(Ano
B – 20 de maio de 2012)
I Leitura: At 1,1-11;
Salmo Responsorial: Sl 46(47),2-3.6-7.8-9
(R/.6);
II Leitura: Ef 1,17-23 (Ou à escolha para o ano
B: Ef 4,1-13);
Evangelho: Mc 16,15-20.
Queridos
irmãos,
“Vencendo o pecado e a morte, vosso Filho Jesus, Rei da glória, subiu
hoje ante os anjos maravilhados ao mais alto dos céus” (Prefácio da Ascensão do
Senhor, I). Iniciemos a nossa reflexão com esta certeza celebrada por nós:
Cristo Ressuscitado, glorificado, sobe aos céus. Recebe todo o poder, senta-se
à destra do Pai. Nesta nossa reflexão, primaremos pelo relato da Ascensão do
Senhor oferecido pelo segundo escrito de São Lucas, os Atos dos Apóstolos, e do
Prefácio da Eucologia Eucarística deste Domingo.
Tendo o corpo glorificado desde a manhã pascal, Jesus permanece quarenta
dias com os discípulos. Para que? São Lucas, na Primeira Leitura de hoje,
responde-nos: “No meu primeiro livro, ó Teófilo, já tratei de tudo o que Jesus
fez e ensinou, desde o começo, até ao dia em que foi levado para o céu, depois
de ter dado instruções pelo Espírito Santo aos apóstolos que tinha escolhido.
Foi a eles que Jesus se mostrou vivo depois da sua paixão, com inúmeras provas.
Durante quarenta dias, apareceu-lhes falando do Reino de Deus” (At 1,1-3).
Logo, o Senhor, com seu corpo glorioso, não é um espectro, uma assombração, mas
portador de uma matéria com propriedades novas e sobrenaturais. Permanece
quarenta dias com os seus discípulos para instruí-los sobre o Reino. Vemos nos
discípulos a Igreja nascente que recebe do seu Senhor e Esposo a doutrina que
deverá fielmente guardar e com solicitude anunciar.
São Lucas, dando sequência à narrativa da Ascensão do Senhor oferecida
pelos Atos dos Apóstolos, rememora a ordem e a promessa dadas pelo Cristo: “Não
vos afasteis de Jerusalém, mas esperai a realização da promessa do Pai, da qual
me ouvistes falar: ‘João batizou com água; vós, porém, sereis batizados com o
Espírito Santo, dentro de poucos dias. […] Recebereis o poder do Espírito Santo
que descerá sobre vós, para serdes as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda
a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra’” (v. 5.7). Assim, percebemos
a estreiteza existente entre o evento pascal e a Ascensão, como também destes
dois eventos que são como que unificados com o de Pentecostes. Não é à toa que
o Tempo Pascal é encerrado com a solenidade do próximo domingo. Durante os três
primeiros séculos da era cristã, a Sagrada Liturgia celebrava no último dia da
quinquagésima pascal, de uma só vez, a Ascensão e o Pentecostes.
Somente já dadas as últimas instruções àqueles que iriam continuar a
obra do Reino e prometendo-lhes o Espírito Paráclito, é que Jesus sobe aos
céus, manifestando a glória recebida desde a Ressurreição, até então velada sob
os traços de uma humanidade comum, embora com um corpo dotado de propriedades
novas e sobrenaturais, como afirmávamos outrora. Em si mesma, a manifestação da
glória de Jesus ascendendo aos céus não diferencia da glória da Ressurreição,
onde, pelo poder do Espírito do Pai, Cristo ressurge e assume a glória que
tinha desde sempre, excetuando-se quando, travestido de homem, assume a nossa
condição, a nossa natureza humana. Jesus, quando ressuscita, torna-se possuidor
de glória, a mesma da Ascensão. No entanto, o caráter velado da glória do
Ressuscitado possui, como nos explicita o Catecismo da Igreja Católica, “uma
diferença de manifestação entre a glória de Cristo ressuscitado e a de Cristo
exaltado à direita do Pai. O acontecimento ao mesmo tempo histórico e
transcendente da Ascensão marca a transição de uma para a outra” (CIC 660). O
texto dos Atos dos Apóstolos traduz-nos essa realidade ao dizer: “Jesus foi
levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não
podiam mais vê-lo” (1,9). Com a Ascensão, Jesus não se retira, mas o poder de
Deus, o seu próprio poder (por isso ser ascensão e não assunção) o introduz na
habitação divinal. Por isso, a presença da nuvem que o envolve, já que na
tradição bíblica a imagem da nuvem representava a Shekinah, a “presença de Deus”. Desta forma, o evento da Ascensão e
a sua narração são inseridas na história da relação de Deus com o seu povo.
Assim o foi na peregrinação do povo pelo deserto guiado pelo próprio Deus através
da nuvem; a nebulosidade do Sinai quando Moisés recebe as tábuas da Lei do
próprio Deus; e, no Novo Testamento, quando, da Transfiguração, uma nuvem
luminosa envolve o Senhor Jesus, Moisés e Elias.
Na Profissão de Fé, a Igreja proclama: “E subiu aos céus, onde está
sentado à direita do Pai”. Ao tomar posse do lugar que é Seu, Cristo Senhor
inaugura o Reino, concretiza o que Daniel já profetizara: “A ele foram dados
império, glória e realeza, e todos os povos, todas as nações e os povos de
todas as línguas serviram-no. Seu domínio será eterno; nunca cessará e o seu
reino jamais será destruído” (Dn 7,14); ou o que o Anjo aludira a Maria, Sua
Mãe: “O Seu Reino não terá fim” (Lc 1,33), frase que também professamos no
Credo Niceno-Constantinopolitano: “cuius
Regni non erit finis” – cujo Reino não terá fim..
A Igreja Orante, na Eucaristia de hoje, ainda reza a Deus Pai, na força
do Espírito Santo, fazendo referência ao seu Divinal Esposo: [Ele] “tornou-se o
mediador entre vós, Deus, nosso Pai, e a humanidade redimida, Juiz do mundo e
Senhor do universo” (Prefácio da Ascensão, I). Cristo, ao assentar-se à destra
do Pai, exerce também o seu múnus sacerdotal, Ele é o Sumo e Eterno Sacerdote
da Nova e Eterna Aliança. Por Ele, os louvores e súplicas da Igreja sobem ao
Pai. É a partir da Sua cruz, do único evento da Sua Paixão, Morte, Ressurreição
e Ascensão ao Céu que este sacerdócio do Senhor Jesus tem começo: “Quando eu
for elevado da terra, atrairei para mim todos os homens” (Jo 12,32). Jesus
glorioso à direita do Pai é o centro para onde convergem e rumam os homens, o
tempo e a criação, ainda que por caminhos desconhecidos e inimagináveis à nossa
limitada razão. É da parte do Pai “o desígnio de reunir em Cristo todas as
coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra” (Ef 1,10). Jesus, à
direita do Pai, exerce um papel único, inaugurado desde a sua cruz, desde a Páscoa
redentora: o de ser mediador entre Deus e os homens (cf. 1Tm 2,5-6). É do seu
trono celeste que o Cordeiro Imaculado cumpre esta função só sua.
“Ele, nossa cabeça e princípio,
subiu aos céus, não para afastar-se de nossa humildade, mas para dar-nos a
certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade” (Prefácio da Ascensão,
I). Se Jesus, mesmo sendo Deus, em uma relação íntima de obediência ao Pai, e –
pelo poder do Espírito, o mesmo que O relaciona com Pai – encarna-se, assumindo
a nossa humanidade, em um intercâmbio entre o céu e a terra, com a sua
Ascensão, o Cristo não nos abandona, mas abre-nos a certeza de que, por Ele,
obteremos a morada celeste, mas, ao mesmo tempo de que continuamente está sempre
conosco. No seu discurso de despedida, antes de ser entregue aos torturadores
para sofrer a Paixão, na Santa Ceia, Jesus diz: “Na casa de meu Pai há muitas
moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou preparar-vos um lugar.
Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que,
onde eu estou, também vós estejais. E vós conheceis o caminho para ir aonde
vou. […] Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por
mim” (Jo 14,2-5.6). Jesus sobe aos céus.
O que o Senhor prometeu-nos há de realizar-se; já nos é uma garantia: com
Cristo reinaremos no céu. Mas o que é o céu? “O ‘céu’, esta palavra céu, não
indica um lugar acima das estrelas, mas algo muito mais ousado e sublime:
indica o próprio Cristo, a Pessoa divina que acolhe plenamente e para sempre a
humanidade, Aquele em quem Deus e o homem estão para sempre inseparavelmente
unidos. O céu é o ser do homem em Deus. E nós aproximamo-nos do céu, aliás,
entramos no céu, na medida em que nos aproximamos de Jesus e entramos em
comunhão com Ele” (Homilia da Solenidade
da Ascensão do Senhor, 24/05/2009). Logo, o céu não é um lugar físico
preparado por Jesus para nós, mas é um estado de graça plenificado, uma íntima
união com Deus. No entanto, engana-se quem pensa que o céu é uma realidade
póstuma. Não! Ela pode e seu antegozo deve iniciar-se cotidianamente na vida
daqueles que se propõem a uma vida de intimidade com Deus. Quem assim vive, faz
o “céu na terra”, pois vive na graça, não obstante as inúmeras dificuldades que
possam se abater; e os sacramentos são os meios ordinários de possuirmos em
nossa existência este estado de gozo antecipado que denominamos céu. Ao
celebrarmos a hodierna Solenidade da Ascensão do Senhor reafirmamos a nossa fé
na permanência espiritual de Jesus em nosso meio, já que o seu corpo está
gloriosamente sentado à direita do Pai. Cristo, ao subir ao céu, não
desaparece, tampouco se ausenta da história do homem, da vida da sua Igreja.
Mas é no Cristo gloriosamente reinante que encontramos a razão do nosso ser e
temos a certeza de que a Igreja continua, sob impulso do Espírito Santo, a
missão do Reino de Cristo.
“Os apóstolos continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia.
Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: ‘Homens da
Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos
foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu’” (At
1,11). Este dado narrado por São Lucas deve-nos fazer engrenar no serviço
apostólico nos nossos diversos âmbitos de atuação cotidiana. Como cristãos,
inseridos no mundo, não devemos “ficar com a cara pra cima”, como reza o dito
popular, esperando Jesus voltar, como que passivos e embasbacados, mas, com o
coração para o alto e os pés no chão, devemos promover o Reino de Cristo: eis a
missão da Igreja e, por ser dela, é também nossa. No seu Evangelho, São Lucas
retrata, na narração da alegria dos discípulos quando viram o Senhor ascendendo
aos céus, qual deve ser a nossa atitude: “Em seguida voltaram para Jerusalém,
com grande alegria” (Lc 24, 52), e, completando com São Marcos no Evangelho de
hoje: “Os discípulos então saíram e pregaram por toda a parte. O Senhor os
ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam” (Mc
16,20). Jerusalém, para os cristãos, é a Igreja. O anúncio deve partir dela por
nós, e a ela devemos sempre nos remeter; é o nosso ponto de referência no
alcance do Cristo.
Meus irmãos, que exultando de alegria, agradeçamos a Deus por tão grande
dádiva, a de sermos chamados à sua Glória, enquanto que nutrindo, entre os
tormentos da vida, a esperança da sua posse com o Cristo que, ao romper a
cortina do santuário, inseriu-nos na Sua vida divina. Ao tempo em que, nas
nossas idas e vindas das atividades terrenas, imploremos a volta do Senhor:
“Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde,
Senhor Jesus!”
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