Homilia
da Santa Missa na Forma Extraordinária celebrada pelo Reverendíssimo Padre Demétrio Gomes na Comunidade
Canção Nova. "Experimentar aqui na terra um
pouco daquilo que nos espera no céu, isto é Liturgia", completou Padre
Demétrio.
Vale
ressaltar que foram 400 jovens em um acampamento assistindo a uma Missa
celebrada na Forma Extraordinária, ou seja, o Belo também atrai os nossos
jovens.
Segue a
transcrição adaptada da homilia:
“O Salmo
42, que rezamos no início desta Santa Missa, é aquele que os sacerdotes
antigamente rezavam todos os dias quando se aproximavam ao pé do altar:
“Subirei ao altar de Deus. Do Deus que é a alegria da minha juventude”. E assim
passavam-se anos e anos e aqueles sacerdotes, já com seus cabelos brancos,
continuavam a subir ao altar de Deus, dizendo o mesmo refrão: “Subirei ao altar
de Deus. Do Deus que é a alegria da minha juventude”. O altar de Deus nos
renova. O altar de Deus nos mantém nessa juventude sempre viva e sempre atual.
É a fonte da nossa vida. A que nos alegramos infinitamente porque toda alegria
do Céu é derramada sobre nós. E nos impressiona ver aqui, nessa manhã de domingo,
essa nossa “Igreja”, por que não dizer, (A Santa Missa foi celebrada no
Centro de Evangelização da Canção Nova) cheia de almas que querem
experimentar aqui na Terra um pouco daquilo que nos espera no Céu! Isto é
Liturgia: Viver essa comunhão de oração com todos aqueles que contemplam o
Senhor face a face no Céu, diante do trono do Cordeiro, e aqueles que estão aqui
na Terra pelejando, lutando, para que um dia contemplemos ao Senhor, face a
face.
Mas teria
sentido celebrar no meio de um acampamento de jovens uma Missa Tridentina? Uma
Missa que nossos avós participavam no seu tempo…! Será que isso não é um pouco
anacrônico? Será que isso não é um pouco fora do tempo? Não deveríamos ter uma
missa mais adaptada aos nossos tempos? Qual o sentido de celebrar esta Santa
Missa aqui, hoje, precisamente nesse lugar? Por que o Senhor permitiu que isso
acontecesse? Vamos tentar responder a essa pergunta no final.
Fala-se
muito hoje em Liturgia, discute-se muito acerca da Liturgia, e isso não é algo
acidental, por mais que pareça ser. A tentação que dá é fazer entrar também em
nossas discussões aquilo que o Papa Bento XVI condenava como ditadura do relativismo: cada um celebra do jeito que
quiser e todo mundo encontra o seu lugar, todo mundo tem o seu posto na Igreja.
Mas será que é assim? Será que somos nós, os homens, que determinamos como deve
ser a oração da Igreja?
O mesmo
Papa Bento XVI, como comentava nas suas catequeses sobre a oração, dizia,
citando o Catecismo da Igreja Católica, que uma das fontes da nossa oração é a
Sagrada Liturgia. O Papa mencionava ali uma expressão da Regra de São Bento,
que dizia assim: “mens concordet voce”: “A alma concorde com a voz”. E
o Papa utilizava essa expressão para falar como deve ser a oração litúrgica, a
fonte da nossa oração, a fonte da nossa vida interior. Ele dizia que na oração
acontece aquilo que é contrário ao que acontece cotidianamente, nos nossos
diálogos comuns com os homens. O que acontece com nossos diálogos comuns com os
homens? Primeiro nós pensamos aquilo que vamos falar. Geralmente a maioria das
pessoas faz isso, embora nem todas pensem antes de falar. Mas o normal é que a
pessoa pense e, depois, fale. Ela imagina aquilo que quer falar. A sua alma
forja o conteúdo que ela quer falar, e a voz concorda com a alma: isso é o
comum. Mas na Liturgia passa o contrário, é o revés: a alma concorda com aquilo
que nós pronunciamos. E o que nós pronunciamos não é o que queremos pronunciar,
mas é o que a Igreja coloca em nossos lábios.
Por que é
que nós chegamos aqui e já temos uma Liturgia pronta? Será que isso não fere a
espontaneidade que nós queremos ter no trato com Deus?
Certamente
não. Todas essas orações que nós estamos pronunciando são orações que a Igreja
não criou de um dia para o outro. São orações que a Igreja veio forjando, ela,
que é esposa do Cordeiro, ao longo de muitos séculos. Foi preparando, através
da vida de muitos santos, de muitos mártires. Temos aqui no altar relíquias de
mártires que deram sua vida pelo Senhor. Celebramos em cima das relíquias
desses homens que morreram derramando seu sangue por Cristo. Toda uma história,
todo um peso de dois mil anos de Igreja em cada palavra pronunciada. E a nossa
alma é chamada a adaptar-se àquilo que nossa boca pronuncia. Se a nossa boca
pronuncia o que a nossa alma não concorda, vivemos uma hipocrisia. Nosso corpo
diz algo e nossa alma está em outro lugar. Daí é necessário aprender a
mergulhar fundo no mistério de Deus, e eu penso que essa Santa Missa pode nos
ajudar muito.
Desde
2007, com o Motu Próprio Summorum Pontificum, o Papa Bento XVI permitiu que
todos os sacerdotes que quisessem poderiam celebrar a agora chamada Forma Extraordinária do Rito Romano. Existem vários ritos na Igreja.
Todos eles partiram da primeira Missa: a antecipação do Calvário, a última ceia
do Senhor com seus discípulos. Daquela noite derradeira, onde o Senhor descia
para o seu sacrifício na Cruz, e, a partir dali, como o Senhor diz: “Fazei isto
em memória de Mim”, a Igreja obedeceu à voz do seu Senhor, e foi realizando
todos os dias, ao longo desses dois mil anos, o mesmo sacrifício do Calvário,
atualizando o seu sacrifício redentor. E ao longo do tempo, com a expansão da
Igreja, essa oração que o Senhor confiou aos seus foi adquirindo expressões
diferentes. Daí vão nascendo os diversos ritos, de acordo com as culturas por
onde a Igreja vai se espalhando. E nós temos mais de 20
ritos na Igreja Católica.
O nosso
rito é o Rito Romano, que agora tem duas formas: a forma ordinária, com a qual
todos nós estamos talvez mais habituados, e a forma extraordinária, que é essa.
Talvez alguns daqui presentes estejam participando pela primeira vez, e é uma
riqueza extraordinária para cada um de nós. O Papa Bento XVI lembrava que esse
rito nunca foi abolido da Igreja. E nós, quando realizamos esse rito, estamos querendo
secundar esse desejo do Santo Padre, o Papa, de querer viver aquilo que ele
chama de Hermenêutica da Continuidade, ou seja, que nós entendamos o Concílio
Vaticano II, o vigésimo primeiro Concílio Ecumênico da Igreja, como
continuidade de toda a tradição da Igreja. O Vaticano II não veio nos
apresentar uma Igreja nova. Veio nos apresentar umas novidades, sim, mas dentro
do grande tronco da Igreja, daquilo que o Espírito Santo vem suscitando, desde
os primórdios, nos corações dos fiéis. E só entendendo esse Concílio e tudo o
que veio depois, legitimamente, em continuidade com a tradição da Igreja, é que
viveremos o espírito que a Igreja quer que nós vivamos, o espírito da
continuidade. É o mesmo espírito que continuava antes do Concílio Vaticano II e
continua depois. Não é uma nova Igreja; é a mesma Igreja Católica que nasce do
lado aberto do Senhor morto na Cruz.
Existem
alguns elementos que nos chamam a atenção logo à primeira vista quando a gente
vem participar dessa missa. Não me toca aqui agora esgotar todos esses
elementos, até porque nosso tempo é curto e não é ocasião, mas eu gostaria
apenas de dar uma pincelada, sobretudo naqueles que saltam à nossa vista.
Talvez não sejam os mais relevantes teologicamente, mas aqueles que chamam a
nossa atenção.
Talvez o
primeiro deles seja o fato de o padre estar de costas pra gente. E algumas
pessoas, inclusive alguns dos liturgistas, falam “Nossa! Mas que coisa
mal-educada! A gente vem participar da missa e o padre dá as costas pra gente!”
Como entender isso? Como a Igreja viveu isso durante tanto tempo? Será que os
padres eram pessoas mal-educadas, que davam as costas para os fiéis? Nada mais
longe da realidade. O padre não está de costas para os fiéis: o padre está de
frente para Deus, junto com os fiéis. A Igreja entendeu isso. Desde o princípio
celebrava as suas Santas Missas virada ao Oriente: o Oriente de onde virá o
Ressucitado, o sol nascente que nos veio visitar. Toda a Igreja se volta na
expectativa do Senhor que vem ao nosso encontro. “Maranathá, vem, Senhor
Jesus!”. E o padre, como um grande capitão do navio, vai à frente dos seus. O
pastor não é aquele que empurra as ovelhas por trás, mas é aquele que vai à
frente dando a vida por elas. O pastor sobe ao Calvário e aí convida todas as
suas ovelhas a subir o Calvário junto a si.
Quando
Bento XVI era ainda o Cardeal Ratzinger, no seu livro “Introdução ao Espírito
da Liturgia”, falava do risco que se tem, quando a Missa é celebrada de frente
para o povo, de darmos uma concepção de que a Missa é um diálogo entre o padre
e o povo, um círculo fechado, como se a celebração fosse esse diálogo
horizontal, onde o padre fala e o povo responde a ele. Essa concepção não é a
concepção da Liturgia da Igreja. A Liturgia da Igreja é um diálogo, sobretudo,
da Igreja com o Senhor. É um diálogo vertical. Quando o padre se volta para o
crucifixo ou se volta para o Sacrário, quando temos a ocasião de tê-lo, toda a
Igreja se volta para o seu Senhor. Isso nos mostra que a Liturgia se abre para
o Céu, não é um círculo fechado aqui entre nós. Todos nós nos elevamos a Deus.
E pra
remediar um pouco quando a missa é celebrada de frente para o povo, o Papa
pediu que se colocasse - e demonstrava isso com seu exemplo - um crucifixo no
altar. Aqui vocês já percebem isso nas Santas Missas. Em quantas paróquias isso
tem sido realizado! E algumas pessoas acham que isso tapa a visão do padre,
“queria ver o rosto do padre!”. Mas o mais importante não é o rosto do padre: o
mais importante é o Senhor. E quando o padre olha pro Senhor ele lembra aos
fiéis isso: o mais importante é Ele. É para Ele que nós devemos
olhar.
Outra
coisa que talvez chame a atenção, certamente chamará, é a língua. A língua
latina, que é a língua da nossa Igreja. Que orgulho devemos ter dessa língua!
Mesmo que não entendamos todas as palavras que o padre reza em latim ou que se
canta, nem sempre a língua vernácula, a língua que nós entendemos e vivemos
habitualmente, é a língua que todas as pessoas entendem. Hoje a missa é rezada
em português e muitas pessoas não entendem nada, absolutamente nada da Santa
Missa.
Pero Vaz
de Caminha, quando narra a primeira missa realizada no Brasil, na Corte
Portuguesa, diz que os índios ficavam pasmados ali olhando aquela missa. Não
entendiam nada. Imagine os índios vendo a sua primeira missa ali, em latim! Uma
missa como essa que nós celebramos hoje! E ficavam ali, maravilhados! E, de
repente, durante a Santa Missa, aparece um outro grupo de índios, que chega
atrasado. E aquele grupo de índios que chega depois começa a perguntar ao grupo
anterior o que está acontecendo ali. Certamente os índios que aí estavam não
iam explicar que estava acontecendo a atualização do sacrifício de Cristo no
Calvário. Mas eles fizeram uma coisa: apontaram o altar, e apontaram o céu…
Apontaram o altar, e apontaram o céu! Aqueles homens brutos, que não entendiam
nada de teologia, sabiam, misteriosamente, pela ação do Espírito Santo, sem
conhecer exatamente o que acontecia ali, que algo de misterioso unia a Terra ao
céu! Sem entender absolutamente uma palavra do latim!
Outra
característica que pode também nos ajudar bastante - certamente nos ajuda -, e
nos choca, sobretudo na cultura barulhenta em que nós vivemos hoje, é o
silêncio.
Aqui na
Santa Missa nós somos chamados a participar vivendo no silêncio. O Concílio
Vaticano II fala da necessidade de uma participação ativa na Liturgia, e nós
frequentemente associamos participação ativa ao “fazer coisas”. Se eu não
cantar, se eu não falar, se eu não me mover, parece que eu sou um sujeito
passivo na Liturgia. O mesmo Papa Bento XVI lembrava que o silêncio é também
uma participação ativa. Porque para fazer silêncio é necessário muito combate
espiritual. Nós sabemos como é difícil fazer silêncio em nossa oração. Não
tanto o silêncio exterior, que é um pouco mais fácil, mas silenciar as
potências da nossa alma, para que Deus possa falar como falou outrora a Elias
na mansidão da brisa. É assim que o Senhor quer falar aos nossos corações. E,
se não aprendermos a silenciar diante do mistério de Deus, não vamos estar
aptos para escutar sua voz. O silêncio é a atitude daquele que fica sem
palavras diante de algo de extraordinário que acontece diante de si.
Na Santa
Missa, daqui a pouco, no Cânon Romano, quando o padre consagrar o Corpo e o
Sangue do Senhor, nós cairemos de joelhos. E as palavras emudecem, porque,
diante do mistério de Deus, toda palavra é muito pobre, sempre fica aquém
daquilo que nós gostaríamos de falar diante de Deus. Nos calamos, maravilhados,
com aquilo que se realiza diante de nós. O padre, antes da missa, pede perdão
dos seus pecados; o povo reza para que Deus perdoe o padre; depois, o povo pede
perdão e o padre reza para que Deus perdoe o povo. Que bonita a vivência da
intercessão dentro da Santa Missa! O povo rezando para que Deus tenha
misericórdia do padre, o padre rezando para que Deus tenha misericórdia dos
seus… Isso aconteceu agora a pouco, e, novamente, antes da comunhão, acontecerá.
O padre só rompe o silêncio do Cânon Romano, o grande silêncio, pra dizer uma
palavra: “e a nós, pecadores”. Tudo é em silêncio, mas quando o padre diz “e a
todos nós, pecadores”, “nobis quoque peccatoribus”, o padre fala em voz alta, pra
que todos se lembrem que aquele homem que sobe ao altar também é indigno de
estar ali. Ele é um pecador, como todos os outros. E, se sobe ao altar do Deus
que é a alegria da sua juventude, é por pura misericórdia de Deus. Essa Santa
Missa também nos ensina a obedecer às rubricas litúrgicas, aquilo que a Igreja
propõe para que nós rezemos. A Liturgia não é minha, a Liturgia não é do padre,
eu não posso mudá-la a meu bel-prazer. Nós estamos vivendo uma
antropocentrização da Liturgia: o homem tem sido colocado no centro. O mais
importante torna-se o homem, que deveria ser colocado de lado. Em nome de uma
suposta inculturação nós estamos fazendo uma verdadeira baderna litúrgica. E a
Liturgia, ao invés de ser uma imagem da Jerusalém celeste, passa a ser uma
imagem da nossa vida cotidiana, da nossa vida habitual. E não é isso que a
Igreja quer para cada um de nós. Quando o padre coloca essas roupas tão
distintas do nosso dia-a-dia (nós não usamos uma casula para sair andando por
aí… Uma estola, uma alva…), o padre se reveste de paramentos sagrados fazendo a
oração que cada paramento expressa para sua vida espiritual. Ele está dizendo
com esse gesto “eu vou agora viver um momento que não é um momento habitual da
minha vida. Eu vou viver agora um pedaço do Céu.” E as vestes sagradas, as
músicas distintas das músicas populares que nós ouvimos, nos revelam que aquilo
que é vivido aqui é muito diferente, é extraordinariamente superior àquilo que
nós vivemos na nossa vida habitual na Terra. Isso aqui é o Céu, por isso tudo é
diferente.
Nós não
precisamos copiar as coisas que nós temos aí fora e trazê-las para a Liturgia,
porque nós esvaziaremos o seu conteúdo. É a esposa que nos ensina como se deve
rezar. Quando eu obedeço aquilo que a Igreja me pede, eu me aniquilo. Qualquer
sacerdote que vier celebrar a missa, se ele celebrar conforme a Igreja pede, a
sua personalidade desaparece, e aparece somente a Cristo, não importa se é o
Pe. Demétrio, não importa se é o Pe. Roger, se é o Mons. Jonas… Se se segue a
Liturgia da Igreja, aquele padre desaparece e só aparece Cristo nele. É isso
que nós queremos! De um padre não se espera outra coisa senão Jesus Cristo, e,
quando eu começo a inventar coisas, a colocar algo que é meu, Cristo desaparece
e o que aparece é a minha personalidade. Está errado. O padre deve diminuir,
para que só Cristo cresça, como ouvimos no Evangelho de ontem.
Bom,
poderíamos enumerar várias características desta Missa e iríamos gastar horas e
horas, mas, que ao menos, isso que nós ouvimos e aquilo que nós vamos ver, já
nos dê um gostinho, já ajude a mudar a nossa concepção da oração da Igreja. Nos
ajude a rezar como a esposa quer que nós rezemos, nos ajude a caminhar em
sintonia com ela.
Tem
sentido, então, celebrar uma Missa assim num acampamento pra jovens? Será que
isso não aprisiona a nossa espontaneidade na vida de oração? Claro que não!
O mesmo
Espírito Santo que suscita os carismas na Igreja, o mesmo Espírito Santo que
suscita as diversas expressões lícitas que existem na Igreja, é o mesmo
Espírito que guia o Magistério da Igreja. O Espírito Santo não poderia dizer
para o Magistério propor uma série de normas litúrgicas e para os fiéis, dizer
algo diferente. E, se há uma contraposição aqui, nós diríamos que é uma
contradição com o próprio Espírito Santo. É o próprio Espírito que guia o
Magistério e os carismas. No dia em que houver uma contraposição entre os
carismas e o Magistério, não tenham dúvida, aqueles carismas são falsos. Porque
é ao Magistério da Igreja que o Senhor confiou sua assistência infalível, Nós
queremos acompanhar tudo aquilo que a Igreja nos ensina. Nós queremos ser um com
ela, para que glorifiquemos a Deus como Ele quer ser glorificado. Do jeito que
Ele nos ensinou, do jeito que Ele confiou à Sua Igreja, a Sua esposa.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário