(Ano A – 22 de janeiro de 2012)
I Leitura: Jn 3,
1-5.10
Salmo Responsorial:
Sl 24(25), 4ab-5ab.6-7bc.8-9 (R/. 4a.5a)
II Leitura: 1Cor 7,
29-31
Evangelho: Mc 1,
14-20 (Inícios em Cafarnaum)
Queridos irmãos,
Neste domingo, a Liturgia da Palavra enfatiza a brevidade do
tempo. Como dizem os antigos em sua sabedoria: “Estamos aqui, nesta terra, como
que passando uma garoa, uma chuva rápida”. Olhando para trás, para nossa
história, percebemos que a nossa existência passa “em um piscar de olhos”;
assim sendo, por mais ‘maduros’ que sejamos nunca olhamos para o nosso passado
como uma época remotamente distante. Pois bem, nas três leituras proclamadas,
temos, como já dissemos outrora, um realce para a temporalidade.
Na Primeira Leitura, vemos o Senhor que envia o profeta
Jonas a caminho de Nínive para que, com um discurso eminentemente catastrófico,
trouxesse corações para Deus: “Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída”
(Jn 3, 4). Na numerologia bíblica, o número quarenta indica uma ocasião para
purificação de coração, conversão. O povo de Nínive deveria converter-se ao
Senhor, crendo Nele e fazendo reparação pelas suas faltas cometidas. Muito mais
do que jejuns, holocaustos que visassem alcançar a misericórdia de Deus, os
ninivitas deveriam mudar de vida, abandonando o seu caminho de pecado, fazendo
uma opção sincera por Deus. Logicamente, os ninivitas não deveriam tomar esta
atitude pelo temor (tampouco o Senhor se agradaria se assim o fizesse), mas ao
reconhecê-lo, crendo Nele, os ninivitas, naturalmente abandonariam os seus
crimes horrorosos, pois, numa atitude primária, creriam em Deus.
Possivelmente, muitas vezes agimos para com Deus com
atitudes comerciais de comportamento e, portanto, de vida. Temerosos pelo juízo
divino, nos sentimentos no direito de sermos levados por um falso sentimento de
coação. Muitas vezes somos observadores dos preceitos divinos pelo medo e não
pela fé. Não! Quem assim age, vive equivocadamente. O que deve motivar a pessoa
a agir de acordo com a vontade de Deus deve ser, de modo eminente, o amor que
sentimos por ele. É a nossa profissão de fé que deverá nos proporcionar um
estilo de vida e não o inverso. Se Deus se agradasse do nosso vão temor, não
seríamos livres, mas escravos, submissos a uma pseudo-divindade que,
arbitrariamente, nos oprimiria com a sua vontade.
A atitude de crer automaticamente dever-nos-á levar a uma
natural obediência, cujo termo original latino nos remete a atitude de escuta.
Somente damos ouvidos às pessoas a quem depositamos confiança. Crer, obedecer,
mudar de vida: três atitudes constantes e intermitentes que brotam de um
coração livre e, por isso, sempre inconformado com a sua condição. Por isso o
Apóstolo Pedro afirma: “Comportai-vos como homens livres, e não à maneira dos
que tomam a liberdade como véu para encobrir a malícia, mas vivendo como servos
de Deus” (1Pd 2,16). Portanto, ser servo de Deus implica em obter a liberdade e
nunca, como muitos implicam em dizer (tal como Nietzsche) que a moral cristã é
escravagista. Se assim não o fosse, não teria sentido sermos chamados da
escravidão do pecado tornando-nos livres para a vida da graça em Cristo Jesus,
Nosso Senhor.
E, por falar em tempo e chamado, temos a vocação que Jesus
faz à beira do Mar da Galileia. O Evangelho de hoje possui uma dupla cena que
nos remete a um só contexto: em um primeiro momento, vemos Jesus, após a prisão
de João Batista, percorrendo a Galileia afirmando a completude do tempo e propondo
o Reino: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos
e crede no Evangelho!” (Mc 1, 15). Qual tempo se completou? O da salvação; e,
por meio desta certeza, alcançamos o Reino, total pertença a Ele. Quem é que
nos traz a salvação? O Cristo. O tempo se completou porque ele está no meio de
nós para salvar-nos.
Como sabemos, a salvação trazida pelo Cristo é universal.
Ele faz esta proposta a todos! Cabe, por meio de uma resposta sincera, que
implica em vivência, responder-lhe. Conversão e fé; fé e conversão: uma fórmula
de vida cujos elementos se implicam sem prejuízos. Observamos que, no segundo
momento do Evangelho, Jesus passa chamando os que ele quer na orla do Mar da
Galileia. Interessante o chamado: “Segui-me e eu farei de vós pescadores de
homens” (Mc 1, 17). Este momento pode aparentar uma desconexão do primeiro
instante, mas não o é. Jesus chama os que ele quer para um seguimento iniciado
por uma opção que caracterize uma mudança de vida. E somente a partir daí é que
se faz urgente uma remetência a outrem. Para sermos mais claros, recorremos a
um dito popular: “Somente podemos dar o que temos”. Dessa forma, se eu quero
que outros percebam a chegada do Reino, devo, por primeiro, reconhecer
individualmente a sua chegada; se quero que outros se convertam e creiam no
Evangelho, esta atitude firmemente deverá ser vivida por mim. É uma vocação
pessoal que não para em mim, mas que se expande como testemunho.
Como já tivemos a oportunidade de esclarecer em outras
ocasiões, vocação é chamado. E isto é bem óbvio. Aceitamo-la ou não, conforme a
nossa vontade. Porém, mesmo não aceitando, o chamado permanece. Por isso São
Paulo afirmar: “Eras escravo, quando Deus te chamou? Não te preocupes disto.
Mesmo que possas tornar-te livre, antes cuida de aproveitar melhor o teu
chamamento. Pois o escravo, que foi chamado pelo Senhor, conquistou a liberdade
do Senhor. Da mesma forma, quem era livre por ocasião do chamado, fez-se
escravo de Cristo” (1Cor 7, 21-22). Logo, pelo chamamento do Senhor somos
livres, e este deverá imperar em anúncio para os outros. No entanto, ao tempo
em que nos tornamos livres perante Cristo e o mundo, tornamo-nos,
concomitantemente, escravos de Cristo, não com grilhões e jugos, mas com o doce
e agradável mistério de pertença a Ele.
Somos cônscios de que a vida dos primeiros chamados por
Jesus foi transformada radicalmente. Esta mudança foi perceptível de tal
maneira que outros se sentiram impelidos ao Senhor por meio de suas
existências: “E eles, deixando imediatamente as redes, seguiram a Jesus […]
Eles deixaram seu pai Zebedeu na barca com os empregados, e partiram, seguindo
Jesus” (Mc 1, 18. 20). Este deixar tudo implica muito mais do que locais de
trabalho e de convivência. Esclarece-nos, sobretudo, à certeza de que largaram,
incomodados pelo chamado do Senhor, toda a quinquilharia que os impedia de
reconhecer Deus, crer nele, e, porque O seguem, de trilhar conforme a Sua
vontade, numa vida convertida, ou pelo menos na tentativa de conversão.
A este deixar tudo também se associa a idéia de, assim como
a Simão e André, Tiago e João, devemos deixar as improváveis seguranças que o
mundo oferece à nossa vida. Neste sentido, a Segunda Leitura, também acorrendo
ao brevíssimo tempo que nos resta para abraçarmos definitivamente o Reino,
aconselha-nos a não confiarmos no mundo nem nas coisas que ele oferece “Pois a
figura deste mundo passa” (1Cor 7, 31). Com este conselho, São Paulo não
demoniza o mundo, tampouco a nossa estadia nele, mas quer nos alertar acerca da
transitoriedade de tudo quanto ele oferece. Com isso, não significa dizer que
devemos estar mergulhados em uma passividade de vida, como que embasbacados
esperando a Parusia. Muito pelo contrário! Devemos nos ater numa atividade que
nos leve a ser senhores das coisas que nos rodeiam, e não seus escravos. Os
prazeres, as decepções, as alegrias, o ter e o poder devem ser orientados para
a eternidade: “A nossa presente tribulação, momentânea e ligeira, nos
proporciona um peso eterno de glória incomensurável. Porque não miramos as
coisas que se vêem, mas sim as que não se vêem. Pois as coisas que se vêem são
temporais e as que não se vêem são eternas” (2Cor 4,17).
Então, certos de que ainda estamos em tempo hábil para uma radical
mudança de vida, ainda que este projeto exija paciência e disponibilidade, não
adiemos a nossa total adesão ao Cristo que passa, chama e anuncia:
“Convertei-vos e crede no Evangelho! O Reino está próximo. O tempo completou-se”.
Mas repletos de nobres expectativas, trilhemos neste mundo, arrastando, pelo
nosso testemunho de vida em conversão, muitos para o Senhor “assim como fostes
chamados pela vossa vocação a uma só esperança” (Ef 4,4). Sejamos, pois,
pregoeiros da conversão. Façamos de nossa vida o chamado de Cristo para outros:
“Ele fez na minha vida. Poderá também fazer na tua: ‘Converte-te e crê no
Evangelho! O Reino chegou’”.
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