sábado, 3 de setembro de 2011

XXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano A – 04 de setembro de 2011)






I Leitura: Ez 33, 7-9
Salmo Responsorial: Sl 94 (95), 1-2. 6-7. 8-9 (R/. 8)
II Leitura: Rm 13, 8-10
Evangelho: Mt 18, 15-20 (Entre irmãos)



Queridos irmãos,

           

Na atualidade, muitos são os desafios no relacionamento entre as pessoas. Dentre as dificuldades, percebemos que estamos imersos no subjetivismo e de uma pseudo-autonomia, onde um sentimento de uma falsa liberdade escancara a irresponsabilidade e a imprudência da vida de muitos que não seguem os parâmetros dados por Jesus no Evangelho. Ou ainda, baseamos a nossa obrigação de ser irmãos em Cristo nas picuinhas que nos atrapalham na vivência do amor a Deus nos irmãos. Devemos ser cônscios de que o cristão não é promotor da cizânia e do ódio, mas da compreensão e da misericórdia, porém sem nunca esquecer de que é testemunha da Verdade, do próprio Cristo. A “caridade na verdade” deve conduzir-nos no trato com o outro, tendo sempre como exemplo a atitude de Jesus Crucificado: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34).

O Evangelho de hoje dá sequência a um texto bastante expressivo: ao texto da Parábola da Ovelha Perdida: “Que vos parece? Um homem possui cem ovelhas: uma delas se desgarra. Não deixa ele as noventa e nove na montanha, para ir buscar aquela que se desgarrou? E se a encontra, sente mais júbilo do que pelas noventa e nove que não se desgarraram. Assim é a vontade de vosso Pai celeste, que não se perca um só destes pequeninos” (Mt 18, 12-14). Ora, Jesus figura o Pai como um pastor, o qual nunca se compraz em ver a danação de sua ovelha. Uma imagem pedagógica muito bonita e justa. Em suma, Deus cuida de todos. Esta não é uma novidade nas linhas da Escritura. Por exemplo, no livro de Isaías temos uma passagem que vai neste viés figurativo: “Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, eu não te esqueceria nunca” (Is 49, 15).


Conseguintemente a esta parábola, no Evangelho de hoje, Jesus interpela os seus discípulos acerca da responsabilidade que cada um deve ter pelos outros. Percebamos que Jesus, no sermão das noventa e nove ovelhas, adjetiva os interessados da preocupação de Deus de pequeninos. Esta nomenclatura é bastante marcante neste capítulo dezoito de Mateus, cujo início remonta ao trecho da inquietação dos discípulos em saber qual é o maior do Reino dos Céus, ao que Jesus diz: “Quem se faz pequeno como esta criança, esse será o maior no Reino dos Céus” (v. 4). Pequenino torna-se sinônimo de Cristo: “Quem acolher em meu nome uma criança como esta, estará acolhendo a mim mesmo” (v. 5). Pequenino é sinônimo de irmão. Um discípulo de Jesus nunca deve ser escândalo para os outros. Entadamos o termo escândalo no seu sentido originário de pedra de tropeço, obstáculo, armadilha (em grego, skandalon). No Evangelho de hoje, Jesus coaduna à função do Pai a nossa atitude de seguidores seus. Assim, como o Pai não quer perder nenhuma de suas ovelhas, nós não devemos querer a danação de nosso irmão. Esta é uma nova lógica: a do perdão e reconciliação!


Destarte, Jesus inicia dizendo: “Se teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo em particular, a sós contigo!” (v. 15). Não é apenas “se pecares contra o teu irmão...”, é uma atitude mais radical “Se teu irmão pecar contra ti...”. A exigência para o cristão inicia a partir de uma ação passiva, não bastando aí, mas que rume a uma atividade, um envio: “vai”. O cristão nunca deve obstinar-se na ofensa sofrida, reage heroicamente, perdoa, corrige. Com isso, Jesus quer dizer que o perdão não é um simples esquecimento do mal sofrido, mas uma construção didática, baseada no diálogo sincero e caridoso com o ofensor. Neste sentido, o Senhor, na Primeira Leitura, falando a Ezequiel, adverte-nos: “Se eu disser ao ímpio que ele vai morrer, e tu não lhe falares, advertindo-o a respeito de sua conduta, o ímpio vai morrer por tua própria culpa, mas eu te pedirei contas da sua morte” (Ez 33, 8). Como cristãos, nunca devemos estar alheios acerca de nosso papel para com o outro. Devemos ser para ele sinal de salvação: “Mas, se advertires o ímpio a respeito de sua conduta, para que se arrependa, e ele não se arrepender, o ímpio morrerá por própria culpa, porém, tu salvarás tua vida” (Ez 33, 9). Ainda que o outro não nos escute, mas devemos tentar salvar a vida do pecador. Ainda que ele não escute a ninguém, nem mesmo a Deus, devemos fazer o nosso papel de sentinelas tal como o profeta apresentado pela Primeira Leitura.


O grande São Josemaría Escrivá afirma: “Sabes que certa pessoa está em perigo para a sua alma? – De longe, com tua vida de união, podes ser para ela uma ajuda eficaz. – Então vamos lá! E não te intranquilizes. Essa preocupação que sentes pelos teus irmãos parece-me bem; é prova da vossa mútua caridade. – Procura, no entanto, que as tuas preocupações não degenerem em inquietação” (O Caminho, 464-465). O que seria esta inquietação? Poderíamos elencá-las com diversas denominações: soberba, fofoca, vaidade, presunção... Quando o cristão passa a se importar com a vida do outro através de algum destes elementos, estará estampada no seu rosto a falta de caridade. Santo Agostinho afirma: “O Senhor nos adverte que não devemos desprezar nossos pecados, nem buscar o que devemos repreender, e sim o que devemos corrigir. Devemos corrigir com amor, não com o desejo de fazer dano, mas com a intenção de corrigir; se não o fazeis assim, fazeis piores do que o que peca. Este comete uma injúria e cometendo-la se fere a si mesmo com uma ferida profunda. Vós desprezais a ferida de vosso irmão, pois vosso silêncio é pior que o seu ultraje” (Sermões 82, 1, 4).  Todos nós, discípulos hodiernos do Mestre, devemos ter como divisa no relacionamento para com o próximo o que já avisara Jesus: “Digo-vos que assim haverá maior júbilo no céu por um só pecador que fizer penitência do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento” (Lc 15,7). A caridade leva-nos a uma humildade ativa para com Deus e com os irmãos, ruma-nos à condescendência para com os pequenos.


Jesus continua: “Se nem mesmo a Igreja ele ouvir, seja tratado como se fosse um pagão ou um pecador público”. Observemos que a condenação do irmão não deve ser uma imposição de nossa parte, mas uma auto-exclusão que o pecador procura para si. Não fomos constituídos juízes de ninguém. Logo, nunca nos fechamos a ele, mas é ele que se afasta de nós, automaticamente. Porém, mesmo com este afastar-se do pecador, o perdão nunca lhe deve ser negado. O imperativo “perdoarás setenta vezes sete” (cf. Mt 18, 22) deve ser uma prática perpétua do cristão. A Igreja bem entende tal atitude por ser “despenseira do perdão”, por isto o Sacramento da Reconciliação, da Confissão. Por tal motivo, ela sempre apregoa a conversão constante e sincera de vida. Este é o plano do Cristo querer ver em uma grei, um povo inteiramente convertido. A ela como profetisa do Senhor chama, corrige, perdoa o pecador, inserindo-o numa condição de santidade. Por isso, o Senhor a faculta o poder de perdoar pecados ou de retê-los (cf. Mt 18, 18; Jo 20, 23). No entanto, ela não o faz a seu bel-prazer, mas conforme o coração dos que procuram o Senhor arrependidos de todo mal praticado, seja contra Deus seja com os outros.




São Paulo, na Segunda Leitura afirma duplamente: “O amor [quem ama o próximo] é [está] cumprimento da lei” (Rm 13, 8. 10). O amor edifica a unidade. Só verdadeiramente corrige quem ama, e o faz para ganhar o irmão, para celebrar a unidade. O amor não é apenas cumprimento de uma lei positiva, mas é uma oração, uma petição. Só perdoa quem ama. E desta forma, à medida do perdão para com o próximo é que seremos perdoados por Deus. O maior cumprimento da Lei “Amar a Deus e ao próximo” (cf. Mt 22, 35-40) é celebrar a presença de Deus - “Pois, onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí, no meio deles” (Mt 18, 20). Nunca devemos nos fechar a voz de Deus, como nos aconselha o Salmo no seu refrão: “Não fecheis o coração, ouvi, hoje, a voz de Deus” (Sl 94, 8). E qual é a voz de Deus para nós hoje? A salvação do próximo, do pequenino, do irmão. Se assim procurarmos agir, estaremos cantando a justiça do Senhor com a nossa vida, tal como nos inspira a Antífona de Entrada deste Domingo: “Vós sois justo, Senhor, e justa é a vossa sentença; tratai vosso servo conforme a vossa misericórdia” (Sl 118, 137. 124). Percebamos o que estamos pedindo: “Conforme a vossa misericórdia” e não conforme a vossa ira, pois “a misericórdia triunfa do juízo” (Tg 2, 13).


Que a reconciliação trazida pelo Cristo ao mundo inspire os nossos relacionamentos reforçando em nós os laços de amizade (cf. Eucologia sobre as oferendas), de fraternidade e não de divisão, contenda e de escândalo. 

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