sábado, 8 de outubro de 2011

XXVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano A – 09 de outubro de 2011)




I Leitura: Is 25, 6-10 a
Salmo Responsorial: Sl 22 (23), 1-3 a. 3b-4.5.6 (R/. 6cd)
II Leitura: Fl 4, 12-14.19-20
Evangelho: Mt 22, 1-14 (Convite às núpcias)


Queridos irmãos,


A Sagrada Escritura nos apresenta as mais variadas imagens que aludem à realidade do “já e do ainda não” do Reino que Jesus inaugurou.


Assim sendo, já na Primeira Leitura de hoje, temos o profeta Isaías que, em uma linguagem apocalíptica, nos apresenta os sinais do Reino do Senhor. “O Senhor dos exércitos dará neste monte, para todos os povos, um banquete de ricas iguarias, regado com vinho puro, servido de pratos deliciosos e dos mais finos vinhos” (Is 25, 6). A perícope adjetiva Deus como Senhor dos Exércitos, logo, ao apresentar-nos o Senhor sob tal aspecto, o profeta idealiza um banquete comemorativo de uma vitória pós-guerra. O Texto fala de um monte. Qual seria esta elevação? O proto-Isaías refere-se ao monte Sião, elevação em que está edificada a cidade de Jerusalém, localização exata do Templo, a Casa de Deus. Ora, esta linguagem do profeta Isaías se cruza (e muito) com a trazida pelo Apocalipse de São João há quase seiscentos anos após. Jerusalém, na visão de Isaías, será revestida de júbilo, não somente para os patrícios de Israel, mas para toda a humanidade. A alegria, por sua vez, não será mínima, mas será imensa (banquete regado a vinho puro). O Profeta apresenta a Nova Jerusalém como um local livre de toda a coação, não somente para os ierosolomitanos, como para todas as nações (cf. v. 7). Esta liberdade não será apenas de um jugo opressor visível pois “o Senhor Deus eliminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces e acabará com a desonra do seu povo em toda a terra; o Senhor o disse” (v. 8). Esta não é uma palavra posta na boca de Deus, mas é garantia: Ele o prometeu. Diante deste magnânimo penhor, o povo permanece com o coração na expectativa, na certeza de que a salvação já aconteceu e já usufruem desta bonança, daí os verbos estarem no passado (cf. v. 9). O texto encerra com uma descrição belíssima de Isaías: “E a mão do Senhor repousará sobre este monte” (v. 10a). Ora, entendamos, com este último versículo, que os convidados para esta ceia de vitória e de gáudio estarão sob a proteção da sombra da mão do divinal anfitrião; Deus mesmo será, com a palma de sua mão, este abrigo.


Meus irmãos, nós somos o Novo Israel! Fomos escolhidos mediante uma luta que, de longe, já havia sido conquistada pelo Senhor: a luta contra o poderio do mal. Uma peleja desigual é certo, por isso que, antecipadamente, já se sabia de quem seria a vitória. O Senhor se presta a lutar em nosso benefício. Vence. Está tudo encerrado? Não. Ele quer nos dignificar ainda mais: não achando suficiente a nossa libertação das garras do maligno, ele nos leva à sua morada, ao lugar excelso, sobranceiro, santificado de sua eterna habitação. O Deus vitorioso nos ‘deusifica’, fazendo-nos transportar da nossa condição miserável e mortalmente humana para uma humanidade inserida na glória da imortalidade. Deus faz de nós os seus convivas, vem banquetear a todos, não apenas a uma raça primariamente seleta, como Israel se denominava. Deus está conosco! Nenhuma tristeza nos abaterá na Cidade de Deus; nunca mais o mal desonrar-nos-á, despojar-nos-á. É no Céu que haveremos de participar deste banquete regado a maravilhosas guloseimas e com os mais ilustres vinhos. É no banquete da Eucaristia eterna, cuja iniciação já se dá a partir da missa, que toda esta realidade tornar-se-á, de fato, Reino de Deus. Por isso é “já e ainda não”. O Reino já começou. E é na missa que tal verdade se estampa em nosso coração e nos remete para o infinito. É no céu, irmãos, que sentiremos plena e eternamente a mão do Senhor, pois seremos um nele. Cheios desta certeza, é que, no salmo de resposta, aclamamos com propriedade: “Na casa do Senhor habitarei eternamente” (Sl 22, 6).


A Igreja, pelo Evangelho, nos conduz pela mesma linha de reflexão. Jesus, em Jerusalém, parabolicamente, fala sobre a realidade do Reino para os sumos sacerdotes e anciãos do povo. Igualmente a Isaías, o Senhor analogicamente compara o Reino a uma festa. O Rei (Deus Pai) envia os empregados (profetas) para chamar os convidados (humanidade em geral) que, por sua vez, se esquivam do convite generosamente feito para as núpcias do seu Filho (inauguração do Reino). O convite não foi esquecido pelo anfitrião; foi feito por mais de uma vez de maneira muito eloquente e com largueza: “Já preparei o banquete, os bois e animais cevados já foram abatidos e tudo está pronto. Vinde para a festa!” (Mt 22, 4). Jesus, não comedido, explicita-nos as atitudes dos que haviam sido convidados: “Mas os convidados não deram a menor atenção: um foi para o seu campo, outro para os seus negócios, outros agarraram os empregados, bateram neles e os mataram” (v. 5-6). Quem é representado nesses personagens? Ora, historicamente, os que fizeram pouco caso do invitatório do Senhor são os povos das nações pagãs que, trancadas em seus costumes, sequer ouviram aquele convite, não por culpa dos emissários, mas por estarem atarefados com interesses outros (comércio, culturas, etc.); já os mais violentos, podemos identificá-los com os judeus antigos, principalmente aqueles que estavam a escuta de Jesus naquele momento, ou seja, os sumos sacerdotes e anciãos do povo que, não assassinaram somente os enviados menores do rei, como chegaram a matar o próprio Cristo, o ungido, o enviado por excelência.


A atitude do rei não poderia ser diferente. Percebamos que ele não quer a justificação daqueles que, indiferentemente ao convite, foram pacificamente cuidar dos seus próprios interesses. Não! A ira do rei se inflama contra os que assassinaram os seus comissários. E qual foi a sentença? “Matar aqueles assassinos e incendiar a cidade deles” (v. 7), ou seja, romper todos os laços com aqueles malfeitores. O bonito em meio a esta tragédia é que o rei não suspende a festa. Pouco ou nada importa. Pelo contrário, quer que as núpcias de seu Filho aconteçam e, para isso, alarga imensamente o convite: “A festa de casamento está pronta, mas os convidados não foram dignos dela. Portanto, ide até as encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes”. Irmãos, nós fomos encontrados; nós fomos convidados! Somos felizardos: “Felizes os convidados para o banquete nupcial do Cordeiro”, tal como a Igreja-noiva afirma antes de alimentar os seus filhos com a Sagrada Comunhão do Corpo e do Sangue do Cordeiro, o Noivo das bodas eternas. Este casamento é a união do Senhor Jesus Cristo com a sua Igreja. Nós, transeuntes neste mundo, fomos convidados para este festim iniciado aqui, continuado na glória. Maus e bons fomos alcançados pelo chamado dos novos empregados do Senhor (Apóstolos e pregadores), a todos, equitativamente, o convite para sermos dignos da festa do Senhor é dirigido. Cabe-nos, portanto, prepararmo-nos para este evento sublimíssimo. “E a sala da festa ficou cheia” (v. 10). Mas que sala é esta senão a Igreja, multidão dos chamados?


O rei não é indiferente à festa. Aparece para ver os convidados. Os convidados veem o rei face a face. Prestemos atenção ao verbo ‘ver’. Ele quer designar a distinção do Senhor para conosco: Ele nos ama; Ele virá nos ver na parusia. Cabe-nos estar preparados para não acontecer como o personagem convidado para a festa e que se trajou de qualquer jeito. E quais são os trajes aqui representados? São as vestes dos mais fétidos sentimentos ‘a-cristãos’ que vão encontrando lugar em nosso coração: imoralidade, corrupção, falsidade para com Deus, tibieza..., enfim tantas vestes desajeitadas que tentam, em vão, macular a festa. Percebamos que a este subversivo a pena não é branda, a ele que esnobou a indagação do rei: “‘Amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?’ Mas o homem nada respondeu. Então o rei disse aos que serviam: ‘Amarrai os pés e as mãos desse homem e jogai-o fora, na escuridão! Aí haverá choro e ranger de dentes’” (v. 12-13). Observemos com atenção esta fala do rei: ele ao se referir ao homem usa o pronome demonstrativo desse, logo, entendemos que o rei se afasta do homem descaracterizado. Este afastar-se nos faz lembrar o capítulo 25 de Mateus, versículos 41 e 46: “Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos. [...] E estes irão para o castigo eterno, e os justos, para a vida eterna”. E é justamente no inferno, o lugar onde eternamente há choro e ranger de dentes, que rumaremos se não estivermos aptos para o Reino do Senhor. Mas pode um cristão ir para o inferno? Claro que sim. Lembremo-nos que para o banquete foram chamados todos, maus e bons. A todos é dirigido o convite de despojar-se das vestes imundas de transeuntes e revestir-se do traje de gala do compromisso com o dono da festa, ou seja, o próprio Deus. E o que é o inferno senão a distância eterna de Deus, fruto da opção feita pelo indivíduo?



Jesus conclui o Evangelho de hoje com uma afirmação forte: “Porque muitos são chamados, e poucos são escolhidos” (v. 14). Verifiquemos que o convite para o Reino é universal; os escolhidos são os que deixaram seus afazeres, as suas trilhas pelas encruzilhadas do mundo, e se fizeram solícitos ao plano do rei.


A festa já iniciou, irmãos! Este culto eucarístico é o culto já do Céu. Por isso, a Igreja rezará na oratio super oblata de hoje: “Acolhei, ó Deus, com estas oferendas, as preces dos vossos fiéis, para que o nosso culto filial nos leve à glória do céu”; ou ainda como na oratio post-communio: “Ó Deus todo-poderoso, nós vos pedimos humildemente que, alimentado-nos com o Corpo e Sangue de Cristo, possamos participar da vossa vida”. Onde está a vida de Deus senão Nele mesmo, a fonte da vida? Para ele, para o seu convívio, para o seu Reino, nós rumamos. E, quando lá chegarmos, teremos a mesma certeza de São João, ressaltada na liturgia de hoje na antífona da comunhão: “Quando Cristo aparecer, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é” (1Jo 3, 2). Cristo aparecerá como Rei triunfante na parusia, arrebatando-nos para o seu Reino.




A vivência que nos rumará para o banquete eterno do Senhor não é uma jornada fácil. Somos necessitados de ajuda mútua, principalmente da Graça que vem do Alto. Neste sentido, São Paulo, na Segunda Leitura nos diz: “Eu aprendi o segredo de viver em toda e qualquer situação, estando farto ou passando fome, tendo de sobra ou sofrendo necessidade. Tudo posso naquele que dá força” (Fl 4, 12). Em um primeiro momento, Paulo, no cárcere, se refere às privações materiais as quais de vez em quando passava. Mas não somente isso. Acreditamos que o Apóstolo dos Gentios também se referia, inclusive, às privações do espírito que se abatiam sobre ele. Interessante notarmos a sua confiança na Divina Providência, chegando a alentar os filipenses nesta mesma crença: “O meu Deus proverá esplendidamente com sua riqueza a todas as vossas necessidades em Cristo Jesus” (v. 19).


Que em meio às cruzes, trabalho e decepções da vida, nunca nos esquivemos do convite do Senhor: “Vinde para a festa!”, bem como nunca deixemos esquecer-nos de preparar a nossa veste interior dos santos costumes, bem necessário para uma permanência menos indigna nas bodas do Cordeiro. Que nós, a exemplo de tantos homem e mulheres que na vida testemunharam o Cristo, possamos, sobreviventes a grande tribulação do mundo “lavar e alvejar as nossas vestes” (Ap 7, 14) para este festim real. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário