terça-feira, 29 de maio de 2012

A CONFUSÃO LÓGICA



























   
Por Roberto Cavalcanti Coutinho*

Há pouco menos de um mês, o Brasil escreveu mais uma página da sua história. Para alguns, este fato foi um passo largo rumo à evolução cultural deste país. O fato é que em meados do mês de março deste ano, atendendo as reivindicações dos membros da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu retirar todos os crucifixos das paredes dos Tribunais de Justiça do Estado. O grupo LBL considerou discriminatória a presença de um símbolo que esteve sempre, há mais de 121 anos, encravado nas paredes de muitas salas de audiência do Rio Grande do Sul. Sob o pretexto de o Estado ser laico, deu-se a decisão do Conselho.
Primeiramente, faz-se mister alguns esclarecimentos a respeito da conotação ideológica sagrada a qual atribuiu-se ao crucifixo por parte do Conselho de Magistratura e do grupo LBL. À priori, o que se sabe de concreto sobre o objeto é que ele trata-se de uma obra de arte que representa a morte por crucifixão do homem nazareno chamado Jesus, que ficou para a história da humanidade como um homem que modificou o pensar da época com os seus conhecidos sermões, não da segunda pessoa da santíssima trindade que se fez homem para conduzir a humanidade à Deus. Nenhuma coisa, pessoa ou objeto tem em sua natureza um valor ideológico absoluto, a natureza sagrada do crucifixo é de valor conotativo, ou seja, abstrato.
Toda e qualquer atribuição ideológica, abstrata ou conotativa que se dá a um objeto é relativa, geralmente realizado por pessoas segundo a crença do valor ideal que ele tem. O valor ideológico ou sentimental, ou seja, abstrato, como dito, é relativo, variando de sujeito para sujeito, por exemplo: a mesma camisa pode representar para uma pessoa apenas uma peça de vestuário de proteção para o frio, para outra um amuleto que costuma dar sorte e para uma terceira representa uma peça que dinheiro nenhum pode comprar pelo valor sentimental que ela carrega e a lembrança que ela trás da pessoa que a presenteou. Na primeira pessoa do exemplo, o sentido dado à peça de roupa foi apenas concreto e prático, na segunda e na terceira pessoa já se pôde observar a atribuição de valor conotativo.
Em suma, o significado abstrato que um objeto tenha depende diretamente da crença daquele que o observa. Para alguém atribuir a um objeto um valor sagrado ou ideológico é preciso acreditar na existência desses valores, em outras palavras, para uma pessoa conceder, ao crucifixo, uma representação divina, esta pessoa precisa crer nessa representação tal como um cristão o faria. Essa repulsa imaginária aos crucifixos transpassa os padrões da normalidade, pois diante de símbolos, que para muitos é religioso, agimos, a depender da nossa crença, com indiferença ou respeito. Indignação, alergia, repulsa ou perseguição, como bem assevera Percival Puggina em seu artigo para o jornal Zero Hora, perfura qualquer entendimento e conceito de normal.
Cabem, ainda, algumas ponderações sobre as reivindicações quanto a propriedade laica do Estado para justificar o ato. A linguagem jurídica da constituição e a sua materialidade, seu conteúdo, começam desde o 1º artigo e o poder jurisdicional acontece nas funções jurisdicionais, pouco importa qualquer que seja os adereços ou enfeites que estejam presentes no local. Sendo assim, quem já se sentiu ofendido, injustiçado ou submetido ao Canon Romano da Igreja Católica pela presença de crucifixos em salas de audiência? O mesmo acontece com a presença de crucifixos nas salas de aulas, teóricos da educação afirmam que a presença deles mostra como a educação ainda está atrelada a princípios religiosos... Onde? É como se em um simples objeto estivesse contida explicitamente, em sua linguagem não-verbal, uma complexidade de doutrinas e dogmas cristãos e que todos os alunos estariam diariamente absorvendo pelo simples fato de observá-lo.
Vale lembrar que o Conselho de Magistratura fez valer o protesto de um grupo que representa uma minoria diante da totalidade do povo brasileiro. O perambulo da constituição lembra que todo o poder emana do povo, ou seja, sendo um Estado Democrático de Direito, toda decisão deve partir do clamor do povo e não de uma minoria.
Não existe qualquer evidência que a presença de crucifixos tenha servido para o descumprimento da soberania do Direito para impor decisões religiosas de qualquer natureza. Muito pelo contrário. Destituído de qualquer conotação ideológica, O crucifixo representa a figura do injustiçado. Rui Barbosa, em seu artigo “O Justo e a Justiça Política”, ele lembra que Jesus passou por seis julgamentos, “três nas mãos dos judeus, três às dos romanos, e em nenhum teve um juiz”.   O Cristo estava lá não porque representasse uma divindade, mas sim porque representava o homem Galileu que foi vítima da maior injustiça. Pilatos mesmo sabendo da inocência do homem Galileu, lavou as mãos e deixou nas do povo a sua sentença.
Por fim, não sou ingênuo o suficiente para pensar que essa ideia de retirada do crucifixos  não poderia emanar do povo, apenas a crítica está direcionada a falta de honestidade na medida. O ponto chave está na falta de lógica, onde as pessoas não acreditam nos valores sacros que o objeto tem e mesmo assim eles os são sensíveis como se fosse algo concreto e real para elas. Essa confusão entre ideal e ontológico é característico dos tempos atuais, mas em um país onde a educação não é prioridade, e passa longe disso, a crise intelectual se assevera a níveis catastróficos.

* É acadêmico do terceiro período do curso de História na Universidade Tiradentes, em Aracaju, Sergipe. É administrador do blog www.historiografialivre.blogspot.com e, a partir desta data, colaborador do Fides Ecclesiae.

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