Queridos irmãos,
Acredito que foi no ano de 2003 (muito embora a data pouco
importe de fato), ao fazer um trabalho escolar no Cemitério Senhor do Bonfim,
na cidade de Lagarto, encontrei um belíssimo mausoléu revestido de um granito
tirado a cor rubi, encimado com uma belíssima escultura da La Pietà e uma inscrição em uma placa de bronze: “A resignação dos
que ficam é a certeza de que os bons estão na Casa de Deus”. Esta ficou gravada
em minha mente e, por ocasião da morte de algum ente querido, sempre me serve
de consolo. Ora, a frase da qual estamos falando é uma sintetização bem feita
da esperança cristã acerca da morte.
O dia de hoje insere-se dentro da realidade da Solenidade de
Todos os Santos. Santos são todos aqueles que viveram de tal forma unidos a
Deus que, no ocaso de sua vida, alcançaram o prêmio eterno, a coroa
imarcescível da glória. Por isso, a Igreja nomina a comemoração de hoje como
dos fiéis defuntos, já que obtendo este adjetivo, hoje, merecem gozar de uma
eternidade feliz e a celebra um dia após o 1º de novembro.
Ao celebrarmos a Comemoração dos Fiéis Defuntos, cuja fama é
conhecida como Dia de Finados, os cristãos são convidados a um tríplice
movimento de fé. O primeiro se pontua na realidade da vitória de Cristo sobre o
Pecado e a Morte. Esta primordial certeza nos abastece de esperança, pois, “Se
Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé [...] E
se Cristo não ressuscitou, é inútil a vossa fé, e ainda estais em vossos
pecados” (1Cor 15,14.17). Logo, podemos perceber que esta memória litúrgica
possui um laço bastante forte com a Páscoa. A partir desta afirmativa,
adentramos no segundo movimento: A Páscoa (passagem) dos que já nos precederam.
Cronologicamente, tantos nos antecederam na viagem rumo à Pátria dos
Bem-Aventurados, o Céu. Neste sentido, a partir da redenção operada por Cristo
Jesus, a morte (cuja visão era a de castigo por conta do pecado) ganha um
sentido novo: a de ingresso na Vida Eterna. Santa Teresa de Lisieux, no leito
de sua morte, afirma: “Eu não morro, entro na vida”. Esta verdade deve
servir-nos de consolo se nos lamentamos com a perda trazida pela morte. No
terceiro movimento da fé cristã, estamos nós. Nesta dimensão, somos convidados
a lembrar-nos de que o nosso dia também chegará; será a nossa páscoa, nosso
encontro com o Senhor. Este ingresso, esta passagem (Páscoa), em Cristo, não é
mais amparada pelo pecado, mas pelo poder de sua Cruz: “Se vivemos, vivemos
para o Senhor; se morremos, morremos para o Senhor. Quer vivamos quer morramos,
pertencemos ao Senhor” (Rm 14,8). Destarte, a morte para o fiel cristão é a
consumação da nossa pertença a Cristo, pois obteremos a visão beatífica: “Caríssimos,
desde agora somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de
ser. Sabemos que, quando isto se manifestar, seremos semelhantes a Deus,
porquanto o veremos como ele é” (1Jo 3,2).
Sim somos convidados, no dia de finados, a pensar na nossa
realidade mortal. Ontem, eles se foram; hoje, pode ser nós. Hoje, eles recebem
a nossa oração e reverência; amanhã seremos nós quem as receberá. Mas, no dia
do chamado do Senhor para a ‘verdadeira vida’, o que lhe apresentaremos? Este
pensamento nos deve sempre invadir. Construímos com a nossa existência, com as
obras cristãs unidas à fé no Senhor da Vida (cf. Tg 2, 20), a nossa trilha para
a Bem-Aventurança. Se tivermos feito por
onde obtermos a Vida de Deus e a Vida Nele, adentraremos na Jerusalém Celeste,
onde “Nem olho algum viu, nem ouvido algum ouviu, nem jamais passou pela cabeça
do homem o que Deus preparou para os que o amam” (1Cor 2,9). Mas, por que
tememos a morte? Vem-me à mente: “Onde está o teu coração aí está o teu
tesouro” (Mt 6, 21), e ainda, “Somos concidadãos dos santos” (Ef 2, 9). Portanto, se estamos com os nossos pés
nesta terra, mas com os olhos direcionados para o alto, não temeremos a morte,
porque estaremos cônscios de que a meta desta vida não está nas realidades
terrenas, mas que estas devem servir-me de meio para alcançar a meta real: a
vida de Deus e a vida Nele. O Céu é o tesouro do fiel cristão, porque lá está
Deus.
Em meio à explosão de tantas teorias espíritas, parece que a
doutrina cristã está sendo olvidada. Nós, cristãos, não cremos na reencarnação!
Nossa passagem por esta terra é única, irrepetível. A purificação de nossa alma
já se deu de uma vez por todas na cruz do Senhor, e se dá cotidianamente na
páscoa sacramental por meio da Confissão e da Eucaristia. Obviamente a vivência
cristã deva ser regada pela caridade exteriorizada por uma vida retamente
virtuosa. O Cristianismo crê na ressurreição! “Ora, se se prega que Jesus
ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição
de mortos?” (1Cor 15,12). Cristo ressuscitou, e nós ressuscitaremos com Ele!
Esta é uma afirmação da Igreja, e excomungado está quem não professa este dado
de fé! Dentre as provas dadas pelos Apóstolos à Igreja de Cristo, apresentamos
todo capítulo quinze da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios.
Ao refletirmos sobre a morte (cuja tratação na Teologia cabe
à Escatologia), também somos chamados a ponderar acerca dos Novíssimos ou dos
últimos fins do homem. A Sagrada Teologia, logicamente apoiada nas Sagradas
Escrituras, afirma que os destinos do homem são basicamente dois: Paraíso e
Inferno. Assim sendo, conforme reza o Catecismo da Igreja Católica, após o
juízo particular de cada um, a pessoa, no estado de alma imortal, recebe uma
retribuição imediata em relação à sua fé e às suas obras. Essa retribuição
consiste no acesso à Glória Eterna, imediatamente ou depois de uma adequada
purificação, ou no ingresso à condenação eterna (cf. Catecismo da Igreja
Católica 1021-1022; 1051). Por céu, a Santa Igreja Católica entende “o estado
de felicidade suprema e definitiva. Os que morrem na graça de Deus e não têm
necessidade de ulterior purificação são reunidos em torno de Jesus e de Maria,
dos anjos e dos santos. [...] Vivem em comunhão de amor com a Santíssima
Trindade e intercedem por nós (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 209).
Por purgatório[1], a “Mãe Católica” prega
que este estado de espírito é concedido aos que morrem reconciliados com Deus,
mas que precisam de purificação para poder entrar no céu. Logo, quem, de
imediato após a morte, é enviado para cumprir as suas penas no purgatório, tem
a garantia do céu, pois é um estágio momentâneo, muito embora na eternidade não
possua o caráter da temporalidade. Às almas que estão no purgatório, podemos
ajudá-las com as nossas orações de sufrágio, em especial com a Santa Missa,
como também através das esmolas, indulgências e obras penitenciais. E o que a
Igreja diz acerca do inferno? No Compêndio do Catecismo da Igreja Católica
encontramos a resposta: o inferno “consiste na condenação eterna dos que, por
livre escolha, morrem no pecado mortal. A pena principal do inferno consiste na
separação eterna de Deus, em quem unicamente o homem tem a vida e a felicidade
para as quais foi criado e às quais aspira” (n. 212). “Dos que morrem no pecado
mortal...”, daí a extrema importância de tentar viver de maneira ilibada os
valores cristãos, principalmente em um mundo tão adverso e hostil à moral
trazida pelo Cristo. O pecado mortal é uma excomunhão, uma recusa espontânea
por parte do homem do amor misericordioso de Deus.
Nós, os vivos, sentimos quando da morte das pessoas a quem
amamos. Chegamos até a chorar. Isso é normal, pois trata-se de uma separação
(ainda que momentânea). Ao cristão não é cabível o desespero. Isso é
inadmissível! Pois, em Cristo, todos encontrar-nos-emos: este é o nosso alento.
Nós, Igreja Peregrina neste mundo, rumamos para o lugar onde não haverá mais
dores e pranto, onde habitaremos no coração de Deus, tal como os que nos
precederam pela porta da morte e já gozam da feliz eternidade do convívio com
Ele e n’Ele. Unir-nos-emos aos que já se rejubilam na Igreja triunfante da
comunhão dos santos. Por tal motivo, concluímos que a morte é sinal de
esperança para todos.
Que esta expectativa de encontro definitivo com o Senhor e
com aqueles que já nos precederam no gozo celeste preencha o nosso coração, a fim
de estarmos preparados com dignidade para este divino momento, onde tomaremos
posse dos bens eternos reservados por Jesus para nós, onde seremos
recapitulados em Cristo (cf. Ef 1, 10), onde Deus será “tudo em todos” (1Cor
15, 28).
[1]
As provas bíblicas da existência do purgatório, encontramos em Mt 12, 32; 1Cor
3, 15; 1Pd 1, 7; 2Mc 12, 46; Jó 1, 15.
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