quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A ÚNICA SANTA IGREJA DE CRISTO

Igreja: Corpo Místico de Cristo


Queridos irmãos,


Chegamos ao nono artigo do nosso Credo que trata da nossa fé em tudo o que a Igreja é e bem como do nosso assentimento ao que ela crê e piamente ensina. Notoriamente, o “Creio na Santa Igreja Católica” é a primeira das afirmações que fazemos em nosso Símbolo da Fé após termos professado a Santíssima Trindade em cada uma de suas Três Pessoas divinas. Mas, por que no-lo fazemos? Para encetar a origem da Igreja, ou seja, desta realidade que nasce no coração do próprio Deus e adentra, através da vida de Cristo em nossa realidade temporal, na história humana. São Pio X, em seu Catecismo, vai afirmar: “Depois do artigo que trata do Espírito Santo, fala-se imediatamente da Igreja Católica, para indicar que toda a santidade da mesma Igreja procede do Espírito Santo, que é o autor de toda a santidade” (n. 143). Por estas informações, já temos o vislumbre: a Igreja é uma instituição divina porque provém de Deus mesmo.
Mas qual o porquê de chamarmos tal realidade “Igreja”? Este cunho é proveniente do termo grego ‘ekklesía’, sendo que esta palavra foi abduzida pela tradição cristã do seu sentido original político entendido como assembleia, transformando-o. Na Grécia antiga, os homens livres eram convocados para, em ‘ekklesía’, decidirem o rumo da sua polis. Desta forma, com a canonização desta palavra, o cristianismo, bebendo da tradição intelectual e filológica dos gregos, não quis olvidar do seu sentido de reunião, apropriando-se desta ideia. A noção de assembleia já se fazia presente na mentalidade judaica: a ‘qahal Iahweh’ que se reunia para celebrar os louvores do Deus único, adorando-o. Deduzimos então que o termo ‘ekklesía’ é uma nova nomenclatura para uma realidade que o povo de Israel já conhecia, mas esta mesma realidade ganha um diferencial: é uma assembleia reunida para, em nome de Cristo, adorar o único Deus. Adorar ‘em Cristo’ é o inédito, a novidade desta assembleia do Senhor. Eis a Igreja, tal como conhecemos hoje.
O Evangelho de São Marcos, ao relatar (ainda que brevemente) o início do ministério público de Jesus, é preciso: [Jesus] “subiu ao monte e chamou os que ele quis. E foram a ele. Designou doze dentre eles para ficar em sua companhia. Ele os enviaria a pregar, com o poder de expulsar os demônios” (Mc 3,13-15). Vemos que o Senhor Jesus Cristo convoca. De imediato, esta convocação pode ser considerada a gênese da Igreja. Jesus convoca e seus escolhidos atendem-lhe; é esta, ainda hoje, a dinâmica de Igreja: nós, povo eleito pelo Senhor, somos atraídos a Ele, ao tempo, em que Lhe vamos ao encontro. Mas, e o resto desta citação do Evangelho de Marcos: “Designou doze dentre eles para ficar em sua companhia. Ele os enviaria a pregar, com o poder de expulsar os demônios”? Ao sermos chamados pelo Senhor, ficamos sempre em união com Ele, e, permanecendo nesta bendita união, fazemos-lhe as vezes, realizamos, em continuidade, a Sua missão redentora, extirpando o mal. A missão da Igreja é também missão nossa; a missão da Igreja, que é continuadora da missão salvadora do Cristo, se faz, pelo nosso Batismo, missão do cristão, porque, pelos sacramentos, somos constantemente e em dimensão sempre crescente configurados a Ele (pelo menos deveriamos sê-lo!); e, configurados ao Cristo, permanecemos cada vez mais Nele, ao tempo em que Ele estará sempre ao nosso lado: “Permanecei em mim, como eu em vós […] Eu sou a videira e vós sois os ramos” (Jo 15,4-5); “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56); mesmo quando a Sua presença não é física, mas espiritual: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20).
Na Teologia Paulina, é brilhante a analogia que o Apóstolo dos Gentios faz, comparando a Igreja a um corpo. Dizemos analogia, mas esta parecença torna-se um verdadeiro conceito eclesiológico com profunda pertinência: “Porque, como o corpo é um todo tendo muitos membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo […] Ora, vós sois o corpo de Cristo e cada um, de sua parte, é um dos seus membros” (1Cor 12,12.27). Desta maneira, muito superior à ideia de analogia, percebemos uma unidade intrínseca entre Cristo e a Igreja, seu Corpo Místico, Sacramento visível de Cristo invisível, no qual somos (de nossa parte, imerecidos) participantes por querer do próprio Deus, por Sua convocação. Se somos os membros do Corpo Místico de Cristo, há, semelhantemente a um corpo fisiológico, uma cabeça que tudo rege, que comanda este corpo. Neste sentido, São Paulo ainda dirá: “Ele [Cristo] é a Cabeça do corpo, da Igreja” (Cl 1,18). Como não é possível que um corpo seja vivo sem a sua cabeça, similarmente é a Igreja. Cristo-Cabeça, por ser o principiador deste Corpo Sagrado, Místico, a quem chamamos Igreja, é o fundamento máximo de sua unidade, tendo em vista que, biologicamente, todos os membros de um corpo animal (e, portanto, humano!) estão unidos de alguma forma a um princípio, comando cerebral. Visivelmente, Cristo-Cabeça age através dos Pastores que governam, santificam e ensinam ‘na’ e ‘pela’ Igreja, operando ‘in persona Christi Capitis – na pessoa de Cristo Cabeça’. Deste modo, o Papa, os bispos, presbíteros e diáconos são os representantes do Cristo que “dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10,11).
Uma das representações da Igreja: a Barca de Pedro
O meio-secular Concílio Vaticano II, em uma de suas quatro constituições dogmáticas, a Lumen Gentium, destrincha incansavelmente sobre o mistério, a função e os membros da Igreja. Para o leitor que desejar aprofundar no estudo da Eclesiologia, a Lumen Gentium torna-se imprescindível. Mas, o Magistério não para aí, muito embora o que Igreja afirme doutrinalmente sejam informações válidas para o decurso dos séculos, os santos Pastores não cessam de, na continuidade do tesouro inexaurível da Tradição Católica, tecer, inclusive, acerca da realidade da Igreja. Apesar de existirem escritos mais veneráveis por sua antiguidade, o de São Cipriano, no Concílio de Cartago (251), em defesa da Igreja e da sua unidade, dirá, dentre muitas coisas: “A Igreja do Senhor, resplandecente de luz, lança seus raios no mundo inteiro, mas a sua luz, difundindo-se em toda parte, continua sendo a mesma e, de modo nenhum, é abalada a unidade do corpo. Na sua exuberante fertilidade, estende os seus ramos em toda a terra, derrama as suas águas em vivas torrentes, mas uma só é a cabeça, uma a fonte, uma a mãe, tão rica nos frutos da sua fecundidade. Do parto dela nascemos, é dela o leite que nos alimenta, dela o Espírito que nos vivifica. […] Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Como ninguém se pôde salvar fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da Igreja”. Nesta riquíssima afirmação de São Cipriano, poderíamos nos demorar em profunda reflexão; muitos os detalhes que poderíamos explorar, enriquecendo a nossa fé, fé que da Mãe Igreja recebemos. Mas, o que queremos salientar agora é: a única Igreja de Cristo é a Igreja Católica, não somente porque historicamente seja a mais antiga, mas por ter sido divinamente instituída pelo próprio Deus, Jesus Cristo. O então Cardeal Ratzinger, em documento da Congregação para a Doutrina da Fé “Dominus Iesus”, depois de quase dezoito séculos de São Cipriano, reafirmando a unidade e a unicidade da Igreja de Cristo, dirá: “Existe portanto uma única Igreja de Cristo, que subsiste na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele […] A Igreja é sacramento universal de Salvação, porque, sempre unida de modo misterioso e subordinada a Jesus Cristo Salvador, sua cabeça, tem no plano de Deus uma relação imprescindível com a salvação de cada homem. […] Com a vinda de Jesus Cristo Salvador, Deus quis que a Igreja por ele fundada fosse o instrumento de salvação para toda a humanidade” (n. 17;20;21). Por isto mesmo, o Magistério Católico diz ainda hoje: “Extra Ecclesia nulla salus – Fora da Igreja não há salvação”, porque a Igreja é depositária e despenseira desta salvação operada pelo Cristo, cuja missão redentora, santificadora é perpetuada pela ‘Senhora Católica’.
No Novo Testamento, São Paulo afirma em relação entre Cristo e a Igreja: A Igreja é Esposa de Cristo (cf. Ef 5,21-33). O Apocalipse também vai nesta mesma linha de reflexão (cf. Ap 19,7; 21,2.9). Cristo, ao desposar a Igreja, desposou-nos porque somos Igreja, sendo seus integrantes. Aqui, recordamos-nos da Carta aos Hebreus: “A casa de Deus somos nós” (3,6). Como casa, a Igreja é família de Deus: “Consequentemente, já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus. É nele que todo edifício, harmonicamente disposto, se levanta até formar um templo santo no Senhor. É nele que também vós outros entrais conjuntamente, pelo Espírito, na estrutura do edifício que se torna a habitação de Deus” (Ef 2,19-22). Mesmo com nossas fraquezas, misérias, pecados, o Senhor nos convoca para o Seu Corpo Místico, Sua família, Sua Casa, a Sua Santa Igreja e, nela, nos purifica. É por este ensejo que Santo Ambrósio, no distante século IV, apregoará a Igreja “immaculata virgo, sine ruga, pudore integra, amore plebleia, casta et meretrix, vidua sterilis, virgo fecunda – imaculada virgem, sem ruga, íntegra no pudor, amante pública, meretriz casta, viúva estéril, virgem fecunda” (In Lucam III,23), ressaltando a sua perfeita santidade, que consiste tanto na adesão sem hesitações e sem incoerências a Cristo, seu Esposo, quanto na vontade de alcançar todos para levá-los à salvação. Daí a Profissão de Fé Niceno-Constantinopolitana rezar a santidade da Igreja como uma de suas quatro notas fundamentais (“Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica”), mesmo tendo em seu seio pecadores que são santificados pela Cabeça, Cristo.

A fé na Igreja de Cristo é a fé no seu divinal fundador; é a fé em Deus. Assim, caros irmãos, não hesitemos em professar sempre, em espécie de compêndio de fé: “Creio na Igreja Católica!”, sabendo que por trás desta convicção está a certeza de crer em todo o Depósito de Fé que a Esposa de Cristo acredita, custodia e prega para a salvação de todos os que, com ela, se deixam alcançar por Jesus Cristo.

sábado, 17 de agosto de 2013

‘’Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça.’’ (cf. Ap. 12,1)



     Caros irmãos,

   Com esta antífona ora cantada pelo coro ou dita pelo sacerdote, a Igreja nos introduz no admirável mistério da hodierna Solenidade da Assunção de Maria Santíssima aos céus.  No Ano Santo de 1950, o Santo Padre, o Papa Pio XII, fez-nos ouvir esta tamanha verdade dogmática proclamando o dogma da Assunção de Nossa Senhora.  Por que afirmamos ser a elevação da Virgem à glória dos céus um mistério? Por que Maria, a Toda Santa, assuntou aos céus? Qual a esperança que nos leva a professar esta verdade de fé?
        Somos cônscios de que toda a economia da salvação chega à sua plenitude quando o Filho sempiterno de Deus, o Verbo ‘’pré-existente’’, encarna-se no seio da Virgem Filha de Sião e ‘’arma a sua tenda em nosso meio’’, ou seja, participa de maneira singular da mesma condição humana que a nossa, a fim de que, como no-lo exorta o apóstolo São Paulo ‘’aonde abundou o pecado, superabundou a graça.’’ E noutra passagem podemos ouvir declaração similiar: ‘’quando sou fraco aí é que sou forte.’’ Deus, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, quis, de bom grado, que o seu Unigênito, aceitasse a nossa humilde condição para aniquilar a ‘’morte eterna’’ já sentenciada pela crua desobediência dos nossos primeiros pais.
        A solene narrativa do memorial da Anáfora VII, (Sobre reconciliação-I) aprovada pela Sé Apostólica para o uso aqui no Brasil, do Missal Romano, de maneira misteriosa, faz-nos, na Sagrada Liturgia, sentirmos a consequência do pecado original, quando, da boca do sacerdote, ouvimos: ‘’Enquanto estávamos perdidos e incapazes de vos encontrar, vós nos amastes de modo admirável: pois vosso Filho- o Justo e Santo- entregou-se em nossas mãos aceitando ser pregado na cruz.’’ 
        Foi segundo o beneplácito de Deus, na potência do Espírito Santo, que o projeto salvífico passasse por uma nova Mulher, conforme, com razão excelsa já contém no ‘’Proto-Evangelho’’: ‘’Porei hostilidade entre a tua descendência e a descendência da Mulher.’’ (cf. Gn 3, 15) Eis ai: Por Eva, a primeira vivente, o advento da desobediência foi transmitida e pela obediência  da segunda e definitiva Eva, Maria Virgem, adentrou, com o seu ‘’fiat’’, a obediência como obséquio de salvação do cosmos e do gênero humano pelo ‘’ente-santo’’ nascido de suas fecundíssimas entranhas.
    Celebrar a assunção de Nossa Senhora é vislumbrarmos desde o cântico expoente do Novo Testamento, o Magnificat, a obra perfeita que Deus, desde sempre, fizera em Maria. São inspiradoras e crédulas as palavras: ‘’o Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor.’’ Maria, predestinada para ser a Mãe do Redentor, é assunta aos céus. É nesta observância que voltamos o nosso olhar para a Mãe de Deus que se torna a medianeira entre nós e o seu Filho glorificado, feito Pontífice da nossa fé!
     Maria santíssima é o ‘Tipo perfeito’ do Corpo Místico de Cristo. Esta é a segunda razão pela qual reverenciamos a ‘’Regina caelorum’’. Assevera-nos o Sagrado Concílio  Vaticano II, na Constituição Apostólica ‘Lumen Gentium’ número 62: ‘’Assunta aos céus, não abandonou este salvífico múnus, mas por sua multíplice intercessão prossegue em granjear-nos os dons da salvação eterna. Por sua maternal caridade cuida dos irmãos de seu Filho, que ainda peregrinam rodeados de perigos e dificuldades, até que sejam conduzidos à feliz pátria. Por isso a Bem-Aventurada Virgem Maria é invocada na Igreja sob os títulos de Advogada, Auxiliadora, Adjutriz, Medianeira. Isto, porém, se entende de tal modo que nada derrogue, nada acrescente à dignidade e eficácia de Cristo, o único Mediador.’’
      A Igreja, ‘já e ainda não’, tem em Maria a perfeitíssima consumação da obra de salvação. Maria é aquela que nos precede à Páscoa Eterna. À destra do Ressuscitado Ela que já goza das realidades escatológicas para onde, ‘’pressurosos e na penumbra da fé’’, peregrinamos. Esta solenidade nos lança um olhar de eternidade e este só pode ser trilhado a lume da fé. O Evangelho que hoje a Liturgia nos reserva mui bem nos faz imergir na postura e atitude crédula de Maria. Por isso a Mãe de Deus é reverenciada. ‘’Bem-Aventurada é aquela que acreditou porque se cumprirão as coisas que da parte do Senhor te foram ditas.’’ Maria vai ao encontro de sua parenta Isabel, naquela região montanhosa da Judeia, porque creu!  Neste cenário não nos cabe conter como uma visita familiar, mas, é, sobretudo, um encontro de fé. A anciã Isabel que em seu ventre trouxera o precursor do Messias e Maria que traz a salvação.

      A fé obediente de Maria sempre foi vista como a fé de Abraão. Este que parte para uma terra desconhecida para formar o Povo escolhido de Deus, que oferecera seu Filho em holocausto... aquela, que, em sua vida, deixou ser tocada por Deus e em ‘’previsão dos méritos de Cristo’’ foi plasmada e transbordante pelo Espírito Santo.  Ao pensarmos na glória que Maria recebeu, após o transcurso de sua peregrinação terrestre, devemos perlustrar a nossa vida cristã. Somos o Novo Israel que peregrina em direção à vida eterna. Com bastante razão valem as palavras de São Paulo: ‘’Aspirai as coisas do alto.’’  Que a mediação da gloriosa Virgem Maria, assunta aos céus, valha-nos, para que, nos acontecimentos desta vida busquemos a nossa plena realização na vida dos bem-aventurados, a qual, Ela, é protótipo e esperança da Igreja em milícia. Amém!