sábado, 30 de julho de 2011

XVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano A - 31 de julho de 2011)


I Leitura: Is 55, 1-3
Salmo Responsorial: Sl 144 (145), 8-9. 15-16. 17-18 (R/. cf. 16)
II Leitura: Rm 8, 35. 37-39
Evangelho: Mt 14, 13-21 (Multiplicação dos pães)


Queridos irmãos,


            Dentro de todo o decorrer da Escritura Sagrada, vemos o pão como um nutrimento bastante presente no hábito alimentar dos povos do Mediterrâneo. Por Israel podemos verificar tal afirmativa. E, quando nos referimos a ideia deste alimento, um dos trechos que de imediato nos vem à tona é o do Evangelho de hoje: a multiplicação dos pães.
              Jesus, ao receber a notícia da morte de João pela boca dos discípulos deste, entristecido, entra numa barca, rumando para um lugar deserto. A este sentimento do Salvador, contemplamos que Ele é verdadeiramente homem, sem deixar de ser verdadeiramente Deus. Jesus entristece-se. O Mestre tinha consciência da importância que o Precursor teve nos preparativos da obra da redenção da humanidade, ao tempo em que sabia que, dentro em breve, iria sofrer, tal como João, ser condenado e morto.
              O Evangelista Mateus deixa-nos no suspense: “Mas, quando as multidões souberam disso, saíram das cidades e o seguiram a pé” (Mt 14, 13). Souberam do quê? De que Jesus havia embarcado? Não. Saíram porque, com certeza, souberam que Jesus havia ficado acabrunhado com a morte de João. Queriam confortá-lo. Esta atitude da multidão apresentada por Mateus se contrapõe a dos habitantes de Nazaré, apresentadas pelo mesmo evangelista, os quais não haviam crido na mensagem de Jesus (cf. Mt 13, 55-58).
Ao desembarcar, vendo Jesus que a multidão grandiosa estava à sua espera, enche-se de compaixão. Vemos aí, novamente, São Mateus demonstrando Jesus, o Filho de Deus, como alguém dotado de sentimentos. Mateus é uníssono com Marcos ao apresentar a compaixão do Senhor na cena da multiplicação dos pães: “porque era como ovelhas que não têm pastor” (Mc 6, 34); porém, aquele é mais incisivo em apresentá-lo como tal, ao tempo em que a sua exposição da turba como consolo para o Senhor seja algo inédito. Em seu comentário ao Evangelho segundo Mateus, São João Crisóstomo afirma: “Porém nem ainda assim o deixam as turbas, senão que o seguem e lhe aderem, sem que a morte de João lhes causasse medo. Assim é o carinho, assim é o amor: supera e põe de lado tudo o que lhe pesa e molesta. E por este motivo receberam seu prêmio” (Sobre Mateus, 49).
           Jesus retribui a comiseração daquela gente, muito mais do que com as curas ou com o milagre da multiplicação. Jesus paga-lhes com o seu gesto de acolhimento, de afabilidade. À compaixão (cum passio = sofrer com) do povo é restituída com o mesmo sentimento, por isso cura os seus enfermos e alimenta essas pessoas.
            Esta cena evangélica faz-nos reportar ao povo de Israel que, no deserto, murmurava contra Moisés, Aarão e até mesmo contra o próprio Deus querendo pão e carne (cf. Ex 16). Deus lhes envia aquilo que eles ansiavam. Na perícope de hoje, temos o contrário: um novo povo no deserto que nada desejava a não ser estar com o próprio Deus, o qual mais tarde se autonomeará “Pão”: “Ego Sum Panis vivus” (Jo 6, 51); “Hoc est corpus meum” (Mc 14, 22; Lc 22, 19).
Se compararmos a atitude de Jesus com a dos discípulos, perceberemos a atitude de insensibilidade destes, pois dizem a Jesus para que despedisse aqueles fiéis que já se saciavam espiritualmente com os seus valorosos sinais e palavras; o Mestre que lhes abastecia a fé. Ora, parece que os discípulos (discipulus = aprendiz) não estavam aprendendo do Senhor o acolhimento àqueles crentes que já se satisfaziam em escutá-lo. A fome material era o mínimo para aquela multidão. Com certeza, os discípulos já haviam sido vencidos pelo cansados do dia, daquele local deserto, das atividades. Será que estavam prioritariamente preocupados com o sustento do povo ou isso apenas era um pretexto? Não sabemos ao certo. O que de fato sabemos é da lição oferecida pelo Cristo; “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14, 16). O que significa este ordenamento? Que o milagre iria acontecer; operado por Jesus, mas coadjuvado pelos seus. Não que o Senhor tivesse necessidade de tal auxílio, pois ele poderia muito bem ter feito o alimento aparecer do nada ou até mesmo ser orvalhado dos céus. Deseja que os discípulos deem daquilo que possuem, em sentido figurado, “tirando-lhes o alimento da própria boca”. Os cinco pães e os dois peixes eram tudo o que os discípulos possuíam. Daquele nutrimento, provavelmente, iriam comer, no mínimo, treze pessoas (Jesus e os doze).


À resposta dos discípulos – “Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (Mt 14, 17) – Jesus ordena: “Trazei-os aqui”. Muito mais do que um resposta inocente, os discípulos disseram: “Já nos demos por inteiro a ti, Jesus, e a esta gente. Só resta-nos o sustento: o que mais queres de nós?”. E ao que Jesus interpela: “Dai-me isto também”. À visão minimalista daqueles doze é oferecida uma outra que universaliza o bem. Mais tarde, a exemplo do que o Senhor fizera, eles não só entregarão um mero alimento para as gentes; eles entregar-se-ão para o benefício de muitos. Eis a grande máxima deixada para os doze.
E para aquela gente que, de bom grado, se comprazia em estar ali, no deserto? Aqui, não falamos em lição, singularmente, mas lições. Estas preleções é também dirigida aos seus discípulos. A primeira, a força da partilha. Neste sentido, escreve São Jerônimo: “Com a partição dos pães, fez o Senhor uma porção de comida, porque se estivessem estado inteiro, e não os tivesse partido em pedaços, não os teria multiplicado em tantíssima abundância, não poderia alimentar uma multidão tão grande. Mas as gentes recebem do Senhor, pelas mãos dos Apóstolos, os alimentos; e por esta razão segue: ‘E os deu aos discípulos’”. Logo, deixa-nos a ideia de que onde não há partilha não acontece o milagre da satisfação universal, porque um sentimento de entorpecimento de coração, fruto de um egoísmo exacerbado, fechará a percepção daquele que é chamado à generosidade de vida, inclusive de bens materiais. Compreendamos que não é Jesus quem distribui os pães, mas os discípulos, de cuja posse tinham saído os cinco pães, por isso lhes tinha dito anteriormente: “Dai-lhes vós mesmo de comer!”
Um segundo exemplo dado pelo Divino Mestre: a providência do Alto nunca falha. Percebamos que ao tomar os alimentos, Jesus dá graças aos céus e os abençoa. Desta maneira, quer afirmar que tudo o que está acontecendo é dádiva para aqueles homens e mulheres que estavam no deserto. Deus nunca abandona o seu povo. A Divina Providência está sempre do lado daqueles que se abram à sua ação.
O terceiro ensinamento dado foi verificado na atitude do Salvador, agora visto com outra perspectiva: Jesus, não distribuindo os pães, mas dando-lhes para que os discípulos assim o fizessem, deixa a entender que a multidão deve ver naqueles homens ainda troncos e imperfeitos, os quais posteriormente farão as vezes do próprio Cristo (vicarius), as suas atitudes. Tudo o que os apóstolos farão não acontecerá por seus méritos, mas porque o fazem em nome de Deus, iniciando no simples gesto do partir o pão, ação identificadora de Jesus (cf. Lc 24, 30-31; At 2, 42. 46). Assim também, irmãos, acontece na Eucaristia quando, in nomine Domini, os Apóstolos de Jesus de todos os tempos partem o pão.
Aqui já entramos em uma quarta lição oferecida por Jesus que, embora não desmerecendo as anteriores, possui um sentido mais profundo: tudo o que Ele fizera no deserto ao multiplicar os pães era prefiguração do verdadeiro pão: o Seu Divinal Corpo, oferecido a muitos na mesa do altar. E, para pensarmos assim, temos motivos suficientes. Além dos que já refletimos, vemos que as multidões se sentam na grama. A presença das gramíneas no deserto é sinal da acolhida da Igreja em meio ao mundo (deserto) que faz com que as pessoas encontrem conforto e convite para a Ceia do Senhor. Na Sagrada Escritura sentar com alguém para uma refeição designa uma proximidade, intimidade entre os comensais. Outro sinal que podemos entrever é a quantidade de cestos recolhidos com as sobras dos pães: doze. Dentro da matemática bíblica, o número doze é especial, pois indica a sagrada eleição: doze eram os patriarcas, pais da doze tribos de Israel (totalidade do Povo da Antiga Aliança); doze os apóstolos, incumbidos de congregar uma multidão incontável ao novo Povo de Deus. Desta forma, vemos Jesus como Pão que, dando-se, alimenta a muitos (cf. Mc 14, 22-24; Jo 6, 51). Por isso, não é por qualquer motivo que sobram doze cestos cheios, um para cada membro do Colégio Apostólico. E é com esta quarta lição que adentramos na reflexão da Primeira Leitura.
Neste trecho de Isaías, vemos o profeta que fala aos exilados na Babilônia, aos sedentos e famintos do povo de Israel. “Ó vós todos que estais com sede, vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite sem nenhuma paga” (Is 55, 1). Podemos, com toda justeza, colocar tal perícope do profetismo de Israel na boca do nosso Redentor. Ele gratuitamente alimenta o seu povo que se encontra exilado nesta terra de confusão, nesta Babilônia. O profeta continua: “Por que gastar dinheiro com outra coisa que não o pão, desperdiçar o salário senão com satisfação completa? Ouvi-me com atenção, e alimentai-vos bem, para deleite e revigoramento do vosso corpo” (Is 55, 2). Não temos necessidade de sermos alimentados com o fermento deste mundo. É necessário tomarmos a mesma atitude daquela multidão do Evangelho: alimentarmo-nos com as palavras de Jesus, com a sua presença, só assim entenderemos o que nos diz Isaías “Ouvi-me com atenção, e alimentai-vos bem”. Ouvir as suaves palavras do Senhor é o alimento do cristão, principalmente quando ele diz: “Isto é o meu corpo; isto é o meu sangue”; “Eu sou o Pão”. Aí está o nosso alimento; aí está os víveres que nos revigoram para fortificar-nos no exílio desta terra, rumo à nossa Pátria definitiva: o Céu.
Isaías termina dizendo: “Inclinai vosso ouvido e vinde a mim, ouvi e tereis a vida; farei convosco um pacto eterno, manterei fielmente as graças concedidas a Davi” (Is 55, 3). Sim, ao escutarmo-lo, diremos tal como São Pedro: “Só tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68); ou, como o verso da Aclamação ao Evangelho: “O homem não vive somente de pão, mas vive de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4, 4). É o próprio Cristo o “pão do céu, que contém todo o sabor e satisfaz o nosso paladar” (Sb 16, 20), como bem recorda a Antífona da Comunhão da liturgia de hoje, que concede a todos quantos se alimentem de seu saboroso manjar as graças de sermos sempre amigos de Deus, tal como foi Davi, bem sucedido naquilo que fez. O nosso sucesso será quando de uma vez para sempre estivermos na amizade íntima com Deus, estando, de fato mergulhados nele, no festim do Reino eterno.
Quando, a partir desta terra, fazemos esta experiência de escuta do Mestre, deixando-nos seduzir por Ele, tal como tantas pessoas já o fizeram, alimentando-nos com a sua Presença e Palavra (Eucaristia e Escritura), exclamaremos como Paulo: “Quem nos separará do amor de Cristo? [...] (Nada) será capaz de nos separar do amor de Deus por nós, manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8, 35. 39).       
            

Nenhum comentário:

Postar um comentário