recuperando uma fórmula quase esquecida, motivava um novo olhar sobre o Deus que enriquece com sua graça a humanidade. É claro que Francisco procurava acima de tudo o olhar de Deus, quase numa analogia com o próprio salmista, que escreveu: “Meu coração diz a teu respeito: ‘Buscai a minha face!’. A vossa face, Senhor, eu procuro. Não escondais de mim a vossa face, não rejeiteis com ira o vosso servo” (Sl 26, 8-9). Desde a forma como preparava a chegada do Príncipe da Paz (cf. Is 9,6), podemos antever que o seu desejo era antes de tudo encontrar o rosto de Deus e transmiti-lo também aos outros. Ele sabia que aquele rosto tivera se manifestado em Jesus Cristo e queria que, como os pastores e magos, o estábulo fosse agora o local da acolhida de todos os que viessem ver o Deus menino. Quando, em 1223, celebrou o Natal em Greccio com um boi, um jumento e uma manjedoura cheia de feno, tornou-se visível uma dimensão mais contundente e atual desta festa. Natal era agora a festa da pobreza de Deus, que por meio de um menino aparentemente comum e igual a todos os outros, falou e fala aos homens que se deixam tocar pelo Seu mistério.

    Os Padres da Igreja viam uma associação expressiva com a Trindade na relação da tríplice menção do nome de Deus. É certo que não poderíamos pensar assim em se tratando da comunidade antiga do povo de Israel. O reconhecimento de um Deus em três Pessoas era, de fato, coisa impensável à época. Hoje, entretanto, deveríamos fazer a mesma experiência do Pobrezinho de Assis: dar e pedir a bênção divina. Por meio do sacerdócio ministerial, a Igreja concede a oportunidade de sermos abençoados, nos faz caminhar pelas vias divinas e nos deixa moldar pelo Deus da esperança.

     Assim, somos motivados a rezar na oportunidade de um novo tempo, pedindo que as bênçãos divinas desçam abundantemente sobre nós e nos façam reconhecer o Deus que não cessou na distância do homem, mas deixou-Se tocar e assumir forma humana na pessoa de Jesus Cristo. Ele é agora aquele que suscita em nós o desejo da benção, da misericórdia e da paz. Ainda recordamos a comemoração do Dia Mundial da Paz, que há mais de cinquenta anos o Papa Paulo VI instituíra. Desta forma, com a mão na consciência, o homem pode pensar além de si, convergindo seu olhar para o outro e, com o outro, experimentar os sentimentos da paz divina.

A procura pelo rosto divino já está inserida no coração de todo homem. Ela evidencia-se sobretudo pela sede comum da prática do bem e do desejo de eternidade. Mas somos todos ainda a procurar o rosto de Deus? Não somos porventura perseguidores dos nossos próprios ideais ao invés de desejarmos o Seu querer? Não temos depositado nos outros a confiança que pertence a Ele? Sim, pecado é procurar nas criaturas o que só se encontra no Criador. O Deus da paz se tornou o principal artifício para a guerra. Seu nome é usado para a violência e a não-tolerância. Essa prática supõe não apenas um esquecimento da viabilização oportuna do diálogo, mas nos mostra outra faceta da humanidade: aquela dos homens que não buscam o rosto do Senhor.

“Os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria e José, e o recém-nascido deitado na manjedoura” (Lc 2,16). Na narrativa lucana que escutamos neste primeiro dia do ano, os pastores assumem uma figura de destaque, motivados a caminharem às pressas até Belém para verem o Salvador prometido, anunciado até então pelos anjos na noite santa do Natal (cf. Lc 2,11). O evangelista enfatiza que eles se dirigiram apressadamente para o local onde os mensageiros divinos tiveram-lhes indicado. Nessa passagem deveríamos perguntar-nos precisamente sobre como está a nossa relação com Deus. Temos caminhado ao seu encontro apressadamente? Parece que com o desenrolar do tempo coisas tem sido criadas procurando desviar a nossa atenção do objetivo principal. Quantas metas forjadas de acordo as circunstâncias que vão se desdobrando na vida! Deus pareceu tornar-se um Ser secundário, ao qual dedica-se sempre o tempo de sobra. Ele não é mais prioridade; ao contrário, surgiram tantas prioridades a sufocarem-no. O homem perdeu-se de si porque perdeu-se de Deus, a sua origem e o seu fim.

    O desejo de felicidade é caracterizado pela momentaneidade das relações superficiais e pelos interesses nelas contidos. A sociedade reduziu a eternidade aos limites tangíveis do cotidiano e o tempo passou a ser o maior aliado numa conjuntura conflituosa, onde a inimiga é a eternidade, e Deus, quando não associado a uma figura mítica, é apresentado como um moralista que retrai o homem diante das livres escolhas que Ele mesmo o permitiu fazer.

    Maria dá ao mundo a verdadeira paz porque nos comunica o seu próprio Filho. Ela é bem-aventurada, a Theotókos – Mãe de Deus. Mesmo em meio a tantos sinais de guerra, o menino que dela nasce nos motiva sempre a esperança de não deixarmo-nos seduzir pelas propostas de uma falsa paz ou de estradas cômodas para o exercício da nossa fé. O caminho de Deus deve ser percorrido com o mesmo entusiasmo dos pastores, que saíram para Belém deixando todo comodismo e medo. É um desafio que nos inquieta, inquieta o nosso “crer” e permite que nos aventuremos no amor.

    Na escola de Maria podemos captar com o coração aquilo que os nossos sentidos não nos permitem compreender: Ela é Mãe de Deus porque Jesus Cristo pode ser dito Deus e Homem. A Solenidade do Natal, a pouco celebrada, nos evidencia isso. Deus fala ao homem a partir da sua própria realidade, de coisas que lhe são comuns, de acontecimentos que lhe são familiares. Só poderemos descobri-Lo se, como a Virgem, soubermos observar todas as coisas em nossos corações. O menino, que hoje Ela mostra ao mundo, nos faça artífices da paz, experimentando a sua misericórdia que nos alcança a todo instante.   

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Nativitate Domini-Natal do Senhor- na Noite Santa

Caros irmãos,

      
       
                                                                          *Meditação: André Fernandes Oliveira
            Celebrados os exatos quatro domingos do Tempo do Advento chegamos com todo o universo e com toda a Igreja, gaudiosos, “às festas da salvação”. Com certeza o “hoje” que a Liturgia incansavelmente faz notar, suplanta a um simples advérbio temporal, mas é, sobretudo, um evento teologal, que se justapõe com as primeiras palavras do Salmo II que é o intróito da Missa na Noite do Santo Natal:”Dóminus dixit ad me: Fílius meus es tu, ego hodie génui te ( Sl 2, 7).” Sim! Hoje, maravilhosamente, completaram-se a lei e os profetas. Deus que outrora revelara-se por meio, hoje, no seu Unigênito, mostrou-Se. A imagem do “Senhor dos exércitos” que aclamamos no Sanctus da Missa é encontrada à débil e cândida fragilidade de um recém-nascido.
          Como há lógica neste inaudito e solene evento? Como a nossa humanidade que é sempre levada para sentenciar com larga comprobação e exatidão, pode unir-se aos coros dos anjos e cantar o Glória?  Como nos agremiamos aos pastores de Belém, ignóbeis, que apascentavam as ovelhas para suster a si mesmos e às suas famílias? Ainda: A espantosa presença dos sábios vindos do Oriente que oferecem na pobreza daquele recinto, ouro, incenso e mirra? Eis aí, então, como exclama Santo Agostinho, admirado, a precisa e mistérica resposta: “Ó admirável comércio! O Criador do gênero humano , tomando um corpo e uma alma, dignou-se nascer da Virgem e, tornando-se homem sem a participação do homem, torna-nos participantes da sua  divindade.”
          Defronte às palavras do  Santo Bispo de Hipona, poderíamos, ousar com umas perguntas: Se a natureza humana estava decaída, como, então, pode ser a encarnação do Verbo um “admirável consórcio”? Se é uma troca, quando, a Palavra no-lo toca e, uma troca, deve ser ao menos numa “ligeira concepção”, algo de salutar, o que demos a  Deus? Nossa humanidade? Nossa aventura de viver? Nossos níveis e desníveis? Sim. O Natal ora iniciado e celebrado em sua Oitava e nos dias que seguirão com as demais festas, desponta para o misto desta verdade: Como podeis Vós, Senhor, a quem Moisés havia perguntado o nome para anunciá-Lo aos filhos de Israel e dissestes: “Eu sou”, vos condicionastes à mendicância dum estábulo, fostes reclinado, numa manjedoura, o cocho, onde os animais que se abrigavam no curral comiam? Deus! Somente porque Sóis, vos comiserastes, como assentimos no Credo: “Qui propter nos homines et propter nostram salútem descéndit caelis.” É aqui que podemos desenvolver uma diligente meditação ao insodabilíssimo mistério do presépio.
          No conjunto das leituras proclamadas pela Igreja na Liturgia na Noite de Natal ouvimos a grandeza que a sacrossanta natividade deste Menino trouxe. À primeira leitura que pertence ao chamado Livro do Emanuel mostra a esperança que chegará para o povo que se encontrava oprimido ao cativeiro de Babilônia. Esta lamentável situação para Israel que era como se Deus estivesse ausente e abandonado o seu povo, é vislumbrada pela presença da luz. “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria.” Neste versículo, vê-se, com clarividência, uma das muitas profecias messiânicas, o que se sublinha, nos versículos finais da leitura: “Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, ele recebeu o poder sobre seus ombros, e e lhe foi dado este nome: Conselheiro-maravilhoso, Deus-forte, Pai-para-sempre, Príncipe-da-paz, para que se multiplique o poder, assegurando o estabelecimento de uma paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, firmando-o, consolidando-o sobre o direito e sobre a justiça (Is 9, 5 sg.) .
      Com razão os estudos exegéticos observam que as evocações destes nomes que são títulos  apontam para o perene reinado do descendente davídico. A promessa de que a lâmpada da casa de Davi não se apagaria não se cumpre, também, à sabedoria de Salomão. São apenas figuras. “E reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó”, como revelou o anjo Gabriel à Virgem Maria quando anunciada, cumpre-se, hoje, agora, à Noite de Betthelem que sendo a “casa do pão”, é, lá, que se diga, onde já o Verbo de Deus, nascido de Maria Virgem, mostrou-Se carne para a vida do mundo, como posteriormente, proclamar-Se-á.   Mas que aparente paradoxo entre os títulos que se evocam para o Ungido em relação ao ambiente que o presépio nos evidencia. Aquele Menino nascido em Belém é, de fato, o Deus-forte? Não é, por acaso, a fúria de Herodes que deveria ser prevalecida, quando ordena que todas as crianças recém-nascidas sejam cruelmente assassinadas? Qual é a fortaleza que marca o Deus-Menino? É, com justeza, o silêncio e a verdade que se contempla: “Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria (Lc 2, 6-7).
         Neste ponto há duas realidades do presépio que merecem ser notadas. A tradução da Bíblia de Jerusalém não diz hospedaria, de modo que se pode pensar um lugar com muitos cômodos e, que, poderia está preparada para receber os peregrinos que chegassem em Belém em virtude do recenseamento, mas traduz ao invés de “hospedaria” para “sala”. “(...) porque não havia um lugar para eles na sala.” O que pensar e concluir, então? Que ali era a casa dos parentes de José, segundo encontramos à nota de rodapé: “Em vez de um albergue (pandocheion...), a palavra grega Katalyma pode ser designada uma sala, onde morava a família de José. Se este possuía seu domicílio em Belém, explica-se melhor que ali tenha voltado para o recenseamento, levando também a jovem esposa, que estava grávida. O presépio, manjedoura de animais, estava colocado certamente numa parede do pobre alojamento, tão superlotado, que não pôde encontrar um lugar melhor que este para deitar a criança.”
      Ora, irmãos, a realidade do presépio não apenas nos diz de que Deus em seu Filho fez-se pobre para nos enriquecer, mas também, é um caro dado da negação que é dada a Deus o que foi fatídico desde ao dia em que o homem ficou obscurecido pelo Pecado Original. Um fechamento encontrado na narração do Evangelho desta noite em que a família de Nazaré não acha o lugar propício para o advento do Redentor que seria, possivelmente, o da família de José, pode ser aludido a tantos corações nesta Noite do Santo Natal: Qual o intento generoso que deve ser agradável ao Menino Deus? A alegria e a pobreza inenarrável dos pastores, a humildade copiosa dos magos! Hoje, também, quão difícil é encontrar o “lugar” que pode haver correspondência para o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ainda há quem não encontrou na bússola da vida, a rota para Belém. Ainda há quem não se curve e adore o Divino Infante porque lho prefere dizer que não  há lugar à estalagem! E como fica Jesus, que disse: ”Buscai o Reino de Deus e tudo mais vos será dado por acréscimo?
          Resta para Maria e José o cocho dos animais. Neste sentido é pertinente o que também destaca o Profeta Isaías: “O boi conhece o seu dono e o jumento, a manjedoura do seu Senhor, mas Israel é incapaz de conhecer, meu povo não é capaz de entender” (Is 1, 3). Paralelo entre a falta de lugar à casa dos parentes de José e o que ouviremos com solenidade na Missa do Dia do Natal: “Veio para o que era seu e os seus não o receberam” (cf. Jo 1, 11) É verdade que nos causa impacto a duas dimensões do Presépio: sinete da prepotência humana que não precisa de um Salvador e a insistência de Deus que faz sua kènosis para nos “divinizar” com sua piíssima vinda, conforme cantou-se ao Precônio de Natal; entretanto nos consola a palavra do apóstolo São João, à sua primeira epístola, que se proclamará no Tempo de Natal: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados (cf. I Jo 4, 10).
      Esta, realmente, é a noite da Luz que já, como que num prelúdio pascal, já anuncia que vence todas as trevas que maculam as relações do Homem com Deus. A visita de Deus que permanece conosco para todo o sempre que São Paulo, na segunda leitura desta Missa, faz-nos ouvir- “A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens” ( Tt 2, 11)- prova-se o teor estritamente presente que a Igreja celebra e que se desdobrará. Deus é conosco e, simultaneamente, é Além de nós, porque é o Filho sempiterno. Nesta noite augustíssima, irmãos, só podemos exultar, com a terna composição de Santo Afonso Maria de Ligório:
“O Bambino mio Divino,io ti vedo qui a tremar,
  O Dio Beato Ahi, quanto ti costò
   l'avermi amato!”

   Santo Natal do  Eterno Deus!

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Ó Emanuel

 "Ó Emanuel (Deus conosco), nosso Rei e Legislador, 
 esperança das nações e dos povos Salvador:
 vinde para salvar-nos, ó Senhor nosso Deus! (Is. 7, 14; 33, 22)"


                                                                                                              
                                                                                                                                                                                                                                                                                              * Por  Lucas Lagasse 

                Irmãos,
       Continuando as meditações sobre as antiquíssimas antífonas maiores, ou antífonas do "Ó", recordaremos, hoje, da última: Ó Emanuel.
Antes, cumpre dizer que são sete as antífonas, pois recordam "os sete dons do Espírito Santo de que o messias está repleto"[1]. Isso o vemos na descrição do Messias, encontrado em Isaías (11, 1-2): "Naquele dia, sairá um ramo do tronco de Jessé e um rebento brotará das suas raízes. Sobre ele repousará o Espírito do Senhor: espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de conhecimento e de temor do Senhor"; bem como na própria afirmação do Cristo (Lc 4, 18-19): "O Espírito do Senhor Deus está sobre Mim, porque o Senhor Me ungiu. Enviou-Me a anunciar a Boa-Nova aos que sofrem, para curar os desesperados, para anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos prisioneiros, para proclamar o ano da graça do Senhor".
                                       


    Emanuel, Deus conosco. Mas... para que o Verbo de Deus vem a nós? Por quais motivos Jesus Nosso Senhor está conosco? Quais as razões da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se fazer um de nós, e habitar em nosso meio (Jo 1, 14)?
Responde-nos o Catecismo da Igreja Católica (nos parágrafos 457 a 460):
1º) Para nos salvar, reconciliando-nos com Deus (1 Jo 4, 10; 4, 14; 3, 5);
2º) Para que assim conhecêssemos o amor de Deus (1 Jo 4, 9; Jo 3, 16);
3º) Para ser o nosso modelo de santidade (Mt 11, 29; Jo 14, 6; Mc 9, 7; Jo 15, 12);
4º) Para nos tornar "participantes da natureza divina" (2 Pe 1, 4).
         Todos esse motivos dariam tratados teológicos infindáveis. Atentemo-nos para o último, já que o termo Emanuel significa "Deus conosco", e assim somos lembrados da doutrina católica de que Cristo é uma única pessoa com duas naturezas distintas – verdadeiro Deus e verdadeiro homem – além de podermos meditar nessa relação entre Deus e o homem do ponto de vista escatológico (qual seja, o fim, a orientação, de nossa vida na fé).
       O mesmo Catecismo cita Santo Atanásio: "Porque o Filho de Deus fez-Se homem, para nos fazer deuses", e Santo Tomás: "O Filho Unigênito de Deus, querendo que fôssemos participantes da sua divindade, assumiu a nossa natureza para que, feito homem, fizesse os homens deuses", para esclarecer o 4º motivo, embasado no magistério de S. Pedro.
Esta troca (a Divindade tornando-se humana, e a humanidade divinizando-se) se nos parece estranha a primeira vista. Contudo, é doutrina, portanto, objeto material de nossa Fé, que essa troca de dons se deu na Encarnação, e se dá na nossa Redenção. Teólogos renomados esclarecem esse mistério, sem contudo exauri-lo, visto que nossa capacidade intelectual não abarcaria tamanha Graça, cabendo-nos aguardar a Visão Beatífica para cessar os mistérios, e vivermos tão somente a Caridade ( 1 Cor 13, 12-13). É o maior presente que podemos receber, é o Natal do Senhor, é também o nosso Natal, o nosso nascimento para a vida da Graça, para a vida divina. Corações ao alto!
       Reza a Santa Madre Igreja, em sua Liturgia, no tempo do Natal: "O admirabile commercium! Creator generis humani, animatum corpus sumens de Virgine nasci dignatus est; et, procedens homo sine semine, largitus est nobis suam deitatem". – "Oh admirável permuta! O Criador do gênero humano, tomando corpo e alma, dignou-Se nascer duma Virgem; e, feito homem sem progenitor humano, tornou-nos participantes da sua divindade!". Admirável "comércio", troca misericordiosa. Ele nos amou primeiro (1 Jo 4, 19).
Como lembrado acima, Nosso Senhor proclamou um ano da graça, como que eterno, sem fim, é o seu reinado - e por essa mesma misericórdia, vivemos um Ano Jubilar Extraordinário, conclamado pelo Santo Padre o Papa Francisco. Aproveitemos esse ano jubilar para aprofundar-nos na Misericórdia de Deus, que está conosco! Vivamos os tesouros, os presentes que Deus nos dá, ofereçamos a Ele nosso coração contrito e humilhado (Sl 50, 19) para que possa nele habitar e reinar!
      O Emanuel estando em nosso meio é aclamado como "Rei e Legislador, esperança das nações e dos povos Salvador".
Reza o Credo Niceno-constantinopolitano: "cuius regni non erit finis" - e o Seu reino não terá fim. Essa repetição da fala do Arcanjo S. Gabiel à Virgem Maria (Lc 1, 36) pelo Credo foi assumida, como nos diz o Santo Padre Emérito, Bento XVI, no século IV, quando todo Mediterrâneo abraçava  o Reinado de Nosso Senhor: "O reino do Filho de Davi, Jesus, se estende 'de mar a mar', de continente a continente, de um século ao outro".[2] Mas, lembremo-nos que Nosso Senhor mesmo nos disse "O meu reino não é daqui (deste mundo) (Jo 18, 36). O reinado sem fim de Jesus Cristo funda-se na fé e no amor, como lembra-nos Ratzinger. E não tem fim, pois o Rei mesmo é eterno, é Deus, Deus conosco, que nos faz participar de seu Reino, de Sua Glória. Glória essa que invade nosso mundo, na humildade virtuosa do Pequeno de Belém, num estábulo, e enche de paz a todos os homens de boa vontade (Lc 2, 12-14).
O Desejado dos povos veio a nós, e suplicamos a Ele: Salva-nos! Salva-nos dos nossos erros, vícios, e paixões. Salva-nos, Emanuel, do egoísmo, da falta de caridade, da tristeza, e do orgulho. Salva nossas nações, imersas no indiferentismo, no paganismo, e nas trevas. Dá-nos esperança, Emanuel, de um mundo novo; "renova a faça da terra" com o Seu Santo Natal!
Aqui encerramos as meditações, com a última antífona antecedente e subsequente ao Magnificat, na Liturgia das Vésperas desses dias precedentes ao Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Invocamos, pois, a bênção, a proteção, o auxílio e intercessão de Nossa Senhora do Ó, cujo ventre imaculado recebeu a visita d'Aquele que os céus não puderam conter, e afirmamos com o grande taumaturgo, Pe. Antônio Vieira:
"E se Jacó e Davi de tão longe reconheciam esta eternidade, como a não compreenderia o coração da Senhora dentro nos OO dos seus desejos, tanto mais intensos quantos mais vizinhos, e tanto mais dilatados quanto mais intensos? Um patriarca dizia: O Sapientia! Outro suspirava: O Adonay! Outro clamava: O Radix Jesse! Os demais: O Clavis David! O Oriens! O Rex Gentium! O Emmanuel! Mas nenhum disse, nem podia dizer: Ó Filho! E se os OO daqueles desejos faziam uns círculos tão dilatados, que eram eternos: — Desiderium collium aeternorum, et annos aeternos in mente habui[3] — que seriam os OO daquele coração e daquela Mãe, que o tinha concebido em suas entranhas e o havia de ver nascido em seus braços: Ecce concipies in utero, et panes Filium[4]."[5]
Ó Maria, Mãe do Amor, preparai meu coração para receber Nosso Senhor!
Feliz e Santo Natal!



[1] Cf. Novena do Santo Natal, da Administração Apostólica Pessoal S. João Maria Vianney, Ed. Dom Licínio, 2013, p. 16.
[2] RATZINGER, Joseph A. A infância de Jesus. São Paulo: Planeta, 2012,, p. 34.
[3] Desejo dos outeiros eternos (Gên. 49,26). — Tive na mente os anos eternos (Sl. 76, 6).
[4] Eis conceberás no teu ventre, e parirás um filho (Lc. 1,31).
[5] VIEIRA, Pe. Antônio. Sermões - Sermão de Nossa Senhora do Ó (1640). Erechim: Edelbra, 1998. Disponível em: <<http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=37356>>.