quinta-feira, 1 de novembro de 2012

“A RESIGNAÇÃO DOS QUE FICAM É A CERTEZA DE QUE OS BONS ESTÃO NA CASA DE DEUS”



Queridos irmãos,


Acredito que foi no ano de 2003 (muito embora a data pouco importe de fato), ao fazer um trabalho escolar no Cemitério Senhor do Bonfim, na cidade de Lagarto, encontrei um belíssimo mausoléu revestido de um granito tirado a cor rubi, encimado com uma belíssima escultura da La Pietà e uma inscrição em uma placa de bronze: “A resignação dos que ficam é a certeza de que os bons estão na Casa de Deus”. Esta ficou gravada em minha mente e, por ocasião da morte de algum ente querido, sempre me serve de consolo. Ora, a frase da qual estamos falando é uma sintetização bem feita da esperança cristã acerca da morte.


O dia de hoje insere-se dentro da realidade da Solenidade de Todos os Santos. Santos são todos aqueles que viveram de tal forma unidos a Deus que, no ocaso de sua vida, alcançaram o prêmio eterno, a coroa imarcescível da glória. Por isso, a Igreja nomina a comemoração de hoje como dos fiéis defuntos, já que obtendo este adjetivo, hoje, merecem gozar de uma eternidade feliz e a celebra um dia após o 1º de novembro.


Ao celebrarmos a Comemoração dos Fiéis Defuntos, cuja fama é conhecida como Dia de Finados, os cristãos são convidados a um tríplice movimento de fé. O primeiro se pontua na realidade da vitória de Cristo sobre o Pecado e a Morte. Esta primordial certeza nos abastece de esperança, pois, “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé [...] E se Cristo não ressuscitou, é inútil a vossa fé, e ainda estais em vossos pecados” (1Cor 15,14.17). Logo, podemos perceber que esta memória litúrgica possui um laço bastante forte com a Páscoa. A partir desta afirmativa, adentramos no segundo movimento: A Páscoa (passagem) dos que já nos precederam. Cronologicamente, tantos nos antecederam na viagem rumo à Pátria dos Bem-Aventurados, o Céu. Neste sentido, a partir da redenção operada por Cristo Jesus, a morte (cuja visão era a de castigo por conta do pecado) ganha um sentido novo: a de ingresso na Vida Eterna. Santa Teresa de Lisieux, no leito de sua morte, afirma: “Eu não morro, entro na vida”. Esta verdade deve servir-nos de consolo se nos lamentamos com a perda trazida pela morte. No terceiro movimento da fé cristã, estamos nós. Nesta dimensão, somos convidados a lembrar-nos de que o nosso dia também chegará; será a nossa páscoa, nosso encontro com o Senhor. Este ingresso, esta passagem (Páscoa), em Cristo, não é mais amparada pelo pecado, mas pelo poder de sua Cruz: “Se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos, morremos para o Senhor. Quer vivamos quer morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14,8). Destarte, a morte para o fiel cristão é a consumação da nossa pertença a Cristo, pois obteremos a visão beatífica: “Caríssimos, desde agora somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser. Sabemos que, quando isto se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porquanto o veremos como ele é” (1Jo 3,2).


Sim somos convidados, no dia de finados, a pensar na nossa realidade mortal. Ontem, eles se foram; hoje, pode ser nós. Hoje, eles recebem a nossa oração e reverência; amanhã seremos nós quem as receberá. Mas, no dia do chamado do Senhor para a ‘verdadeira vida’, o que lhe apresentaremos? Este pensamento nos deve sempre invadir. Construímos com a nossa existência, com as obras cristãs unidas à fé no Senhor da Vida (cf. Tg 2, 20), a nossa trilha para a Bem-Aventurança.  Se tivermos feito por onde obtermos a Vida de Deus e a Vida Nele, adentraremos na Jerusalém Celeste, onde “Nem olho algum viu, nem ouvido algum ouviu, nem jamais passou pela cabeça do homem o que Deus preparou para os que o amam” (1Cor 2,9). Mas, por que tememos a morte? Vem-me à mente: “Onde está o teu coração aí está o teu tesouro” (Mt 6, 21), e ainda, “Somos concidadãos dos santos” (Ef  2, 9). Portanto, se estamos com os nossos pés nesta terra, mas com os olhos direcionados para o alto, não temeremos a morte, porque estaremos cônscios de que a meta desta vida não está nas realidades terrenas, mas que estas devem servir-me de meio para alcançar a meta real: a vida de Deus e a vida Nele. O Céu é o tesouro do fiel cristão, porque lá está Deus.


Em meio à explosão de tantas teorias espíritas, parece que a doutrina cristã está sendo olvidada. Nós, cristãos, não cremos na reencarnação! Nossa passagem por esta terra é única, irrepetível. A purificação de nossa alma já se deu de uma vez por todas na cruz do Senhor, e se dá cotidianamente na páscoa sacramental por meio da Confissão e da Eucaristia. Obviamente a vivência cristã deva ser regada pela caridade exteriorizada por uma vida retamente virtuosa. O Cristianismo crê na ressurreição! “Ora, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição de mortos?” (1Cor 15,12). Cristo ressuscitou, e nós ressuscitaremos com Ele! Esta é uma afirmação da Igreja, e excomungado está quem não professa este dado de fé! Dentre as provas dadas pelos Apóstolos à Igreja de Cristo, apresentamos todo capítulo quinze da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios.


Ao refletirmos sobre a morte (cuja tratação na Teologia cabe à Escatologia), também somos chamados a ponderar acerca dos Novíssimos ou dos últimos fins do homem. A Sagrada Teologia, logicamente apoiada nas Sagradas Escrituras, afirma que os destinos do homem são basicamente dois: Paraíso e Inferno. Assim sendo, conforme reza o Catecismo da Igreja Católica, após o juízo particular de cada um, a pessoa, no estado de alma imortal, recebe uma retribuição imediata em relação à sua fé e às suas obras. Essa retribuição consiste no acesso à Glória Eterna, imediatamente ou depois de uma adequada purificação, ou no ingresso à condenação eterna (cf. Catecismo da Igreja Católica 1021-1022; 1051). Por céu, a Santa Igreja Católica entende “o estado de felicidade suprema e definitiva. Os que morrem na graça de Deus e não têm necessidade de ulterior purificação são reunidos em torno de Jesus e de Maria, dos anjos e dos santos. [...] Vivem em comunhão de amor com a Santíssima Trindade e intercedem por nós (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 209). Por purgatório[1], a “Mãe Católica” prega que este estado de espírito é concedido aos que morrem reconciliados com Deus, mas que precisam de purificação para poder entrar no céu. Logo, quem, de imediato após a morte, é enviado para cumprir as suas penas no purgatório, tem a garantia do céu, pois é um estágio momentâneo, muito embora na eternidade não possua o caráter da temporalidade. Às almas que estão no purgatório, podemos ajudá-las com as nossas orações de sufrágio, em especial com a Santa Missa, como também através das esmolas, indulgências e obras penitenciais. E o que a Igreja diz acerca do inferno? No Compêndio do Catecismo da Igreja Católica encontramos a resposta: o inferno “consiste na condenação eterna dos que, por livre escolha, morrem no pecado mortal. A pena principal do inferno consiste na separação eterna de Deus, em quem unicamente o homem tem a vida e a felicidade para as quais foi criado e às quais aspira” (n. 212). “Dos que morrem no pecado mortal...”, daí a extrema importância de tentar viver de maneira ilibada os valores cristãos, principalmente em um mundo tão adverso e hostil à moral trazida pelo Cristo. O pecado mortal é uma excomunhão, uma recusa espontânea por parte do homem do amor misericordioso de Deus.


Nós, os vivos, sentimos quando da morte das pessoas a quem amamos. Chegamos até a chorar. Isso é normal, pois trata-se de uma separação (ainda que momentânea). Ao cristão não é cabível o desespero. Isso é inadmissível! Pois, em Cristo, todos encontrar-nos-emos: este é o nosso alento. Nós, Igreja Peregrina neste mundo, rumamos para o lugar onde não haverá mais dores e pranto, onde habitaremos no coração de Deus, tal como os que nos precederam pela porta da morte e já gozam da feliz eternidade do convívio com Ele e n’Ele. Unir-nos-emos aos que já se rejubilam na Igreja triunfante da comunhão dos santos. Por tal motivo, concluímos que a morte é sinal de esperança para todos.


Que esta expectativa de encontro definitivo com o Senhor e com aqueles que já nos precederam no gozo celeste preencha o nosso coração, a fim de estarmos preparados com dignidade para este divino momento, onde tomaremos posse dos bens eternos reservados por Jesus para nós, onde seremos recapitulados em Cristo (cf. Ef 1, 10), onde Deus será “tudo em todos” (1Cor 15, 28).



[1] As provas bíblicas da existência do purgatório, encontramos em Mt 12, 32; 1Cor 3, 15; 1Pd 1, 7; 2Mc 12, 46; Jó 1, 15.

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