domingo, 30 de dezembro de 2012

SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS E NOSSA


(Ano C – 01 de janeiro de 2013)



I Leitura: Nm 6,22-27
Salmo Responsorial: Sl 66(67),2-3.5.6 e 8 (R/.2a)
II Leitura: Gl 4,4-7
Evangelho: Lc 2,16-21

Queridos irmãos,


Estamos no Ano da Fé, iniciado em outubro próximo passado. E pensamos que esta data de hoje seja um bom momento para tratarmos da fé de Maria em relação à sua maternidade de Deus e não somente desta, como igualmente de sua maternidade na fé em relação à humanidade.


A fé de Maria é exaltada de maneira peculiar nos evangelhos. Iniciamos esta recordação evangélica quando da anunciação do Arcanjo que lhe levava o recado da sua predestinação e eleição para Mãe do Salvador, do Verbo Divino. Esta narrativa, iniciada pela localização do fato no tempo e no espaço, é sequenciado pela saudação angélica: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo! […] Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus” (Lc 1,28.30). Mesmo sendo segregada por Deus Pai para gerar, imaculadamente segundo a carne, o Filho pelo Espírito Santo, podemos entrever no vocativo dirigido à Virgem – “Ave, cheia de graça” – que este agraciamento de Maria não era nutrido apenas pelos ornamentos dirigidos por Deus a Maria, mas igualmente com a sua correspondência pela fé. Maria não é passiva, muito pelo contrário. O intercâmbio na relação entre Maria e seu Deus era feito de maneira oculta àquela bendita mulher, porém, desde a eternidade, querido pela divindade. Maria respondia ao amor único de Deus pela fé, mesmo sem saber da sua escolha para missão tão nobre e singular: ser a Mãe do Redentor do gênero humano.


“O Senhor é contigo, Maria!” Deus quis para si esta mulher, ao tempo em que Maria, discretamente, queria estar sempre ao dispor de Deus, em comunhão com Ele. E este desejo da Virgem Senhora era tão profundo que o susto, quando da saudação de Gabriel, invade-lhe. Deus se faz próximo daqueles que O desejam. E ninguém mais do que Maria teve este contato tão próximo, tão íntimo com Deus: ser escolhida para gerar em seu seio o seu Deus, sendo escolhida por Ele, gerando-O por meio Sua força. “O Senhor é contigo, Maria!” A fé de Maria aproxima-lhe ainda mais de seu Deus. “O Senhor é contigo, Maria!” A esta comunicação uma surpresa, uma perturbação. É a força da fé; é a resposta à fé. Santo Agostinho, já no quarto século, comenta: “Mais que contigo, Ele está em teu coração, se forma em teu seio, enche teu espírito, enche teu ventre” (In: sermo de Nativitate Domini 4). E, em outro escrito seu, o mesmo Bispo de Hipona dirá que Maria, antes mesmo de conceber o Filho de Deus em seu ventre, já O havia concebido no coração. Desta forma, se a Virgem concebe e dá à luz sem sêmen de homem, mas pelo poder de Deus, esta pré-concepção do Verbo no seu coração se lhe dá pela fé, tal como num óvulo, ela que esperava a redenção de Israel.


“Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco...” Esta oração imortalizada no coração dos cristãos, sendo um louvor à Virgem por ela mesma, é um louvor à sua fé inédita. Repetimos o elogio de Deus à sua criatura mais perfeita e predileta. Deus orna Maria de todos os benefícios celestes em previsão de seu Filho, e, indo mais além, enaltece-a. Na recorrência ao patrocínio da intercessão de Maria, utilizando as palavras de Gabriel, cujo nome significa ‘homem de Deus’, fazemo-lo repetindo o que dissera o próprio Deus. O anjo, como mensageiro não fala por si, não esbanja um conceito originariamente seu, mas repete o que o recebeu do Altíssimo; é Deus quem fala. Em cada Ave-Maria pronunciada em oração, falamos as palavras de Deus de engrandecimento a Maria, repetimo-las. Agora, em vez do ‘homem de Deus’ pronunciar a ditosa saudação, os homens e mulheres de Deus, em todo o mundo e de todas as épocas desde a Encarnação do Verbo, assim a homenageiam com as palavras saídas da boca do Altíssimo. “Em contraposição da voz dirigida à primeira mulher, agora se dirige a palavra à Virgem. Naquela se castiga com as dores do parto a causa do pecado, nesta se expulsa a tristeza por meio do gozo. Assim, o Anjo anuncia com razão a alegria à Virgem: ‘Deus te salve’. Segundo outros comentaristas, o anjo testemunha que é digna de ser desposada quando diz: ‘Cheia de graça’. Esta abundância de graças se mostra ao esposo como um dote, penhor ou arras, das quais de diz: Estas são da esposa, aquelas do esposo” (São Gregório de Nissa. In: Oratio in Christi Nativitate). 


Ainda no Evangelho de São Lucas, temos outra célebre referência à fé de Maria, desta vez emanada dos lábios da velha Isabel, que, inspirada pelo Espírito Santo, afirma: “Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!”, ao que Maria gratifica aquela amabilidade de sua prima rendendo uma louvação a Deus, o Magnificat. Esta é uma prerrogativa de quem se caracteriza pela fé: é cônscio de que é Deus quem age por meio si, ao tempo em que possui a certeza de que, tudo o que é, só se dá porque Ele assim o quis. Maria sabe que o artífice de todas aquelas maravilhas que lhe aconteciam não era ela mesma, que só era um instrumento, mas era o seu Criador que realizava tudo. Ele é o autor também de sua fé. A fé dada por Deus a Maria é retribuída de modo enormemente satisfatório. Por isso, remete os elogios que recebe a Deus porque tem consciência de que ela não é o fim dos louvores: “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo” (Lc 1,46-49).


E por que não rememorarmos a ação silenciosa de Maria, a de ‘guardar os fatos no coração’ e refletir sobre eles como um demonstrativo de sua fé? Mais tarde, o seu próprio rebento, o seu amado Jesus a engrandecerá quando da exclamação de uma mulher anônima em meio à multidão: “Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos que te amamentaram!” (Lc 11,27); ao que Jesus completa: “Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a observam!” (Lc 11,28). Ou mesma aquela passagem tão controvertida pelos não-católicos, mas tão esclarecida para nós da única Igreja de Cristo: “Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt 12,50).   


Esta atitude de confiar na Palavra de seu Deus, de confiar na Palavra eterna a quem humanamente ela gerou, terá repercussões imensas. Podemos citar dois trechos da mesma Escritura Sagrada. Ambos, inclusive, encontram-se no Evangelho de João. Primeiramente, vislumbramo-la no episódio das Bodas de Caná. Aí, a Virgem Mãe de Jesus aparenta querer antecipar a ação do Senhor: “Três dias depois, celebravam-se bodas em Caná da Galileia, e achava-se ali a mãe de Jesus. Também foram convidados Jesus e os seus discípulos. Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: Eles já não têm vinho. Respondeu-lhe Jesus: Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou. Disse, então, sua mãe aos serventes: Fazei o que ele vos disser” (Jo 2,1-5). Mesmo sem ter experimentado outrora algum milagre realizado pelo seu bendito Filho, ela testemunha a sua fé na pessoa do Cristo, tal como se quisesse dizer: ‘Ele é Deus. Quem fez o mundo, quem fez em mim maravilhas, capaz de fazer-me gerar sem participação de homem, a fim de que a humanidade toda pudesse ser redimida pela chegada Daquele que eu trouxe, dei à luz, nutri, eduquei, pode fazer coisas inimagináveis’. E, na confiança de Maria, Jesus realiza o seu primeiro sinal, fazendo-se manifesto ao mundo. Não é à toa que João, o Teólogo, realça: “Este foi o primeiro milagre de Jesus; realizou-o em Caná da Galileia. Manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele” (Jo 2,11). Olhemos Maria sendo instrumento para o despertar da fé dos discípulos no seu Filho e Senhor. E João traz mais: “Depois disso, desceu para Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos; e ali só demoraram poucos dias” (Jo 2,12), fazendo subentender que após este protomilagre, a quem João nomina sinal, os discípulos se deixam conquistar por Jesus e o acompanham, e, Maria vai com eles, acompanhando-o, desde como fizera na anunciação até o extremar da vida do Cristo na Páscoa, perpassando toda a Sua vida aqui na terra.


O segundo trecho do Evangelho de João que gostaria de evocar é o da crucificação. E João descreve: “Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena” (Jo 19,25). A atitude de permanecer de pé, impávida diante de um momento de tamanha dor, parece querer retratar que Maria sabia em quem havia depositado a sua fé (cf. 2Tm 1,12), que a sua fé pura e íntegra não iria cair por terra no escândalo da cruz. E, percebendo que o sustentáculo da fé de Maria seria um exemplo e um auxílio para os seus, Jesus, extenuado de dores, num ultimar de suspiros, intermedeia uma troca: de Si pela humanidade (que permuta mais descompensada!): “Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe” (Jo 19,26-27). Mas, a troca de favores perdura até hoje: ela é nossa intercessora; por causa de sua fé, é a ‘onipotência suplicante’. Bendita barganha que nos alcança! Ou melhor, sequer ousaria chamar tal relação entre nós e a nossa Advogada de ‘troca de favores’, já que o que lhe é tributado por nós soa mais como atitude gratificante de um dom recebido, pois é o mínimo que podemos e devemos fazer em retribuição: “Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência, e reclamado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado. Animado eu, pois, de igual confiança, a Vós, Virgem entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho e,  gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro aos Vossos pés. Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Filho de Deus humanado, mas dignai-Vos de as ouvir propícia e de me alcançar o que Vos rogo”, tal como reza São Bernardo em sua memorável oração a Virgem.


A fé de Maria das Dores é a constante da Mãe do Ressuscitado, da Mãe da Igreja nascente, da Mãe de Pentecostes, pois é, desde a juventude, a mulher resoluta do ‘FIAT’, do faça-se em mim segundo a vontade do Senhor (cf. Lc 1,38). Prova-nos esta constante fidúcia de Maria Santíssima o texto dos Atos dos Apóstolos: “Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele” (At 1,14). Por tal motivo, ela é modelo de fé para todos os tempos, ao tempo em que a recompensa por sua confiança é gozo na eternidade, prestando-nos um auxílio peculiar com a sua intercessão, missão que possui no céu, inerente à mediação de seu Filho. A Virgem cumpre a sua missão de Mãe dos homens, tal como fomos entregues por Cristo a Maria no Calvário. Com o seu amor maternal, encarrega-se de alcançar-nos graças ordinárias e extraordinárias para os que, também com fé, se lhe confiam. Ela, que no dizer de São Bernardo, “consola o nosso temor, aviva a nossa fé, fortalece a nossa esperança, dissipa os nossos temores e anima a nossa pusilanimidade” (In: Homilia na Natividade da Bv. Virgem Maria, 7).


Por fim, voltando os nossos olhos para a imagem da Virgem Maria, filialmente, recordemos de um antiquíssimo hino: Ave, do mar Estrela. Ao contemplarmos a fé de Maria, no ardente desejo de imitá-la, peçamos o seu auxílio intercessor, ela a quem novamente denominamos como ‘Onipotência Suplicante’. Nesta recordação do hino, detenho-me no verso “Mostrai ser nossa Mãe”. Assim, dirigimo-nos a Senhora Mãe da fé: “Mostrai ser nossa Mãe pela fé, ó Virgem Maria. Vós que sois a Mãe de Deus segundo a carne, sois a nossa segundo a fé. Amparai-nos, socorrei-nos nesta ou naquela necessidade. Mas auxiliai-nos com o vosso exemplo de confiança, pois o que crê nunca cansa. Amém.”

sábado, 22 de dezembro de 2012

ENTÃO, É NATAL...








Este bordão, nestes últimos dias, está sendo repetido em músicas, em mensagens de bons votos natalinos à beça. Luzes, árvores, enfeites, a troca de presentes, a figura de um ‘bom velhinho’ eternizado pelo comércio como Papai Noel, querem anunciar a chegada do Natal. São os efeitos exteriores desta época do ano, e isto sentimos, ao tempo em que nos mexe grandemente, fazendo climatizar uma espécie de harmonia peculiar entre as pessoas pela temporada. Longe da pretensão, pensamos que estas considerações a seguir sejam um instrumento iminente de preparação para uma data tão magnânima: o Natal de Jesus Cristo, tal como nos propõe o tempo do Advento.


Natal. Este termo aparenta estar esvaziado do seu sentido genuíno. O que festejamos? Para o comércio, esta é a estação mais próspera para os seus negócios; é uma fase de muitas vendas e lucros. Os centros comerciais efervescem. Em muitos setores, o superávit do Natal extrapola o do montante do resto do ano. Vive-se a data única e exclusivamente pela data, pela estação. O presépio? A atenção das crianças e as ornamentações dos lares são desviadas dele e dirigidas a um ser de cuja fundamentação é inexistente na vivência originariamente natalina: o Papai Noel. Para a decoração de nossas cidades, a representação mais autêntica do Natal, o presépio, passou a ser relegado a um plano inferior; em nossos lares, até a árvore de natal, com as suas bolas e luzes coloridas, rouba-lhe a cena, o lugar. Será o que presépio tornou-se ‘cafona’? Ele deixou de passar a sua mensagem, como pensara São Francisco, o pobrezinho de Assis, grande apaixonado pelo mistério da Encarnação? Questionamo-nos seriamente pelos dados fatídicos que nos são oferecidos pelas atitudes das pessoas. O presépio quer nos levar “a entender as lições que Jesus nos dá desde Menino, desde recém-nascido, desde que os seus olhos se abriram para esta bendita terra dos homens” (São Josemaría Escrivá de Balaguer. In: É Cristo que passa, n. 14)


Mas, até agora, nos detivemos nos aspectos exteriores do Natal. Até mesmo se todos montassem o presépio em detrimento da supervalorização dos outros símbolos natalinos, se este não transmitir nada ao coração das pessoas, de nada servirá. O sentimento que brota no Natal pode até ser despertado pelos enfeites, pelo clima que se impõe nesta festa (para muitos tão aguardada), ou mesmo, pode ser algo que nasce do interior e se externa como consequência: a ordem em que o ‘sentir natalino’ surgirá pouco importará. O que realmente vale é que ele surja.


O Natal, como festejos do nascimento de Jesus Cristo, é, desde a Sua vinda redentora aos homens, ocasião eminente de sentimentos. Os Evangelhos, ao narrarem o acontecimento do Natal do Filho de Deus, irão nos mostrar as emoções no coração de algumas pessoas: de Maria, de João Batista, de Zacarias e Isabel, dos Magos, de Herodes, da cidade de Belém. Sentimentos que vão desde uma expectativa serena e terna como a de Maria, que ‘tudo guardava no coração’ (cf. Lc 2,19.51), até mesmo ao pavor e ódio de Herodes que manda matar todas as crianças de seu reinado, da região de Belém. Porém, hoje, nestas vésperas do Natal, faz-se interessante ter diante dos olhos os anseios de glorificação e gratidão a Deus e de paz no coração dos homens: “Glória a Deus no mais alto dos céus e na terra paz aos homens de boa-vontade” (Lc 2,14). Se isto nos for possível, muita coisa será diferenciada e a harmonia, de que falávamos a pouco, não será uma quimera ou mesmo pré-datada pela ocasião das festividades deste período do ano, mas, deste momento, irradiará toda a existência da pessoa e buscará enredar toda a humanidade. Aqui, rememoramos a antífona da Missa da Noite do Natal, a vulgarmente conhecida Missa do Galo, quando afirma, coadunando os sentimentos de alegria e paz: “Alegremo-nos todos no Senhor: hoje nasceu o Salvador do mundo; hoje nasceu a nossa paz”. 


Sabemos que o Cristo nasceu, historicamente, apenas uma vez. Quanto à datação ‘exatíssima’ e cientificamente provada deste fato, esta não enriquecerá bastante o nosso coração. A celebração do Natal do Cristo, proposta todos os anos pela Igreja, não é aniversário de Jesus. Mas a Liturgia assim o faz para que, misticamente, os cristãos tenham, pelo menos uma vez ao ano, a bendita oportunidade de gerar a Paz, que é o próprio Senhor, em seu coração. Jesus nasceu na história, no século, e, agora, quer nascer em nós espiritualmente. Seria de bom alvitre que isto se desse cotidianamente, instantaneamente. Mas, se isto não acontece, será um bom começo se o concebermos por ocasião desta celebração do mistério do nascer do Cristo, pois este é o grande convite deste dia do calendário litúrgico sugerido a nós pela Igreja, pedagoga dos homens que anseiam o Reino de Deus. Se isto acontecer de verdade, poderemos cantar com entusiasmo e propriedade o refrão: “Então, é Natal!”
       

sábado, 1 de dezembro de 2012

I DOMINGO DO ADVENTO


(Ano C – 02 de dezembro de 2012)




I Leitura: Jr 33,14-16
Salmo Responsorial: Sl 24(25),4bc-5ab.8-9.10.14 (R/.1b)
II Leitura: 1Ts 3,12-4,2
Evangelho: Lc 21,25-28.34-36 (Fim do mundo)



Queridos irmãos,



Com a celebração de hoje, iniciamos o Tempo do Advento e, com ele, o terceiro ciclo de Ano Litúrgico (o chamado Ano C). A palavra que designa este tempo forte na Igreja, Advento, provém da adição dos termos latinos ad venire, aquele que está para chegar, preparando-nos não somente para a liturgia do Natal do Senhor, mas para a sua Segunda Vinda. Por isso, este tempo é marcado pela dupla expectativa do Senhor: a primeira, uma recordação litúrgica, uma vivência mística do seu nascimento em nossa pobre carne e natureza humanas; a segunda, uma vivência temporal de espera Daquele que virá para ‘julgar os vivos e os mortos’, tal como professa a Igreja. Esperamos o Cristo, e com ele toda a plenitude de graça. Algo que somente ele pode nos conceder. A primeira e segunda vindas, antes de se imbricarem, se inserem em um mesmo mistério: o da redenção do gênero humano pelo próprio Deus que, tomando a condição de homem, quis salvar-nos, e salvando-nos, nos levará para a sua morada eterna no fim dos tempos, fazendo-nos reinar com Ele, mas que antes disso, virá a nós mais uma vez.


Interessante percebermos que a Liturgia da Palavra deste Domingo, insere-nos nesta dinâmica da dúplice vinda do Senhor. Assim, já na Primeira Leitura de hoje, o próprio Deus, pelo profeta Jeremias, no Exílio da Babilônia do povo de Israel, recorda o cumprimento de suas promessas: a salvação, que se dará pela justiça. Poderíamos questionar-nos: ‘- Como pela justiça, se nós nada merecemos?’ Esta justiça não se dará conforme a nossa medida ou balança, mas segundo a misericórdia do Senhor: é aí que a justiça se embute. Com esta visão oferecida por Jeremias, percebemos uma faceta do Messias, o Prometido por Deus e o Esperado pelos homens: o Justo. Daqui para o término do Tempo do Advento, mais especificamente no dia 21 de dezembro, na última semana antes do Natal, nas antífonas do Ó, a Igreja exclamará: “Ó Sol nascente justiceiro, resplendor da Luz eterna. Oh, vinde e iluminai os que jazem entre as trevas e, na sombra do pecado e da morte, estão sentados!”. E a profecia vai além, falando também do novo povo de Jerusalém, ou seja, tece a nosso respeito, os remidos: “Jerusalém terá uma população confiante; este é o nome que servirá para designá-la: ‘O Senhor é a nossa justiça’” (Jr 33,16). Portanto, aos libertos da escravidão do mal pelo Cristo, pelo Senhor, ser-nos-á atribuída a designação memorável da Sua justiça, pois “o Senhor fez conhecer a salvação e às nações revelou a sua justiça” (Sl 97,2), ou como o próprio Salmo Responsorial de hoje: “Ele dirige os humildes na justiça, e aos pobres ele ensina o seu caminho” (Sl 24,2), querendo-nos encetar acerca da necessidade de permanecermos com o coração em Deus, na humildade, para alcançarmos-lhe pelo caminho da justiça de seus mandamentos.


No Evangelho, temos, dentro da apocalíptica lucana, a descrição da parusia, da vinda gloriosa de Cristo. Aqui, se faz notória a eclosão de fenômenos cósmicos, até então inéditos, que testemunharão a proximidade do retorno do Filho do Homem e da libertação dos homens. Estes eventos por parte da natureza querem realçar a onipotência do que virá. Comparando as duas do Senhor, São Cirilo de Jerusalém, em suas catequeses, afirmará: “Tudo o que concerne a nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre dupla dimensão. […] Dupla descida: uma, discreta como a chuva sobre a relva; outra, no esplendor, que se realizará no futuro”. Inclusive, este trecho das catequeses de São Cirilo é-nos apresentada hoje na Segunda Leitura do Ofício das Leituras. Acompanhada a esta descrição de eventualidades cósmicas, temos, ainda no Evangelho, uma dupla reação por parte dos homens: os pecadores se horrorizarão e temerão, ao tempo em que, os fiéis ao Senhor levantar-se-ão e erguerão a cabeça, fazendo valer a sua dignidade de seguidores de Jesus. Erguer a cabeça é posição de que é vencedor. E, neste caso, estes não o são de per si, mas pelo Cristo; pela força de Seu Divino Nome, enfrentaram as perseguições deste mundo (cf. Ap 7,14). Mas como os fiéis ao Senhor? Estes são os que seguiram à risca as orientações do Cristo, em contrapartida ao que é ensinado pelo mundo e seus prazeres: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós; pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os habitantes de toda a terra. Portanto, ficai atentos e vigiai, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem”. Este retorno do Senhor será a base de certeza, a partir de agora, para a vida do homem.
A insistência por parte da Segunda Leitura da vivência no Cristo, far-nos-á preparados para o ‘dia do Senhor’. Esta é, pois, a vivência da santidade: o agradar a Deus em um processo contínuo. A sede em possuir o Reino celeste, plenamente manifestada em obras, testemunhará o nosso rumar ao Senhor, testemunhar-nos-á para a tomada de nosso lugar à direita do Cristo, na comunidade dos justos (cf. Oração de Coleta do I Domingo do Advento).



Como afirmávamos outrora, o Advento é uma ocasião de dupla espera: uma místico-litúrgica, outra cronológica e escatológica. E, nesta intermitência entre ambas, resta-nos preparar, não somente a vinda do Senhor, mas preparar-nos, rumo a Ele que vem, aprontar-nos para este bendito e definitivo encontro. E o Tempo do Advento inspira-nos a isso de maneira mais enérgica: “Por isso, a Igreja, como mãe amantíssima e cheia de zelo pela nossa salvação, nos ensina durante este tempo, com diversas celebrações, com hinos, cânticos e outras palavras do Espírito Santo, como receber convenientemente e de coração agradecido este imenso benefício e a enriquecer-nos com seus frutos, de modo que nos preparemos para a chegada de Cristo nosso Senhor com tanta solicitude como se ele estivesse para vir novamente ao mundo” (Das Cartas Pastorais de São Carlos Borromeu). Que aproveitemos o Espírito de Deus, que quer agir em nós, para preparar-nos, a fim de sermos menos indignos de acolhermos o Senhor em nosso coração. Para tanto, admirando o exemplo dos patriarcas, dos profetas, de tantas homens e mulheres que esperaram o Senhor ao longo da história da Salvação, peçamos a intercessão da Virgem Maria. Ela que, de maneira singular, esperou, concebeu e gerou o Filho de Deus na carne, ajudar-nos-á em nossos esforços para acolhermo-lo também.