sábado, 15 de outubro de 2011

XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano A – 16 de outubro de 2011)




I Leitura: Is 45, 1. 4-6
Salmo Responsorial: Sl 95 (96), 1.2a. 3.4-5.7-8.8-10a e c (R/. 7ab)
II Leitura: 1 Ts 1, 1-5b
Evangelho: Mt 22, 15-21 (O que é de César e o que é de Deus)



Queridos irmãos,



Deus age na história dos homens! O Catecismo da Igreja Católica, ao se referir à onipotência de Deus, afirma: “Ele é o Senhor da história: governa os corações e os acontecimentos à vontade” (CIC 269). Assim, na Liturgia da Palavra, logo na Primeira Leitura, vemos o próprio Deus testemunhar acerca de Ciro, Rei da Pérsia, o mais novo dominador de Israel depois de Nabuconosor da Babilônia: “Tomei-o pela mão para submeter os povos ao seu domínio, dobrar o orgulho dos reis, abrir todas as portas à sua marcha, e para não deixar trancar os portões” (Is 45, 1). Ora, Ciro, sem saber, ao derrotar a Babilônia e conquistar as nações que estavam sob o jugo de Nabuconosor, estava sendo instrumento do providentíssimo Deus de Israel para a libertação (ou pelo menos afrouxamento) da escravidão do seu povo. Assim o dizemos porque foi Ciro quem determinou a volta dos antigos dominados da Babilônia para as suas respectivas terras. Logicamente, Israel estava neste meio. Por isso, o Senhor alerta as expectativas de todos sobre este monarca.


                                                     


Mas por que o Senhor tem toda esta preocupação com Israel, se este estava escravo em terra estrangeira por conta da sua desobediência e infidelidade? Deus mesmo responde: “Por causa de meu servo Jacó, e de meu eleito Israel, chamei-te pelo nome; reservei-te e não me reconheceste” (v. 4). Os méritos desta beneficência divina não são de Israel enquanto povo, mas de Jacó – que posteriormente teve o nome mudado para Israel (cf. Gn 32, 28). Já relacionada à infidelidade do povo de Israel, o Senhor reitera ao discurso, por duas vezes, a sua identidade: “Eu sou o Senhor, não há outro” (cf v. 5 e 6). Parece que Israel havia esquecido seu Deus Único que, em vários momentos de sua conturbada história, sempre estava ali, do seu lado. E, olvidando desta presença poderosíssima, começou a servir e a deleitar o seu coração em deuses inexistentes. Israel vive em um paradoxo entre lembrança e esquecimento do seu Deus.


 O Salmo também nos leva a reconhecer a unicidade do verdadeiro Deus: “Pois Deus é grande e muito digno de louvor, é mais terrível e maior que os outros deuses, porque um nada são os deuses dos pagãos” (Sl 95, 4-5 a).  


Nós não estamos muito longe desta realidade. Quando em vez, nós, escolhidos não porque merecíamos, mas pelos méritos de Cristo Jesus Nosso Senhor e, a partir dele, congregados num só povo – a Igreja, esquecemo-nos de nosso Deus e começamos a servir pseudo-deuses, conforme a nossa conveniência e a “onda do momento” (uma vida moralmente laxa, relativista, indiferente a Deus e a religião, materialmente consumista, entre outros mundanismos), tornamo-nos escravos de nossos “achismos” ao tempo em que nos tornamos submissos ao nosso vazio existencial, ao inexistente. Quem nos libertará destas mazelas senão o próprio Jesus, o verdadeiramente ungido (do hebraico: massiah, messias), o libertador autêntico? Ora, o que Deus disse de Ciro pode muito bem ser aplicado ao Cristo: foi Ele o tomado pela mão, desde toda a eternidade, em um desígnio impenetrável e insondável, para nos ‘submeter’ ao seu domínio, dobrando o orgulho do demônio, abrindo-nos as portas do seu Reino, escancarando-o para nós. O próprio Deus nos guardará, nos abrigará, tal como nos acena a Antífona de Entrada da Liturgia de hoje: “Guardai-me como a pupila dos olhos, à sombra das vossas asas abrigai-me” (Sl 16, 6). A nós, cabe estarmos dispostos ao divino serviço, de coração, como igualmente pedimos na Oração de Coleta de hoje: “Deus eterno e todo-poderoso, dai-nos a graça de estar sempre ao vosso dispor, e vos servir de todo o coração”.


Enquanto no domingo passado, Jesus, pela parábola do banquete do Reino, denunciava os sumos sacerdotes e anciãos do povo, por isso os incomodava, hoje, o Evangelho nos apresenta, conseguintemente, o plano dos fariseus e dos herodianos para deflagrarem com Jesus em algo que Ele dissesse. Ora, os fariseus sabiam, a esta altura da missão de Jesus, os prodígios que Ele havia produzido no seio popular, desde milagres e curas, até mesmo inúmeras conversões. A turba estava com Jesus e isso amofinava os fariseus e os outros sectários de Israel, porque Ele desmascarava-os constantemente, o que os deixava estarrecidos e temerosos.


É interessante a adulação com que os discípulos dos fariseus e dos herodianos se dirigem a Jesus. Começam a chamá-lo de Mestre, e continuam: “Sabemos que és verdadeiro e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não te deixas influenciar pela opinião dos outros, pois não julga um homem pelas aparências. Dize-nos, pois, o que pensas: é lícito ou não pagar imposto a César?” (Mt 22, 16). Em meio a tantas palavras enfeitadas, queriam que Jesus se colocasse contrário ou não às leis impostas pelos romanos. Percebamos qual é a palavra utilizada pelo interlocutor de Jesus: “É lícito”. Pois bem, queriam que Jesus julgasse a liceidade daquela prática. Ora, os fariseus e os romanos eram indiferentes entre si. Colocaram, argutamente, Jesus em uma bifurcação perigosa: se Jesus dissesse que era justo o pagamento do imposto, estaria comprando uma briga com o povo, sendo tido como aliado dos romanos, contrário aos seus conterrâneos, que estavam dominados pelo Império Romano; se dissesse que a prática não era legal, seria encarado como subversivo, agitador, promotor de rebelião, se colocando contra os dominadores.


                                    


Jesus, inteligentemente, percebe que os fariseus e os herodianos estavam querendo pegar-lhe em alguma palavra (v. 15) e chama-os de algo que eles já estavam se acostumando: “Hipócritas!”, ou seja, falsários (cf. Mt 23). Comentando a esta resposta esperta de Jesus, São João Crisóstomo assevera: Jesus “não lhes responde de maneira simples e pacífica, mas contesta segundo as intenções más dos que lhe indagam, porque Deus responde aos pensamentos e não às palavras” (Opus imperfectum in Matthaeum, hom. 42). Jesus apela para a sensibilidade e lógica dos seus ouvintes: Mostrai-me a moeda. De quem é esta efígie? Não é de César? Dai a ele o que lhe pertence e a Deus o que lhe é de direito! (cf. v. 19-21). Com essa resposta, Jesus quer afirmar que Deus não quer “algumas banalidades, porque devemos dar ao corpo algumas coisas – o necessário – como tributo ao César. No entanto, tudo o que está conforme com a natureza das almas, isto é, o que afeta à virtude, devemos oferecer ao Senhor” (Orígenes, homilia 21 in Matthaeum). Para Deus pouca importa o material. Mas a valoração que Ele leva em consideração é a prática de vida. Assim sendo, qual é a moeda que estamos dando ao Senhor? Qual o devido valor que estamos dando às materialidades e preocupações do mundo? O nosso coração está com quem?


Ora, Jesus não quer que vivamos alienados em meio às vicissitudes da vida, mas que não façamos dos recursos materiais galgados nesta vida a nossa meta, um deus paralelo. Devemos lembrar que estamos no mundo, mas não somos do mundo (cf. Jo 17, 13). A Oração Pós-Comunhão pedirá: “Dai-nos, ó Deus, colher os frutos da nossa participação na Eucaristia para que, auxiliados pelos bens terrenos, possamos conhecer os valores eternos”. Portanto, os bens e a justa preocupação com a materialidade devem ser meios e não os fins do agir do homem, inclusive no que se refere à relação com Deus.


Irmãos, São Paulo, na Epístola proclamada hoje, nos lembra: “Sabemos, irmãos amados por Deus, que sois do número dos escolhidos” (1Ts 1, 4). Se somos escolhidos por Deus, o Apóstolo nos convida a dar a Ele as nobres virtudes teologais por uma prática de vida: a necessidade de atuar segundo a fé, o esforçar-se na caridade e a permanência na esperança em Jesus. Esta é a quantia mínima que devemos retribuir a Deus; este é um divino sacrifício: “Mas que poderei retribuir ao Senhor por tudo o que ele me tem dado? Erguerei o cálice da salvação, invocando o nome do Senhor. Cumprirei os meus votos para com o Senhor, na presença de todo o seu povo” (Sl 115, 3-5).


Que o Espírito Santo nos auxilie a darmos constantemente, na nossa vida, o devido valor às coisas passageiras e com as preocupações mundanas. Para que, livres de todo obstáculo, possamos dar-nos ao Senhor inteiramente e sem divisas.

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