(Ano
B – 12 de junho de 2015)
I Leitura: Os 11,11.3-4.8c-9
Salmo Responsorial: Is 12,2-3.4bcd.5-6
(R/.3)
II Leitura: Ef 3,8-12.14-19
Evangelho: Jo 19,31-37
*Por Marcus Tullius
Após as alegrias pascais, caminhando com
o Ressuscitado e haurindo d’Ele as forças necessárias para continuar a Sua
missão, a Igreja convida os cristãos a celebrarem uma sequência de três festas
dentro das chamadas “Solenidades do Senhor no Tempo Comum”. Estas não possuem
data fixa, mas, pela sua natureza, são celebradas no decurso do per annum. As que aqui nos referimos são
a Santíssima Trindade, Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo e Sagrado Coração de
Jesus, pois acontecem num curto ínterim após a Solenidade de Pentecostes.
Deter-nos-emos à última delas, ressaltando que este conjunto ainda se compõe da
Transfiguração do Senhor e da Solenidade de Cristo Rei do Universo.
Situando-nos historicamente, o culto
litúrgico ao Coração de Jesus se origina no século XVII com São João Eudes, no
mesmo período em que Nosso Senhor Se revela à visitandina Santa Margarida Maria
Alacoque, depositando-lhe as Doze Promessas, largamente difundidas
posteriormente mesmo em meio às inúmeras resistências encontradas ad intra et ad extra ecclesiam. Contudo,
parece-nos que isto tenha sido de grande importância para que a devoção
encontrasse terreno fértil no coração dos fieis para arraigar as salutares
sementes oriundas do próprio Coração de Jesus.
Falar do coração incita-nos a falar de
amor. A falar do Amor, por excelência. O homem, no mais profundo do seu ser,
anseia amar e ser amado, procura em toda a sua trajetória terrestre,
multiformes manifestações do amor, encontrando – e nem sempre buscando – a sua
forma plena no Coração do Verbo Encarnado. Os textos proclamados na liturgia do
corrente ano convidam-nos a proclamar este Amor, o amor de Deus, cujo “coração
comove-se no íntimo e arde de compaixão” (cf. Os 11, 8c) e a volver o olhar
para o Cristo, transpassado na Cruz, verdadeiro Cordeiro Pascal, de cujo
coração sai sangue e água, símbolo dos dons da salvação. (cf. Jo 19,34)
Amor, vivido em sua vertente agápica, exige uma profunda
espiritualidade e uma relação de intimidade com Deus, o Amado, o eterno
oferente. Mais do que um sentimento, o amor se configura como virtude, ou seja,
algo bom que vai sendo repetido e praticado com mais perfeição em nossa vida.
Assim, quanto mais nós amamos, melhor o amor vai tornando realidade em nossa
vida. O amor, do latim caritas, impulsiona a nossa Fé, faz com
que ela tenha razões para existir em nosso coração e corresponda ao plano de
Deus. A propósito, para se falar do amor de Deus, é impossível não citar a
primeira encíclica do Papa Bento XVI, Deus
Caritas est, que já em suas primeiras linhas, norteia-nos na vivência deste
amor e sua intrínseca relação com a fé. “Nós cremos no amor de Deus — deste modo pode o cristão exprimir a opção fundamental da
sua vida. Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande
ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um
novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo. No seu Evangelho, João tinha
expressado este acontecimento com as palavras seguintes: ‘Deus amou de tal modo
o mundo que lhe deu o seu Filho único para que todo o que n'Ele crer (...)
tenha a vida eterna’ (3, 16). Com a centralidade do amor, a fé cristã acolheu o
núcleo da fé de Israel e, ao mesmo tempo, deu a este núcleo uma nova
profundidade e amplitude.” (cf. Deus Caristas Est, 1).
O dom da fé e da graça eleva o homem ao
estado sobrenatural, somos filhos de Deus (cf. 1Jo 3,1). Quando manifestamos o
amor através dos nossos atos e da mais profunda oração, fazemos jus a este nome
que recebemos: filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança. Neste estado
podemos dizer com São Paulo “Já não sou eu que vivo, é
Cristo que vive em mim” (cf. Gl 2,20). Para ser todo de Jesus é preciso que o amor
transborde profundamente.
Amor à Palavra: Verbo pronunciado pela boca de Deus, gerado em suas entranhas e soprado
pelo Espírito aos corações dos que creem, “porque em dar-nos, como nos deu, seu
filho, que é sua Palavra única (e outra não há), tudo nos falou de uma só vez
nessa única Palavra, e nada mais tem a falar, (...) pois o que antes falava por
partes aos profetas, agora nos revelou inteiramente, dando-nos o Tudo que é seu
Filho. Se atualmente, portanto, alguém quisesse interrogar a Deus, pedindo-lhe
alguma visão ou revelação, não só cairia numa insensatez, mas ofenderia muito a Deus por não
dirigir os olhares unicamente para Cristo sem querer outra coisa ou novidade
alguma.” (Cf. São João da Cruz, Subida del Monte Carmelo, 22,2).
Amor à Eucaristia: memorial sacrifical do Cordeiro, fonte de eterna Salvação. “Se o mundo antigo tinha sonhado que, no fundo, o verdadeiro
alimento do homem — aquilo de que este vive enquanto homem — era o Logos, a sabedoria
eterna, agora este Logos tornou-Se verdadeiramente alimento
para nós — como amor. A Eucaristia arrasta-nos no ato oblativo de Jesus. Não é
só de modo estático que recebemos o Logos encarnado, mas ficamos envolvidos na
dinâmica da sua doação.” (cf. Deus
Caritas est, 13).
Amor à Igreja: Mãe e Mestra, família de Deus, casa de irmãos, que possui um coração, como
reconheceu Santa Teresinha do Menino Jesus, “e que este coração arde de amor.
Compreendi que só o amor faz os membros da Igreja agirem, que se o Amor viesse
a se apagar, os Apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os Mártires se
recusariam a derramar seu sangue... compreendi que o Amor encerra todas as
vocações, que o Amor é tudo, que ele abraça todos os tempos e todos os
lugares... em uma palavra, o Amor é eterno!” (cf. Santa Teresinha do Menino
Jesus, Ms. Autob. B 3v).
Amor aos irmãos: a síntese dos sete últimos mandamentos do Décalogo atualizados por Jesus na
Ceia derradeira, seja pelo mandamento do Amor enunciado de seus lábios ou pelo
exemplo dado aos seus, abaixando-se e lavando-lhes os pés. Ao amá-los ad finem, “Jesus fez da caridade o novo mandamento” (cf. Santa Teresa de Jesus,
Excl., 15,3) O espelho desse amor aos irmãos é a comunidade perfeita, a
Trindade Santa. Não só espelho, mas é o porto seguro no qual ancoramos nossas
vidas, pois afirma o Catecismo da Igreja Católica que “o amor ao próximo é
inseparável do amor a Deus.” (cf. 1878).
Falar do coração também incita-nos a falar de
discipulado. Para os dias de hoje é oportuno retomarmos esta palavra e nos
perguntarmos: “o que é ser discípulo?” A palavra latina discipulus diz-nos de aluno, aprendiz. De Quem aprende o discípulo?
Do Mestre. Sim, o Mestre Jesus: Aquele que está sempre a ensinar. Esta relação
de aprendizado gera intimidade para os discípulos-missionários do
Coração de Jesus com o próprio Coração de Jesus e com os irmãos. Quando temos
intimidade com uma pessoa, queremos que ela esteja sempre ao nosso lado,
partilhe da nossa vida, vibre com as nossas alegrias e nos fortaleça nas
tristezas. O apóstolo do Coração de Jesus tem que desvendar cada mistério do
seu Mestre, não pode ter reservas com Ele e deve desejar ardentemente estar sentado
à mesa com Ele. A pessoa que nos é íntima tem lugar à nossa mesa, caminha
conosco e se configura como companheiro da caminhada, come do mesmo pão
conosco. “Aprendei de mim que sou manso e humilde de Coração.” (cf. Mt 11, 29) A Escola do Coração de Jesus possui as portas abertas.
Esta é a escola que não tem idade, em que todo dia é dia de aprender sempre
mais. Jesus é o Mestre que nunca se cansa de ensinar e nós somos os
discípulos/amigos que sempre temos a aprender. Assim conhecemos o amor
apaixonado de Deus por nós e nos apaixonamos por Ele. “De seu Coração aberto
jorrou para nós a água da vida
e o sangue da Eucaristia, não para nossa tristeza, mas para alegria nossa.”
É
preciso ouvir a voz do Coração de Jesus para ser um bom discípulo dEle. A experiência
com a sua Palavra, proclamada pela Igreja dia a dia, é o meio para a realização
daquele que deseja segui-Lo incondicionalmente. É isso o que Paulo expressa na
segunda leitura proposta pela Liturgia: “tereis assim a capacidade de
compreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura, a
profundidade, e de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo conhecimento,
a fim de que sejais cumulados até receber toda a plenitude de Deus.” (cf. Ef
3,18-19).
Por fim, proclamemos com a Igreja o amor de Deus que
se manifestou plenamente em Cristo e bendigamos, como no prefácio da
solenidade: “Elevado na Cruz, entregou-se por nós com imenso amor. E de seu
lado aberto pela lança fez jorrar, com a água e o sangue os sacramentos da
Igreja para que todos, atraídos ao seu Coração, pudessem beber, com perene
alegria, na fonte salvadora.” Acorramos ao Seu encontro! Afinemos o compasso de
nosso coração no compasso do Coração de Jesus!
Coração
de Jesus, fornalha ardente de Caridade, tende piedade de nós!
Nenhum comentário:
Postar um comentário