sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus-Maria: portadora da verdadeira Paz





                                                                                


 *Por Ian Farias de Carvalho Almeida
      
    Ao iniciarmos mais um ano, queremos agradecer ao Senhor da vida que nos concede a oportunidade de introduzirmos um novo tempo em nossa história, onde poderemos trilhar, na cotidianidade, os caminhos que nos propusermos a fazer em nosso percurso existencial. Para tanto, devemos sempre ter em mente que este momento não se dá jamais de forma desregrada ou autossuficiente, mas está inteiramente sob a conduta de uma vida que sabe ver em Deus o ápice de todo caminhar. O primeiro dia do ano não é marcado somente pela felicidade momentânea de troca de votos e de desejos expressivos de um ano próspero e duradouro. Outra celebração, ainda mais revestida de esplendor, assinala este momento: a Solenidade da Maternidade divina de Maria. Na vasta gama de oportunidades para celebrarmos esta data, aprouve a Igreja confiar a Virgem Mãe este momento. Na alvissareira condição histórica, Maria é aquela que nos faz silenciar na escuta atenta, no acalanto do regaço materno e no tempo que devemos oferecer a Deus.

    “O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti! O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!” (Nm 6,24-26). A Francisco de Assis parecia agradar-lhe muito essa fórmula de bênção da primeira leitura de hoje, que depois a liturgia também tomou para as celebrações, inserindo-a como a primeira nas possibilidades das bênçãos “per annum”. Ele mesmo escreveu-a de próprio punho ao seu confrade, confessor e pai, Frei Leão. Como diácono, Francisco sabia que Leão estava acima dele enquanto sacerdote, por isso nutria-lhe grande respeito e nele reconhecia a dignidade da identidade sacerdotal. Recuperando uma fórmula quase esquecida, motivava um novo olhar sobre o Deus que enriquece com sua graça a humanidade. É claro que Francisco procurava acima de tudo o olhar de Deus, quase numa analogia com o próprio salmista, que escreveu: “Meu coração diz a teu respeito: ‘Buscai a minha face!’. A vossa face, Senhor, eu procuro. Não escondais de mim a vossa face, não rejeiteis com ira o vosso servo” (Sl 26, 8-9). Desde a forma como preparava a chegada do Príncipe da Paz (cf. Is 9,6), podemos antever que o seu desejo era antes de tudo encontrar o rosto de Deus e transmiti-lo também aos outros. Ele sabia que aquele rosto tivera se manifestado em Jesus Cristo e queria que, como os pastores e magos, o estábulo fosse agora o local da acolhida de todos os que viessem ver o Deus menino. Quando, em 1223, celebrou o Natal em Greccio com um boi, um jumento e uma manjedoura cheia de feno, tornou-se visível uma dimensão mais contundente e atual desta festa. Natal era agora a festa da pobreza de Deus, que por meio de um menino aparentemente comum e igual a todos os outros, falou e fala aos homens que se deixam tocar pelo Seu mistério.

    Os Padres da Igreja viam uma associação expressiva com a Trindade na relação da tríplice menção do nome de Deus. É certo que não poderíamos pensar assim em se tratando da comunidade antiga do povo de Israel. O reconhecimento de um Deus em três Pessoas era, de fato, coisa impensável à época. Hoje, entretanto, deveríamos fazer a mesma experiência do Pobrezinho de Assis: dar e pedir a bênção divina. Por meio do sacerdócio ministerial, a Igreja concede a oportunidade de sermos abençoados, nos faz caminhar pelas vias divinas e nos deixa moldar pelo Deus da esperança.

     Assim, somos motivados a rezar na oportunidade de um novo tempo, pedindo que as bênçãos divinas desçam abundantemente sobre nós e nos façam reconhecer o Deus que não cessou na distância do homem, mas deixou-Se tocar e assumir forma humana na pessoa de Jesus Cristo. Ele é agora aquele que suscita em nós o desejo da benção, da misericórdia e da paz. Ainda recordamos a comemoração do Dia Mundial da Paz, que há mais de cinquenta anos o Papa Paulo VI instituíra. Desta forma, com a mão na consciência, o homem pode pensar além de si, convergindo seu olhar para o outro e, com o outro, experimentar os sentimentos da paz divina.

A procura pelo rosto divino já está inserida no coração de todo homem. Ela evidencia-se sobretudo pela sede comum da prática do bem e do desejo de eternidade. Mas somos todos ainda a procurar o rosto de Deus? Não somos porventura perseguidores dos nossos próprios ideais ao invés de desejarmos o Seu querer? Não temos depositado nos outros a confiança que pertence a Ele? Sim, pecado é procurar nas criaturas o que só se encontra no Criador. O Deus da paz se tornou o principal artifício para a guerra. Seu nome é usado para a violência e a não-tolerância. Essa prática supõe não apenas um esquecimento da viabilização oportuna do diálogo, mas nos mostra outra faceta da humanidade: aquela dos homens que não buscam o rosto do Senhor.

“Os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria e José, e o recém-nascido deitado na manjedoura” (Lc 2,16). Na narrativa lucana que escutamos neste primeiro dia do ano, os pastores assumem uma figura de destaque, motivados a caminharem às pressas até Belém para verem o Salvador prometido, anunciado até então pelos anjos na noite santa do Natal (cf. Lc 2,11). O evangelista enfatiza que eles se dirigiram apressadamente para o local onde os mensageiros divinos tiveram-lhes indicado. Nessa passagem deveríamos perguntar-nos precisamente sobre como está a nossa relação com Deus. Temos caminhado ao seu encontro apressadamente? Parece que com o desenrolar do tempo coisas tem sido criadas procurando desviar a nossa atenção do objetivo principal. Quantas metas forjadas de acordo as circunstâncias que vão se desdobrando na vida! Deus pareceu tornar-se um Ser secundário, ao qual dedica-se sempre o tempo de sobra. Ele não é mais prioridade; ao contrário, surgiram tantas prioridades a sufocarem-no. O homem perdeu-se de si porque perdeu-se de Deus, a sua origem e o seu fim.

    O desejo de felicidade é caracterizado pela momentaneidade das relações superficiais e pelos interesses nelas contidos. A sociedade reduziu a eternidade aos limites tangíveis do cotidiano e o tempo passou a ser o maior aliado numa conjuntura conflituosa, onde a inimiga é a eternidade, e Deus, quando não associado a uma figura mítica, é apresentado como um moralista que retrai o homem diante das livres escolhas que Ele mesmo o permitiu fazer.

    Maria dá ao mundo a verdadeira paz porque nos comunica o seu próprio Filho. Ela é bem-aventurada, a Theotókos – Mãe de Deus. Mesmo em meio a tantos sinais de guerra, o menino que dela nasce nos motiva sempre a esperança de não deixarmo-nos seduzir pelas propostas de uma falsa paz ou de estradas cômodas para o exercício da nossa fé. O caminho de Deus deve ser percorrido com o mesmo entusiasmo dos pastores, que saíram para Belém deixando todo comodismo e medo. É um desafio que nos inquieta, inquieta o nosso “crer” e permite que nos aventuremos no amor.

    Na escola de Maria podemos captar com o coração aquilo que os nossos sentidos não nos permitem compreender: Ela é Mãe de Deus porque Jesus Cristo pode ser dito Deus e Homem. A Solenidade do Natal, a pouco celebrada, nos evidencia isso. Deus fala ao homem a partir da sua própria realidade, de coisas que lhe são comuns, de acontecimentos que lhe são familiares. Só poderemos descobri-Lo se, como a Virgem, soubermos observar todas as coisas em nossos corações. O menino, que hoje Ela mostra ao mundo, nos faça artífices da paz, experimentando a sua misericórdia que nos alcança a todo instante.   

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