sábado, 26 de maio de 2012

SOLENIDADE DE PENTECOSTES


(Ano B – 27 de maio de 2012)




I Leitura: At 2,1-11
Salmo Responsorial: Sl 103 (104),1ab.24ac.29bc-30.31.34 (R/.30)
II Leitura: 1Cor 12,3b-7.12-13
Evangelho: Jo 20,19-23



Queridos irmãos,



Hoje, o Espírito Santo é derramado sobre a Igreja; hoje, se cumpre a promessa de Cristo Jesus, feita momentos antes da sua ascensão aos céus: “mas descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força; e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria e até os confins do mundo” (At 1,8), tal como refletimos na liturgia do domingo passado. A celebração de hoje encerra dignamente as festividades pascais, pois, completados cinquenta dias (daí o termo grego pentecostes), teologicamente, a Igreja adentra na plenitude dos mistérios pascais, ao tempo em que lhe é concedida um conhecimento experiencial da terceira Pessoa trinitária, até então, oculta sob o ‘véu de mistério’: o Espírito Santo.


Desde o seu princípio, a Sagrada Escritura faz referência ao Espírito de Deus (“No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas” – Gn 1,1-2). E, percorrendo todos os livros nos quais estão contidos a Palavra de Deus, percebemos muitas alusões a este “grande desconhecido”. Desconhecido porque, tal como o Filho, a forma pela qual Deus era concebido era apenas como único e, logicamente, não havia a distinção das Pessoas Trinitárias. No entanto, este Espírito de Deus assumia muitas figuras trazidas principalmente pelo Antigo Testamento, mas que também se faz presente no Novo: água, tal como nos apresentam tantas passagens, mas, para citarmos como exemplo, utilizamos a Segunda Leitura de hoje: “De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito” (1Cor 12, 13); unção; fogo; nuvem e luz; selo; mão e dedo de Deus; pomba.


Quem é e qual a missão do Espírito Santo? O Espírito Santo é, como já aludimos anteriormente, uma Pessoa Divina que revela, juntamente com o Filho, Deus, fazendo-nos conhecer também Cristo, Verbo de Deus. Nunca o Espírito Santo revela-se a si mesmo, pois é Ele quem nos faz ouvir a Palavra do Pai, o próprio Jesus Cristo, abrindo os nossos ouvidos da fé, o nosso coração, fazendo-nos acolher Deus pela fé. Conhecemos o Espírito Santo pela vida da Igreja. Aí é o lugar de nosso conhecimento através das Escrituras inspiradas pelo mesmo Espírito de Deus; pela Tradição proveniente dos Apóstolos; pelos ensinamentos desta mesma e única Igreja de Cristo; por meio da Liturgia, pela qual nos dirigimos ao Pai, pelo Filho, na moção do Espírito Santo; na oração, já que o Espírito intercede por nós: “o Espírito vem em auxílio à nossa fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8,26); nos sinais de vida apostólica e missionária realizada pela Igreja através das nossas diversas labutas diárias; no testemunho de tantos homens e mulheres, conhecidos ou não, pelos quais Ele manifesta a Sua santidade e continua a obra da salvação. Logo, percebemos que o Espírito Santo já não nos é desconhecido, mas um Ser Divino que sempre opera em nós – se lhe estamos abertos –, principalmente pela Igreja. Em suma, a missão do Divino Espírito Santo é a de fazer com que os fiéis estejam cada vez mais unidos a Cristo, inserindo-os, constantemente no amor trinitário que é Ele mesmo; o Espírito Santo é a relação entre o Pai e o Filho: é o amor entre eles que, de tão profundo, é essencialmente Pessoa Divina (não um sentimento com caracteres humanos, tal como conhecemos a atitude de amar). Por isso, já remetendo-nos à Liturgia deste Domingo, temos nas antífonas de entrada propostas para esta celebração a dimensão de união que somente o Espírito Santo pode oferecer, tanto à vida intratrinitária, quanto às criaturas: “O Espírito do Senhor encheu o universo; ele mantém unidas todas as coisas e conhece todas as línguas, aleluia!” (Sb 1,7); “O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo seu Espírito que habita em nós, aleluia!” (Rm 5,5; 10,11).


No Evangelho de hoje, percebemos a íntima ligação existente entre o evento Pentecostes e o da Páscoa: “Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: ‘A paz esteja convosco’” (Jo 20,19). Ao esclarecer acerca da temporalidade desta passagem, São João quer nos indicar que aquele dia era o da Ressurreição de Jesus. Mais adiante: “Novamente, Jesus disse: ‘A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio’. E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (v. 21-22a). Jesus, ao colocar-se no meio dos discípulos, ao tempo em que faz esta bela saudação, quer manifestar que ele mesmo, o Ressuscitado, é a paz que, pelo Espírito se encontra no coração da Igreja, dos fiéis. Neste trecho percebemos a economia, a manifestação no tempo da Trindade Santíssima e eterna. Pois, Jesus Cristo, enviado do Pai, envia os discípulos, a Igreja, enviando-lhes o Espírito Santo que procede do Pai e do Filho, por isso dizer: ‘Recebei o Espírito Santo’. A partir deste envio do Santo Espírito é que a Igreja está apta para iniciar sua missão sob a suave condução do vento do Espírito. Mas para que a Igreja é enviada? Respondemos esta nossa interrogação com as palavras mesmas de São João: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos” (v. 23). Logo, vemos que a Igreja, de per si, não salva, mas é a única depositária da salvação, visto que Jesus, na cruz, derramou o seu sangue para a remissão dos pecados, e é a Igreja quem ‘herda’ de Cristo, seu Esposo, esta missão, e é pela potência do Santo Espírito de Deus que ela realiza tal proeza. A missão da Igreja continua a missão de Jesus. Confirma-nos esta ideia São João Crisóstomo: “Assim, elevou o espírito de seus discípulos pelos fatos e pela dignidade de sua missão. E não pede, todavia, o poder do Pai, mas que de sua própria autoridade se lhes dá. Por isso segue: ‘E havendo dito isto, soprou e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo’” (In Ioannem, hom. 85).


Na Primeira Leitura, temos a narração do Pentecostes e a sua consequência na vida da Igreja nascente. Assim, pedagogicamente, dividimo-la em dois trechos: o primeiro (At 2,1-4), trata da descrição do derramamento do Espírito Santo. É a parte que nos deteremos por hora. A festa de Pentecostes, antes mesmo de fazer parte do calendário cristão, tal como a conhecemos, participava do almanaque do povo judeu: era a também chamada “festa das semanas”. Esta festividade judaica era celebrada exatamente sete semanas após a páscoa do povo de Israel. O seu intuito era o de agradecer ao Senhor pelas colheitas, bem como pela Lei dada pelo Senhor a Moisés no monte Sinai, cinquenta dias depois da libertação do Egito. Por dedução, temos: se Jesus foi crucificado na véspera da páscoa dos judeus e ressuscitou um dia após, então cinquenta dias depois da morte e ressurreição do Senhor seria a festa das semanas, o pentecostes judeu. Então, primeiramente, quando São Lucas trata de “Quando chegou o dia de Pentecostes” (v. 1), ele refere-se à festa das semanas e não à ideia posterior que a Igreja terá. Mencionando o lugar, o autor dos Atos dos Apóstolos vai frisar: “os discípulos estavam reunidos no mesmo lugar”. Que lugar seria este? O mesmo em que Jesus se reuniu com os seus discípulos para cear na véspera de sua Paixão; o mesmo em que ele apareceu algumas vezes após a sua ressurreição (inclusive no episódio do Evangelho de hoje); ou seja, o cenáculo. Em uma de suas homilias, o Papa Bento XVI assevera-nos: “Este ‘lugar’ é o Cenáculo, […] a sala que se tinha tornado, por assim dizer, a ‘sede’ da Igreja nascente (cf. At 1,13). Todavia, mais do que insistir sobre o lugar físico, os Atos dos Apóstolos tencionam acentuar a atitude interior dos discípulos: ‘Todos, unidos pelo mesmo sentimento, se entregavam assiduamente à oração’ (At 1,14). Por conseguinte, a concórdia dos discípulos é a condição para que venha o Espírito Santo; e a condição prévia da concórdia é a oração” (Homilia de 31 de maio de 2009). O Papa, ao fazer tal ponderação, nos leva a questionar acerca da nossa vivência de comunidade, sendo, portanto “um só coração e uma só alma” (At 4,32). Como estamos sentindo o Espírito Santo se tantas vezes promovemos discórdias e malquerenças na comunidade cristã por meio de nossas atitudes mesquinhas, enojadas, asquerosas? E a oração que fazemos é promotora da concórdia no seio dos meus irmãos ou, na atitude de orar, esterilizamos o Espírito Santo? Fica-nos este incômodo. Depois, ainda na primeira parte da nossa divisão pedagógica do texto da Primeira Leitura, temos: “Então, apareceram línguas como de fogo que se repartiam e pousaram sobre cada um deles. E todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava” (v. 3-4). Esta imagem remete-nos à manifestação de Deus no Sinai entre trovões, relâmpagos e fogo, tal como a festa das semanas de que falávamos anteriormente recordava. Se lá, na teofania do Sinai, o povo da Antiga Aliança não poderia chegar perto daquele fenômeno divino, no Pentecostes ‘cristão’, a teofania vem à Igreja em forma de línguas de fogo e repousa sobre a cabeça dos que aí estavam; se lá o povo temeu Deus, aqui, na narração dos Atos dos Apóstolos, os fiéis criam coragem, tornam-se ainda mais próximos de Deus porque recebem a sua força, e, a partir daí, anunciam intemerariamente, pois o Paráclito, isto é, o Divino Advogado está com eles. Agora, no segundo trecho desta perícope, vemos a consequência desta efusão do Espírito: eles falam em outras línguas, conforme a inspiração do Espírito Divino. Assim, todos os que estavam em Jerusalém, dentre os quais os estrangeiros, entendiam em língua materna o que lhes era anunciando: as maravilhas de Deus que, desde a tenra idade da Igreja era fielmente por ela proclamada. Neste sentido, a Oração de Coleta leva-nos a dizer: “Ó Deus que, pelo mistério da festa de hoje, santificais a vossa Igreja inteira, em todos os povos e nações, derramai por toda a extensão do mundo os dons do Espírito Santo, e realizai agora no coração dos fiéis as maravilhas que operastes no início da pregação do Evangelho”. Mas que maravilhas são essas? Primeiramente, levar os homens ao conhecimento do verdadeiro Deus; segundo, a reunião de todos os homens em uma fé. Essas maravilhas, por sua vez, provenientes do Doce Espírito do Senhor, vivificam, renovam a face da terra, porque o “Espírito dá vida” (2Cor 3,6).


Que constantemente invoquemos o Espírito Santo, pedindo-lhe os seus dons, para que, trilhando nas sendas do mundo, possamos, irradiados por sua luz, proclamar as maravilhas do Senhor até sermos inseridos, um dia, quando da glória da eternidade, à intimidade de Deus, de cuja antecipação o Espírito Santo já nos proporciona em vida através da comunhão com o Corpo Místico do Cristo, a Igreja.  

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