sábado, 17 de setembro de 2011

XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM


(Ano A – 18 de setembro de 2011)







I Leitura: Is 55, 6-9
Salmo Responsorial: Sl 144 (145), 2-3.8-9.17-18 (R/. 18a)
II Leitura: Fl 1, 20c-24.27a
Evangelho: Mt 20, 1-16a (Operários da vinha)

Queridos irmãos,

Nós, cristãos, temos o bendito costume de afirmar: “Deus tem os seus desígnios!” Todos somos conscientes de que Ele sabe o que faz. Ao mergulhar nesta santa ventura chamada seguimento, nos é outorgado o direito de, extasiados, nos calarmos diante dos imperscrutáveis mistérios de Deus. Por isso, fazemos questão de repetir: “Deus sabe o que faz!”


O Catecismo da Igreja Católica, ao tratar sobre a providência e o mal, afirma: “Deus, em sua providência todo-poderosa, pode extrair um bem das consequencias de um mal” (CIC, 312). Mas, por que estamos iniciando a nossa meditação com esta ideia aparentemente desconexa com a Liturgia da Palavra deste Domingo? Porque o Senhor nos conhece inteiramente, inclusive quais as nossas limitações e deficiências. Não porque estas imperfeições sejam obras de suas mãos. Não elas não o são! Ele nos conhece, nos ama e nos chama. Com nossos defeitos, com as nossas infidelidades, Ele nos chama… Para que? Para estarmos com Ele, mesmo com muita gente mais capacitada e mais santa do que nós. Em sua providência, o Senhor nos quer. Ao atendê-lo, Ele nos capacita, nos forma, nos molda. Atendendo-o adentramos na escola de conversão, de volta para Ele. Só com esta pedagogia paulatina, somos denominados “operários de sua vinha”. Deus pode extrair um bem do mal. Só ele possui esta capacidade. Da nossa lama miserável, Ele nos tirou. Para que? Para sermos dele; para servi-lo, trabalhando na sua vinha, no seu Reino.


Particularmente, sempre que escuto esta parábola que Jesus nos traz no Evangelho de hoje, lembro-me das primeiras palavras do Sumo Pontífice Bento XVI quando da sua eleição papal: “Depois do grande Papa João Paulo II, os senhores cardeais elegeram a mim, um simples humilde trabalhador na vinha do Senhor. Consola-me o fato de que o Senhor sabe trabalhar e atuar com instrumentos insuficientes”. Sim, o Senhor nos chamou. Não obstante a nossa miserável condição, Ele quer fazer de nós instrumentos da sua vinha, do seu Reino. Ele, como ninguém, sabe “trabalhar e atuar com instrumentos insuficientes”. Nesta certeza, não adianta nos sentirmos menosprezados ou vangloriados por conta da hora a qual se deu o nosso chamamento. Ele nos quis! Se comparados aos Doze, somos discípulos da última hora. Porém, isto não nos impede de pensar acerca do nosso contributo pequeno e importante para o vinhedo do Senhor chamado Reino.


O Senhor, que nos chama para a sua vinha, é introduzido pelo Evangelho como um patrão que, saindo de casa pela madrugada, às nove horas, ao meio-dia, às três e às cinco horas, pretende contratar trabalhadores para as suas terras ao preço de uma moeda por dia, sem levar em consideração pré-requisito algum. Poderíamos pensar, tal como o Cardeal Van Thuan, acerca da medida estranha que este homem utilizou para pagar aos seus lavradores, não pensou nem na produção de cada um nem mediu pela quantidade de tempo o trabalho de cada operário: o que ele levou em consideração? Claro que o cardeal vietnamita tinha em mente, assim como nós o temos, que este patrão é Deus que, em sua generosidade, retribui aos que chama. Por isso, Santa Catarina de Sena nos afirma: “A cada um será dado o preço segundo a medida do amor e não segundo a operação nem a medida do tempo; isto é que aquele que vem pelo tempo tenha mais do que aquele que vem tarde. Sim, como se contém no Santo Evangelho, colocando-vos a minha Verdade o exemplo daqueles que estavam ociosos e foram lavradores do Senhor a trabalhar em sua vinha. E tanto deu àqueles que foram contratados desde a aurora quanto aqueles da prima, e tanto aqueles da sexta e aqueles que foram contratados a terça e a nona e as vésperas quanto aqueles da prima, mostrando-vos a minha Verdade que vós sereis remunerados, não segundo o tempo nem obra, mas segundo a medida do amor (Diálogo, 165).




Quantas vezes estamos desocupados, inertes na ação da lavoura divina? Isso, para não dizer muito ocupados em nada fazer (2Ts 3, 12) nas praças da vida. Ele nos vem e nos invita: “Ide também vós para a minha vida! E eu vos pagarei o que for justo” (Mt 20, 4). E qual será o nosso justo pagamento? A resposta é simples: a mesma recompensa dada a quem primariamente foi chamado. É claro que esta moeda de prata é simbólica. Receberemos o valioso céu. Lembremo-nos da pergunta de São Pedro a Jesus: “Eis que deixamos tudo e te seguimos. O que haveremos de ganhar?” Ao que Jesus responde: “Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, com perseguições e no século vindouro a vida eterna. Muitos dos primeiros serão os últimos, e dos últimos serão os primeiros” (Mc 10, 28-31). Não receberemos o céu como um direito, aliás quem somos nós para tal pretensão? Mas em sua bondade, a nós, que nada merecemos, já que Ele nos deu tudo, nos dá tão imensa recompensa: o denário do céu. Para nós, deverá ser uma imensa honra trabalhar em tal ocupação, mesmo com os desafios e perseguições.

Como é que atenderemos ao seu invitatório? Primeiramente, através uma atitude de busca pelo Senhor. Neste sentido, Isaías aconselha-nos na Primeira Leitura: “Buscai o Senhor, enquanto pode ser achado; invocai-o, enquanto ele está perto” (55, 6). E como nos achegaremos a Ele? Por meio de uma conversão interior: “Abandone o ímpio o seu caminho, e o homem injusto, suas maquinações; volte para o Senhor, que terá piedade dele, volte para o nosso Deus, que é generoso no perdão” (v. 7). Deus passa pelas praças do nosso mundo de pecado. “A praça é tudo o que está fora da vinha, isto é, da Igreja de Cristo” (Orígenes, Homilia 10 in Matthaeum). Vê-nos à mercê de uma vida fútil e desocupada. Faz-nos um sério e empenhativo convite: “Ide também vós para a minha vida” (Mt 20, 7). Para quem é sensível ao chamado, o chamamento é sedutor e irrecusável. Em que praça de nossa vida estamos? Já escutamos o apelo de Deus, apelo que principia com uma atitude de conversão interior? Quantos, mais pecadores do que nós, suscetíveis à voz do Senhor, largaram as luzes incandescentes, o movimento fustigante, o som alienante e ensurdecedor das praças do mundo e abraçaram a vinha do Senhor, empregando todas as suas energias neste valoroso intento, encontrando-se a si mesmos? Pensemos em alguns santos da nossa Igreja, inclusive, São Francisco de Assis, Santo Agostinho, São Cipriano...



Esta atitude não é fácil. É complicado deixarmos as praças do mundo. Infelizmente, muitos de nós criamos raízes nela. O Senhor é exigente: quer que não tenhamos outra ocupação senão a vinha do Reino, o que implica uma aplicação inteira de uma vida devota. Meus irmãos, quando esta ação é tomada devidamente por nós, os chamados por Ele na undécima hora, principalmente se os veteranos da vinha já nos conheciam da praça e nós, por nossa vez, tardarmos no ofuscamento em que a praça nos promove, somos, muitas vezes, tratados com preconceito e indiferença por aqueles. Prova disso, temos a implicância dos judeus-cristãos da época dos primeiros séculos. Eles achavam inconcebível a mudança radical de vida que os pagãos estavam passando ao abraçarem a fé no único Deus. Jesus, ao dizer esta parábola, já quer atentar para este perigo que embute em si a pretensão de pensar que aos neo-convertidos será concedida uma recompensa inferior se comparada a que está reservada para os que foram chamados por primeiro. Meus irmãos, nós, os quais muitas vezes nos sentimos ‘vétero-convertidos’, devemos ser cônscios da justiça do Senhor: “Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos. [...] Estão meus caminhos tão acima dos vossos caminhos e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos, quanto está o céu acima da terra” (Is 55, 8-9). Se estivermos incomodados com esta prática igualitária do Senhor, o próprio Jesus nos dirá: “Amigo, eu não fui injusto contigo. Não combinamos uma moeda de prata? Toma o que é teu e volta para casa! Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja, porque estou sendo bom?” (Mt 20, 13-15).


Na Igreja de Jesus existe lugar para todos, veteranos e recém-adventícios! “Conseqüentemente, já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus” (Ef 2, 19-20). Esta vinha é imensa e habita em um terreno íngreme, não muito fértil, por isso, difícil: o mundo. Ao tomarmos consciência do desafio da nossa missão, veremos que não estaremos sós: “Em nenhum tempo tem o Senhor deixado de mandar pregadores como trabalhadores que enviava para cultivar a sua vinha a fim de que instruíssem a seu povo. Porque Ele tem trabalhado no cultivo de sua vinha, primeiramente pelos patriarcas, depois pelos doutores da Lei e os profetas e ultimamente pelos apóstolos, como seus operários. Pode-se dizer que todo homem que trabalha com reta intenção é, de alguma maneira e em certa medida, um trabalhador de sua vinha” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 19,1).




São Paulo, na Segunda Leitura de hoje, nos faz uma proposta: a de manifestarmos Cristo Jesus em nós, em nossa carne, em nossa existência, naquilo que fazemos cotidianamente. Isto também é trabalhar na vinha do Senhor. Embora, nada deva atrair o cristão neste mundo, já que estamos com o olhar voltado para o céu (“Para mim o viver é Cristo e o viver é lucro”- Fl 1, 21), não devemos ficar isentos de propagá-lo em nossas plagas. Com o nosso proceder, somos também a voz do Senhor que convida os desocupados das praças: “Ide também vós para a minha vinha!”. Se assim o fizermos, teremos as certezas de Paulo: “o viver na carne significa que o meu trabalho está sendo frutuoso” (Fl 1, 22); Cristo está sendo glorificado no meu corpo, seja pela minha vida, seja pela morte (cf. Fl 1, 20). Façamos um exercício: se morressêmos hoje, nós que somos lavradores da Vinha do Senhor, e, no céu, tivéssemos que apresentar um relatório da nossa vida e missão de operários, o que entregaríamos? Por isso, é salutar seguirmos o imperativo do Apóstolo: “Só uma coisa importa: vivei à altura do Evangelho de Cristo” (cf. v 27). Se assim procedermos, teremos produzido um grande serviço na Vinha, uma grande manifestação de Jesus em nós.

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