(Ez
2,2-5; Sl 122; 2Cor 12,7-10; Mc 6,1-6)
O encontro com a Palavra de Deus proclamada pela Igreja neste 14º Domingo do Tempo Comum ilumina o mundo com a vocação profética de todos os batizados. Num tempo em que vozes se elevam com tons de profecia e, muitas vezes, ludibriam as pessoas com essa prerrogativa, somos orientados pelas leituras que nos apresentam sinais claros para o reconhecimento dos verdadeiros profetas.
Primeiramente, cabe-nos a
seguinte pergunta: quem é o profeta? Ou melhor, quem são os profetas? Podemos
começar a respondê-la por aquilo que não se entende pelos profetas: não são
pessoas extintas do passado, nem são encarregados de fazer milagres ou prever o
futuro. O Catecismo da Igreja Católica nos ajuda a compreender muito bem o
papel dos profetas e a sua missão na economia da salvação, especialmente para o
povo de Israel, “povo sacerdotal e Deus” (cf. Ex 19,6). A profecia,
principalmente no Antigo Testamento, pode ser compreendida através da Aliança
que Deus faz com a humanidade: “Por meio dos profetas, Deus forma o seu povo na
esperança da salvação, na expectativa de uma Aliança nova e eterna destinada a
todos os homens, e que será impressa nos corações. Os profetas anunciam uma
redenção radical do Povo de Deus, a purificação de todas as suas infidelidades,
uma salvação que incluirá todas as nações. Serão sobretudo os pobres e os
humilhados os portadores desta esperança.” (CIC, 64) Deus espera que os profetas
sejam a sua voz para o mundo e isso prescinde uma dimensão da escuta. É preciso
que a mensagem de Deus penetre até o íntimo de seu coração e lhe provoque o
desejo de anunciá-la.
A primeira leitura relata
a missão do profeta Ezequiel. O encargo confiado por Deus é de ir ao encontro
dos israelitas e recordar-lhes de que não estão sozinhos, de que o Senhor não
os abandonou. Mesmo sendo “uma nação de rebeldes” (v. 3) e tendo se afastado
dEle, o Senhor não desiste. Deus não desiste da humanidade! Essa é a lógica que
Ele usa para manifestar o seu amor, provar a sua bondade e o seu cuidado para
conosco. É interessante perceber que a profecia não nasce de um desejo ou
interesse individual, ou seja, o profeta não está a serviço de suas vaidades,
não fala em nome próprio. Ao contrário, a iniciativa é sempre de Deus. É Deus
quem chama (v. 3) e dá as condições para perseguir o caminho.
A vocação de profeta,
comum a todos os cristãos, não é uma vocação fácil, pois nem sempre os homens
querem ouvi-lo. Este é um aspecto comum da profecia de Ezequiel (v. 5) e as
palavras de Jesus no Evangelho. A missão é ser voz no meio do povo, voz esta
que às vezes não é ouvida ou sequer notada. Contudo, o profeta não deve se
esmorecer diante dos desafios. Esta dimensão nos faz lembrar o dito popular de
que “santo de casa não faz milagre.” Esta é a expressão de Jesus ao dizer que
“um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”
(v. 4), certamente um dos versículos mais repetidos e mais conhecidos do
Evangelho narrado pela liturgia hodierna.
A experiência de Cristo
narrada por Marcos no Evangelho (cf 6,1-6) nos ajuda a compreender bem a
dimensão do profeta. Ele retorna a Nazaré, sua terra, e entra na sinagoga (v.
1) causando espanto, admiração e escândalo naqueles que estão presentes. Este Jesus não podia ser o Messias esperado. Quem, então,
eles esperavam? Certamente estavam à espera de alguém grandioso, um guerreiro
como Davi, um sábio como Salomão. Ou, mesmo que não tivessem a envergadura
destes, uma pessoa desconhecida. O profeta esperado não poderia ser um humilde
carpinteiro. Eles o conheciam muito bem: o carpinteiro, filho de Maria, não
poderia ser o enviado de Deus. Todas as categorias humanas na narrativa (v. 3)
expressam a rejeição àquilo que se revela em Jesus, pois não querem mudar de
procedimento não querem mudar de vida. O profeta não trabalha com a brandura de
palavra, ele diz aquilo que o povo precisa ouvir. A palavra de Jesus
escandaliza, pois não se coaduna com interesses políticos, está sempre a favor
da vida, interpela à mudança, à conversão. Mesmo com a incompreensão do povo, o
profeta é sempre o homem da comunhão com Deus, é alguém que permanece fiel à mensagem
do Pai, atento às realidades do próximo. Aqui compreendemos bem a mensagem de
João no prólogo de seu Evangelho: “ela veio para os que eram seus, mais os seus
não a receberam.” (cf. Jo 1,11).
Na segunda
leitura, somos motivados pelo testemunho de Paulo e o seu valioso contributo
para os cristãos na superação das dificuldades encontradas em seu apostolado.
Fraqueza, incapacidade, injúrias, necessidades, perseguições, angústias, tudo
isso desaparece quando somos amparados pela graça de Deus. Paulo assegura aos
cristãos de Corinto, que Deus atua e manifesta seu poder no mundo através de
instrumentos fracos e limitados. Na situação em que ele se encontra, Deus o faz
perceber que é “na fraqueza que a força se manifesta” (v. 9) Todos nós, ainda
hoje, temos tantos espinhos a nos espetar a carne para nos lembrar que “onde
abundou o pecado, superabundou a graça.” (cf. Rm 5,20). Somente a partir de um
encontro profundo, pessoal e verdadeiro com Jesus Cristo somos capazes de
perceber a sua ação na nossa vida e na nossa história. Ele é o rosto do Pai a
nos comunicar a generosidade de seu amor.
Por fim, a
liturgia deste domingo nos convida, através do exemplo de Ezequiel, Jesus e
Paulo, a não desanimarmos diante das dificuldades encontradas na missão. É
certo que nem tudo são flores, mas também não há só pedras. Quando nos abrimos
ao Espírito Santo e deixamos que Ele aja em nossas palavras e em nossos atos,
chegamos aos ouvidos e ao coração das pessoas e somos canais da graça de Deus. Não
desanimemos, pois “os nossos olhos estão fitos no Senhor!” (cf. Sl 122).
Por: Marcus Tullius
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