sábado, 23 de julho de 2011

XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano A – 24 de julho de 2011)


I Leitura: 1Rs 3, 5.7-12
Salmo Responsorial: Sl 118 (119), 57 e 72. 76-77. 127-128. 129-130 (R/. 97 a)
II Leitura: Rm 8, 28-30
Evangelho: Mt 13, 44-52

Queridos irmãos,

Um dos dons do Espírito Santo derramado sobre a Igreja em Pentecostes e consequentemente dado a nós pela efusão do Paráclito no dia em que confirmamos o nosso Batismo é o da Sabedoria. O Espírito se incumbe de doá-la a quem o pede. Este dom é imprescindível para uma vivência fiel à Palavra de Deus; é um tesouro para os que vivem no mundo e, nele, têm que dar razões de sua fé, tendo a plena certeza de que o Reino já chegou e, dentro de uma temporariedade (rumando para eternidade), já experimentamos esta realidade transcendental.

O livro da Sabedoria, tradicionalmente atribuído a Salomão, logo no seu início afirma:

“Amai a justiça, vós que governais a terra, tende para com o Senhor sentimentos perfeitos, e procurai-o na simplicidade do coração, porque ele é encontrado pelos que o não tentam, e se revela aos que não lhe recusam sua confiança; com efeito, os pensamentos tortuosos afastam de Deus, e o seu poder, posto à prova, triunfa dos insensatos. A Sabedoria não entrará na alma perversa, nem habitará no corpo sujeito ao pecado; o Espírito Santo educador (das almas) fugirá da perfídia, afastar-se-á dos pensamentos insensatos, e a iniquidade que sobrevém o repelirá. Sim, a Sabedoria é um espírito que ama os homens, mas não deixará sem castigo o blasfemador pelo crime de seus lábios, porque Deus lhe sonda os rins, penetra até o fundo de seu coração, e ouve as suas palavras” (Sb 1, 1-6).


 Assim, percebemos que a sabedoria produz a justiça, atributo indispensável para o Reino dos Céus. A sabedoria é dada aqueles que possuem um coração humilde, para os que são generosos no relacionamento com Deus. A sabedoria produz justiça, nunca iniqüidade. Aqui habita o motivo de ela não coadunar com o pecado – “... nem habitará no corpo sujeito ao pecado” (Ibidem, 4). Por isso, o conselho do Apóstolo Paulo: “Não contristeis o Espírito Santo de Deus, com o qual estais selados para o dia da Redenção” (Ef 4, 30). Assim, se o nosso proceder entristecer o Espírito Santo, a dose de Sabedoria dada a nós por essa Pessoa Divina será diminuída.

Ao fazer jus ao que prometera a Davi (cf. 2Sm 7), Deus entroniza Salomão como rei de todo Israel, concedendo-lhe o favor de sua Graça. Estava Salomão, jovem monarca, a oferecer sacrifícios no alto de Gabaon (logicamente Salomão ainda não havia construído o Templo de Jerusalém, por isso faziam holocaustos em lugares elevados). O Senhor, em sonho, comunica-se com ele. Percebamos que Deus não utiliza intérprete, mas fala-lhe, ainda que seja em um sonho, bem diferente do que acontecera antes com o seu pai e antecessor Davi. Deus concede um pedido a Salomão. Naturalmente, este tinha na consciência a grande missão que o esperava: suceder a um rei tão amado pelo povo, bem como reinar sobre um grande número de súditos: os eleitos de Deus. Salomão é cônscio das dificuldades que a arte de governar possui. Somente a sabedoria dada pelo Altíssimo poderá auxiliá-lo na consecução daquilo de que fora incumbido. O rei sabe que aquele povo que lhe é oferecido para o governo não é seu, é de Deus; sabe ainda que o próprio Senhor é o verdadeiro Rei de Israel, sendo-lhe apenas um instrumento, um representante. Portanto, desapontar o povo é desagradar a Deus. 

Vendo a beleza da oração de Salomão, percebendo a pureza dos seus anseios, que não almejou riquezas, longevidade, poderio bélico, Deus lhe concede a sabedoria para a prática da justiça, bem como tudo aquilo que Salomão não pediu, mas que é próprio de um justo aos olhos do Senhor: a prosperidade em seus intentos. A necessidade de uma ajuda do alto é também traduzida pela eucologia da Oração de Coleta: “Ó Deus, sois o amparo dos que em vós esperam e, sem vosso auxílio, ninguém é forte, ninguém é santo”. Salomão esperou no Senhor, fazendo-se amparado por Ele, por isso, seu reinado não foi marcado somente pelo desenvolvimento econômico e social, mas por uma estabilidade nunca antes vista em Israel. Com tal observação, não queremos fazer uma apologia à Teologia da Prosperidade, divulgada por algumas seitas protestantes, mas o Senhor nos recompensa conforme as nossas obras, este galardão pode ser iniciado até mesmo no âmbito material: a providência de Deus tarda, mas não falha, tal como costumeiramente ouvimos no dito popular. E a Coleta ainda continua: “[...] redobrai de amor para conosco, para que, conduzidos por vós, usemos de tal modo os bens que passam, que possamos abraçar os que não passam”. Assim, caríssimos, se somos impulsionados pela sabedoria do Alto – manifestação de seu amor – saberemos ser prudentes no uso daquilo que nos é disposto como materialidade a fim de alcançarmos um sublime desenvolvimento espiritual: pelos bens transitórios, ganharmos os eternos: “Digo-vos, pois, se vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos céus” (Mt 5, 20).

No Evangelho de hoje, temos o último trecho do capítulo XIII do Evangelho de Mateus. Como dissemos no domingo passado, este pedaço do escrito de São Mateus é conhecido como ‘sermão das parábolas do Reino’. Hoje, com quatro imagens distintas, Jesus apresenta comparativos de como ansiar o Reino.

Ao tratar o Reino como um tesouro e como as pérolas , percebemos que Jesus faz uma analogia entre o Reino e algo valioso, que apetece os olhos. No mesmo Evangelho de Mateus, no Sermão da Montanha, temos Jesus que afirma: “Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração” (Mt 6, 21). Logo, ao fazer esta afirmação, induzimos que o Senhor alude que quando temos como tesouro o Reino dos Céus, nosso coração estará nele. Prova disto temos: “Ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo” (Mt 13, 44). Brilhantemente, São João Crisóstomo comenta: “Agora, para manifestar a formosura e brilho dessa pregação, se vale da parábola do tesouro e da pedra preciosa dizendo: ‘semelhante é o reino dos céus a um tesouro escondido no campo’. Porque a pregação do Evangelho está oculta no mundo, e se não venderdes tudo não o comprardes, e isto o deveis fazer com alegria, e por isso segue: ‘Que quando acha o homem, o esconde’” (Homiliae in Matthaeum, hom. 47,2). Assim, para conseguirmos os tesouros do Reino, que já podem ser encontrados no hoje da Igreja, precisamos nos desfazer de muita coisa que ocupa a nossa disponibilidade para aceitar o Reino com toda a sua inteireza. Se detectarmos que tal pensamento procede em nosso existir, devemos optar pelo caminho da renúncia, do “vender tudo”, inclusive as pseudo-seguranças que possuímos. Trocando em miúdos, a figura do homem somos nós, o tesouro e as pérolas são o Reino e tudo o que ele embute, o campo é o mundo. O tesouro e as pérolas já estão no mundo, basta procurarmo-las. E, quando as encontrarmos, tenhamos coragem de nos privar de todos os outros bens para conseguirmos aquelas preciosidades. Quem age desta forma não perde, mas lucra imensamente.





Em um terceiro momento, Jesus afirma que “o Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo o tipo” (Mt 13, 47). Ora, todos são chamados à participação do Reino do Senhor, tal como uma rede varredeira que, em si, não seleciona os peixes que os pescadores querem fisgar. Muitas vezes, temos a ligeira impressão de que, tal como aludia o Evangelho de domingo passado, o malévolos estão misturados no campo do mundo com os justos (“o joio com o trigo”), e que a justiça de Deus está adormecida e longínqua. É ledo engano! Ao tirar a rede (Reino) do mar (mundo), os pescadores (anjos), na orla do mar (fim dos tempos), separarão os peixes bons (pessoas justas, que esmeradamente buscam o Reino) colocando-os em cestos (consumação do Reino, o Céu) e jogarão (mandar para o inferno) os que não servirão (pessoas que se comprazem em praticar o mal, não procurando, com toda a sua possibilidade, o Reino). Estamos nesta rede, fomos convidados para a realidade do Reino, do “já” e do “ainda não”: Reino de Deus é a Igreja! Neste sentido, nos afirma São Gregório Magno:


“Se compara a Igreja Santa a uma rede porque tem sido entregue a uns pescadores, e todos mediante ela são arrastados as orlas da vida presente ao reino eterno, a fim de que pereçam submergidos no abismo da morte eterna. Esta Igreja reúne toda classe de peixes, porque chama para perdoá-los a todos os homens, aos sábios e aos insensatos, aos livres e aos escravos, aos ricos e aos pobres, aos fortes e aos débeis. Estará completamente cheia a rede, isto é, a Igreja quando ao fim dos tempos estiver terminado o destino do gênero humano. Por isso segue: “A qual quando está cheia”, etc., porque assim como o mar representa o mundo, assim também a beira do mar figura o fim do mundo, e é neste momento quando são escolhidos e guardados em cestos os bons, e os maus são lançados fora. Quer dizer, os eleitos serão recebidos nos tabernáculos eternos, e os maus, depois de terem perdido a luz que iluminava o interior do reino, serão levados às trevas exteriores” (Homiliae in Evangelia, 11,4).


Por fim, Jesus questiona: “Compreendestes tudo isso?” (Mt 13, 51). Ao fazer tal indagação, ele acena que as parábolas, traduções figurativas daquilo que é o Reino dos Céus, devem ser entendidas. Para compreendê-las, bem como para vivê-las, se faz imprescindível a sabedoria, não a insana proveniente do mundo e das suas maquinações, mas uma pura sabedoria, como havia pedido Salomão a Deus na Primeira Leitura. A revelação dos mistérios do Reino aos pequeninos, tal como nos traz a estrofe da Aclamação ao Evangelho, é a manifestação de que a sabedoria é importantíssima para a compreensão do Reino, inclusive, para a busca incondicional deste em nossas vidas. Os discípulos são obrigados a entenderem porque ensinarão estes mistérios com palavras, mas acima de tudo com o seu testemunho (martyria). E o Senhor, a Sabedoria eterna, continua: “Assim, pois, todo o mestre da Lei, que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas”. Ser seguidor do Senhor é assumir esta atitude de, a partir de um encontro com Ele, fazer uma acurada seleção do que é proveitoso para a participação do Reino e consequente salvação, daquilo que é quinquilharia, obstáculo para o Verdadeiro Bem: Deus. Se formos ousados e criteriosos nesta escolha, teremos a mesma certeza de São Paulo na Segunda Leitura: “Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados para a salvação, de acordo com o projeto de Deus” (Rm 8, 28). E qual é o projeto de Deus? Que todos se salvem, buscando veramente o Reino. Todos, porque Ele ama a todos desde a eternidade, por isso predestina-nos em Cristo, chamando-nos à Salvação pela justificação em Jesus. Logo, nada nos impedirá de buscar e alcançar o Reino dos Céus, porque a tudo renunciamos para ganharmos a plenitude.

Com os sentimentos de pertença ao Reino, desde já, busquemos constantemente alcançá-lo. Que, tenazmente, possamos nos desfazer de tudo o que nos impede de ascendermos ao Reino, que não exclui, mas congrega os eleitos, os que foram salvos pelo sangue de Jesus e, a partir disto, viveram como filhos da luz (cf. 1Ts 5, 5), neste mundo que não raras vezes é de trevas. 
        

Nenhum comentário:

Postar um comentário