(Ano B – 08 de janeiro de 2012)
I Leitura: Is 60, 1-6
Salmo Responsorial:
Sl 71 (72), 1-2. 7-8. 10-11. 12-13 (R/. cf. 11)
II Leitura: Ef 3, 2-3a.5-6
Evangelho: Mt 2, 1-12
Queridos irmãos,
Hoje, respirando o tempo litúrgico do Natal do Senhor (cujo
término se dará amanhã, com a Festa do Batismo de Jesus), a Igreja, solenemente,
celebra a manifestação de Jesus. Esta celebração (que durante muitos séculos
fora comemorada em 06 de janeiro, e ainda o é em muitos países do mundo, exceto
no Brasil, quando, por motivos pastorais, é transferida para o domingo entre 02
e 08 de janeiro) aparece inicialmente no Cristianismo – ainda no século IV – com
características mescladas da Natividade do Senhor e recordação do Batismo de
Cristo.
O termo Epifania é cunhado do grego que designa manifestação
divina. Mas, por que, em geral, celebramos a Epifania do Senhor tendo em vista
o dia 06 de janeiro? Através de uma carta de Santo Epifânio temos a notícia de
que em muitas cidades do Egito e da Arábia os pagãos celebravam uma festa em
honra de Aion, deus-sol e filho virginal da deusa Kore, e que esta festividade
gentia estava relacionada ao solstício de inverno. Com a cristianização desta
data, tanto o Oriente quanto o Ocidente solenizam a liturgia reservada para
este dia com enfoques diferentes: os cristãos ortodoxos celebram a festa da
Encarnação e Nascimento do Salvador, ou seja, celebram o Natal; os católicos
orientais acentuam o Batismo de Jesus; nós, os católicos latinos, celebramos
hoje três realidades que manifestam o Senhor: a visita dos Magos ao Menino
Jesus, o Batismo do Senhor (evento que possui uma data própria no Calendário
Litúrgico) e as Bodas de Caná. Essas três realidades vivenciadas na Solenidade
da Epifania do Senhor são ressaltadas na Antífona do Cântico Evangélico das
Laudes (“Hoje a Igreja se uniu a seu celeste Esposo, porque Cristo lavou no
Jordão o pecado; para as núpcias reais correm Magos com presentes; e os
convivas se alegram com a água feita vinho. Aleluia”), e das II Vésperas (“Recordamos
neste dia três mistérios: Hoje a estrela guia os Magos ao presépio. Hoje a água
se faz vinho para as bodas. Hoje Cristo no Jordão é batizado para salvar-nos.
Aleluia, aleluia”). É o que a Sagrada Liturgia denomina tria miracula, ou seja, os três milagres, os três sinais.
Tendo em vista a manifestação do Senhor, logicamente a
Liturgia da Palavra primará pelo fato da revelação de Cristo às nações, ou seja,
Deus que se manifestando, não somente aos judeus, mas, em Jesus, a toda humanidade,
quer salvar-nos, dando-nos o acesso ao céu. As manifestações de Jesus como Deus
Verdadeiro (as chamadas Teofanias),
é, ao mesmo tempo, conhecimento da salvação proveniente dele ao homem prostrado
pelo pecado. Daí, vermos atestada na Oração de Coleta: “Ó Deus, que hoje revelastes
o vosso Filho às nações, guiando-as pela estrela, concedei aos vossos servos e
servas que já vos conhecem pela fé, contemplar-vos um dia face a face no céu”.
Em suma, a revelação de Jesus aos diversos povos de distintos tempos sucessivos
ao evento da Encarnação é a certeza da visão beatífica (conhecimento pleno de
Deus) para os que, pela fé, já o reverenciam, adorando-o (conhecimento pela fé).
Na Primeira Leitura, temos Isaías vislumbrando o retorno dos
filhos de Israel que estavam no Exílio da Babilônia. Na releitura cristã, numa
dimensão mais ampla e profunda, vemos, com este texto, a chegada dos pagãos à
Nova Jerusalém (cf. Ap 3, 12; 21, 2), à Igreja, provenientes do exílio do
Pecado e da Morte, guiados pela luz do Senhor: “Este povo, que jazia nas
trevas, viu resplandecer uma grande luz; e surgiu uma aurora para os que jaziam
na região sombria da morte” (Is 9,1; Mt 4,16); ou, no dizer da leitura: “Levanta-te,
acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória
do Senhor. […] Levanta os olhos ao redor e vê: todos se reuniram e vieram a ti;
teus filhos vêm chegando de longe com tuas filhas, carregadas nos braços” (Is
60, 1.4). Quem proporcionou a chegada dos filhos da Nova Jerusalém, a Igreja,
senão a glória do seu Divinal Esposo e Senhor, a sua luz? Interessante notarmos
que Isaías tinha algo mais em vista do que um simples retorno dos filhos do
antigo Israel de um exílio, ainda que fosse o da Babilônia: “Pois com eles
virão as riquezas de além-mar e mostrarão o poderio de suas nações; será uma
inundação de camelos e dromedários de Madiã e Efa a te cobrir; virão todos os
de Sabá trazendo ouro e incenso e proclamando a glória do Senhor” (v. 5b e 6).
Madiã, Efa e Sabá são cidades estrangeiras que sequer ficam próximas da Babilônia.
Logo, podemos concluir que, mediante a luz do Senhor e a sua glória, a riqueza
da Igreja é os seus filhos que, espalhados pelo mundo e por diversas culturas,
se achegam ao seu seio. Nós, que estávamos sem rumo, fomos atraídos pelo Senhor
para o seu Corpo, isto é, a sua Igreja, ganhamos, um rumo o céu, a Igreja
Triunfante, a “Jerusalém do Alto” (cf. Hb 12, 22), o próprio Senhor; somos o
seu povo multíplice, mas único.
A idéia da universalidade do reinado do Senhor também nos é
apregoado pelo Salmo que, dentre tantos figurativos, nos apresenta: “De mar a
mar estenderá o seu domínio, e desde o rio aos confins de toda a terra” (Sl 71,
8).
Na Segunda Leitura, São Paulo, escrevendo aos efésios fala
de um mistério divino, antes oculto, porém, imediatamente, revelado a nós como novidade
pelo Espírito: “Os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo
corpo, são associados à mesma promessa em Jesus, por meio do Evangelho” (Ef 3,
6). Assim, se os judeus se ufanavam em ser o povo da Aliança por meio de
Moisés, o servo de Deus, nós, fomos inseridos por Jesus, Verdadeiramente Deus e
Homem, em uma Nova e Eterna Aliança. Portanto, somos membros do povo de Deus,
não como os judeus, mas pertencemos a um corpo perfeito: o de Cristo. Nossa
herança é superior a dos judeus, pois ela é o próprio Senhor que nos veio para
nos levar a si. Com esta nossa afirmação, não estamos desmentindo Paulo (Muito
pelo contrário! Quem somos nós para irmos de encontro ao Apóstolo dos Gentios?!).
Paulo quer dizer que nós, que outrora éramos pagãos, sem dignidade alguma,
fomos elevados pelo Cristo à condição de povo de Deus, povo da Aliança, membros
do Corpo de Cristo. Teologicamente, comparados ao que éramos, somos
co-herdeiros da Aliança juntamente com os judeus; todavia, se compararmos a
nossa condição atual a dos judeus, teremos a certeza de que nós temos uma
herança maior: o próprio Cristo; somos o povo da Nova e Inextinguível Aliança;
enfim, somos o povo de Deus plenamente. Ao ser derrubada a barreira que nos
separava dos nossos ‘irmãos mais velhos’, os judeus, não roubamos deles o que
são, contudo, fomos sobrelevados, superando-os.
No
Evangelho, Mateus nos apresenta a grande manifestação Jesus, ainda
recém-nascido, aos Reis-Magos e, por eles, ao mundo inteiro. A sublime
revelação de Deus não se dá na atemporalidade, tampouco na abstração e na
incorporeidade, mas se dá nas condições de corpo, espaço e tempo. Nesta
perícope, também se faz notório um forte contraste de emoções quando da
revelação plena de Deus em Jesus: a ansiedade dos Magos que se confunde, neste
mesmo trecho, com o sentimento de reverência e adoração quando do encontro com
o Menino; a inquietação de Herodes e de toda Jerusalém ao saberem do nascimento
do ‘Rei dos judeus que acabava de nascer’ (cf. Mt 2, 2). Os Magos, graças à sua
procedência, representam todos os que, outrora estavam longe de Deus, mas que,
na ‘Plenitude dos tempos’, foram atraídos pela luz do Cristo. Por tal motivo e
com toda a justeza, um dos cognomes do Cristo é “Lumen Gentium”, Luz dos Povos. Assim sendo, poderíamos dizer que os
Magos não foram atraídos pela irradiação luminosa de uma estrela, corpo
celeste, mas pela Estrela ‘Sol da Justiça’. Percebamos que nem todos viam a luz
refulgida, somente os três a viram. Por quê? Por que eles estavam abertos,
ainda que distantes de Israel, à salvação trazida por Jesus, bem como a
pertença aos seus eleitos. Eles foram conquistados pelo suave e cativante
brilho esplendoroso do Menino do Presépio, o Redentor do gênero humano. Nos
Magos, nós nos achamos representados; identificamo-nos. Os presentes deles traduzem
de modo implícito a identidade Daquele que está nos braços de Maria: o ouro, a
realeza; a mirra, perfume fúnebre, quer ressaltar que a sua morte é sinal de
vida para os homens; o incenso designa a sua divindade. Os presentes do Reis
Magos a Deus são figurativos do nosso e são englobados por ele: “Ó Deus, olhai
com bondade as oferendas da vossa Igreja, que não mais nos apresenta ouro,
incenso e mirra, mas o próprio Jesus, imolado e recebido em comunhão nos dons
que o simbolizam” (Oração sobre as oferendas). Portanto, Jesus, manifestado ao
mundo, é o presente da Igreja aos seus filhos e ao Pai, o mesmo Jesus que, na
sua infância foi presenteado e adorado com as manifestações de sua divindade,
de sua realeza e de seu sacrifício redentor.
E
nós, ao contemplarmos a misteriosa manifestação de Jesus, velado como Deus e travestido
em nossa natureza, qual o sentimento que nos brota? Estamos agindo como filhos
das trevas ou como filhos da luz? Estamos temerosos como Herodes que ojeriza a idéia
de um sucessor, há muito já esperado; ou estamos ansiosos por adorar o Salvador
de toda a humanidade como os Magos fizeram? Para muitos cristãos a idéia da
manifestação de Jesus é encarada com certa superficialidade, pois afirmam com a
boca que Jesus já veio, está entre nós e virá, porém não encarnam esta certeza
em sua vivência, sendo-lhe alheios. O mundo carece do testemunho de cristãos
que manifestem a vida do Senhor em suas vidas e não de pessoas frustradas que
traçam sobre si o sinal da cruz auto-afirmando serem seguidoras do Cristo, ao
tempo em que deixam transparecer em si as trevas do poder do pecado e da morte.
E mediante esta resposta de quem somos, seremos novamente interrogados: Como
cristãos, tomamos consciência de que éramos tolhidos como indigentes, mas que
fomos sobrelevados de maneira ímpar à condição de filhos de Deus pelo Filho, ao
se manifestar ao mundo, principalmente aos que têm um coração sensível e
ansioso para acolher o Deus Salvador?
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