sexta-feira, 8 de julho de 2011

XV DOMINGO DO TEMPO COMUM



I Leitura: Is 55, 10-11
Salmo Responsorial: Sl 64 (65), 10abcd. 11. 12-13. 14 (R./ Lc 8, 8)
II Leitura: Rm 8, 18-23
Evangelho: Mt 13, 1-23 (Parábola do semeador)


            Queridos irmãos,

            A Liturgia da Palavra de hoje se utiliza de uma simples linguagem campestre, porém muito profunda acerca da eficácia da Palavra de Deus na vida daqueles que a escutam. Sabemos que o nosso Deus nunca deixou de comunicar-se com a humanidade, manifestando-se sempre. Primordialmente, com os patriarcas e profetas do Antigo Testamento; em um segundo momento, na plenitude dos tempos, revela-se plenamente no Filho, Único Profeta do Novo Testamento, sendo Deus que fala sobre si mesmo: o Verbo eterno.
            As cativantes leituras de hoje, nos envolvem; e, não diferindo das atitudes práticas que devemos sempre ter diante da Palavra, examinarmo-nos constantemente, contrastando-nos com ela, e, a partir desta bendita comparação, pautar a nossa vida.
            O Evangelho proposto para a nossa reflexão nos apresenta Jesus pregando, de uma barca, às multidões no Mar da Galileia. Pregar de uma barca significa dizer que o Reino de Deus é anunciado da Igreja; ela é o lugar proeminente de onde Cristo fala, inaugurando o Reino de Deus que é para todos os que acolhem a sua voz.
            Parabolicamente, apresentando o semeador, Jesus nos remete a figura de um Deus que fala ao coração das pessoas de modo equitativo, sem exceção, tal como a chuva e a neve figurativamente apresentadas na Primeira Leitura. Embora seja em outro contexto, o próprio Senhor afirma no Evangelho de São Mateus: “ele [Deus] faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos” (Mt 5, 45). Ou seja, a Palavra e a consequente Salvação trazidas por Jesus possui um endereçamento universal: Deus derrama sobre todos, com largueza, as suas sementes. A prova disso está nos diversos tipos de terrenos pelos quais as sementes são uniformemente espalhadas.
            Assim, ao lançar as sementes, o agricultor derruba algumas na estrada, onde, posteriormente, os pássaros vêm e comem. Jesus, ao explicar este trecho, o aplica para os que escutam a Palavra do Reino e, consequentemente, graças a uma não vivência desta mesma Palavra, vem o Demônio e rouba o que foi semeado em seu coração. A semente fica volúvel à beira da via. Percebamos que o termo utilizado por Jesus é “semeado em seu coração” (cf. Mt 13, 19), e, não caiu acidentalmente. Assim, designa que a Palavra foi dirigida também aos insensíveis, aos que têm a terra do coração achatada, tal como terra de uma estrada pelos viandantes, que, por conta de amassarem e pisarem a terra, a semente é impedida de entrar no seu seio e produzir os seus frutos. Se formos tal como esta imagem, deveremos ser cônscios de que o transeunte que ‘apila’ o terreno do nosso coração é o próprio Diabo que, por meio das durezas de um coração fechado à Palavra de Deus, cria na nossa vida como que anticorpos que combatem a ação de Deus em nossa existência, e, dessa forma, a Palavra do Senhor não brota em nós.
            Relacionando a figura apresentada pelo Evangelho da semente na terra pedregosa com o coração do homem, Santo Efrém afirma: “Deus, que é bom, manifesta assim a sua misericórdia; apesar de que a dureza da terra não estivesse na rota do trabalho, ainda assim a este terreno não é privada a sua semente. Esta terra representa aquele que se afasta da doutrina de Nosso Senhor, tal como aqueles que disseram: “Esta Palavra é dura; quem pode entendê-la? (Jo 6, 60). E como Judas que, escutando a Palavra do Mestre, vendo Jesus agir milagrosamente, floresceu, mas no momento da tentação, novamente esterilizou-se” (Diatessaron, 11). Muitas as vezes, somos até atentos na escuta da Palavra, mas por não estarmos com as raízes da nossa fé espraiadas no terreno da doutrina do Cristo, nos ensinamentos da Igreja, secamos. Quantos de nós assumimos uma atitude de “cristãos oba-oba” não nos comprometendo com o que escutamos? Dessa forma, damos espaço somente para o nosso sentimentalismo: sentimos Deus falar, mas não lhe correspondemos. Não raras as vezes não agimos desta maneira? É fácil ser ouvinte da Palavra em momentos repletos de benesses, mas, nos sofrimentos, nem sempre é doce viver conforme aquilo que tão ‘alegremente’ ouvimos. É preciso estarmos enraizados no Cristo que fala pela Igreja com uma fé consistente para sermos capazes de florescer até nos momentos mais turbulentos, porém normais, da existência humana, pois nem tudo é flores.
            Vemos ainda a comparação de Jesus entre as sementes que caíram em meio dos espinhos com coração do homem que recebe a Palavra, mas que a sufoca graças às preocupações. São muitas as inquietações do mundo moderno, dentre elas, a luta desenfreada pelo capital financeiro, por seguranças outras que não Deus. Muitos de nós até fazemos um papel estático na escuta da Palavra. Digo estático porque ficamos imobilizados, deixando a Palavra ser sufocada pelas nossas adesões às tentações do ser, ter e poder. Embora as tentações sejam normais e, por isso, frequentes na vida cristã - até porque estamos no mundo, mas não somos do mundo (cf. Jo 17, 16) -, não devemos deixá-las criar raízes em nós juntamente com Palavra. É necessário um profundo discernimento na administração da nossa caminhada de vida, deixando-nos contagiar inteiramente por Deus, e não pelas tentações que roubam o nosso coração dele, sufocando-o em nosso íntimo. Quantos – em nome das tentações que, paradigmaticamente, enchem de vaidade e vazio o ser humano – chegam a proclamar a morte de Deus, a anulação do seu agir? É essa falsa sensação de independência de Deus, o ateísmo, que entorpece o nosso ser em todos os sentidos. O que é isso senão um coração que asfixia Deus pelos espinhos do pecado que roubam os nutrientes da terra do nosso coração?
            Uma quarta parte da semente caiu em terra boa. Foi o único quinhão que se salvou. Como outrora já dissemos, a terra é o coração do homem, do ouvinte da Palavra. Mas que tipo de solo seria este adjetivado de “boa”? É justamente o coração daquele que teme a Deus e escuta os seus santos preceitos, aplicando-os com inteireza de ser; o que acha “seu prazer na Lei do Senhor e a medita dia e noite” (Sl 1, 2), não com uma reflexão infrutífera, mas abundantemente frutuosa aos olhos de Deus e dos homens e, por causa desta farta produtividade, enche o mundo com os frutos do mais nobre testemunho que Cristo, o Bom Semeador, que através da sua Palavra, semente onipotente, cultivou o coração, terra fecunda, do que acolhe o seu germe. Os que acolhem a Palavra do Senhor dignamente terão toda vida enxertada dos benefícios do Altíssimo, sendo sensivelmente tocados e transformados pela Palavra, tal como assevera a Primeira Leitura: “Assim a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, antes realizará tudo o que for da minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi, ao enviá-la” (Is 55, 11).
            Por que o semeador deixou as sementes caírem em terrenos malogros? Seria imprudência de sua parte? Não, mesmo que a nossa vã lógica possa deduzir isso. Porém, mesmo deixando a maior parte dos grãos germinativos caírem em terrenos improdutivos, o semeador não o faz imprudentemente. Antes, tem consciência de que elas estão sendo lançadas em terras áridas, no entanto, nunca impróprias, pois elas foram distribuídas pela livre e absoluta vontade daquele agricultor que tem o poder de transformar um solo estéril em uma terra produtiva e vivificante. Agindo diferente, prova-nos que um motivo suficientemente convincente ele tem: é que ele atua com atributos divinos, inclusive a paciência. É na esperança de que aquela terra inóspita seja transformada e acolha os germens da vida, que ele os lança. Mas o não florescimento da semente nunca poderá ser culpa do Divino Agricultor, mas do tipo de terra que acolhe ou não o que foi semeado; pois, na parábola, a semente não produz não por culpa dos pássaros, mas da terra; não por conta do penedo, mas pela profundidade insuficiente do solo; não pelos espinhos, mas pela falta de nutrientes do terreno que não permitiu que a semente brotasse e crescesse em um tempo ágil.
            Percebemos que Cristo não explica a parábola a todo o povo, mas apenas aos discípulos que a pedem. Assim fazendo, Jesus apela para a consciência e discernimento da tuba. A atitude de explicar apenas aos discípulos, mesmo por pedido deles, os encoraja para que, mesmo com a dureza do coração e não-receptividade daqueles que ouvirão a Boa Nova anunciada pelos apóstolos, não fiquem desanimados com um possível insucesso. O Mestre tranquiliza os discípulos quando lhes acontecer uma situação como esta: “Pois à pessoa que tem, será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem, será tirado até o pouco que tem” (Mt 13, 12); logo, os que não acolherão a Palavra prestarão contas daquilo que desprezaram.
            Na Segunda Leitura, temos São Paulo que, escrevendo aos Romanos, afirma que “A criação geme como que em dores de parto” (Rm 8, 22), “esperando ansiosamente o momento de se revelarem os filhos de Deus” (Rm 8, 19). Mas quando se revelarão aqueles que foram adotados pela filiação divina? Quando ressuscitarmos, no final dos tempos, manifestando a todos a nossa salvação, que não nos foi oferecida pelos nossos méritos, mas pela divina vontade daquele que “nos amou e por nós se entregou” (Ef 5, 2). Claro que a salvação doada por Jesus é universal, mas para alcançá-la é preciso que escutemos e acolhamos os seus suaves preceitos e os vivamos cordialmente.
            Que Maria, aquela que primeiramente abrigou o Verbo em seu coração, nos ensine a acolher a Palavra de Salvação, pronunciada pelo próprio Senhor, e a vivamos intensamente. Pois parafraseando Santo Agostinho: Maria é mais bem-aventurada porque acolheu o Verbo em seu coração, antes mesmo do que tê-lo acolhido em seu ventre. Pois, no dizer do próprio Jesus: “Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a observam!” (Lc 11, 27).

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