Queridos irmãos,
“Cremos na comunhão dos santos!” Esta é uma verdade cuja
profissão de fé fazemo-la no Credo. Quem são os santos? De maneira simples,
resumimos: os santos são os amigos de Deus. Dizemos amigos para designar um
relacionamento de profunda intimidade com o Cristo de tal forma que, de tanta
proximidade com Ele, o santo ganha as feições do Senhor, galgando
cotidianamente uma vida de perfeição que ruma para o “perder-se” no Divinal
Amigo. Ora, mergulhando nesta simplificada denominação, chegamos a pensar que o
mundo hodierno carece de santos. Sim, urge o aparecimento de pessoas corajosas
que, despojando-se de si mesmas, trilham, asceticamente, para uma vida cada vez
mais conformada a de Jesus. A santidade não vem como num toque de mágica, mas
acontece cotidianamente, dentro da humanidade do indivíduo que a abraça,
através da superação das limitações, a partir das pequenas dificuldades.
Pelo Batismo, todo cristão é santo. Por isso que, no Credo,
a Igreja afirma: “Creio na comunhão dos santos”. Comunhão, do latim communio, “união com”, assim, somos
santos (da Igreja peregrina) unidos com os santos (da Igreja triunfante e da
Igreja padecente); os santos pelo Batismo, os quais ainda estão no convívio com
as coisas perecíveis do mundo que intercambiam com os santos que já consumaram
a sua via e hoje gozam da Perpétua Glória do Coração de Deus ou se purificam no
Purgatório para alcançar o prêmio eterno que lhes foi resguardo pelo Senhor;
formamos uma única família: a do Corpo Místico de Cristo, embora este esteja
inserido em uma dupla dimensão: temporalidade e eternidade.
É interessante que falemos sobre a intercessão dos santos.
Tal como rezamos uns pelos outros, diante de Deus Nosso Senhor, os que já
adentraram na amizade com Deus (aqueles que estão no Céu) ou mesmo os que se
depuram no Purgatório rezam por nós, valendo-nos com a sua intercessão. A Lumen
Gentium afirmará a este respeito: “Recebidos na pátria celeste e presentes
diante do Senhor (cf. 2Cor 5,8), por Cristo, com Cristo e em Cristo, não deixam
de interceder na terra por nós junto do Pai, mostrando os méritos que
alcançaram na terra pelo único Mediador de Deus e dos homens, Jesus Cristo. […]
Por conseguinte, por sua fraterna solicitude nossa fraqueza é grandemente
auxiliada” (LG 49). Como as nossas preces e rogos chegam a eles? Deus, no
esplendor de sua luz divina em que os santos estão envolvidos, mostra-lhes os
pedidos e os louvores que lhes endereçamos. Pela via dos santos, as nossas
preces e louvores se tornam menos indignas diante de Deus, mais possível de
serem atendidas por serem mais aptas (cf. Ap 8,3), daí Santo Tomás de Aquino
afirmar: Os santos “têm maior crédito frente a Deus após a morte do que em vida
(pois estão mais próximos de Deus; nesta vida ‘peregrinamur longe a Domino’). Ora, já poderíamos pedir sua
intercessão quando ainda viviam, segundo o exemplo do apóstolo São Paulo, que
escrevia: ‘Eu vos exorto, irmãos, por Nosso Senhor Jesus Cristo e pela caridade
do Espírito Santo, a que me ajudeis por vossas preces junto a Deus’ (Rm 15,30).
Com maior razão devemos então pedir aos santos do céu o auxilio de suas preces”
(S. Th., Suppl., p 72,a 2) . Em
resumo, a comunhão dos Santos estende-se a terra, ao Céu e ao Purgatório,
porque a caridade une as três igrejas - triunfante, padecente e militante - e
os santos rogam a Deus por nós e pelas almas do Purgatório, enquanto que nós
lhes tributamos honra e glória já que alcançaram a Bem-Aventurança eterna, ao
tempo em que podemos aliviar as almas em via de purificação, aplicando, em
sufrágio delas, Missas, esmolas, indulgências e outras boas obras.
Dissemos que os santos são amigos de Deus. Se somos santos
pela graça batismal, logo, somos invitados a estreitar os laços com o Senhor. E
como faremos esta proeza? O evangelho das bem-aventuranças (cf. Mt 5,1-12; Lc
6,20-23) responde-nos: através do alcance da felicidade. No entanto, não a
entendamos como uma pseudo-felicidade, tal como o mundo apregoa com o
oferecimento de prazeres, de bens e outras realidades que aumentam – ainda mais
– o vazio no coração do homem, mas a atinjamos como vida realizada, plenificada
em Deus já na angústia dos dias desta vida mortal, enquanto somos “travestidos
em homem do nosso século”, como afirmara Jacques Maritain. Jesus, na perícope
de Mateus acerca das bem-aventuranças, por nove vezes, utiliza a palavra
“Bem-aventurados”, “Felizes”, por esta quantidade, entendemos o ‘Sermão das
Bem-aventuranças’ como um projeto de realização pessoal e de Deus na vida do
fiel. O homem sabe que, somente contando com os seus esforços, nunca conseguirá
uma satisfação plena; sabe ainda que Deus não viola a liberdade do ser humano.
Destarte, indubitavelmente somos cônscios de que a santidade é proporcionada
pela Graça, mas deve haver a contribuição pessoal do cristão que a busca. Por
isso, Jesus, a cada bem-aventurança, apresenta uma atitude ativa do fiel e,
seguidamente, uma ação receptiva emanada do próprio Deus (“Bem-aventurados...
porque...”).
É salutar termos diante dos olhos todo o ambiente físico em
que acontece esta prédica do Senhor. Mateus situa Jesus em um monte. Subir, na
Sagrada Escritura designa aproximar-se do próprio Deus. Percebamos, caríssimos,
que as grandes manifestações de Deus acontecem em elevações geológicas. Notemos
que Jesus não vai para lá sozinho, os discípulos se aproximam, afastam-se da
baixeza da terra. Assim, sabemos que o Mestre quer atrair os seus para o Pai,
de quem procede a santidade (Ele que, no superlativo, é o Santo dos Santos). O
termo “santo”, que em hebraico é traduzido como kadosh, significa separado, apartado da transitoriedade. Quem, por
essência, tem este caráter senão Deus? Através de Jesus, da sua encarnação como
homem, obtemos, pelo Batismo, este afastamento, tornamo-nos “concidadãos do
céu” (cf. Ef 2, 19).
Jesus, no monte, senta. Sentar-se, na linguagem litúrgica e
até mesmo pedagógica é típico de quem ensina, é comum ao Mestre. A ação de
instruir é de direito a quem tem autoridade sobre o aprendizando (discípulo) e
sobre o que é ensinado. Jesus senta-se para falar da santidade de Deus e dos
homens porque, como Verdadeiro Homem e Verdadeiro Deus, é santo. Jesus, sentado
no monte, fala aos seus discípulos. Aos discípulos e não às multidões. Embora o
chamado à santidade seja uma vocação universal, Jesus é consciente de que
poucos – apenas os sensíveis à Boa Nova do Reino – são capazes de absorvê-la,
pois a dinâmica das Bem-aventuranças soa aos ouvidos do mundo como
irracionalidade. São João Crisóstomo afirma: “Nisto de pregar sobre um monte e
na solidão, e não na cidade nem no fórum, nos ensinou a não fazer nada por
ostentação e a separar-nos do tumulto, principalmente quando convém dialogar
sobre coisas importantes” (Homiliae in
Matthaeum, hom. 15,1). Pelo dito de João Crisóstomo, intuímos que a
santidade não é uma realidade de vida que causa estardalhaços, mas que se prima
em uma silenciosa violência contra os nossos quereres, principalmente quando
não estão de acordo com a vontade divina, pois “o Reino dos Céus é para os
violentos” (Mt 11, 12), o que é incompreensível e frustrante para o mundo.
Falávamos que a santidade é uma via de perfeição, um caminho
para configurar-se a Cristo Deus. E que via é esta? Ela acontece, como
dissemos, no cotidiano, através de pequenas atitudes silenciosas e profundas:
pobreza em espírito; fortaleza nas aflições; mansidão; anseio e promoção da
justiça; coração humilde e misericordioso; pureza de vida e costumes;
pacificidade; enfim, alegria diante dos sofrimentos, injúrias, calúnias
causadas pelas perseguições infligidas aos que seguem o Cristo.
O caminho para ser bem-aventurado (santo) não é fácil. E,
sabendo das nossas condições, o próprio Deus nos cumula com suas recompensas à
medida que lhe oferecemos a nossa disponibilidade para o projeto de santidade.
Prova disto, temos as nove recompensas trazidas pelas Bem-Aventuranças. Ao
escalarmos as escarpadas montanhas de uma vida pautada pela santidade,
restar-nos-á a magna recompensa: o céu. Se formos perseverantes nesta boa
ventura, diremos tal como São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira,
guardei a fé” (2Tm 4,7), pois alcançaremos a imortalidade pela salvação.
São João, na sua celeste visão, enche-nos da certeza de que
os santos contemplam e adoram Deus face a face. No fim dos tempos, os que foram
marcados na fronte com a insígnia do Cordeiro serão levados para o festim do
céu. O autor sagrado oferece o número dos que foram marcados: cento e quarenta
e quatro mil de todas as tribos de Israel. Este número é prenhe de significado,
pois é o quadrado de doze (algarismo que designa o sagrado na numerologia
bíblica) multiplicado por mil. Logo após oferecer-nos esta quantia, São João
traduz qual o desígnio do número doze vezes doze vezes mil: “uma multidão
imensa de gente de todas as nações, tribos e línguas, e que ninguém podia
contar” (Ap 7, 9). Primeiramente, João diz que os cento e quarenta e quatro mil
eram da casa de Israel; depois, que são de todos os recantos do mundo. O que
ele realmente quer afirmar é que esta multidão pertence à Igreja, a Nova
Israel, que congrega em si os filhos de Deus, a legião dos santos espalhada por
todo o orbe. Estes eleitos estavam revestidos na veste da pureza, empunhavam a
palma da vitória sobre o poder da morte, a palma do martírio, e estavam de pé
contemplando algo que nunca ninguém era capaz de ver: o próprio Deus.
Esses felizardos não estavam sós, compartilham os céus e a
visão do Cordeiro com os anjos, ao tempo em que, com eles, misturavam as vozes
em louvor, tal como fazemos na Eucaristia quando invocamos a santidade de Deus
(Sanctus, Sanctus, Sanctus...), nosso
louvor mistura-se ao dos entoados pela corte celeste. Meus caros, esses
felizardos seremos nós se formos perseverantes. Imaginemos, quando chegarmos ao
céu e perguntarem a nosso respeito: “De onde vieram esses?” E quando disserem
de nós: “Esses vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas vestes
no sangue do Cordeiro” (v. 14). Em outras palavras, dirão: - Esses souberam
sofrer com valentia as agruras da vida, guardaram a fé; não sujaram as mãos e
coração nas obras do mal, por este motivo merecem entrar e estabelecer morada
no coração de Deus (cf. Sl 23, 4).
Se já nos é um grande presente de amor a adoção divina, esta
adoção que nos faz filhos de Deus, o que poderíamos dizer acerca da
manifestação de Deus em nós, já nesta vida, quando o transparecemos, até o
momento da manifestação perenal, quando seremos um nele?
Que sigamos os conselhos de Paulo: “A noite vai adiantada, e
o dia vem chegando. Despojemo-nos das obras das trevas e vistamo-nos das armas
da luz” (Rm 13,12). Que nos travistamos de Cristo, com as vestes da santidade e
tudo o que, em si, ela embute. Que o exemplo daqueles que já gozam da feliz
eternidade nos inspire a força e a coragem no rompimento do pecado, a fim de
que, auxiliados por sua intercessão, cheguemos à nossa meta: o Céu, a Vida em
Deus, onde nos “perderemos de amor Nele”.
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