quinta-feira, 14 de julho de 2011

XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM

(Ano A – 17 de julho de 2011)







        I Leitura: Sb 12, 13.16-19
        Salmo Responsorial: Sl 85 (86), 5-6. 9-10. 15-16 a (R/. 5 a)
        II Leitura: Rm 8, 26-27
        Evangelho: Mt 13, 24-43 (Semente boa e má)



        Queridos irmãos,



         Desde o domingo anterior, estamos refletindo o capítulo XIII do Evangelho de São Mateus. Toda esta passagem é conhecida como o sermão das parábolas. Dessa forma, contemplamos Jesus que – sentado na orla do Mar da Galileia, em Cafarnaum, e utilizando uma linguagem marcada pela simplicidade (inclusive de realidade campestre) – apregoa figurativamente sobre os mistérios do Reino. Hoje, Jesus faz uma comparação inusitada: fala de uma plantação de trigo sabotada pelo semeio de joio.
        Nunca, em toda a história bimilenar do cristianismo, se ouviu falar tanto do Evangelho. Muitas são os inventos de anúncio da Boa-Nova. Isso não significa dizer que a Palavra de Jesus esteja sendo anunciada por quem de fato possui o Depósito da Revelação: a Santa Mãe Católica, a única depositária integral da fé: a ação da Igreja é a ação do próprio Deus, pois ela já é a presença do Reino. Com esta afirmativa, não queremos desmerecer as “fagulhas do Verbo” existentes em outras denominações pseudo-cristãs. O fato é que a semente do Evangelho está sendo lançada, seja por quem é de direito, seja por outrem. Com isso, corremos um sério de risco de pensar que, graças a uma eficácia do anúncio da Palavra, o mundo esteja totalmente evangelizado. Não, não é bem assim.
        Toda cultura ocidental foi construída tendo por base o Evangelho de Jesus fielmente anunciado pela Igreja. Mesmo tendo esta raiz, percebemos que a vivência da Palavra está bem aquém do almejado. Às vezes, parece-nos que o mundo hodierno passa por longe daquilo que fora querido pelo Senhor, eternizado nas páginas da Divina Palavra: Escritura e Tradição. Este pensamento não está errado. Ao tempo em que o Divino Semeador lançou as suas “sementes”, o Maligno espalhou o seu joio (cizânia). Porém, não podemos cair no maniqueísmo – doutrina que prega que o bem e o mal, duas forças antagônicas, estejam em luta constante; sabemos que Cristo, o Eterno Bem, venceu irreversivelmente o mal. No entanto, mesmo com esta certeza o demônio não desiste das suas insídias. O “derrotado” sempre investe contra nós. Pois bem, mesmo sabendo que o seu trabalho está sendo feito em vão, ele insiste.
        O Divino Agricultor lança “boa” semente no seu campo. A Palavra Eterna jamais pode ser tida como uma erva daninha: a bondade é um adjetivo que lhe é peculiar. Aliás, em grego, as palavras bondade e beleza (καλός) são traduzidas como sendo a mesma qualidade. Logo, a Palavra de Deus é dotada de uma beleza maravilhosamente inenarrável. Pois, como alude a Primeira Leitura: “Não há, além de ti, outro Deus que cuide de todas as coisas e a quem devas mostrar que o teu julgamento não foi injusto” (Sb 12, 13). A Palavra Sublime foi derramada profusamente sobre o mundo. O Senhor fez-nos conhecer a sua vontade!
        Ambicionando destruir os planos de Deus que embute no mundo a sua Mensagem Divinal, o Diabo lança a sua semente. Ele assim o faz graças à negligência, não do Sublime Lavrador, mas dos obreiros desta bendita lavoura. No texto em português está: “Enquanto todos dormiam” (Mt 13, 25); enquanto que no original, em grego, afirma-nos: “Enquanto os outros homens dormiam, veio o seu inimigo, semeou cizânia no meio do trigo e partiu” (εν δε τω καθεύδειν τους ανθρώπους ηλθεν αυτου ο εχθρος και επεσπερεν ζιζάνια ανα μέσον του σίτου και). Sobre esta analogia, esclarece-nos Santo Agostinho: “Porque quando os chefes da Igreja agem com negligência, ou quando os apóstolos são visitados pelo sono da morte, vem o diabo e semeia sobre aqueles que o Senhor chama filhos maus” (Quaestiones Evangeliorum, 11). Portanto, a deficiência não está naquele que lavrou, mas nos que foram incumbidos à diligência para com o campo, que, posteriormente, desejarão tomar uma atitude precipitada a fim de impedir o crescimento do número daqueles que se aliarão ao mal, tentando, dessa forma, remediar a situação; não por preguiça ou coisa parecida, muitas das vezes por conta da fragilidade e limitação daqueles que são instituídos pelo Dono da Messe como insignes vigilantes.
         Quando da criação do mundo, Deus transforma o χάος (em grego: desordem) em κόσμος (ordem). O livro do Gênesis deixa transparecer que bastam a presença e Palavra de Deus para as coisas ganharem um sentido. Mais tarde, quando o pecado entra no mundo, ocorre uma espécie de ausência de Deus; é o que mais tarde o próprio Agostinho alude de Privatio boni, privação do bem. O Evangelho, ao falar da dormição dos outros homens, transparece a noite, onde figurativamente há uma ausência de Deus. É o que justamente desenha este termo “enquanto dormiam”, já que nos remete à noite. É neste momento que aparece o inimigo que espalha a sua semente e sai. Sai porque não quer se comprometer de maneira alguma com aqueles que ele arrasta para si; ele apenas quer provocar desordem. Ora, à semente do inimigo o texto grego denomina ζιζάνια, que transliterado: cizânia. Esta é uma semente que, quando germina, a sua planta possui a aparência de trigo, podendo somente a muito custo diferenciá-la. Com isto, caríssimos, quando a noite do pecado (ausência de Deus) sobrepuja o mundo, temos a sensação de que os sêmens do mal são mais numerosos e potentes do que os espalhados por Deus. E ainda mais: temos a pretensão de pensar que as pessoas más e as boas são indistintas; não sabemos diferenciar os que são de Deus (que muitas vezes estão em minoria) e os que são “embaixadores do maligno” no campo chamado mundo.
        O mal é tão vergonhoso e horrendo que utiliza a carapaça de bem para atrair aliados para si. Agostinho, o Santo Bispo de Hipona, continua: “Quando o diabo com seus detestáveis erros e falsas doutrinas tem semeado a cizânia (isto é, tem propagado as heresias valendo-se do nome de Cristo) se oculta com maior cuidado e se faz mais invisível; e isto é o que significa: ‘E se foi’” (Ibidem). Completamos o pensamento agostiniano com São João Crisóstomo: “Com estas palavras nos faz ver que o erro vem depois da verdade, coisa demonstrada pela experiência. Assim, depois dos profetas vieram os falsos profetas; depois dos apóstolos vieram os falsos apóstolos; e depois de Cristo o Anticristo (Homiliae in Matthaeum, hom. 46,1). Ele o “pai da mentira”, portanto, ele nunca vai utilizar a sua real identidade para atrair para si. Aqui, é salutar bastante discernimento, já que em muitas situações o mal vem disfarçado de bem, e, se não tivermos uma prudente certeza, poderemos cair na desventura de trocar o “certo pelo duvidoso”, tal como afirmamos no dito popular. Na atualidade, temos exemplos disso: o crime do assassinato do aborto ser tido como direito de quem o pratica; a desonestidade ser tida como valor; a utilização de máximas evangélicas (como o “Amai-vos uns aos outros”) como slogans de passeatas gays, inclusive numa vã tentativa de fundamentá-la na Sagrada Escritura; o despudor ser tido como moda; guerras e cenas de violências praticadas em nome de Deus, justificadas em nome de uma religião; a Palavra do Evangelho ser tida como um meio de enriquecimento monetário; pessoas enganadas por falsas igrejas que pregam benefícios materiais e uma vida mansa; dentre outras ilustrações. O que seria isto senão um crescimento do joio no meio do trigo; de um revestimento do mal ao tempo em que igualmente cresce o anúncio do Reino? O mesmo mundo que é capaz de gerar cristãos autênticos faz brotar, graças às ideologias demoníacas em voga, “pessoas que se comprazem em praticar o mal” (Sl 5, 7).
        Deus, em sua eterna paciência, não assiste passivo a esta situação: Ele apenas deixa acontecer. Não podemos nos abater pelo desespero porque “No Dia do Senhor”, como nos atenta alguns profetas e o próprio Apocalipse de São João, todos terão a sua recompensa: os que são seus irão para a Vida Eterna, enquanto os que pertencerem ao diabo irão para o castigo eterno (cf. Mt 25, 46). Ouviremos o Senhor da Messe: “Deixai crescer um e outro até a colheita! E, no tempo da colheita, direi aos que cortam o trigo [ou seja: aos anjos]: arrancai primeiro o joio e amarrai-o em feixes para ser queimado! Recolhei, porém, o trigo em meu celeiro!” (Mt 13, 30). Prestemos atenção na força de linguagem utilizada por Jesus para falar do joio: “arrancai” – puxai energicamente, pois ele está apegado ao mundo (terra); “amarrai em feixes” – tratai-o como algo qualquer que não possui nobreza alguma, tampouco merece ser dispensada a atenção; “queimai” – fazei com que a sua lembrança seja exterminada, reduza-se a cinzas, só assim, o mal não voltará a se alastrar. Já com o trigo: “recolhei” – tratai com delicadeza, com atenção; “em meu celeiro” – local onde é destinada toda a produção de um trabalho. Todos nós sabemos o que, parabolicamente, se identifica com celeiro: o Céu. É nele que são reunidas todas as riquezas do Divino Agricultor.
        Ainda fazendo jus à paciência de Deus, Jesus conta mais uma parábola: a da semente de mostarda. Com ela, podemos sabiamente confundir a figura do sinal do Reino com a da fé dos crentes em Deus que atraem tantos para uma amizade profunda com Ele. Assim, a fé do que crê torna-se um referencial de esperança para muitos. Ao analisarmos a história, vemos como homens simples, mas repletos dos germens da Palavra de Deus, transformaram o mundo; os apóstolos, sendo sinais do Reino, sendo mais sobranceiros do que outras “vegetações”, trouxeram muitos para a “copa” desta grandiosa árvore: o Reino que um dia foi semente germinada no coração pela Senhor e regada pela fé.
        O Reino de Deus não cresce repentinamente. Ele vai “fermentando” pessoas e estruturas. Aqui, nos referimos a terceira imagem parabólica oferecida por Jesus no Evangelho de hoje. Em um exemplo tronco, poderíamos compará-lo a uma espécie de vírus (bendito vírus!) que vai se alastrando silenciosamente e, quando menos se espera, se manifesta em todo o corpo. A dinâmica do Reino se baseia na minúcia certeira, porém profunda, que sobreleva e contagia. Ainda que seus efeitos venham à surdina, sem estardalhaços, mas, quando menos se espera, aparece cheio de vigor. Na História da Igreja evidenciamos como o cristianismo cresceu vertiginosamente em todos os cantos aonde chegou a doutrina apostólica.
        Com estas parábolas, o Amável Mestre traduz, com uma linguagem que preza pela simplicidade e profundidade, os mistérios do Reino. Para isto, já nos acenava a estrofe da Aclamação ao Evangelho: “Eu te louvo, ó Pai, Santo, Deus do céu, Senhor da terra: os mistérios do teu Reino aos pequenos, Pai, revelas” (cf. Mt 11, 25). Todo o nosso entendimento da Palavra não é fruto de nossa razão apenas, mas desta guiada pelos nuances do Espírito de Deus. É ele quem nos dá o entendimento; Ele é quem nos fortalece para correspondermos aos desígnios do Pai, para entrarmos em seu Reino: “O Espírito vem em socorro da nossa fraqueza” (Rm 8, 26), tal como nos orienta São Paulo na Segunda Leitura, em sua catequese pneumatológica. Somos os pequenos, os que nada entendem; Jesus é o nosso pedagogo, trazindo-nos os elevados mistérios do Reino do Pai. Basta-nos deixar conduzir pelo Paráclito – o qual intercede por nós, os santos, os “trigos do campo do Senhor” – que chegaremos ao eternal celeiro para nós reservado – o Céu.



          

        

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