Pelo Seminarista Ian Farias
Caros irmãos,
Saudação e paz no Senhor!
1. Posicionamento dos católicos
Sobre a ideologia de gênero muito terá a se falar durante o percurso da história e dos aspectos
biológicos. Mas confesso estar assustado com a reação de determinados grupos “católicos” com relação
aos posicionamentos dos Bispos e da Igreja mediante tais questões.
Satanás está de fato a regozijar-se com as confabulações daqueles que cerceiam ardilosamente em sua
mente formas de promover a desconstrução do seio familiar e da dignidade humana. Eu não imaginava,
mas vi ditos “católicos” que se debruçam sobre a sua fé em um domingo e durante a semana estão a
maquinar perfidamente com as engenhosidades do pai da mentira e senhor da enganação. Com católicos
assim, de fato, a Igreja não necessita inimigos. Recordo a estes o que dissera Santo Agostinho em sua
obra Confissões:
“Sim, fui expulso da tua presença. Tu és a verdade que a tudo preside, e eu, na minha avidez, não
queria perder-te, mas possuir a ti e ao mesmo tempo a falsidade. Pois, ninguém quer mentir tanto, a
ponto de ele mesmo ignorar a verdade. E assim te perdi, porque tu não aceitas ser possuído
juntamente com a mentira” (X Livro, 66).
Cuidado, meus irmãos, com a hipocrisia intelectual! Quem quer sentar na cátedra da verdade para julgar,
mas desconhece a causa e as consequências do que julga, será julgado pela própria causa que pretendeu
julgar.
2. A manipulação da liberdade como argumento insustentável
Mas para irmos ao centro do problema vamos além da colocação religiosa sobre família. Desejaria partir
do próprio ponto biológico e genético para contrapor os insatisfeitos com o seu sexo, sejam eles
masculinos ou femininos, perpassando as raízes filosóficas. Sim, porque pessoas que defendem tão
calorosamente uma ideologia que incide diretamente nos valores e no destino da humanidade fazem-no
antes de tudo por uma frustração para com a própria condição genética que é dada por Deus como dom a
ser custodiado.
A citada ideologia fere gravemente a natureza do próprio princípio natural e da ordem que sustenta
desde sempre a obra da criação e que, por uma sede ardilosa de manipulação e insatisfação pessoal e
ideológica, deseja investir contra a atual estrutura social. Se nós, de fato, conhecêssemos a fundo o
projeto a que refiro-me não hesitaríamos uma vez sequer em recusar a possibilidade da sua votação.
Como muitos dos nossos líderes políticos parecem não haver nenhum compromisso com a família,
permitem que leis como essas sejam facilmente aprovadas. O que, por hora, parece-me – graças a Deus
– não estar acontecendo, uma vez que pouquíssimas serão as cidades pelas quais deverá passa-lo.
Em primeira instância devemos reafirmar a soberania da natureza sobre as concepções subjetivas que se
propõem a desencadear um atrito contra a própria condição biológica do homem. Não depende em
hipótese alguma do ser humano que ele nasça masculino ou feminino, mas é sim uma realidade natural
inalterável. Propor uma faculdade de escolha, seja no âmbito masculino ou feminino, é perpetrar um
ataque à própria natureza e evidenciar a crise existencial que não reconhece limites éticos e morais.
Querer alterar o ciclo natural do desenvolvimento humano é interferir no processo natural e submeter a
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humanidade num processo de desconstrução. Aqui não está em jogo apenas uma questão social, mas
sobretudo o reconhecimento das suas necessidades básicas e fundamentais.
O sexo não é mais visto como dado originário da natureza o qual o homem aceita-o e preenche
significativamente. Antes, é manipulado e reduzido a um dado social arbitrário. Uma leitura coerente do
livre arbítrio pode levar o homem a satisfazer os seus questionamentos sobre a liberdade e os seus
limites; como também uma leitura errônea e alterada da mesma liberdade pode tornar-se para o homem
uma máquina de morte, e este – como suicida – não se deixa imunizar pelo conhecimento e pela
prudência, mas abarca em si apenas vontades desregradas, sinônimo de libertinagem.
Em sua última encíclica Laudato si’, o Papa Francisco voltou a mencionar a incoerência causada pelo
pensamento relativista, que norteia em grande parte os anseios do homem pós-moderno. Citando o Papa
Bento XVI, o Pontífice recordar-nos-á as chagas que ferem o ambiente e a própria natureza humana:
“todas elas se ficam a dever ao mesmo mal, isto é, à ideia de que não existem verdades indiscutíveis a
guiar a nossa vida, pelo que a liberdade humana não tem limites. Esquece-se que ‘o homem não é
apenas uma liberdade que se cria por si própria. O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e
vontade, mas é também natureza’ (Bento XVI, Discurso ao Bundestag, 2011)” (Laudato si’, nº 6).
3. A interpelação da consciência e as respostas filosóficas
Sobre os ataques a vida e a família uma leitura mais afincada do dramático cenário hodierno nos fará
convergir para algumas décadas precedentes, quando Simone de Beauvoir afirmou: “Não se nasce
mulher; fazem-na mulher – t pas femme, on le devient”. É de forma sorrateira que esta mentalidade foi
se dispersando nos grupos sociais e moldando-se de forma a nos convencer que o homem não é fruto da
ação natural, mas de suas escolhas. Isto já o víamos nas conclusões marxistas e gramscianas que para
destruir a família estavam dispostas a todas as consequências. Parece-nos cada vez mais elucidar-se o
epiteto lapidar de Rousseau: “O homem nasce bom, a sociedade o corrompe”.
Santo Tomás de Aquino, falando sobre as verdades da razão natural e as verdades da fé cristã, atesta:
“Se é verdade que a verdade da fé cristã ultrapassa as capacidades da razão humana, nem por isso os
princípios inatos naturalmente à razão podem estar em contradição com esta verdade sobrenatural. É um
fato que esses princípios naturalmente inatos à razão humana são absolutamente verdadeiros; são tão
verdadeiros que chega a ser impossível pensar que possam ser falsos” (Suma Contra os Gentios, cap.
VII).
Não é, pois, um respaldo filosófico este que aqui lemos? Pode o homem subsistir contra a verdade? Para
Tomás a verdade inata ao homem lhe é tão íntima, tão particular e peculiar que nada ou ninguém pode
invadir a sua consciência para força-lo uma mudança de concepção. Aferrar a consciência do homem é
privar-lhe do seu aspecto mais nobre e força-lo a pensar como mais um na massa midiática.
Se é bem verdade, meus amigos, que a verdade é imutável perante a Sabedoria divina, é evidente que ela
perante o conhecimento não muda, mas tornar-se mutável a percepção de assimilação das ideias (a
verdade particular, que diverge da verdade relativa). Ora, tendo isto ante os olhos e debruçados na
sabedoria tomista vemos que para além de uma verdade particular, a verdade universal nos limita e nos
situa diante das possibilidades de ações. Como podemos transgredir esse sentido mais profundo e real
do homem que está inerente a sua condição? Transgredir a voz cônscia do homem é estimular-lhe ao
pecado e a uma vida desregrada, ínfima, pífia.
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Com quanto, nos recordara o Sagrado Concílio Vaticano II: “no profundo de sua consciência o homem
descobre uma lei que ele não deu a si mesmo, mas à qual deve obedecer e cuja voz ressoa, quando
necessário, nos ouvidos de seu coração, chamando-lhe sempre a amar e a fazer o bem e a evitar o mal:
faz isto, evita aquilo. Porque o ser humano tem uma lei inscrita por Deus em seu coração, em cuja
obediência está a dignidade humana e pela qual será julgado. A consciência é o núcleo mais secreto
e o sacrário do ser humano, no qual está a sós com Deus, cuja voz ressoa no mais íntimo dela”
(Gaudium et spes, n. 16). É um pecado tentarmos mudar esta realidade!
Mas para não alongar-me demasiado – ainda mais do que já o fiz – procurarei retratar brevemente um
último aspecto a ser encontrado na filosofia tomista e que vemos claramente transgredido durante os
conflitos adjacentes a nossa cultura. A quarta via da prova da existência de Deus, Tomás a define como
A via da perfeição. Nela recordar-nos-á que todas as coisas serão perfeitas se convergirem corretamente
para a finalidade com a qual foram criadas. Existe em toda a obra da criação divina um grau de
perfeição, este grau foi delimitado por um Ser perfeito que é causa de todas essas outras perfeições, este
Ser é Deus. Se Deus é a causa de toda a perfeição não poderia Ele também fincar no homem um desejo
de escolha que não lhe fosse ontológico, isto é, não poderia o homem decidir-se ser masculino ou
feminino de forma natural? Contudo não lhes basta a ordem divina, agora pretensamente se veem no
direito arrogante de desorganizarem toda a ordem natural.
4. Posicionamento diante da psicologia
Ainda que o homem pretenda interferir no plano de Deus este não se submeterá a vontades “mimadas”.
Se o governo acha que chamar um menino de menina e estimula-lo a este exercício produzirá um
resultado fidedigno ao seu querer, está profundamente enganado. Nós não estamos domando cães com o
método de condicionamento de Pavlov. Estamos tratando de seres humanos. Homens e mulheres que
possuem dignidade e direitos inalienáveis.
Mesmo que o método de Pavlov oferecesse uma contribuição primeira na (perdoem-me a força da
palavra) “domesticação” de seres humanos, depois de condicionados o que se faria? Um bom estudante
de psicologia sabe que o método pavloviano era repetido constantemente e transcorrido algum tempo
passou a observar que outros condicionamentos começaram a manifestar-se nos cachorros além da
salivação. Quais os outros condicionamentos que veremos surgir nas gerações futuras? Como
poderíamos responder aos anseios destes jovens que sem dúvida terão uma vida revoltada? Como
poderíamos responder aos anseios de uma sociedade que não sabe mais limitar homens e mulheres?
Como poderíamos conter a catastrófica devastação humana e social que será causada?
5. Conclusão
Peçamos, enfim, ao Senhor da vida que nos conceda a graça da verdadeira liberdade. Faço votos que a
nossa fé não se restrinja a nós, mas nos leve em primeiro lugar a presença de Cristo e, posteriormente,
ao encontro com o outro e ao reconhecimento da sua dignidade. Como ressaltei na mensagem que dirigi
por ocasião do encerramento do ano da fé: “se a fé torna-se sinônimo de isolamento não subsiste porque
se torna discrepante com o Evangelho e com o modelo de Igreja que nos foi transmitido na vicissitude
dos séculos. É necessário que aprendamos a ser individuais sem sermos individualistas” (A crise de fé
na existência do homem contemporâneo, 09 dez. 2013).
Jequié, 19 de junho de 2015
Ian Farias de Carvalho
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