sábado, 22 de outubro de 2011

XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano A – 23 de outubro de 2011)



I Leitura: Ex 22, 20-26
Salmo Responsorial: Sl 17 (18), 2-3 a. 3bc-4. 47 e 51 ab (R/. 2)
II Leitura: 1Ts 1, 5c-10
Evangelho: Mt 22, 34-40 (O maior mandamento)


Queridos irmãos,


Qual a medida do amor? Esta pergunta pode ser o norte de nossa reflexão para este domingo. Vivemos em um mundo onde, com facilidade, ouvimos falar sobre este sentimento. Na verdade, observando, em geral, os locais em que o termo amor é utilizado (principalmente nos meios de comunicação e cultura, como a música, por exemplo), verificamos uma tendência a banalizar este nobre sentimento tão querido por Deus. Utilizamos o termo banalizar já que, não raras vezes, ao amor é dada uma conotação de um reles erotismo.


São João, em uma de suas cartas, nos afirma qual é a essência de Deus: Ele é amor! (cf. 1Jo 4, 8.16). O ato de amar a Deus já estava presente na profissão de fé do israelita, o Shemá: “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6, 4-5). Porém, a atitude de amar a Deus não se rege pela estaticidade, deve ir mais adiante, deve englobar a vida do meu irmão com os mais nobres sentimentos. Neste intuito, Jesus, no Evangelho de hoje, une à profissão do Shemá um preceito que estava como que esquecido pelos judeus, ou pelo menos por aquele interlocutor: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19, 18). Jesus os unifica fazendo deles um só preceito. É como se o Mestre dissesse ineditamente que, por ter sido “Deus o primeiro a nos amar, agora o amor já não é apenas um ‘mandamento’, mas a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro” (BENTO XVI, Deus Caritas Est, 1).




Jesus está em Jerusalém, prestes a ser preso e crucificado. E como temos acompanhado nos últimos dois domingos, vemos Jesus sendo embatido pelos saduceus, anciãos do povo, herodianos e fariseus. Jesus os incomoda e, consequentemente, eles estão atrás de um motivo para pegá-lo em algo que dissesse. Embasbaca-nos a forma estranha com que os fariseus querem deflagrar o Senhor: fazendo uma pergunta acerca da Lei. Ora, aos fariseus, grupo caracterizado pela sua ortodoxia extremada, fazer uma pergunta acerca da Lei era algo bastante suspeito. São Mateus, nesta passagem, contrariamente a de domingo passado, não entra no mérito se Jesus percebeu ou não a pergunta suspeita daquele homem que, já de início, o chama “Mestre”. Aludimos que Jesus, espertamente, se dá conta da maldade intencional daquele fariseu, no entanto deseja fazer daquela pergunta uma espécie de catequese acerca do amor a Deus e ao próximo. Meditando sobre a atitude do fariseu e fazendo uma ponte para nós, São João Crisóstomo afirma-nos: “Perguntava-lhe sobre o grande mandato quem não cumpria sequer o pequeno. Deve perguntar acerca do progresso da santidade, aquele que já vem observando algo que possa conduzir a ela” (Opus imperfectum in Matthaeum, hom. 42). Muitas vezes caímos neste risco, em nome de um pseud-amor aDeus, excluímos a caridade para com o nosso irmão. Caridade não é apenas servir o outro com a nossa materialidade, mas é ver nele aquilo que de fato ele é: “imagem e semelhança de Deus” (cf. Gn 1,26. 27; 5, 1); meu irmão.


É interessante a resposta de Jesus. Ele utiliza o verbo “amar” no futuro do indicativo. Isto acontece para esclarecer, a partir daquele fariseu, que a nossa relação para com Deus não deve basear-se no temer, mas no mais puro sentimento do coração do homem, o qual engloba em torno de si os mais nobres sentimentos produzidos no interior da criatura racional. Destarte, tiramos a conclusão de que Jesus sabia muito bem que o sentimento o qual os fariseus nutriam por Deus não era o do amor, mas partia desde o temor até o extremo da subserviência de Deus aos seus caprichos, tal como nos revela a oração do fariseu e do publicano: “Subiram dois homens ao templo para orar. Um era fariseu; o outro, publicano. O fariseu, em pé, orava no seu interior desta forma: Graças te dou, ó Deus, que não sou como os demais homens: ladrões, injustos e adúlteros; nem como o publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus lucros” (Lc 18, 10-12).


Relacionada à primeira parte do mandamento do Senhor (Amor a Deus versus outros sentimentos para com Ele) – “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento” (Mt 22, 37), São João Crisóstomo ainda nos diz: “Amarás, disse, e não temerás, porque amar é mais que temer; o temor é próprio dos servos, e amar é próprio dos filhos. O temor procede da necessidade, o amor, da liberdade; o que serve a Deus por temor, evita o castigo; é verdade, no entanto não tem a graça da santidade, já que o faz como que uma obrigação, pratica o bem por medo. Não quer o Senhor que o temam os homens de um modo servil, e como a um senhor, e sim que o ame como a um pai, já que concedeu aos homens o Espírito de adoção. Amar a Deus de todo o coração é tanto como não ter o coração inclinado para alguma coisa, e sim ao amor de Deus. Amar a Deus com toda a alma é tanto como ter um conhecimento certíssimo da verdade e estar firme na fé; portanto, uma coisa é o amor do coração e outra o amor da alma. O amor do coração é carnal em um certo sentido; em tal conceito amamos a Deus de uma maneira carnal, o que não podemos fazer sem nos abster do amor das coisas terrenas; portanto, o amor do coração se sente no coração. Porém, o amor da alma não se sente, mas se compreende, porque consiste no juízo da alma. O que crê que todo bem está em Deus, e que nada bom está fora dele, este o ama com toda a sua alma. Amar a Deus com toda a mente é tanto consagrar-lhe todos os sentidos, e aquele cujo entendimento serve a Deus, e cuja sabedoria se fixa em Deus, e cuja inteligência se ocupa das coisas de Deus, cuja memória recorda o bom, pode dizer-se que ama a Deus com toda a mente” (Opus imperfectum in Matthaeum, hom. 42).




“Amarás o próximo com a ti mesmo” (Mt 22, 39). Para uma maior consciência, somos tentados a perguntar como fizera em uma dada ocasião um doutor da Lei: “E quem é o meu próximo?” (Lc 10, 29). Vem-nos auxiliar nesta nossa resposta o Bispo de Hipona, Santo Agostinho: “Deve ter-se em conta que se há de considerar como próximo a todo homem e que, portanto, com nada se deve obrar mal. Se a chama propriamente nosso próximo aquele a quem se deve dispensar ou de quem devemos receber ofícios de caridade, se demonstra por meio deste preceito de que modo temos obrigação de amar ao próximo, e ainda compreendendo também aos santos anjos, de quem recebemos tantos ofícios de caridade, como podemos ver facilmente nas Escrituras. Assim, o mesmo Deus quis chamar-se nosso próximo, quando Nosso Senhor Jesus Cristo se nos apresenta como aquele aleijado que se encontrava meio morto e tombado no caminho” (De Doctrina Christiana 1,30). Jesus é o nosso próximo por execelência. Devemos vê-lo nos irmãos; devemos ver o irmão em Jesus (cf. Mt 25, 34-40).


É ainda neste sentido que, na Primeira Leitura, o Senhor dá ao seu povo no deserto, dentro de todo o contexto do código da Lei mosaica, as instruções acerca do amor ao próximo, principalmente aos desfavorecidos e sofredores: estrangeiros, viúvas, órfãos, pobres, desnudos... Perguntamo-nos: “Quem é o nosso próximo?!” É todo aquele que é imagem e semelhança de Deus, mas de uma forma toda especial o que assim o é na pobreza, na exclusão, na opressão. Deus ama a todos; a estes o carinho é dirigido de uma forma profunda: “Se clamar por mim, eu o ouvirei, porque sou misericordioso” (Ex 22, 26).


Irmãos, na sociedade de hoje, muitas vezes temos a tentação de pensar que o nosso próximo é apenas aquele que é desprovido da dignidade dos bens materiais. Quem assim pensa, não está de todo errado. Porém, esquecemo-nos de que o próximo está mais presente em nossa vida do que imaginávamos. Em nosso cotidiano, principalmente nas diversas agruras que nos se apresentam dentro do relacionar-se, somos obrigados a ver no rosto de cada homem e de cada mulher, independentemente de quem quer que seja, ou mesmo se porventura alguém nos tenha feito algo que nos feriu e chateou, o rosto de Deus. “Amai o vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam” (Mt 5, 44; Lc 6,27). Estes últimos também são nossos próximos.


Retornamos à primeira pergunta da nossa reflexão: Qual a medida do amor ao outro? É o amor próprio. Logo, se eu não me amo, não serei capaz de amar ao outro, abrindo-me a ele. No entanto, o amor próprio exacerbado e centralizado em mim mesmo torna-se egoísmo, mas quando ele é dividido, partilhado, torna-se expressão de Deus e nossa. Estamos cumprindo com uma atitude divina: Deus ama! Por isso é que toda a Lei e os profetas giram em torno deste duplo-único mandamento. Assim agindo, estaremos fazendo tal qual a comunidade de Tessalônica: “Vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor [...] assim vos tornastes modelo para todos os fiéis [...] vossa fé em Deus propagou-se por toda parte” (1Ts 1, 6.7.8).


Somos cônscios de que a prática do amor é exigente, e em se falando de amar ao que nos ofende e persegue esta prática é dilacerante. Na realidade, amar é uma ascese, um exercício. Só depende de nós realizá-lo. A caridade não se constitui de uma instantaneidade, mas é galgada com pequenas práticas e renúncias de nós mesmos. São Josemaría Escrivá, aconselha-nos: “Doem-te as faltas de caridade do próximo para contigo. Quanto não hão de doer a Deus as tuas faltas de caridade – de Amor – para com ele? [...] Esforça-te, se é preciso, por perdoar sempre aos que te ofendem, desde o primeiro instante, já que, por maior que seja o prejuízo ou a ofensa que te façam, mais te tem perdoado Deus a ti” (Caminho, 441; 452). O perdão é fruto do amor, já que brota deste.


Que o Coração amante de Cristo, “fornalha ardente de caridade”, nos inspire na vivência do grande amor sincero e fiel a todos. A nós que amamos a Deus, valha-nos o que afirma o Evangelista São João em sua Epístola: “Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4,20). Que nunca possamos ver o outro como inimigo; que as divisões entre nós sejam superadas; que tratemos o outro como irmão possuindo os mesmos sentimentos do Divino Mestre, lembrando sempre que o amor fraterno deve ser para o cristão um imperativo: “Amai-vos!” 

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