sábado, 28 de janeiro de 2012

IV DOMINGO DO TEMPO COMUM

(Ano B – 29 de janeiro de 2012)
   
I Leitura: Dt 18, 15-20
Salmo Responsorial: Sl 94 (95), 1-2.6-7.8-9 (R/.8)
II Leitura: 1Cor 7,32-35
Evangelho: Mc 1,21-28 (Início do Evangelho)

Queridos irmãos,

A Liturgia da Palavra de hoje nos leva a contemplar o profetismo de Jesus. Assim sendo, muito mais do que falar em nome de Deus, Jesus, esperado no Antigo Testamento, dentre tantos atributos, como o “Profeta das Nações” (Jr 1, 5), é Deus mesmo quem fala, já que Ele é o Verbo, a Palavra encarnada.
Numa disciplina teológica chamada Cristologia, temos um capítulo bastante interessante acerca do ministério profético de Jesus: Ele, na sua condição de Deus e Homem, traz para a humanidade a Plenitude da Revelação. As atitudes de trazer e ser se confundem em uma harmonia perfeita. Ele não apenas traz a revelação, mas o é de fato, pois em Jesus “habita corporalmente toda a plenitude” (Cl 2,9) da graça e da verdade. Ele não fala da Palavra; é a Palavra. Não fala da parte de Deus, como se fosse um porta-voz divino; ele é a divindade, Deus Conosco que se comunica conosco, falando a nós.


Na Primeira Leitura, contemplamos a promessa que Moisés, como profeta, faz ao povo da parte de Deus. O povo, transeunte pelo deserto, rumo à Terra Prometida, ainda amedrontado pela teofania (manifestação de Deus) no Horeb onde o próprio Senhor entrega a Moisés as Tábuas da Lei, pede a este, que intermedeie junto a Deus, dizendo: “Eis que o Senhor, nosso Deus, nos mostrou a sua glória e a sua grandeza, e ouvimos a sua voz do seio do fogo. Hoje vimos que Deus pode falar ao homem sem que este morra. Por que, entretanto, nos exporemos à morte? Esse grande fogo nos devorará. Se continuarmos a ouvir a voz do Senhor, nosso Deus, morreremos” (Dt 5, 24-25); e, como o trecho que lemos hoje, a recordação de Moisés acerca do pedido do povo: “Não quero mais escutar a voz do Senhor meu Deus, nem ver este grande fogo, para não acabar morrendo” (Dt 18, 16).


Eis que Moisés transmite aos seus a mensagem do Senhor: “O Senhor teu Deus fará surgir para ti, da tua nação e do meio de teus irmãos, um profeta como eu: a ele deverás escutar” (Dt 18, 15). Por que Moisés afirma que o Profeta que Deus enviará será como ele mesmo? Será que não suspeitava que a mensagem do Profeta seria mais eloquente e sublime do que a sua profecia intermediária? Com certeza, Moisés sabia da magnitude da Profecia do “Esperado”, daquele que com máxima dignidade iria sucedê-lo na condução do povo de Deus, o próprio Messias, ainda que tais termos (Esperado, Messias) não sejam usados pelo Pentateuco para designar o Cristo. Moisés também era cônscio da dureza de coração dos seus e das gerações futuras, Deus já o alertara em vários momentos: “Este é um povo de cabeça dura” (Ex 32, 9; 33, 3.5; 34, 9; Dt 9, 6.13). Isto também é provado, agora no Novo Testamento, quando Jesus reprova os incrédulos: “Pois se crêsseis em Moisés, certamente creríeis em mim, porque ele escreveu a meu respeito. Mas, se não acreditais nos seus escritos, como acreditareis nas minhas palavras? (Jo 5, 46-47).


Ainda que seja proveniente, pelo menos enquanto humanidade, do meio do povo de Israel, a profecia de Jesus completa integralmente a de Moisés, e culpado será quem não lhe der ouvidos: “Farei surgir para eles, do meio dos seus irmãos, um profeta semelhante a ti. Porei em sua boca as minhas palavras e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe mandar. Eu mesmo pedirei contas a quem não escutar as minhas palavras que ele pronunciar” (Dt 18, 18-19). Assim, com palavra à nossa altura de compreensão, Jesus revela-nos os mais altos mistérios da divindade. O que antes era velado, por Ele torna-se obviamente claro à nossa humana condição. Neste processo de ‘abaixamento’ dos mistérios do Senhor, vindo na Palavra do Cristo, não temos mais o que temer.   


“Mas o profeta que tiver a ousadia de dizer em meu nome alguma coisa que não lhe mandei ou se falar em nome de outros deuses, esse profeta deverá morrer” (Dt 18, 20). Logicamente, este versículo não se refere mais a profecia de Jesus, mas a outros profetas. Quem são estes? Profetizam independentemente do Profeta Jesus? Estes somos nós. Lembremo-nos que, no Batismo, fomos ungidos sacerdotes, reis e profetas. Não independentes do Cristo (cuja tradução em grego designa ‘O Ungido’), mas por ele, participamos do seu sacerdócio, da sua realeza, bem como da sua profecia. Não que com a nossa mísera participação estes três âmbitos sejam enriquecidos no Cristo. Não! Participamos pelo beneplácito da vontade divina para levarmos adiante uma missão, tal como Jesus, porém em menor grau, já que Ele é Deus. Mas, quando é que falamos em nome de outros deuses, ou mesmo, quando é que adulteramos a Palavra de Deus? Em muitas ocasiões: seja quando adotamos o ter, o prazer e o poder como soberanos em nossa vida; seja quando anunciamos nossos caprichos e esquecemos Deus; seja quando eu ajo fora da apostolicidade da única e verdadeira Igreja de Cristo, que é a Igreja Católica Apostólica Romana, pois aqueles que assim fazem anunciam um deus ao seu modo, independendo-se da Tradição ensinada pelo Sagrado Magistério da Igreja, fora da comunhão com os Apóstolos, cujos sucessores são os bispos e o Papa, Bispo de Roma. Quem assim profetiza não o faz em nome de Deus e recebe a condenação eterna. Lembremo-nos o que diz o Senhor Jesus: “Guardai-vos dos falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores” (Mt 7,15). 


O Salmo de Resposta nos incita a agirmos diferentemente daqueles que fecharam o seu coração a Deus e não o ouviram. O Salmo chega a recordar daqueles que, no caminho do deserto, rumo à Terra Prometida, não somente fecharam o coração, não ouvindo o Senhor, como também o maldisseram em Meriba e em Massa (cf. Sl 94, 8-9).


Para facilitar a nossa reflexão, podemos dividir o Evangelho de hoje em três trechos. No primeiro, contemplamos Jesus, cumprindo o preceito mosaico acerca do sábado. Na sinagoga, Jesus ensina, exercendo, desta forma, o seu múnus profético, que ainda estava velado como tal. São Marcos precisa, comparativamente, a forma do ensino de Jesus: “ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei” (Mc 1, 22). Neste sentido, acorre-nos São Beda, o Venerável: “Os escribas ensinavam também às pessoas o que está escrito em Moisés e nos profetas. No entanto, Jesus, como Deus e Senhor do mesmo Moisés, com vontade livre, aludia à Lei o que lhe parecia faltar, ou variando-a pregava ao povo, segundo lemos em São Mateus (Mt 5, 21-44): ‘Se disse aos antigos; porém, eu vos digo’”. Auxilia-nos também a reflexão de Teofilato: “A Lei mandava celebrar o sábado reunindo-se todos para consagrar-se à leitura. Cristo ensinava argumentando, não a lisonjeando [a Lei] como os fariseus. E continua: ‘E se admiravam de sua doutrina, porque os ensinava como tendo poder, e não como os escribas’. Ensinava com poder, convertendo os homens ao bem e advertindo com penas os que não criam”.


No segundo trecho, vemos que o ensinamento de Jesus era tão potente que admirava os homens e aterrorizava os espíritos maus. Esta idéia nos remete à Primeira Leitura: se lá, no Deuteronômio, o povo não quer que Deus lhes fale diretamente por medo de morte; aqui, no Evangelho, as palavras de Jesus, Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem, são insuportáveis ao Demônio. Por isso, o Demônio, pela boca do homem possuído, diz: “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus” (Mc 1,24). Ao que Jesus, com autoridade replica: “Cala-te e sai dele!” (v. 25). O que significa esta repreensão de Jesus? É vontade de Deus estabelecer comunicação com os homens e nunca com o Diabo, porque este nunca poderá se converter, pois já fez a sua escolha imutável e a sua sentença é irrevogavelmente implacável.


No terceiro momento, vislumbramos o espanto e as indagações dos que viram aquela cena: “O que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!” (v. 27). Ora, às doces e potentes palavras de Jesus, tudo se lhe faz submisso. Cristo, ao expulsar o demônio, libertando aquele homem, traduz para os seus ouvintes que, assim como a Palavra de Deus cria tudo ex nihilo (do nada), de igual forma ela tem a força de dissipar todo poderio mortal do mal. Logo, todas as vezes que resistimos ao que as Sagradas Escrituras nos ensinam, estamos sendo aliados do Demônio e adversários de Deus. Uma reflexão: se até mesmo o Diabo reconhece o poder do Filho de Deus, por que muitos não aceitam Jesus? Ironicamente, será que pretendem ser mais hostis ao Cristo do que Satanás?


Na Segunda Leitura, São Paulo, não desfazendo da união matrimonial, aconselha que aquele que quer entregar-se inteiramente ao serviço do Senhor e da sua Igreja deve guardar o celibato, pois, em uma vida marital, agrada ao Senhor o que se entrega em doação mútua ao cônjuge, como que com um coração dividido. Interessante é notarmos que no termo latino “cælibatus” contém o prefixo “cæli”, do céu. Tal partícula nos faz remeter ao texto do Evangelho “Na ressurreição, os homens não terão mulheres nem as mulheres, maridos; mas serão como os anjos de Deus no céu” (Mt 22, 30). Portanto, alusivamente, o que guarda um estado celibatário, já expecta a vida do céu. Neste sentido, o Papa João Paulo II, na Exortação Apostólica Pós-sinodal Pastores Dabo Vobis, no número 29, escreve, ao referir-se à castidade e a virgindade: “Entre os conselhos evangélicos - diz o Concílio – ‘brilha este precioso dom da graça divina, dado pelo Pai a alguns (cf. Mt 19, 11; 1Cor 7, 7), de se dedicarem unicamente a Deus, mais facilmente e com um coração indiviso (cf. 1Cor 7, 32-34), na virgindade e no celibato. Esta continência perfeita pelo Reino dos céus foi sempre tida em grande estima pela Igreja, como sinal e incentivo da caridade e como fonte privilegiada de fecundidade espiritual no mundo’(LG 42). Na virgindade e no celibato, a castidade mantém o seu significado originário, o de uma sexualidade humana vivida como autêntica manifestação e precioso serviço ao amor de comunhão e de entrega interpessoal. Este mesmo significado subsiste plenamente na virgindade, que realiza, mesmo na renúncia ao matrimônio, o ‘significado nupcial’ do corpo mediante uma comunhão e uma entrega pessoal a Jesus Cristo e à Igreja, que prefiguram e antecipam a comunhão e entrega perfeita e definitiva do além: ‘Na virgindade o homem está inclusive corporalmente em atitude de espera das núpcias escatológicas de Cristo com a Igreja, dando-se integralmente à Igreja na esperança de que Cristo a ela se entregue na plena verdade da vida eterna’(Exort. Ap. Familiares consortio, 16).


Queridos irmãos, que, inseridos no múnus de Cristo Profeta, o Casto por excelência, “zeloso pelas coisas do Senhor” (cf. Sl 69, 10; Jo 2, 17), possamos testemunhá-lo com vigor e, trilhando o caminho da santidade, possamos agradá-lo sempre e sempre mais.

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