sábado, 17 de novembro de 2012

XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano B – 18 de novembro de 2012)


I Leitura: Dn 12,1-3
Salmo Responsorial: Sl 15(16),5.8.9-10.11 (R/.1a)
II Leitura: Hb 10,11-14.18
Evangelho: Mc 13,24-32 (Profecia escatológica)

Queridos irmãos,

Não é de hoje que muitos falam sobre o fim do mundo. Até mesmo, estamos por dentro, antenados, na conversa que sempre é advinda pelos mais diversos meios, inclusive dos de comunicação, acerca da existência de uma profecia maia sobre o fim do mundo para este término de ano. Muitas pessoas, ao serem interpeladas por tal temática, criam uma ojeriza, ficam horrorizadas, temendo a consumação de tudo o que existe sobre a terra. E não é para menos! Pensemos que tudo o que temos hoje, principalmente o que se é julgado por ‘bom’ é fruto de uma história, da existência de inúmeras pessoas que passaram por aqui e que ainda permanecem no hoje, construindo o presente. Assim sendo, a reflexão, ainda que longínqua, sobre o fim do mundo, se torna para tantos uma frustração, pois empenharam todo o seu existir para esta realidade temporal; consumaram seus anos, bens, sonhos... Iniciamos esta nossa meditação, falando de maneira generalizada. Faz-se urgente para os que creem no Cristo, diante da proposta da Liturgia da Palavra deste domingo, que renovemos a nossa esperança e fé nas benditas promessas que Jesus nos fez: “Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais” (Jo 14,3). Mas, para que cheguemos a tal grandeza, o próprio Senhor nos aconselha: “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam” (Mt 6,19).


Fim dos tempos, segunda vinda de Jesus (em grego denominado parusia = realidade próxima; que está para acontecer; iminente)... Tudo o que é ligado a estas ideias, para o cristão, deve ser motivo de alegria, de expectativa: “O Senhor virá. Ele assim prometeu-nos: Vinde, Senhor!”. Neste sentido, a liturgia de hoje, na Antífona de Entrada, nos recordar a proeminência de tal sentimento diante desta verdade professada pela Igreja: “Meus pensamentos são de paz e não de aflição, diz o Senhor. Vós me invocareis, e hei de escutar-vos, e vos trarei de vosso cativeiro, de onde estiverdes” (Jr 29,11.12.14). O fato de o Senhor vir a nós, destruir toda esta opressão presente nesta terra de exílio, de passagem, e levar-nos para junto de si, recapitulando-nos consigo, em sua Glória, é verdade que nos faz enojados do que é transitório, efêmero, trivial, ao tempo em que nos faz ansiar o que é verdadeiro, perene, eterno, consumação do que somos. Porém, este enfado às coisas terrenas não nos deve furtar a ideia de que ainda estamos peregrinos, e, que para alcançar a meta, se faz extremamente necessário caminhar. Foi por este motivo que São Paulo advertiu os cristãos de Tessalônica e nos adverte, cristãos do século XXI: “Quem não quiser trabalhar, não tem o direito de comer. Entretanto, soubemos que entre vós há alguns desordeiros, vadios, que só se preocupam em intrometer-se em assuntos alheios. A esses indivíduos ordenamos e exortamos a que se dediquem tranquilamente ao trabalho para merecerem ganhar o que comer. Vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem” (2Ts 3,10-13). Portanto, no dizer do Apóstolo, o furtar-se às coisas terrestres só porque o seu lugar é o céu, é ser alheio ao próprio céu, obtido também por nosso comportar-se aqui. Muitos cristãos demonizam o que é secular. Tal atitude é fruto de um pensamento alienado, de preguiçoso. Sim, devemos estar incomodados com tudo isto que vemos, porém não nos devemos desencarnar da presente realidade. Jacques Maritain, filósofo francês do século XX, homem honrado por sua conduta cristã, vai dizer acerca de si: “Sou um mendigo do céu travestido em homem deste século”. Mas, qual a fórmula (se é que ela existe) para ‘sacralizarmos’ o hoje do nosso exílio sobre a terra? Ainda São Paulo vai dizer: “Para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Fl 1,21). Em outras palavras, é viver de tal forma bem, consoante com o Evangelho, na bendita esperança do Senhor, que estejamos unidos a ele, fazendo do nosso existir a manifestação de sua própria vida divina. Assim, enquanto não alcançarmos a plena vivência em Deus, que é a nossa vida verdadeira, não estamos alheios a Ele. Ainda com esta mesma ideia, temos, na liturgia deste domingo, a Oração de Coleta: “Senhor nosso Deus, fazei que nossa alegria consista em vos servir de todo o coração, pois só teremos felicidade completa, servindo a vós, o criador de todas as coisas”. O viver já neste mundo em Deus, ainda que de forma imperfeita, é um serviço cordial ao Senhor, que nos causa grande contentamento, na expectativa da verdadeira felicidade que só encontraremos nele.


Há um dito popular que servirá de entendimento para a Primeira Leitura: “Quem não deve, não teme”. O livro do profeta Daniel é considerado parte integrante do chamado ‘apocalipse do Antigo Testamento’, já que fala em destruição e em vida nova (ressurreição). Esta temática apocalíptica somente entrará no corpus do povo de Israel pela conquista da Palestina pelos gregos, aproximadamente no século II a.C.. Mediante a ressurreição, comum a todos, seremos mandados ou para a vida eterna ou para o opróbrio eterno. Mas com que critério isso se dará? Deus esclarece ao profeta: “Os que tiverem sido sábios, brilharão como o firmamento; e os que tiverem ensinado a muitos homens os caminhos da virtude brilharão como as estrelas, por toda a eternidade”. Logo, entrevemos, que os que não foram justos e sábios aos olhos de Deus, permanecerão na morte eterna, na escuridão, no afastamento daquele que é a Luz, o próprio Deus.


O Evangelho de hoje, próximo do fim do livro de Marcos, é colocado antes da narrativa do mistério pascal do Senhor. Acreditamos que esta localização não se dê aleatoriamente, mas com o propósito de inserir o leitor na dinâmica mesma da Profissão de Fé da Igreja: O Cristo padeceu, morreu, ressuscitou, subiu aos céus e virá em Sua Glória. Este capítulo de Marcos é exegeticamente conhecido como ‘apocalipse de Marcos’. Ele é iniciado com a saída do Senhor do Templo, sua predição acerca da destruição do mesmo, de Jerusalém e, por fim, de todo o mundo e, com esta a manifestação final do Cristo. Interessante é que, nas linhas do Evangelho de hoje, temos como sinais da chegada da Parusia o abalo das forças cósmicas. Este dado é visto, desde há muito pelos profetas, como descrição das potentes intervenções de Deus na história. Deus continua falando-nos. Não se revelando, pois já o fizera por completo ao longo da história da Salvação, em Cristo e no Espírito Santo. Mas fala-nos acerca de sua presença ao nosso lado. Esta é uma lição que devemos tirar para a nossa vida: Deus está onde aparentemente não está. Lembro-me de uma interrogação quando do terremoto que abalou o Haiti há alguns anos atrás: “Deus, onde estavas?”, a mesma que o Santo Padre Bento XVI fizera em Auschiwitz: “Onde estava Deus?”. Ocasiões de destruição, miséria e dor podem ser momentos de forte fala de Deus, inclusive quando essas intempéries acontecem dentro de nós. A mensagem de Deus é silenciosa, mas certeira; é um sossego entre vicissitudes, porém comunicante.


A Igreja é retratada com uma imagem peculiar de mulher, de esposa. Este arraigado atributo é perceptível em tantos momentos de sua vida, principalmente na Eucaristia, quando, tal como a amada que deseja o objeto do seu amor, a presença do amado, ela clama: “Vem, Senhor Jesus!” (cf. Ap 22,17), o que instantaneamente é correspondida: “Sim! Eu venho depressa! Amém. (Ap 22,20). A Esposa de Cristo, sem ruga e sem mancha, a nossa Mãe (cf. Gl 4,26), pede isso por nós, a cada Liturgia Eucarística, baseada em um dado fundamental: o anúncio do Cristo, morto e ressuscitado: “Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a vossa vinda!”; ou ainda: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”. Ao mesmo tempo, a Mãe Católica (no dizer de Santo Agostinho) diz à humanidade:  “Aquele que tem sede, venha! E que o homem de boa vontade receba, gratuitamente, da água da vida!” (Ap 22,17).

Somos o povo da espera pelo Senhor. A sua vinda encher-nos-á de alegria profunda. Somos firmados na promessa, no seu cumprimento e na expectativa futura: O Cristo nos veio e salvou; o Cristo virá e nos levará consigo. Por fim, queremos encerrar esta nossa reflexão com o pensamento de São Cirilo de Jerusalém em uma de suas Catequeses: “Anunciamos a vinda de Cristo: não apenas a primeira, mas também a segunda, muito mais gloriosa. Pois a primeira revestiu um aspecto de sofrimento, mas a Segunda manifestará a coroa da realeza divina. Aliás tudo o que concerne a nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre uma dupla dimensão. Houve um duplo nascimento: primeiro, ele nasceu de Deus, antes dos séculos; depois nasceu da Virgem, na plenitude dos tempos. Dupla descida: uma discreta como a chuva sobre a relva; outra, no esplendor, que se realizará no futuro. Na primeira vinda, ele foi envolto em faixas e reclinado num presépio; na segunda, será revestido num manto de luz. Na primeira, ele suportou a cruz, sem recusar a sua ignomínia; na segunda, virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos. Não nos detemos, portanto, somente na primeira vinda, mas esperamos ainda, ansiosamente, a segunda. E assim como dissemos na primeira: ‘Bendito o que vem em nome do Senhor!’ (Mt 19,9), aclamaremos de novo, no momento de sua segunda vinda, quando formos com os anjos ao seu encontro para adorá-lo: ‘Bendito o que vem em nome do Senhor!’ Virá o Salvador, não para ser novamente julgado, mas para chamar o juízo aqueles que se constituíram seus juízes. Ele, que ao ser julgado, guardara silêncio, lembrará as atrocidades dos malfeitores que o levaram ao suplício da cruz, e lhes dirá: ‘Eis o que fizestes e calei-me’ (Sl 49,21). Naquele tempo ele veio para realizar um desígnio de amor, ensinando aos homens com persuasão a doçura; mas no fim dos tempos, queiram ou não, todos se verão obrigados a submeter-se à sua realeza. O profeta Malaquias fala dessas duas vindas: ‘Logo chegará ao seu templo o Senhor que tentais encontrar’ (M1 3,1). Eis uma vinda. E prossegue, a respeito da outra: ‘E o anjo da aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o Senhor dos exércitos; e quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe, quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar’ (M1 3,1-3). Paulo também se refere a essas duas vindas quando escreve a Tito: ‘A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens. Ela nos ensina a abandonar a impiedade e as paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade, aguardando a feliz esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo’ (Tt 2,11-13). Vês como ele fala da primeira vinda, pela qual dá graças, e da segunda que esperamos? Por isso, o símbolo da fé que professamos nos é agora transmitido, convidando-nos a crer naquele que subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim. Nosso Senhor Jesus Cristo virá portanto dos céus, virá glorioso no fim do mundo, no último dia. Dar-se-á a consumação do mundo, e este mundo que foi criado será inteiramente renovado” (Catequeses de São Cirilo de Jesrusalém 15,1-3).

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