Queridos
irmãos,
Existe
um ícone da tradição oriental em que Jesus Cristo aparece à Mansão dos Mortos e
resgata pelo braço, mais propriamente pelo punho, Adão e Eva, representando assim
toda a humanidade presa aos infernos, antes da sua morte redentora, bem como
chamando ao Paraíso todos os justos do Antigo Testamento, inclusive Abraão, Moisés
e João Batista. Cremos que esta representação iconográfica responda o afã
interrogativo de muitos, quando se questionam: “Por que Jesus ressuscita após
três dias? O que estaria fazendo ao longo deste tríduo?”
Representação iconográfica de Cristo que, descendo aos Infernos, resgata, a partir de Adão e Eva, todos os justos que esperavam a redenção |
No
Símbolo Apostólico, a mais antiga Profissão de Fé da ‘Mãe Católica’ (utilizando
os termos eclesiológicos agostinianos), temos, integralmente: “[Jesus Cristo]
desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia”. Esta afirmativa equivale
ao quinto artigo de fé proposto pelo Credo. Lembrando, desde agora, que a
Ressurreição de Cristo, em consonância com todo o Mistério Pascal do Senhor
(que também contempla a Sua Paixão e Morte), é o núcleo central de nossa fé. Assim
sendo, no quinto artigo do Credo, vislumbramos a alma de Jesus Cristo que, logo
após ter se separado do corpo quando da sua morte salvadora na cruz, foi ao
Limbo, também chamado mansão dos mortos, ou ainda aos infernos, ao lugar onde
estavam as almas dos justos, esperando a redenção de Jesus Cristo, e que, ao
terceiro dia, se uniu de novo ao corpo, para nunca mais dele se separar.
“Descendit
ad ínferos”
– Desceu à mansão dos mortos. Este conteúdo inspira-nos no entendimento de que
realmente Jesus morreu, tal como todos os homens expiram, e assume uma vida
após a morte. No capítulo terceiro do Gênesis, lemos a passagem da queda e expulsão
de Adão e Eva do Éden, graças ao pecado da desobediência. Com eles, também foi
privada à humanidade a vivência no Paraíso. Viram-se privados da amizade plena
com Deus, a intimidade com a Divindade; viram-se privados da visão de Deus.
Para a tradição judaica (e de fato isso era condizente), todos os que morriam estavam
destinados à morada dos mortos (em hebraico, Sheol). Independentemente de terem sido moralmente maus ou bons, lá
esperavam o seu Redentor. As almas dos justos, portanto, não foram introduzidas
no Paraíso antes da morte de Jesus Cristo, porque, graças ao pecado de Adão, o
Paraíso estava fechado; e convinha que Jesus Cristo, cuja morte o reabriu,
fosse o primeiro a entrar nele.
Jesus
desce aos infernos para anunciar aos mortos a Boa Nova (cf. Jo 5,25; 1Pd 4,6;
Hb 2,14-15; Ap 1,18), cumprindo até a plenitude o anúncio evangélico da
salvação, encerrando a sua missão messiânica. A partir desta descida, a todos
os homens, de todos os tempos e lugares, é descortinada a entrada da morada
celeste, para uma contemplação inédita da Trindade, que nem sequer o antigo
Paraíso entrevê. No Ofício das Leituras do Sábado Santo, precisamente na
Segunda Leitura, a Igreja orante oferece-nos para meditação uma anosa homilia, arcana
em autor, que tenta espiritualmente traduzir o ingresso de Jesus aos Infernos,
não para destruí-lo, como condenação, mas para libertar os condenados. Diz-nos
o escrito: “Ele vai antes de tudo à procura de Adão,
nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão
mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro
de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos. O Senhor entrou onde eles
estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro
pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: ‘O meu
Senhor está no meio de nós’. E Cristo respondeu a Adão: ‘E com teu espírito’. E
tomando-o pela mão, disse: ‘Acorda, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te
iluminará. […] Levanta-te,
vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco
no paraíso mas num trono celeste’”. Deus, que ‘É’, vai onde não
existe o ser, onde existe o ‘não-ser’, surpreendendo ao ingressar onde não deveria
estar, vencendo, de uma vez para sempre, a morte e, com ela, o seu autor,o
Diabo.
“Resurrexit
a mortuis”
– Ressuscitou dos mortos. No terceiro dia, estando no seio da terra, o Senhor
ressuscita, conforme havia anunciado de sobremaneira. No Catecismo de São Pio X,
no número 117, temos: “Por que Jesus Cristo quis esperar até ao terceiro dia
para ressuscitar? Jesus Cristo quis demorar até ao terceiro dia para
ressuscitar, para mostrar de modo insofismável, que verdadeiramente tinha
morrido”. Por ressurreição de Cristo jamais a apresentemos como um mero retorno
à vida terrenal. Não! O Cristo Ressuscitado é detentor de um corpo glorioso por
ser participante da vida divina. Por tal motivo, o Ressuscitado não é atido
pelas leis físicas e fisiologicamente humanas, tendo a liberdade soberana de
aparecer a quem Ele quer, como e onde Ele quer, sob aspectos diferentes. A Ressurreição
de Jesus Cristo não foi semelhante à dos outros homens ressuscitados, como por
exemplo Lázaro (Jo 11,1-44), o filho da viúva de Naim (Lc 7,11-17) e a filha de
Jairo (Mc 5,21-43). Eles apenas tornaram a viver, foram ressuscitados por
virtude de Deus, enquanto que o Senhor ressuscitou por virtude própria.
Mesmo
ressuscitando por seus próprios méritos, por ser um só Deus com o Pai e o
Espírito Santo, obviamente não se exclui a obra trinitária deste evento
magnânimo. Deste modo, “o Pai manifesta o seu poder; o Filho ‘retoma’ a vida
que livremente ofereceu (Jo 10,17), reunindo a sua alma e o seu corpo, que o
Espírito vivifica e glorifica” (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 130).
Na
Cristologia, temos o estudo teológico da vida de Jesus Cristo. Neste campo da
Teologia Dogmática, aprendemos que toda a vida de Cristo na história humana se
dá desde a Encarnação até a Sua Páscoa Redentora. A Igreja crê – e nós com ela –
que neste derradeiro evento da vida de Jesus Cristo Nosso Senhor encontra-se o
ápice da Encarnação e todo o seu sentido. O Seu ressuscitar confirma tudo o que
fez e ensinou, mesmo o que é inacessível ao espírito humano, acha o significado
em Cristo Ressurreto. Nele estão as primícias da nossa ressurreição, pois Nele
recebemos a filiação adotiva que é real participação do seu ser divino, já que
ressuscitando, a humanidade de Cristo entra na glória de Deus, elevando consigo
toda a humanidade: “Cristo ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que
morreram! Com efeito, se por um homem veio a morte, por um homem vem a
ressurreição dos mortos. Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos
reviverão. Cada qual, porém, em sua ordem: como primícias, Cristo; em seguida,
os que forem de Cristo, na ocasião de sua vinda. Depois, virá o fim, quando
entregar o Reino a Deus, ao Pai, depois de haver destruído todo principado,
toda potestade e toda dominação” (1Cor 15,20-24).
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