domingo, 7 de junho de 2015

SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

(Ano B – 12 de junho de 2015)

I Leitura: Os 11,11.3-4.8c-9
Salmo Responsorial: Is 12,2-3.4bcd.5-6 (R/.3)
II Leitura: Ef 3,8-12.14-19
Evangelho: Jo 19,31-37

*Por Marcus Tullius

Após as alegrias pascais, caminhando com o Ressuscitado e haurindo d’Ele as forças necessárias para continuar a Sua missão, a Igreja convida os cristãos a celebrarem uma sequência de três festas dentro das chamadas “Solenidades do Senhor no Tempo Comum”. Estas não possuem data fixa, mas, pela sua natureza, são celebradas no decurso do per annum. As que aqui nos referimos são a Santíssima Trindade, Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo e Sagrado Coração de Jesus, pois acontecem num curto ínterim após a Solenidade de Pentecostes. Deter-nos-emos à última delas, ressaltando que este conjunto ainda se compõe da Transfiguração do Senhor e da Solenidade de Cristo Rei do Universo.
Situando-nos historicamente, o culto litúrgico ao Coração de Jesus se origina no século XVII com São João Eudes, no mesmo período em que Nosso Senhor Se revela à visitandina Santa Margarida Maria Alacoque, depositando-lhe as Doze Promessas, largamente difundidas posteriormente mesmo em meio às inúmeras resistências encontradas ad intra et ad extra ecclesiam. Contudo, parece-nos que isto tenha sido de grande importância para que a devoção encontrasse terreno fértil no coração dos fieis para arraigar as salutares sementes oriundas do próprio Coração de Jesus.
Falar do coração incita-nos a falar de amor. A falar do Amor, por excelência. O homem, no mais profundo do seu ser, anseia amar e ser amado, procura em toda a sua trajetória terrestre, multiformes manifestações do amor, encontrando – e nem sempre buscando – a sua forma plena no Coração do Verbo Encarnado. Os textos proclamados na liturgia do corrente ano convidam-nos a proclamar este Amor, o amor de Deus, cujo “coração comove-se no íntimo e arde de compaixão” (cf. Os 11, 8c) e a volver o olhar para o Cristo, transpassado na Cruz, verdadeiro Cordeiro Pascal, de cujo coração sai sangue e água, símbolo dos dons da salvação. (cf. Jo 19,34)
Amor, vivido em sua vertente agápica, exige uma profunda espiritualidade e uma relação de intimidade com Deus, o Amado, o eterno oferente. Mais do que um sentimento, o amor se configura como virtude, ou seja, algo bom que vai sendo repetido e praticado com mais perfeição em nossa vida. Assim, quanto mais nós amamos, melhor o amor vai tornando realidade em nossa vida. O amor, do latim caritas, impulsiona a nossa Fé, faz com que ela tenha razões para existir em nosso coração e corresponda ao plano de Deus. A propósito, para se falar do amor de Deus, é impossível não citar a primeira encíclica do Papa Bento XVI, Deus Caritas est, que já em suas primeiras linhas, norteia-nos na vivência deste amor e sua intrínseca relação com a fé. “Nós cremos no amor de Deus — deste modo pode o cristão exprimir a opção fundamental da sua vida. Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo. No seu Evangelho, João tinha expressado este acontecimento com as palavras seguintes: ‘Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único para que todo o que n'Ele crer (...) tenha a vida eterna’ (3, 16). Com a centralidade do amor, a fé cristã acolheu o núcleo da fé de Israel e, ao mesmo tempo, deu a este núcleo uma nova profundidade e amplitude.” (cf. Deus Caristas Est, 1).
O dom da fé e da graça eleva o homem ao estado sobrenatural, somos filhos de Deus (cf. 1Jo 3,1). Quando manifestamos o amor através dos nossos atos e da mais profunda oração, fazemos jus a este nome que recebemos: filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança. Neste estado podemos dizer com São Paulo “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (cf. Gl 2,20). Para ser todo de Jesus é preciso que o amor transborde profundamente.
Amor à Palavra: Verbo pronunciado pela boca de Deus, gerado em suas entranhas e soprado pelo Espírito aos corações dos que creem, “porque em dar-nos, como nos deu, seu filho, que é sua Palavra única (e outra não há), tudo nos falou de uma só vez nessa única Palavra, e nada mais tem a falar, (...) pois o que antes falava por partes aos profetas, agora nos revelou inteiramente, dando-nos o Tudo que é seu Filho. Se atualmente, portanto, alguém quisesse interrogar a Deus, pedindo-lhe alguma visão ou revelação, não só cairia numa insensatez, mas ofenderia muito a Deus por não dirigir os olhares unicamente para Cristo sem querer outra coisa ou novidade alguma.” (Cf. São João da Cruz, Subida del Monte Carmelo, 22,2).
Amor à Eucaristia: memorial sacrifical do Cordeiro, fonte de eterna Salvação. “Se o mundo antigo tinha sonhado que, no fundo, o verdadeiro alimento do homem — aquilo de que este vive enquanto homem — era o Logos, a sabedoria eterna, agora este Logos tornou-Se verdadeiramente alimento para nós — como amor. A Eucaristia arrasta-nos no ato oblativo de Jesus. Não é só de modo estático que recebemos o Logos encarnado, mas ficamos envolvidos na dinâmica da sua doação.” (cf. Deus Caritas est, 13).
Amor à Igreja: Mãe e Mestra, família de Deus, casa de irmãos, que possui um coração, como reconheceu Santa Teresinha do Menino Jesus, “e que este coração arde de amor. Compreendi que só o amor faz os membros da Igreja agirem, que se o Amor viesse a se apagar, os Apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os Mártires se recusariam a derramar seu sangue... compreendi que o Amor encerra todas as vocações, que o Amor é tudo, que ele abraça todos os tempos e todos os lugares... em uma palavra, o Amor é eterno!” (cf. Santa Teresinha do Menino Jesus, Ms. Autob. B 3v).
Amor aos irmãos: a síntese dos sete últimos mandamentos do Décalogo atualizados por Jesus na Ceia derradeira, seja pelo mandamento do Amor enunciado de seus lábios ou pelo exemplo dado aos seus, abaixando-se e lavando-lhes os pés. Ao amá-los ad finem, “Jesus fez da caridade o novo mandamento” (cf. Santa Teresa de Jesus, Excl., 15,3) O espelho desse amor aos irmãos é a comunidade perfeita, a Trindade Santa. Não só espelho, mas é o porto seguro no qual ancoramos nossas vidas, pois afirma o Catecismo da Igreja Católica que “o amor ao próximo é inseparável do amor a Deus.” (cf. 1878).
Falar do coração também incita-nos a falar de discipulado. Para os dias de hoje é oportuno retomarmos esta palavra e nos perguntarmos: “o que é ser discípulo?” A palavra latina discipulus diz-nos de aluno, aprendiz. De Quem aprende o discípulo? Do Mestre. Sim, o Mestre Jesus: Aquele que está sempre a ensinar. Esta relação de aprendizado gera intimidade para os discípulos-missionários do Coração de Jesus com o próprio Coração de Jesus e com os irmãos. Quando temos intimidade com uma pessoa, queremos que ela esteja sempre ao nosso lado, partilhe da nossa vida, vibre com as nossas alegrias e nos fortaleça nas tristezas. O apóstolo do Coração de Jesus tem que desvendar cada mistério do seu Mestre, não pode ter reservas com Ele e deve desejar ardentemente estar sentado à mesa com Ele. A pessoa que nos é íntima tem lugar à nossa mesa, caminha conosco e se configura como companheiro da caminhada, come do mesmo pão conosco. “Aprendei de mim que sou manso e humilde de Coração.(cf. Mt 11, 29) A Escola do Coração de Jesus possui as portas abertas. Esta é a escola que não tem idade, em que todo dia é dia de aprender sempre mais. Jesus é o Mestre que nunca se cansa de ensinar e nós somos os discípulos/amigos que sempre temos a aprender. Assim conhecemos o amor apaixonado de Deus por nós e nos apaixonamos por Ele. “De seu Coração aberto jorrou para nós a água da vida e o sangue da Eucaristia, não para nossa tristeza, mas para alegria nossa.” É preciso ouvir a voz do Coração de Jesus para ser um bom discípulo dEle. A experiência com a sua Palavra, proclamada pela Igreja dia a dia, é o meio para a realização daquele que deseja segui-Lo incondicionalmente. É isso o que Paulo expressa na segunda leitura proposta pela Liturgia: “tereis assim a capacidade de compreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura, a profundidade, e de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo conhecimento, a fim de que sejais cumulados até receber toda a plenitude de Deus.” (cf. Ef 3,18-19).
Por fim, proclamemos com a Igreja o amor de Deus que se manifestou plenamente em Cristo e bendigamos, como no prefácio da solenidade: “Elevado na Cruz, entregou-se por nós com imenso amor. E de seu lado aberto pela lança fez jorrar, com a água e o sangue os sacramentos da Igreja para que todos, atraídos ao seu Coração, pudessem beber, com perene alegria, na fonte salvadora.” Acorramos ao Seu encontro! Afinemos o compasso de nosso coração no compasso do Coração de Jesus!

Coração de Jesus, fornalha ardente de Caridade, tende piedade de nós!


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