quarta-feira, 29 de junho de 2011

SEXTA-FEIRA APÓS O 2º DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES: SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS



I Leitura: Dt 7, 6-11
Salmo Responsorial 102 (103), 1-2. 3-4. 6-7. 8. 10 (R/. 17)
II Leitura: 1Jo 4, 7-16
Evangelho: Mt 11, 25-30


Queridos irmãos,


Hoje, celebramos a terceira das três solenidades pós-Tempo Pascal: a do Sagrado Coração de Jesus. Assim, muito mais do que uma simples lembrança da aparição de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque, a Mãe Igreja celebra o indizível amor de Deus pela humanidade. Um Deus que, de tanto nos amar, nos abraça filialmente pela salvação operada por Ele mesmo, pelo Filho.
           Nas culturas antigas, e até mesmo na atualidade, o coração é a sede dos sentimentos. Na Escritura, sempre se atribuía à incorporeidade de Deus, algumas imagens típicas da fisiologia humana para caracterizar, ainda que de maneira ilimitada, os sentimentos do próprio Deus. Assim, o coração de Deus é considerado o órgão de Sua vontade (daí, aparecer 26 vezes esta associação no Antigo Testamento).
            A Liturgia de hoje evidencia o amor e a consequente eleição que Deus nos faz: ele nos ama, e nos quer; nos quer porque nos ama; nos ama porque nos quer. Este trocadilho serve para manifestar a ligação intrínseca entre amor e escolha. O mistério do seu amor é marcado pela profundidade, por isso é inenarrável, insondável, ilimitado, enfim, tantos outros atributos que se associam à idéia de infinitude. O amor é também uma propriedade da onipotência divina: é porque pode tudo, que Deus nos ama plenamente, sente compaixão de nossas misérias.
             O trecho do Deuteronômio que escutamos como Primeira Leitura apresenta-nos Moisés falando ao povo da Antiga Aliança. Neste discurso aos hebreus é recordada a sua consagração ao Senhor, fruto de uma predileção da parte de Deus. Esta afeição não se baseia na quantidade de habitantes nem da importância de Israel na geografia do mundo nem do seu possível poderio (nem terra os hebreus possuíam). O amor do Senhor pelo seu povo é mistério,é profundo, é inexplicável, pois quanto mais Ele demonstra a sua ternura, mais o homem lhe é indiferente, não correspondendo, ainda que na sua limitação humana, com uma vida toda voltada a Ele. Mesmo quando Deus aparentava calar-se (como foi o caso dos quatrocentos anos de escravidão no Egito), não esquecia a promessa demonstrada a Abraão, Isaac e Jacó, patriarcas dos hebreus. E mesmo tendo a misericórdia do Senhor ao seu favor, Israel sempre lhe foi ingrato: “Israel era ainda criança, e já eu o amava, e do Egito chamei meu filho. Mas, quanto mais os chamei, mais se afastaram; ofereceram sacrifícios aos Baal e queimaram ofertas aos ídolos” (Os 11, 1-2). Esta ingratidão habita principalmente na não observância dos mandamentos do Senhor. O amor de Deus é de natureza tão infinita que, mesmo prometendo que a Sua benevolência seria proporcional ao cumprimento do mandamento, Ele foge e ama incondicionalmente, aqui se explicita a palavra misericórdia (coração que se compadece). O cumprimento dos mandamentos é o mínimo de gratidão que o povo poderia dispensar ao seu Deus.
           O amor que dispensamos ao Senhor é manifestável também no próximo. A isto nos alude a Segunda leitura. Quando nossas relações com outrem se manifestam na caridade, estamos cumprindo igualmente os preceitos que o Senhor nos deu: “Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18; Mt 22, 39). A medida do amor que dispensamos é o comedimento da nossa intimidade com Deus: por sentirmos ser alcançados pelo Seu amor, amamos. E o maior sentimento do amor de Deus habita no Cristo, “rosto humano de Deus” (Bem-aventurado João Paulo II). São Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, afirma, categoricamente: “A caridade jamais acabará” (1Cor 13, 8). Não findará porque no fim dos nossos dias, quando mergulharmos inteiramente em Deus, em seu Divino Coração, nos perderemos de amor, seremos amor no Amor; por isso, Paulo exalta a caridade, mais do que e esperança e a fé.
            João, o apóstolo-cantor do amor, o Discípulo Amado, afirma que é pela máxima manifestação do amor de Deus, Jesus Cristo, que alcançamos a vida. A vida nos vem pelo Amor: se pautarmos a nossa vida neste nobre sentimento (ágape), teremos a plenitude da vida porque amaremos o Amor por toda a eternidade, contemplando-o no céu, onde, como nos afirma São João da Cruz, nos perderemos de amor.
            Com maior eleição do que o povo de Israel, nós fomos escolhidos pelo próprio Deus, que nos amou desde toda a eternidade e nos predestinou a sermos o Povo da Nova e Eterna Aliança, instaurada pelo sangue de Jesus, o Sumo Amor. A nós foi revelada uma face inédita de Deus: Ele que, de tanto amar, quis fazer-se um de nós para que tivéssemos um livre acesso a Ele, ao Seu imenso Coração. Tal acesso já o temos: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 28-29). O jugo de Jesus é suave por que é ele mesmo, o Amor. A humildade do Coração de Jesus é tão suave que nos faz repousar nele. É, pois, do seu coração aberto pela lança, que o Cristo nos atrai a si, fazendo-nos “beber, com perene alegria, na fonte salvadora” (Prefácio do Sagrado Coração de Jesus). Constantemente, atrai-nos a si pelos sacramentos, onde, desde esta terra, como transeuntes, experimentamos o seu amor sempiterno. A água e o sangue que brotam, torrencialmente, do seu peito, são significativos da Graça que obtemos da Sua elevação na Cruz, maior prova de amor que Deus podia nos dar, a entrega do seu Unigênito para, morto nos braços de um lenho, nos dar a vida divina. Na Cruz, estendido, sem vida (porque no-la deu totalmente) está a “Fornalha Ardente de Caridade” (cf. Ladainha do Sagrado Coração de Jesus). Eis o Amor que foge à lógica dos homens! Do Coração de Jesus, ferido pelos nossos opróbrios, nos vêm os mais valiosos tesouros da infinita caridade de Deus.
             Celebrar o Coração de Deus é manifestar a nossa confiança nos mais imperscrutáveis dos seus sentimentos. Não é apenas uma recordação daquilo que recebemos dele; mas deve-nos levar a uma transcendência de vida, pois, pelo seu infindável amor, Deus nos eleva a si.
             Que nós, com nossas escolhas cotidianas, possamos fazer sempre a vontade de Deus, expressa nos seus mandamentos. Ele que, de tanta misericórdia, abriu o seu coração, nos ofertou uma vida inimaginável para a nossa humana condição: a vida divina. E nós como estamos retribuindo, dentro – é claro – das nossas imperfeições, ao gratuito amor de Deus, Ele cujo coração está ferido, machucado pelos nossos pecados, mas que, em compensação, abunda de amor por nós, que fomos resgatados pelo sangue saído de seu interior?      

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