quinta-feira, 7 de julho de 2011

E NO MUNDO DO TANTO FAZ...




Estamos acostumados, na conjuntura de um mundo tecnológico, a falar de progresso eminente. Esquecemo-nos de que, antes mesmo de um avanço puramente material, faz-se imprescindível uma retomada das mais nobres inspirações que a humanidade já obteve ao longo de sua história: os valores, que não os econômicos, mas os que caracterizam o homem como tal, ou seja, fruto de sua racionalidade.

No conturbado fim do século XIX, surge, dentro da caminhada do pensamento filosófico, o alemão Friedrich Nietzsche, cujo axioma profetizava a “transmutação de valores”. Muitos achavam que aquilo era um vão delírio de alguém que falava em nome de uma criticidade nefasta. Mas, se bem observarmos, o filósofo tinha razão: os valores transmutaram-se. Nietzsche acertou no fato, mas se atrapalhou na consequência, já que afirmava que tal mudança seria uma libertação das algemas morais vivenciadas pela humanidade; e o que está em jogo, nos nossos dias, não é mais o aparente “cárcere” dos valores, e sim o que a sua abolição tem causado. Tratamos do grande monstro do relativismo, cuja presença constantemente nos cerca.

No embalo de uma emoção desprovida de responsabilidade, a humanidade cai em um niilismo que abarca âmbitos fundamentais do que lhe é inerente. Esquece-se do que é Deus; do que é a verdade (em busca de “verdades”); de que coisas são realmente importantes e basilares; enfim, esquece-se de sua identidade. Vive em um ledo engano. O “pluri-vazio” que o homem vive afeta, com drásticas consequências, a sua própria existência, bem como a de seus semelhantes.

É no esdrúxulo do relativismo que, o que antes se constituía crime, hoje já não o é mais; o que era despudor, hoje é moda; o que era virtuoso, atualmente “fundamentalismo” e “cafonice”; ideia de pecado ficou para os religiosos; a vivência da hombridade é para os ultrapassados. Outorga-se a lei da libertinagem, mascarada de liberdade e verdade, como positiva. Prega-se uma religião pragmática, mercantilista e panteísta. A imoralidade e a devassidão permeiam o cérebro e a cultura da humanidade, manifestação generalizada do pornográfico. E ainda, se tem coragem de apelidar tal intento de “Direitos Humanos”, onde o cognome cabível não seria indiferença?

A “onda” do “tudo é permitido” e do “ser normal é ser diferente” (obviamente no que se refere ao liberalismo moral) faz com que os seguidores de tais “tribos ideológicas” sejam “autogurus” numa intenção rumo a uma suposta liberdade, que se constitui um passo largo em direção ao abismo da libertinagem. E, no mundo do tanto faz, caímos na omissão de não podermos pensar com retidão racional. Com esta impossibilidade, cada um produz a sua regra de vida, as suas leis, os seus tabus. E a ideia de humanidade se esvai, porque o que importa é ser feliz, pelo menos subjetivamente.

No “jogo do tanto faz”, imerso no relativismo, o mundo, e dentro deste os jovens, absorve passivamente uma indústria cultural atopetada de contra-valores que, em si, mínguam a cultura dos nossos povos. É uma rápida desconstrução de uma cultura, construída temporariamente longa por nossos ancestrais, e demolida sem piedade pela atual e relativa proposta que se autodenomina “cultura global”, criadora de “subculturas” individualistas e ideologicamente grupais. É ainda na banalidade do pouco importa, que o desrespeito, o hedonismo, o capitalismo materialista exacerbado, a exaltação do que é alienante, e outras coisas igualmente triviais encontram lugares em uma sociedade que se auto-afirma desenvolvida.

O direito do ir e vir, de um mundo de comportamentos ideologicamente democráticos, garantidos pelas leis constitucionais, assevera, não um “permissivismo”, mas, antes de tudo, um dever que nos assiste, um comprometimento com a humanidade como um todo. O ser um cidadão com direitos, inclusive o de liberdade de expressão, não me autoriza a ser imparcial com a verdade. A capacidade racional, ou de livre pensamento, não me abona a construir sentenças verossímeis próprias, totalmente contrárias à vida e aos valores humanos, bem como, contra a tudo aquilo que a humanidade, ao longo de sua história, esforçou-se para construir, e viu que é condizente com a realidade.

A dinâmica do ter, do ser e do poder, ou seja, da egolatria, sugere-nos uma ousadia tamanha em pensar que um único indivíduo é o centro de todo o universo. O jargão que constantemente ouvimos na boca de muitos “a vida é minha, faço dela o que bem quero” reflete o total desajuste com uma objetividade social. Com tal pensamento, firo também a liberdade do outro, ou mesmo coletiva. Por que, se “com a minha vida faço o que quero”, o outro, ou a coletividade, como um todo, tem que arcar com o meu desmantelo?

No mundo do “tanto faz” também há lugar para os “pans” que ora estão em voga. Aqui, os pensadores que ainda restam na face da terra têm que cuidar para não serem mal-interpretados e indevidamente punidos ao fazerem as suas reflexões e possíveis críticas. Tudo isso em nome dos supostos Direitos Humanos que também relativizam o que não pode ser relativizado e vice-versa. E a religião igualmente entra neste mesmo ínterim, pois, como erroneamente dizem por aí: “o que interessa é chegar até a divindade”, não importando os meios, os lugares e qual seja a divindade.

O Papa Montini afirmava que o “mundo sofre por falta de convicções”. E, no caminho que o homem atual está tomando, onde a indecisão e a relativização reinam, ele mergulha no absurdo mistério de sua auto-ignorância: sabe a engrenagem do mundo, sabe que sabe, mas não sabe quem é, nem que decisões constantemente perenes tomar. Tem no pensamento que decisões firmes para uma vida toda são um atraso, uma quimera.

A crise vivenciada nos serve como oportunidade de crescimento; é uma ocasião ímpar. Devemos sair do retrocesso, caminhando para um progresso de humanidade. Pois é isso que o resgate dos valores é: caminhos de humanidade. Faz-se necessário o advento de um novo tempo que propicie mais uma transmutação de valores. Não rumo ao caos do relativismo, mas em busca do que seja objetivamente benéfico, próximo da verdade, cuja proclamação deve ser feita por meio de atitudes verdadeiramente nobres. Cabe à minoria que abraça essa causa iluminar a massa que jaz nas trevas de sua alienação e ignorância, não centrados em nossos valores subjetivos, mas naqueles que, em si, são puros, belos, edificantes e dignificantes para todos. Só assim, estaremos cumprindo de verdade o nobre encargo a nós confiado e ora exigido: sermos profetas de um novo tempo.

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