sexta-feira, 18 de maio de 2012

SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR


(Ano B – 20 de maio de 2012)



I Leitura: At 1,1-11;
Salmo Responsorial: Sl 46(47),2-3.6-7.8-9 (R/.6);
II Leitura: Ef 1,17-23 (Ou à escolha para o ano B: Ef 4,1-13);
Evangelho: Mc 16,15-20.



            Queridos irmãos,


“Vencendo o pecado e a morte, vosso Filho Jesus, Rei da glória, subiu hoje ante os anjos maravilhados ao mais alto dos céus” (Prefácio da Ascensão do Senhor, I). Iniciemos a nossa reflexão com esta certeza celebrada por nós: Cristo Ressuscitado, glorificado, sobe aos céus. Recebe todo o poder, senta-se à destra do Pai. Nesta nossa reflexão, primaremos pelo relato da Ascensão do Senhor oferecido pelo segundo escrito de São Lucas, os Atos dos Apóstolos, e do Prefácio da Eucologia Eucarística deste Domingo.

Tendo o corpo glorificado desde a manhã pascal, Jesus permanece quarenta dias com os discípulos. Para que? São Lucas, na Primeira Leitura de hoje, responde-nos: “No meu primeiro livro, ó Teófilo, já tratei de tudo o que Jesus fez e ensinou, desde o começo, até ao dia em que foi levado para o céu, depois de ter dado instruções pelo Espírito Santo aos apóstolos que tinha escolhido. Foi a eles que Jesus se mostrou vivo depois da sua paixão, com inúmeras provas. Durante quarenta dias, apareceu-lhes falando do Reino de Deus” (At 1,1-3). Logo, o Senhor, com seu corpo glorioso, não é um espectro, uma assombração, mas portador de uma matéria com propriedades novas e sobrenaturais. Permanece quarenta dias com os seus discípulos para instruí-los sobre o Reino. Vemos nos discípulos a Igreja nascente que recebe do seu Senhor e Esposo a doutrina que deverá fielmente guardar e com solicitude anunciar.

São Lucas, dando sequência à narrativa da Ascensão do Senhor oferecida pelos Atos dos Apóstolos, rememora a ordem e a promessa dadas pelo Cristo: “Não vos afasteis de Jerusalém, mas esperai a realização da promessa do Pai, da qual me ouvistes falar: ‘João batizou com água; vós, porém, sereis batizados com o Espírito Santo, dentro de poucos dias. […] Recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra’” (v. 5.7). Assim, percebemos a estreiteza existente entre o evento pascal e a Ascensão, como também destes dois eventos que são como que unificados com o de Pentecostes. Não é à toa que o Tempo Pascal é encerrado com a solenidade do próximo domingo. Durante os três primeiros séculos da era cristã, a Sagrada Liturgia celebrava no último dia da quinquagésima pascal, de uma só vez, a Ascensão e o Pentecostes.

Somente já dadas as últimas instruções àqueles que iriam continuar a obra do Reino e prometendo-lhes o Espírito Paráclito, é que Jesus sobe aos céus, manifestando a glória recebida desde a Ressurreição, até então velada sob os traços de uma humanidade comum, embora com um corpo dotado de propriedades novas e sobrenaturais, como afirmávamos outrora. Em si mesma, a manifestação da glória de Jesus ascendendo aos céus não diferencia da glória da Ressurreição, onde, pelo poder do Espírito do Pai, Cristo ressurge e assume a glória que tinha desde sempre, excetuando-se quando, travestido de homem, assume a nossa condição, a nossa natureza humana. Jesus, quando ressuscita, torna-se possuidor de glória, a mesma da Ascensão. No entanto, o caráter velado da glória do Ressuscitado possui, como nos explicita o Catecismo da Igreja Católica, “uma diferença de manifestação entre a glória de Cristo ressuscitado e a de Cristo exaltado à direita do Pai. O acontecimento ao mesmo tempo histórico e transcendente da Ascensão marca a transição de uma para a outra” (CIC 660). O texto dos Atos dos Apóstolos traduz-nos essa realidade ao dizer: “Jesus foi levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não podiam mais vê-lo” (1,9). Com a Ascensão, Jesus não se retira, mas o poder de Deus, o seu próprio poder (por isso ser ascensão e não assunção) o introduz na habitação divinal. Por isso, a presença da nuvem que o envolve, já que na tradição bíblica a imagem da nuvem representava a Shekinah, a “presença de Deus”. Desta forma, o evento da Ascensão e a sua narração são inseridas na história da relação de Deus com o seu povo. Assim o foi na peregrinação do povo pelo deserto guiado pelo próprio Deus através da nuvem; a nebulosidade do Sinai quando Moisés recebe as tábuas da Lei do próprio Deus; e, no Novo Testamento, quando, da Transfiguração, uma nuvem luminosa envolve o Senhor Jesus, Moisés e Elias.

Na Profissão de Fé, a Igreja proclama: “E subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai”. Ao tomar posse do lugar que é Seu, Cristo Senhor inaugura o Reino, concretiza o que Daniel já profetizara: “A ele foram dados império, glória e realeza, e todos os povos, todas as nações e os povos de todas as línguas serviram-no. Seu domínio será eterno; nunca cessará e o seu reino jamais será destruído” (Dn 7,14); ou o que o Anjo aludira a Maria, Sua Mãe: “O Seu Reino não terá fim” (Lc 1,33), frase que também professamos no Credo Niceno-Constantinopolitano: “cuius Regni non erit finis” – cujo Reino não terá fim..

A Igreja Orante, na Eucaristia de hoje, ainda reza a Deus Pai, na força do Espírito Santo, fazendo referência ao seu Divinal Esposo: [Ele] “tornou-se o mediador entre vós, Deus, nosso Pai, e a humanidade redimida, Juiz do mundo e Senhor do universo” (Prefácio da Ascensão, I). Cristo, ao assentar-se à destra do Pai, exerce também o seu múnus sacerdotal, Ele é o Sumo e Eterno Sacerdote da Nova e Eterna Aliança. Por Ele, os louvores e súplicas da Igreja sobem ao Pai. É a partir da Sua cruz, do único evento da Sua Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão ao Céu que este sacerdócio do Senhor Jesus tem começo: “Quando eu for elevado da terra, atrairei para mim todos os homens” (Jo 12,32). Jesus glorioso à direita do Pai é o centro para onde convergem e rumam os homens, o tempo e a criação, ainda que por caminhos desconhecidos e inimagináveis à nossa limitada razão. É da parte do Pai “o desígnio de reunir em Cristo todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra” (Ef 1,10). Jesus, à direita do Pai, exerce um papel único, inaugurado desde a sua cruz, desde a Páscoa redentora: o de ser mediador entre Deus e os homens (cf. 1Tm 2,5-6). É do seu trono celeste que o Cordeiro Imaculado cumpre esta função só sua.

 “Ele, nossa cabeça e princípio, subiu aos céus, não para afastar-se de nossa humildade, mas para dar-nos a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade” (Prefácio da Ascensão, I). Se Jesus, mesmo sendo Deus, em uma relação íntima de obediência ao Pai, e – pelo poder do Espírito, o mesmo que O relaciona com Pai – encarna-se, assumindo a nossa humanidade, em um intercâmbio entre o céu e a terra, com a sua Ascensão, o Cristo não nos abandona, mas abre-nos a certeza de que, por Ele, obteremos a morada celeste, mas, ao mesmo tempo de que continuamente está sempre conosco. No seu discurso de despedida, antes de ser entregue aos torturadores para sofrer a Paixão, na Santa Ceia, Jesus diz: “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais. E vós conheceis o caminho para ir aonde vou. […] Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14,2-5.6).  Jesus sobe aos céus. O que o Senhor prometeu-nos há de realizar-se; já nos é uma garantia: com Cristo reinaremos no céu. Mas o que é o céu? “O ‘céu’, esta palavra céu, não indica um lugar acima das estrelas, mas algo muito mais ousado e sublime: indica o próprio Cristo, a Pessoa divina que acolhe plenamente e para sempre a humanidade, Aquele em quem Deus e o homem estão para sempre inseparavelmente unidos. O céu é o ser do homem em Deus. E nós aproximamo-nos do céu, aliás, entramos no céu, na medida em que nos aproximamos de Jesus e entramos em comunhão com Ele” (Homilia da Solenidade da Ascensão do Senhor, 24/05/2009). Logo, o céu não é um lugar físico preparado por Jesus para nós, mas é um estado de graça plenificado, uma íntima união com Deus. No entanto, engana-se quem pensa que o céu é uma realidade póstuma. Não! Ela pode e seu antegozo deve iniciar-se cotidianamente na vida daqueles que se propõem a uma vida de intimidade com Deus. Quem assim vive, faz o “céu na terra”, pois vive na graça, não obstante as inúmeras dificuldades que possam se abater; e os sacramentos são os meios ordinários de possuirmos em nossa existência este estado de gozo antecipado que denominamos céu. Ao celebrarmos a hodierna Solenidade da Ascensão do Senhor reafirmamos a nossa fé na permanência espiritual de Jesus em nosso meio, já que o seu corpo está gloriosamente sentado à direita do Pai. Cristo, ao subir ao céu, não desaparece, tampouco se ausenta da história do homem, da vida da sua Igreja. Mas é no Cristo gloriosamente reinante que encontramos a razão do nosso ser e temos a certeza de que a Igreja continua, sob impulso do Espírito Santo, a missão do Reino de Cristo.

“Os apóstolos continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia. Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: ‘Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu’” (At 1,11). Este dado narrado por São Lucas deve-nos fazer engrenar no serviço apostólico nos nossos diversos âmbitos de atuação cotidiana. Como cristãos, inseridos no mundo, não devemos “ficar com a cara pra cima”, como reza o dito popular, esperando Jesus voltar, como que passivos e embasbacados, mas, com o coração para o alto e os pés no chão, devemos promover o Reino de Cristo: eis a missão da Igreja e, por ser dela, é também nossa. No seu Evangelho, São Lucas retrata, na narração da alegria dos discípulos quando viram o Senhor ascendendo aos céus, qual deve ser a nossa atitude: “Em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria” (Lc 24, 52), e, completando com São Marcos no Evangelho de hoje: “Os discípulos então saíram e pregaram por toda a parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam” (Mc 16,20). Jerusalém, para os cristãos, é a Igreja. O anúncio deve partir dela por nós, e a ela devemos sempre nos remeter; é o nosso ponto de referência no alcance do Cristo.

Meus irmãos, que exultando de alegria, agradeçamos a Deus por tão grande dádiva, a de sermos chamados à sua Glória, enquanto que nutrindo, entre os tormentos da vida, a esperança da sua posse com o Cristo que, ao romper a cortina do santuário, inseriu-nos na Sua vida divina. Ao tempo em que, nas nossas idas e vindas das atividades terrenas, imploremos a volta do Senhor: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!” 

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