segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Solenidade da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria

     


  Caríssimos irmãos,

           À esteira do Santo tempo do Advento a Igreja, hoje, pausa o seu roxo que lembra a vigilância e a expectativa para a vinda do Senhor e, então, orna-se com o branco, próprio das festas e solenidades da Virgem Maria, pois celebra neste hoje a solenidade da sua imaculada concepção. Esta verdade de fé é contemplada em todos os textos ora proclamados na Santa Missa, quanto, também, aos que compõem as horas canônicas do Ofício Divino. De modo singular, impulsiona-nos, destacar, a terceira estrofe do Hino de Laudes que define o dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora: Nascemos todos manchados pela culpa original: somente tu e teu Filho sois livre de todo mal. Aqui, eis, o motivo basilar pelo qual a Igreja prorrompida de júbilo saúda a Mãe de Deus com as mesmíssimas palavras que vieram dos céus à terra e que são proclamadas no texto hodierno do evangelho segundo São Lucas: Ave, grátia plena; Dóminus tecum: benedícta tu in muliéribus (cf. Lc I, 28)
         O que é celebrar a Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria? Significa que Maria a quem veneramos “aurora da salvação” foi concebida no ventre de Santana sem a nódoa primeira do Pecado Original, conforme podemos constatar em uníssono pela cantata ou récita do Ofício: Sempre preservada, Virgem do pecado. Antes que nascida fostes Virgem santa no ventre ditoso de Ana concebida. Com esta certeza que não se trata, duma devoção popular, apenas, todavia, faz parte do cabedal do autêntico magistério da Igreja, cremos e professamos que a Mãe de Deus foi gerada às entranhas de sua mãe sem nalguma marca do pecado porque foi Maria, deveras, a Arca que não mais traria o decálogo pelo qual Israel obedeceria aos preceitos de Deus, senão em toda a sua vida, que, sendo a “primeira” de entre os redimidos, engendrou e concebeu o Deus de Israel, fecundada pela sombra do Divino Espírito Santo.
           Na oração, dita Coleta, a primeira presidencial, a Igreja expressa com exultação o mistério que carrega a perfeição cândida da Virgem nascida sem pecado: Ó Deus, que pela Imaculada Conceição da Virgem, preparastes ao vosso Filho digna morada, nós Vos suplicamos que, assim como pela previsão da morte desse mesmo Filho a preservastes de toda mancha, façais, por sua intercessão, que também nós cheguemos à vossa presença, purificados de toda culpa. Nesta eucologia, irmãos, entendemos a participação direta de Maria na economia da salvação. Imune de toda mancha, a Imaculada, se encontra presente, fio a fio, ao que Deus preparava para a descendência dos nossos primeiros pais. E é aqui que Maria nos antecederá. Da descendência de Eva, ou seja, humana, o anjo Gabriel a saúda na anunciação por Ave e, pasmemos sempre, uma saudação que muda em plenitude toda a nossa sorte.
       Um outro aspecto que podemos sublinhar à oração litúrgica é que não se pode compreender Maria sem o objetivo primordial da sua missão: Gerar Deus para o mundo que estava desgraçado. Maria Santíssima, jamais, existiu para ela, foi, sim, uma diuturna entrega  Àquele que aniquilar-se-ia para tirar o fardo do pecado. Naquele seu, Fazei o que ele vos disser, em Caná da Galileia, a Virgem de Sião, que a princípio não entende o que o anjo diz-lha, se compendia o que ela sempre guardou: foi feita serva do Senhor.
          Observemos que intrínseco à Conceição da Mãe de Deus- fato que é ab eternum- o Senhor, não obstante, pede permissão para a jovenzinha de Nazaré. Neste sentido, portanto, imaginamos como Deus chegou à história de Adan, que, sendo argila, estava aos cacos. Deus nos salvou a partir do preclaro silêncio de Maria que se verifica por sua total abertura ao Outro, consoante ao seu faça-se. Com a liberalidade que a Senhora mereceu, podemos também, perceber, o início da kènosis, do rebaixamento de Deus. E isto pode ser entendido pelas dulcíssimas palavras de São Bernardo de Claraval,  duma homilia para o Advento, condensada pelo Papa Bento XVI em A Infância de Jesus: Depois do fracasso dos primeiros pais, o mundo inteiro está às escuras sob o domínio da morte. Agora Deus procura entrar no novo mundo; bate à porta de Maria. Tem necessidade do concurso da liberdade humana: não pode redimir o homem, criado livre, sem um “sim” livre à sua vontade. Ao criar a liberdade, de certo modo, Deus se tornou dependente do homem; o seu poder está ligado ao “sim” não forçado de uma pessoa humana (cf. A Infância de Jesus, p. 37).
          A colossal abordagem do Doutor Melífero nos conduz aos primeiros capítulos do Livro do Gênesis. Toda obra do Criador recebe uma exclamação e Deus viu que era bom. Fá-los, homem e mulher, à integridade, perfeitos. Não lhes pede permissão para insuflar às narinas o Espírito que dá a ânima. Proibi-lhes que não comam do fruto da árvore, o quê, seduzidos, desobedecem e comem. Isto porque a liberdade, a inteligência e a vontade que estavam para os critérios fundamentais para o que não era pecar, são enganados pela astúcia do Diabo e, agora, absolutamente, todos, estavam entregues à mercê da eterna condenação. A liberdade, vontade e inteligência únicas, inferidas, incólumes pertencem   à Maria e é, aqui, pela decisão desta   Nova Mulher, que estava prometida em casamento a José, Deus poderia operar os devidos prodígios, dá para a humanidade envelhecida, o Novo Adão.
     De certa maneira, a misteriosa liberdade de Maria Virgem, é antevista no Protoevangelho: Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar ( cf. Gn III, 15). O que se pode pensar, responderá, de forma inédita, quase que a servir-se da ironia, enquanto figura de linguagem, o santo monge de Claraval, citado por Bento XVI: Ora, Bernardo afirma, que, no momento do pedido de Maria, o céu e a terra como que suspendem a respiração. Dirá “sim”?! Ela demora... Porventura lhe será obstáculo a sua humildade? Só por esta vez- diz-lhe Bernardo- não sejas humilde, mas magnânima! Dá-nos o teu “sim”! E, agora, corresponde com maestria, Ratzinger: Esse é o momento decisivo, em que dos seus lábios, do seu coração, surge a resposta: “Faça-se em mim segundo a tua palavra.” É o momento da obediência livre, humilde e simultaneamente magnânima, na qual se realiza a decisão sublime da liberdade humana (ibidem). Se o nome de Nossa Senhora tem por significado “a escolhida”, no ínterim da sua conceição, a liberdade que haure Deus para o homem, outrossim, é concedida a ela sem reservas e, ainda que ficasse perturbada pela saudação celestial que se curva à sua humildade, não haveria vez para outra desobediência porque encontrou graça diante de Deus. Quão inaudito é tamanha contemplação: Ao passo que o Senhor se inclina para Maria, esta, faz-se serva e por sua vez, dá seu consentimento a Deus e é entre o Alegra-te, Cheia de Graça e o faça-se em mim conforme a sua palavra que Deus é o Emanuel; para que ouvíssemos hoje a salvação entrou em tua casa.
      Maria Santíssima possibilitou ali, conforme reza-se na tradição dos Santos Padres entre o poço e a sua casa dá início à nova história antes prenunciada: Uma virgem conceberá e dará a luz (cf. Is, VII, 1) a nova história, pois, que não se limita à anunciação e aos demais eventos, todavia, celebrando nos augustos mistérios pelos méritos de Cristo, a sua imaculada conceição, fica clarividente o que a Igreja, pela pena de São Paulo, na epístola, faz-nos escutar: Em Cristo, ele nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob seu olhar, no amor. Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por intermédio de Jesus Cristo, conforme a decisão de sua vontade(...) (cf. Ef I, 5-6).
          A solenidade da Imaculada vista pela proclamação paulina desse hino cristológico, concentra a principal razão de o porquê venerá-la, reconhecê-la e proclamá-la a todas as gerações, Santíssima: porque foi, Maria, o ponto inicial para que o Onipotente se comiserasse e, a preservando, “recapitulasse” a  nova e mais perfeita estirpe, selada pelo Seu Filho, na aliança do seu sangue, cujo testamento, pode ser aplicado ao que diz São João no evangelho: Pois amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único (...) pois Deus não enviou o Filho ao mundo para julgar, mas para que o mundo seja salvo por ele( cf. Jo III, 16-17).
     Essa missão de Jesus para nos salvar que é livre e obediência ao Pai-Deus, no-lo chegou pela Mater Misericordiae que sendo consagrada desde antes de todas as coisas permitiu que fazendo Nela grandes coisas, também, nós, por sua maternal intercessão cheguemos à estatura de Cristo, sejamos imaculados. A Vós, Senhora Santíssima, recorremos, não nos abandoneis, mas nos segure em vossas mãos maternais para gozarmos daquela glória para a qual fostes predestinada imaculada e concebesse o Verbo de Deus.


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1-Bíblia de Jerusalém;
2- Missal Quotidano; D. Beda Keckeisen O.S.B, 1958- Oração de Coleta na forma extraordinária do Rito Romano
3- Missa Quotidiano; Paulus, 1995- Extratos da segunda leitura
4- Liturgia das Horas; Paulus, 1994- vol. I- Tempo do Advento
5- A Infância de Jesus; Planeta; Editora Planeta- Joseph Ratzinger (Bento XVI)


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